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Senex negativo e uma solução renascentista - James Hillman

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Senex negativo e uma solução renascentista 
James Hillman 
Tradução: Daniel Françoli Yago 
 
Homens perecem porque não conseguem conectar o começo ao fim. 
-Alcmeão de Crotona 
 
No capítulo anterior, aprendemos dois pontos essenciais da consciência senex. Primeiro, há uma 
“tensão excessiva” derivada de um “excesso de pneuma”, descrição essa que remonta ao 
Problemata de Aristóteles1. Essa característica básica é também referida como uma 
“irritabilidade exagerada dos poderes imaginativos”. Em outras palavras, o senex é 
particularmente suscetível aos efeitos das imagens mentais que elabora, e sofre de uma maneira 
“pneumática”, isto é, de forma mental, intelectual, espiritual. Segundo, a “tensão excessiva” 
também se refere à dualidade extrema desta particular figura. 
 Muitos deuses gregos possuem dualidades. Eles tanto castigam quanto abençoam, 
tanto destroem quanto auxiliam. Nenhum deles, contudo, apresenta uma dualidade tão 
flagrante quanto Cronos. Sua natureza é dual não somente no que diz respeito a seus efeitos no 
mundo exterior dos eventos, mas igualmente em seu próprio destino pessoal – a tensão 
excessiva de seu sofrimento, nossa melancolia. Porque a dualidade é tão acentuadamente 
marcada em Cronos, ele bem poderia ser considerado o Deus das Oposições2. 
 Em descrições da figura senex, repetidamente encontramos aspectos antitéticos 
contrastados pelas palavras positivo e negativo, beneficente e malevolente. Quando ele se 
revela, também o problema dos opostos se revela; quando os opostos surgem enquanto 
problema, assim o faz a consciência senex. 
 Jung reconheceu e nos alertou acerca da inerente dualidade do senex: 
... Sempre que o “humilde” e “gentil” velho aparece, é recomendável, por razões 
heurísticas, escrutinar seu contexto com algum cuidado... O velho também possui um 
 
1 R. Klibansli, E. Panofsky, F. Saxl, Saturn and Melancholy (London Warburg Institute/Nelson, 1964), 33-36 
e notas. O Problemata está incluído no segundo volume da tradução revisada de Oxford de The Complete 
Works of Aristotle. 
2 Saturn and Melancholy, 134-35; ver também a oração de Agrippa de Nettesheim em que Saturno é 
invocado “por uma série de antíteses mais numerosa do que qualquer outra coisa já escrita”, 354. 
lado perverso, assim como o médico primitivo é um curador e um auxiliador tanto 
quando um temido produtor de venenos. A própria palavra pharmakon significa 
“veneno” e “antídoto”...3 
 
Com essa definição de dualidade em mente, voltemos para as questões da negatividade senex. 
 
I. Destrutividade senex 
 
Virada de mentalidade para melancolia e frequente loucura e extravagância no Turno da Vida – o topo 
da Colina – dos 35 a 40 anos – diferente para cada homem. 
- Samuel T. Coleridge 
 
Se a dualidade está tão enredada nessa estrutura, como poderíamos saber a forma com que ela 
se enodará em nossas vidas? Haveria uma linha de fuga para ela? O que realmente seria mais 
destrutivo – ser o executor ou o executado; ser a temida e melancólica ausência de voz fitando 
o espaço ou um rei em seu trono terminal, atordoado e de punhos cerrados? As imagens não 
são alegres. Elas não constam em meio àquelas descritas pelos Pais Fundadores da busca pela 
felicidade. (Mas esses pais possuíam uma fantasia puer – vida, liberdade, uma declaração de 
independência do Velho Rei). Haveria uma alternativa à convenção saturnina, de forma a não 
sermos devorados pelo complexo do senex? 
 A identificação com o senex ocorre sutilmente; aprendemos suas regras lentamente. É 
uma doença crônica, que rasteja sobre nós sem ser notada. Parecemos reconhecer a perda de 
nossa juventude primeiramente em nossa carne e lutar contra o senex no corpo. Mas o enrugar 
(o enegrescer) da mente é célere e frequentemente precede em anos o envelhecimento factual. 
O filho da imaginação pode morrer muito antes de o envelhecimento do corpo começar. Como 
mudar o velho rei de meus hábitos e atitudes? Como eu poderia tornar tudo o que aprendi e 
tudo o que hoje sei em caridosa sabedoria? Como admitir o novo e seus erros, desordem e 
ausência de sentido dentro de meus limites? Como eu poderia morrer corretamente? A maneira 
pela qual voltamo-nos sobre essas questões em nós mesmos afeta a transição da história. Somos 
 
3 CW 9.1: 414. 
todos contrapesos na escala da história, como disse Jung. Talvez nosso peso psíquico aumente 
nessas escalas à medida que fantasiemos sobre o mais pesado de todos os fardos, o senex. 
 Ao restringirmos tais questões a nós mesmos, aliviamos a história do fardo de carregá-
las para nós. Afinal, o problema do envelhecimento começa na psique. Ela emana do individual 
para a civilização, destrutiva como radiação, uma queda livre à sociedade dos complexos que 
não conseguimos encerrar. A poluição começa das porções não digeridas de nossa história 
pessoal que lançamos sobre o corpo político. A história do externo está carregada das ganâncias, 
paixões e arrependimentos com as quais não chegamos a um acordo em nós mesmos. Se nos 
recusamos a admitir que urgências por suicídio e desintegração são igualmente básicas à mesma 
estrutura que produz ordem, como poderíamos nos preparar para o futuro? Como poderíamos 
falar de plenitude se a mesma pulsão de nossa consciência tem apetite por decadência e 
negação?4 Desemprego, depressão, crises energéticas e isolamento são fenômenos psíquicos. 
Se não compreendermos a natureza arquetípica de nossas reações nas zonas pertencentes a 
Saturno, nossas reações se tornam estereotipadas. Apertamos um botão, recebemos a mesma 
resposta. A história é obrigada a repetir-se simplesmente porque nos recusamos a ver o que 
está a produzir história. 
 A transformação da história começa na alma como a destruição daquilo que aconteceu 
no tempo. É uma operação do senex no senex: a experiência da nigredo da depressão e do 
apodrecimento da mente repleta de tempo acumulado. A alquimia explica como esse trabalho 
funciona: “O órgão divino é a cabeça, pois nele reside a parte divina, nomeadamente, a alma...” 
e o filósofo deve “dedicar-se a esse órgão com mais cuidado que os outros órgãos”5. Na nigredo, 
o cérebro se obscurece. Por isso diz a receita de Hermes citada no Rosarium: “Reserve o 
cérebro... macere-o com vinagre forte, ou com urina de um menino, até que ele se obscureça”. 
O enegrecimento ou escurecimento é, ao mesmo tempo, um estado psíquico chamado de 
melancolia (bile negra). Em Aurelia oculta, há uma passagem em que a substância de 
transformação no estado da nigredo é autoexplicativa: 
 
 
4 “A quem pertencem o incremento e o decremento”: tradução de 1824 de Thomas Taylor em The 
Mystical Hymns of Orpheus (London: Kessinger Publishing, 2003), 40. 
5 CW 14: 732; ver CW 13:95, 101; CW 11: 350. Hades usava um adorno especial de pele de cachorro em 
sua cabeça; a cabeça de Saturno era coberta: R. B. Onians, Origins of European Thought (Cambridge, Mass: 
Cambridge University Press, 1954), 424. 
Sou um velho enfermo e fraco, dei nome ao dragão, portanto me fechei em uma 
caverna, de forma a ser resgatado pela coroa real... Uma ardente espada inflige grandes 
tormentos em mim; a morte enfraquece minha carne e ossos... Minha alma e meu 
espírito partiram; um terrível veneno, sou assemelhado ao corvo negro, pois este é o 
pagamento pelo pecado; no pó e na terra me deito...6 
 
De um ponto de vista do senex, nossas complexidades não podem ser totalmente elucidadas, 
conduzidas até a luz, mesmo quando a terapia acredita que o processo da individuação 
gradualmente amplia a consciência. Que nossas complexidades se tornem mais claras pode 
implicar que perdemos contato com sua escuridão, a impenetrabilidade fundamental com o 
outro lado de seu cerne. O antídoto não é extraído do veneno, uma vez que o venenoe o 
antídoto constituem uma só realidade. A cobra que cura é a mesma cobra cujo bote mata; não 
há cobras “boas” e “más”, há somente uma única cobra até mesmo no Paraíso. Além disso, a 
cada extração de bondade da malignidade, de luz da escuridão, o velho material residual se 
torna mais denso. Na alquimia, a porção venenosa do complexo remanescente após a separação 
de suas partes boas se torna a nova nigredo, a substância em que se efetuará a próxima 
separação. O novo trabalho se volta para as velhas sobras, o chumbo, o corpo, o lodo negro que 
resta. Se a alquimia é uma “terapia”, então o foco ao qual sua operação repetidamente retorna 
é o componente senex do complexo. Eis aqui o obstinado veneno. 
 Nesse sentido, a terapia se torna uma obra de Saturno, moagem das incrustações mais 
recalcitrantes do complexo, seus hábitos mais antigos, que não são nem reminiscências infantis, 
nem introjeções parentais, mas o fenômeno senex, isto é, a estrutura e os princípios pelos quais 
o complexo perdura. Para essa estrutura, sua natureza dupla é fundamental, pois não há 
experiência que possa ser exclusivamente benéfica. Mesmo os momentos da sabedoria mais 
bondosa e benigna podem produzir novas toxinas. O medo do veneno e a malignidade do velho 
sábio não constituem uma cautela heurística. Esse medo é um reconhecimento verdadeiro da 
natureza da sabedoria, de seu aspecto saturnino. 
 Para que ocorram operações alquímicas em Saturno, o operador e o material operado 
precisam estar em relação simpática, isto é, sob a mesma constelação arquetípica. Trabalha-se 
a mente escurecida com o vinagre acre e os sais de juventude abandonada. A depressão seria o 
pré-requisito para se trabalhar com qualquer coisa que pertença ao senex. A própria consciência 
deve ser escurecida antes que possa aproximar-se da nigredo. Problemas insolúveis somente 
 
6 CW 14: 733. 
podem ser devidamente adereçados por meio de uma atitude de desesperança que lhes 
conceda o devido sentido e os reflita de maneira justa. Ódio, inveja, crueldade opressora se 
tornam ferramentas de compreensão: provêm meios de obscurecimento da luz. E ao esconder 
e camuflar a cabeça, a depressão abraça e cuida da alma. Se a substância operada é o “velho” 
de nosso complexo, então esse trabalho não pode ocorrer sem o velho, que é nossa fraqueza e 
enfermidade, a monstruosidade dracônica de nosso poder destrutivo que a tudo devora em seu 
mau humor. 
 A destrutividade senex nos confronta mais perigosamente do que percebemos – 
particularmente quando focamos nossa atenção na destrutividade fora de nós, por exemplo, no 
caos violento e despropositado da juventude. O perigo do senex reside apenas no fato de que 
não somos conscientes dele enquanto perigoso. Estamos tão acostumados com as instituições 
de ordem a partir das quais moldamos a sociedade, nossas vidas e concepções, que não vemos 
que essas instituições e imagens são perfiladas a partir de um Deus senex e são condicionadas 
por forças senex. Estamos tão acostumados com nossos complexos e seus odores que não 
percebemos sua putrefação. 
 As fantasias que dispomos para lidar com questões históricas traem o senex por trás das 
fantasias: a esperança pela paz e plenitude e emprego; a segurança vinda de limites bem 
estabelecidos e acordos financeiros; o urbanismo como panaceia; longevidade; a extensão da 
lei e do conhecimento; a unificação através de monopólios e sistemas cada vez maiores, ou o 
reverso do isolamento individualista, um homem, uma arma, uma família, um abrigo antibomba; 
computadores e seus embasamentos na lógica do tipo “ou/ou” da contradição, armazeno e 
recuperação de memória; e, finalmente, a organização mundial e paternal com seu policiamento 
racional da desordem. 
 Do mesmo modo, também, há a nossa esperança pelo Grande Indivíduo, um criativo 
homem sábio, cientista ou líder, que pode apaziguar tais problemas. O sábio7 que se destaca dos 
demais, mas que está próximo da terra, é apenas outra imagem antropomórfica do mesmo deus 
senex. Como o próprio Jung pontuou na passagem acima referida8, o velho sábio não é a solução, 
 
7Para uma descrição bela e completa, mesmo que equivocadamente anti-junguiana, do sábio, do velho 
sábio, ou do “senex positivo” na literatura ocidental dos gregos até o Renascimento, ver Alarik W. 
Skarstrom, “Fortunate Senex”: The Old Man, a Study of the Figure, his Function and his Setting, diss. (Yale 
University, 1971); Ann Arbor: University Microfils, 1972). 
8 CW 9.1: 413-15. 
pois o veneno e o antídoto são inseparáveis. Assim, retirar-se da cena para adentrar nas 
questões espirituais do Pai – solidão, reflexão, sabedoria – pode somente produzir mais 
escurecimento do cérebro, mais dragões. Bater em retirada não bastará, uma vez que a psique 
não se move em isolamento; a alma requer envolvimento e emoção, mesmo quando o espírito 
ascende sozinho às montanhas9. “C’est une grande folie de vouloir être sage tout seul” [é uma 
grande loucura querer ser sábio por conta própria], diz La Rochefoucauld, que pode implicar que 
a sabedoria do sábio solitário é loucura. Ao considerarmos o velho sábio e qualquer um dos 
“Caminhos da Sabedoria”, do Zen a Blavatsky, como soluções para o problema senex, é 
recomendável ter em mente a ambivalência das imagens em questão. Uma consciência que 
escolhe a sabedoria também escolhe o senex; e a escolha do senex implica a destruição de um 
ou outro estilo. O arquétipo não permite que o ego selecione suas partes mais doces10. A mimese 
implica o mito vivido em suas consequências. 
 O senex e sua anima, Lua11, tendem a materializar e externalizar questões para fora da 
psique. Sem a possibilidade da psique nos eventos atuais, eles se tornariam indisponíveis para a 
reflexão humana. Poderíamos pensar e planejar, mas nosso pensamento e planejamento não 
seriam reflexivos do fator subjetivo. O pensamento e o planejamento são eles mesmos a 
reflexão das forças arquetípicas que criam os problemas que pedem pelas soluções construídas 
pelo intelecto. Os aspectos antipsicológicos do que é construído por pensadores e planejadores 
 
9 Sobre a diferença entre alma e espírito, ver a discussão estendida do capítulo 3. Também ver o meu Re-
Visioning Psychology (Re-vendo a psicologia) (New York: Harper & Row, 1975), 68-70. 
10 Ver A. Guggenbühl-Craig, The Old Fool and the Corruption of Myth (Putnam, Conn: Spring Publications, 
2006). 
11 W.W. Fowlerm The Religious Experience of Roman People (London: Macmillian, 1933), 481-82; 
Ausfühliches Lexicon der griechischen und römischen Mythologie, ed. W. H. Roscher (Leipzig: B. G. 
Teubner, 1884), III: “Lua”. Marcel Leglay (Saturne Africain [Paris: Arts et Métiers Graphiques, 1961-66], 1: 
457) considera a Lua como sendo o primeiro nome de um nome duplo: Lua Saturni, no qual o prefixo se 
refere a um atributo menor do poder maior de Saturno. Assim, Lua se torna um gênio específico ou uma 
força dentro do complexo de Saturno, tendo duas funções particulares – agricultura e exército – 
combinados na ideia de spoiling (estragar e espoliar). Cf. A discussão de G. Dumézil sobre a “Lua Mater” 
em Déesses latine et mythes védiques, Coll. Lat (Bruxelles: 1956), 99-107. Ele conclui que a Lua (que 
corresponde à Nirrti védica) pertence a uma constelação básica indo-europeia que enfatiza a importância 
primária da ordem (tanto no pensamento romano quanto no indiano, mas diferentemente dos gregos em 
que não há uma figura correspondente). Lua, portanto, representa o balanceamento de opostos para se 
alcançar a ordem, como “Mother Dissolution” e a ideia de desintegração (Dumézil, 114). Ver também o 
capítulo 9 sobre o senex e o feminino. 
traem Saturno, não em seu furor profético e compreensão imaginativa, mas com suas obsessões 
pelaordem. 
 Dentro de nós, o senex luta para manter a ordem ao assentar leis ou ao projetar novos 
sistemas de resolução de conflitos. Não queremos a agitação que a luta puer-senex produz em 
nós. Assim, Saturno se autoperpetua pelo fingimento de que as questões da existência não são 
psicológicas, mas reais, econômicas, políticas, práticas. Sempre que fazemos uso dessas lógicas, 
sempre que assumimos uma postura antipsicológica ou antierótica, é o senex quem está 
falando. Saturno nunca está “em favor da mulher ou da esposa”12. Ele evita a conexão entre Eros 
e psique. 
Um dos principais subterfúgios da evitação dessa conexão é novamente a concretização 
de Eros em sexualidade. De forma que até pode-se dizer que a pornografia é regida por Saturno. 
O Eros pornográfico não possui alma, e em quase nada difere da psique ressequida, profanada, 
desprovida de amor da psicologia acadêmica, outra conserva de poder do senex. O seco 
necessita de lubricidade, a negação convida a pornografia. Nós criamos uma era psicopática e 
concretista ao definirmos consciência como primariamente orientada pela realidade, ao nos 
esquecermos que a realidade psíquica é primária e que as fantasias, sentimentos e valores de 
Eros são primários na realidade psíquica. 
A psicopatia é outra palavra para uma atuação [acting-out] inabalável, irrefletida e 
irremediável. O sociopata deposita sua patologia e sua psicologia sobre a sociedade. A sociedade 
deve ser culpada pela sua sina e a sociedade é o local em que ela pode ser desfeita – insiste o 
sociopata. O modelo de pensamento na sociopatia não difere do modelo da sociologia: ambas 
consideram a sociedade tanto causa quanto cura da aflição psíquica. Quando a realidade da 
psique é secundária em relação a realidade real “exterior”, o que resta fazer senão atuar [act 
out] nas ruas? O senex decretou que é onde a ação deve ocorrer, e o puer, tentando mudar a 
sociedade, é involuntariamente capturado pela crença de seu pai. Desse modo, ele é engolfado 
enquanto castra, incapaz de produzir real mudança. A mudança real está implicada na mudança 
arquetípica, uma mudança nos dominantes míticos de nossas percepções. 
Pois é o senex, também, que cria o problema geracional e a diferença geracional. O 
senex funciona em termos temporais13, sucessão, a visão patriarcal de pais e filhos. Quando 
usamos essa linguagem estamos novamente sob o domínio do senex. A despeito das bênçãos 
 
12 Citado no capítulo 1 – Ed. 
13 E. Panofsky, “Father Time”, Studies in Iconology (New York: Harper Torchbook, 1962). 
que oferece através do patrocínio e do patrimônio, a castração é inerente ao modelo geracional. 
Cronos, que castrou seu pai, também castrou sua paternidade. 
“Pai” e “filho” não quer dizer somente uma sucessão no tempo, mas múltiplas formas 
de encarnar o arquétipo ancestral. Há a forma paterna e a forma filial do eu ser eu mesmo, o 
avô e o menino – formas de representar o mito familiar. “Juventude” e “idade” são maneiras 
simbólicas de expressar certas realidades psíquicas por meio de personificações. É necessário 
que eu não esteja preso em uma dessas personificações para que minha consciência não seja a 
de um menino quando tenho a forma e a imagem de um velho, e vice-versa. A literalidade da 
mente saturnina poderia nos confinar nas nossas peles14 e em suas rugas, enquanto que a 
consciência pode desempenhar diferentes papeis no drama familiar, incluindo as figuras 
ancestrais e talvez aquelas que ainda não nasceram. A fantasia geracional, bem como sua guerra 
interior, é essencial para o motivo Urano-Cronos-Zeus. E para a Bíblia, um livro patriarcal que 
devota páginas e páginas à descendência geracional. 
A era da psicopatia nos ameaça com a possibilidade contínua de destruição imediata. 
Mas o inimigo não é mais como antes: um inimigo com planos, sonhos esquizoides de 
dominação mundial, enredos paranoicos. Não há um plano mestre; os assassinos entre nós já 
estão fardados ou só desejam causar um pouco de tumulto. A destruição vem de uma criança 
que não tinha nada de melhor para fazer em uma tarde ensolarada. Ou, possuído pelo puer, o 
assassino se torna sua própria força explosiva, uma tocha viva que purifica o mundo de podridão 
senex. Sua bomba relógio foi posta em suas mãos pelo Velho Rei. A consciência senex, quando 
apartada do puer, oferece destruição a esse convite crônico. A devoção senex à sua própria 
definição de ordem só deixa uma única porta aberta: a obliteração. Mesmo aqui, a contradição 
extrema e inerente de Saturno, sustentar e negar, é operativa. Além da senilidade e de seus 
contornos obsessivos, paranoides e melancólicos, também podemos acrescentar a ambivalência 
esquizoide às categorias diagnósticas da consciência senex. A destruição é uma de suas defesas. 
Não poderia a destrutividade do senex, constelada por ele mesmo, começar dentro de 
si mesma? O establishment não poderia ser desmantelado e desfeito através de reflexão? Os 
monumentos podem permanecer; mas sua dignidade pretensiosa não pode ser levada em seu 
 
14 A pele pertence às fronteiras governadas por Saturno, assim como, segundo o folclore medieval, 
também governava as peles de animais, cascos de árvores, couros, crostas, cascas e conchas, ou seja, 
limites concretos. 
próprio grau de seriedade. A autodestruição da consciência senex poderia começar com 
compreensões sobre sua própria maneira de ser consciente – o suicídio através da mimese. 
A Saturnália fornecia uma destruição de hierarquia, lei, ordem e tempo. Ela trazia a Era 
Dourada de volta. Todas as fronteiras rebaixadas, a luxúria liberta, negações e precauções 
levadas pelo vento – dentro dos limites de seu próprio “jogo”. A Saturnália reincorporava o puer, 
seu sonho de liberdade e seu mundo fora do tempo. Mas a Saturnália é também um fenômeno 
interior pelo qual podemos ver a civilização, e nós mesmos, através da lente saturnina. Quando 
me vejo como uma caricatura do que eu sou, a Saturnália começa, e a aparência de minha 
loucura começa a brilhar através do sistema contra ela construído. 
Os gregos faziam piadas com Cronos, que era “um símbolo de caducidade e 
imbecilidade”15. Cronos era repleto de frases antiquadas, de banalidades dignas de um 
Apolônio, um velho ridículo que passou seu tempo dedicando-se à tolice gratuita da senilidade 
e que é destronado por seu filho. Mesmo seu dom profético estava obscurecido com referências 
a uma visão turva de olhos remelentos. Por mais sábio que seja, ele também é caduco. 
Parte do desmantelamento do poder de Saturno pode ser uma dádiva vinda de seu 
próprio tipo de humor – mesmo quando a perda da “alegria” é supostamente um sinal clínico 
de depressão. Piadas vulgares envolvendo latrinas, roupas de baixo e odores desagradáveis – 
que classicamente “pertencem” a Saturno – fazem o puer menino retornar à constelação. Aqui, 
até ver através “de baixo para cima” pode se tornar uma piada suja. 
A sátira também pertence a essa operação de desmantelamento. Elliott16 escreveu 
sobre as relações entre a Saturnália e a sátira, demonstrando que a forma literária é uma 
maneira de virar as coisas de cabeça para baixo. Tal estratégia também salva o senex de sua 
própria seriedade, ainda que não deixe de sustentar seu alto patamar na hierarquia superior. 
Pois, nesse raciocínio, se alguém consegue manter uma postura satírica em relação a seus 
complexos, se os enxerga como um Swift ou os retrata como um Daumier, de maneira grotesca, 
então poderia imaginar-se dotado de uma consciência penetrante que vê através das 
debilidades humanas. É um jeito de ser Deus, outra inflação do velho sábio. Esse tipo de 
 
15A. O. Lovejoy e G. Boas, Primitivism and Related Ideas in Antiquity (New York: Octagon, 1965), 77ff.; H. 
Oeri, Der Typ der komischenAlten in der griechischen Kömodie (Basel: B. Schwabe, 1948). 
16 R. C. Elliott, “Saturnalien, Satire, Utopie”, Antaios IX (1967): 412-28. “Muito pouco se sabe sobre os 
primeiros autores da Cronia grega”, Lovejoy & Boas, op. cit., 65, mas mostram materiais relevantes, 65-
70. 
compreensão não demonstra resultados psicológicos, permanecendo imóvel dentro da 
perspectiva senex que a tudo domina com poder cerebral, ainda que um poder apodrecido. 
Satiristas notoriamente não se aprofundam psicologicamente; meramente relustram seus 
estilos, reafiando o mesmo gume de sempre. 
 Seja qual for o instrumento, a iniciativa principal é ver através desse estilo de 
consciência, destruir sua destrutividade com compreensão. 
Pois o senex não está no mundo exterior das instituições da sociedade mais do que 
qualquer velho deus estaria no mundo superior dos céus. Todos caíram nos mundos interiores 
e inferiores. Podemos encontrar o senex em nossos relatos solitários, arrumação da casa, 
adivinhações; sozinhos atrás do volante a caminho de casa; com a cabeça debaixo do chuveiro, 
sob o secador; solitários na mesa da cozinha olhando o café preto, na cama fitando a noite – a 
mente senex alinhavando as pontas desfiadas do dia, concedendo-lhes ordem. 
Aqui está nossa melancolia tentando produzir conhecimento, tentando ver através. Mas 
a verdade é que a melancolia é o conhecimento: o veneno é o antídoto. Essa é a compreensão 
mais destrutiva do senex: nossa ordem senex reside em nossa loucura senex. Nossa ordem é, 
em si, loucura. 
O velho rei é o insano Rei Lear, e o velho sábio, um homem louco como o profeta e o 
geômetra17, com sua obsessão pela inerte ordem parmenidiana, louco como um Conselheiro de 
Administração com suas tabelas de organização e seus gráficos de crescimento, como um 
General senex que chama suas armas de “brinquedos”. Quanto mais velhos nos tornamos, mais 
loucos ficamos, mas o senex dos nossos complexos pode prever o desfecho insano de cada 
complexo. “Toda visão interior é uma previsão”, diz Coleridge (em On the Constitution of the 
Church and the State)18. Thomas Browne transpôs a loucura progressiva do complexo para a 
linguagem moral: 
 
Mas a idade não retifica, somente encurva nossas naturezas, aprofundando más 
disposições em hábitos piores, e (como doenças), traz vícios curáveis; pois a cada dia 
que enfraquecemos em idade, nos fortalecemos em pecado... O mesmo vício produzido 
aos dezesseis não é o mesmo... aos quarenta anos, mas incha e se duplica pela 
circunstância de nossas idades... Quanto mais se dedica ao pecado, maior qualidade 
 
17 Para mais sobre Saturno e a geometria, ver Saturn and Melancholy, 312ff., 327ff. 
18 S. T. Coleridge, On the Constitution of the Church and the State [1830] (London: J. M. Dent, 1972), 52. 
maligna ele adquire; assim como sucede ao tempo, também se progride nos graus da 
maldade... como imagens da Aritmética, o último grau vale mais do que todos que 
vieram antes dele19. 
 
Contra o conhecimento prévio de sua própria loucura, e também contra a loucura em si, a 
consciência senex constrói suas fundações com ordens, sistemas, conhecimentos e justiças, que 
repetidamente não se sustentam na realidade, pois tais fundações são igualmente fantasias do 
complexo contra a sua acumulação de acentuadas “corcundas”. A consciência puer não vê a 
loucura do arquétipo. Ela transita entre os deuses como um belo Ganimedes servindo ambrosia, 
portador de suas mensagens, mas ignorante do horror das entrelinhas. (Quanto tempo demora 
para o puer em nós aprender a sofrer, a feder e a murchar, a encontrar o ácido, o sal, a lixívia, o 
chumbo e o estrume). O profeta da consciência senex, e o agrimensor, de fato sabem das 
proporções que os deuses podem adquirir e das loucuras que o arquétipo pode nos conduzir em 
seu excesso e enfermidade. O establishment é o refúgio: o reino do ego, de César e da 
consciência senex, uma fortaleza de sanidade, o que não deixa de ser igualmente uma fantasia. 
A única proteção é a dissolução dessa fantasia de sanidade; na linguagem de Joseph Conrad, a 
receita é “a imersão no elemento destrutivo” e o conhecimento do “horror, o horror”, que, neste 
caso, é a própria loucura especial de Saturno, sua melancolia. Penetrar no enigma da destruição 
senex implica adentrar no coração da escuridão. 
 Se a sabedoria é o que mais almejamos e a destruição o mais que tememos, e se ambas 
são “filhas de Saturno”, então como aprofundar a primeira e escapar da última? Já que ambas 
as faces do senex regem nosso tempo e destino, haveria uma linha de fuga? 
 
II. Incurabilidade senex 
 
Uma “linha de fuga” – além da Saturnália e de suas travessuras e humor negro levando ao 
reconhecimento da compreensão da melancolia através da melancolia – reside no abandono 
total da noção de linha de fuga. Essa noção é, de qualquer forma, uma reação puer ao senex, 
cuja consciência prefere a cicuta dentro das paredes da prisão, a cura da morte. 
 
19 T. Browne, Religio Medici (London: Everyman, 1964), 47. 
 As imagens senex da ampulheta e do Pai-Tempo, da Ceifadora e do Velho com Barba 
Branca, entre outras, não são somente emblemas abreviados do processo temporal que toma 
lugar dentro ou fora de nós. Elas se referem à identidade antiga, discutida por Plutarco, por 
exemplo, do Kronos de Heríodo ao Cronos, Tempo. Os emblemas demostram que a estrutura 
arquetípica não diz tanto respeito a porções quantificáveis de tempo, ou processos temporais, 
passagem do tempo, quanto fala do tempo em si como uma realidade ontológica. De forma que 
lazer e preguiça são formas de “encontrar o tempo” ou de “passar o tempo”, e a retirada do 
fluxo do mundo é um jeito de ocupar-se com o eterno, sendo assim preenchido ou possuído por 
ele. Constância, luto, letargia e solidão não levam somente a desaceleração do tempo ou a 
retirada das coisas; elas são formas de experienciar a essência senex de Kronos-Cronos, em que 
tempo é uma qualidade que beira a uma infinitude não-processual ou inalterável (a fidelidade 
da amizade, o retorno das estações, a prolongada dor do luto), um estado de ser em que o devir 
está intensamente elevado ao seu próprio limite. 
 Nesse sentido, a consciência senex é particularmente temporal, estruturando sua visão 
em termos de cronicidade. Ela visa ao eterno, uma vez que o eterno dura mais que tudo; e seu 
julgamento se baseia na verdade em termos de durabilidade, e não se a verdade promove a 
compreensão, se toca ao coração, ou traz beleza. A beleza, em si, é definida em termos e 
critérios inalteráveis de forma ou sentido, de verdades eternas, enquanto que a prova do amor 
não é o ardor, mas a constância. A máxima ídiche é uma máxima senex: “Ama-me pouco, mas 
ama-me demoradamente” [Love me little, but love me long]. Assim, se as coisas foram 
duradouras, elas estão conectadas ao arquétipo do senex, e se um complexo perdura, ele tende 
a se estabilizar, congelando-se em uma parte comum dos fundamentos psíquicos do sujeito, e 
finalmente, através da intratabilidade absoluta, transformando um fardo a ser escondido em 
um hábito a ser vestido. Na consciência senex, o tempo é a “cura”, no sentido de bronzeamento, 
curtimento, enrijecimento, arejamento seco, sal, fumaça, alúmen20. 
 Para a consciência senex um complexo precisa permanecer verdadeiro a si mesmo. 
Através de constância e sofrimento, o vício eventualmente passar a considerar-se como virtude. 
Tenacidade (Saturno como tenax) é a chave, de forma que qualquer complexo suficientemente 
duradouro passa a oferecer os padrões da vida psíquica em geral. A psique torna-se dominada 
 
20 Para exemplos de curas para problemas de saúde senex (rigidez das juntas, gota, dores reumáticas, 
hemorroidas, problemas de pele), por meio do metal chumbo,ver Mr. Goulard, A Treatise on the Effects 
and Various Preparations of Lead, Particularly of the Extract of Saturn (London: P. Elinsly, 1773). O extrato 
é feito, de acordo com o apêndice de G. Arnaud, com o vinagre mais intenso que puder ser encontrado. 
pelo seu elemento mais estável, seu complexo mais habitual e recorrente, que, por ser 
duradouro, influencia outras atitudes a escolher o mesmo caminho. Seus valores são temporais 
– tempo como história, como morosidade, ou como resistência a mudança. Se um hábito ou 
sintoma possui suficiente história pessoal, ou pode ser conectado a uma ideia histórica ou a um 
símbolo, então se tornam aceitáveis. “Sempre fui desse jeito”. Se uma compulsão pode ser 
percebida em detalhes ou como recorrente em um dado período (em um relacionamento, uma 
análise longa, uma obra de arte), ela é, ipso facto, parte de um estilo. Ou, novamente do ponto 
de vista da consciência senex, se uma questão não pode ser alterada, permanece recalcitrante 
e obstinada a qualquer tratamento, pela mesma virtude de sua durabilidade, ela então deve ser 
verdadeira e boa. A fixidez das coisas é a evidência de seu patamar superior na escala dos 
valores. Portanto, o senex faz as coisas durarem, serem difíceis de desmanchar, nós mesmos 
coagulados nesta ou naquela rigidez, e ao gradualmente ampliar seu reino estoico, acrescenta 
camadas na armadura do caráter em favor de nossa estabilização psíquica. O senex nos mantém 
em prolongada dor e em prolongado tratamento para a dor, nós mesmos como os servos e as 
vítimas do tempo, cronicamente capturados em ocupações que desejaríamos encerrar, em 
casamentos que quereríamos acabar, em hábitos que nenhuma resolução de Ano Novo poderia 
chanfrar. “Amadurecimento é tudo” passa a significar o mesmo que “tenacidade é tudo”21. 
 
III. Repressão e negação 
 
Pois há falsidade em nosso conhecimento, e a escuridão está tão firmemente plantada em nós que até 
nosso tatear falha. 
- Albrecht Dürer 
 
Estamos tão acostumados a nomenclaturas negativas dos arquétipos na psicologia junguiana 
que termos como “mãe negativa”, “animus negativo”, “tentativas negativas de restauro da 
 
21 Maturação ou conclusão é uma das raízes conjecturadas para a palavra Kronos (H.J. Rose, A Handbook 
of Greek Mythology [London: Methuen, 1964], 69n.). Quando confundimos maturação com tenacidade 
[endurance] ou resistência, então repetimos a confluência mítica de Kronos com Cronos (Tempo); de 
forma que assim tenacidade [endurance] volta a se referir ao seu sentido radical de “duro”. A lógica senex 
então diz: o que está maduro em nós é o que está totalmente coagulado, uma pedra. Uma lógica 
dionisíaca de maturidade possivelmente nos conduziria ao que é doce e úmido, como uma uva madura. 
persona” e “sentimento negativo” se tornaram convenções de linguagem. O senex negativo 
deriva do mesmo tipo de epíteto, e ele também não basta. 
 Primeiramente, deixemos claro que, porque o senex negativo não é um problema do 
ego, ele não pode ser alterado pelo ego. Não se trata meramente de uma questão de 
admoestações morais (como se o ego pudesse ser melhor, ser mais modesto, ou humilde, ou 
“consciente”). Tampouco se trata de um problema de atualização de ideias (como se o ego 
devesse “seguir em frente”). Viajar, para mudar ideias por meio de novas impressões, e assim 
desfazer coagulações, era a cura da depressão recomendada pela psiquiatria do século 19, e os 
antecedentes dessa prática remontam a Celso22. A raiz desse endurecimento também não seria 
um mero declínio da vitalidade biológica (como se o ego fosse obrigado a manter seu corpo em 
forma e ativo). Esses problemas no ego são mais consequências do que causas; eles refletem 
uma desordem anterior no solo arquetípico do ego. Que o senex negativo não seja o resultado 
do ego está bastante claro nos desesperados estados de acedia23 em que as causas são 
localizadas fora do ego. A psiquiatria fala de depressão endogênica ou metabólica e recomenda 
tratamento físico, como se afirmasse que tais estados são totalmente exteriores à influência da 
vontade e da razão. 
 Portanto, precisamos questionar mais detidamente a negatividade da consciência 
senex. Tais fenômenos ancestralmente chamados de malefícios e relacionados a Saturno 
também requerem “salvação”, se desejarmos ser metodologicamente consistentes. Ao 
deixarmos um lado da fenomenologia senex nas sombras de um julgamento negativo, todos os 
fenômenos subsumidos sob essa rubrica – silencio, decadência e podridão, o foco na morbidade 
e na penúria, apatia, rigidez paranoide, impotência, dor psíquica – são abreviados, seus sentidos 
 
22 J. Starobinski, Geschichte der Melancholiebehandlung von den Anfängen bis 1900 (Basel: Documenta 
Geigy, 1960), 67ff. A terapia para depressão em forma de viagem sugerida por Calmeil parece ter mirado 
em uma recuperação através da redescoberta da Antiguidade, um “Renascimento”, isto é, “o museu no 
lugar do hospital” e a rota da viagem atravessava o mundo clássico, Florença, Roma, Nápoles, Atenas. 
Fazia-se uma tentativa de reconectar quase que literalmente com as imagens da Antiguidade. O paciente 
junto ao seu tutor-guia-terapeuta de fato fazia escavações. Cf. Dictionnaire encyclopédique des sciences 
médicales III: “Lypemanie” (Paris, 1870). (Lypemanie foi um termo do século 19, tirado de Esquirol, para 
tristia sem delírio). 
23 S. Wenzel, The Sin of Sloth, Acedia in Medieval Thought and Literature (chapel Hill: University of North 
Carolina Press, 1967). 
extirpados de suas fantasias, condenados. A fantasia é aprisionada na própria estrutura da 
consciência sobre a qual se fantasia. 
 Por exemplo: o mais notório dos crimes senex, fielmente comentado desde a sua 
primeira aparição em Hesíodo, de Salústio a Goya – Cronos comendo seus filhos24 – como 
pertencente ao senex “negativo”; que doravante vem a assumir apenas um sentido, isto é, a 
deglutição da juventude pela idade, da alegria pela depressão, da liberdade pela forma, da 
imaginação pelo intelecto, da inocência pela experiência, etc. A mesma negatividade que 
atribuímos ao senex nos captura no senex negativo. Nos tornamos uma de suas crianças, nossa 
fantasia engolida pela posição arquetipicamente forçada sobre nós pela imaginação, e então 
cessamos de imaginar. Deixamos o dualismo básico da estrutura nos forçar a tomar uma 
posição, a familiar estância egoica que precisa escolher ou uma posição positiva ou uma 
negativa. É essa própria divisão, e não o que nós julgamos ser positivo ou negativo, que nos 
insere na consciência senex. Todos esses julgamentos sobre um arquétipo partem de uma 
perspectiva egoica, que retira do arquétipo o que ele deseja para sua autopreservação, 
rejeitando como “negativo” o outro lado e, dessa forma, acumulando compensatoriamente 
ainda mais negatividade. Ao fazer esse julgamento “negativo”, o ego é guiado pelo senex. A 
negatividade parece necessária ao senex. Por quê? 
 
24 A fantasia de Cronos comendo a criança é levado a sério por Robert Graves (Greek Myths 
[Hammondsworth: Penguin, 1960], 1: 42), que escreve que “nos distritos atrasados da Arcádia, garotos 
ainda eram devorados em contextos sacrificiais, mesmo na era cristã”. Aqui, Graves se torna uma “criança 
de Saturno”, assumindo concretamente uma era passada quando crianças eram comidas. Ele localiza uma 
fantasia grega arquetípica na Grécia histórica e geográfica. Contudo, o culto norte-africano de Saturno de 
fato incluía sacrifício de crianças até o fim do século 2 d.C.; de acordo com Leglay (Saturne Africain, 1: 
317), quinhentas crianças deveriam ser oferecidas em um único grande rito. O propósito parecia ser o de 
revigoramento do pai com a nova vida da criança, um ritual que garantia a saúde do deus e, 
consequentemente,a saúde da comunidade. Agostinho, que veio desse distrito onde Saturno governava 
(e que atacou Saturno em seus escritos), diz que os romanos não adotaram esse rito. De acordo com 
Leglay, o sacrifício de crianças não é uma prática greco-romana, mas pertence a Molk (Móloque) e, 
portanto, está inserido dentro do modo religioso púnico/fenício/cartaginense/africano. Leglay dá 
documentação completa. Para referências adicionais da fantasia do devoramento da criança, ver o meu 
The Myth of Analysis [O Mito da Análise] (Evanston, III.: Northwestern University Press, 1972), 276-77. 
Sobre Saturno como Móloque, ver Lovejoy & Boas, op. cit., 74f., Klibansky, 135n. Acredito que os hábitos 
de alimentação compulsiva de nossa juventude, incluindo a anorexia, assim como aqueles da velhice, 
podem ser explorados nos termos do mitologema senex-puer. 
 Nós vimos que essa estrutura sofre de um “tensionamento excessivo”, que tende a ser 
vencida por uma compulsão a ordem. Por um lado, a antítese ocorre em Saturno como em 
nenhum outro deus, caracterizando uma consciência autodestrutiva, ambivalente e irracional. 
Por outro, é o princípio da sobrevivência duradoura por meio da ordem e, portanto, 
arquetipicamente compelido a negar sua própria natureza conflitante. Ainda que seja o “senhor 
dos opostos”, Saturno não é o “senhor das ambiguidades”, cujas oposições internas e 
ambivalências de sua essência poderiam nos levar a supor. Ao invés de ambiguidade, Saturno é 
patrono da precisão dedutiva e da mensuração, cujas lógicas negam a ambiguidade. A mesma 
natureza senex se expressa em pares de opostos coincidentes (a colheita e a praga, a verdade e 
o engano, o protetor e o ogro) e também necessita reprimir o paradoxo simbólico de opostos 
através de uma ordem separativa e racional. Eis sua tensão. 
 Ademais, em sua própria tensão, as antíteses perduram: o senex que carrega consigo 
extrema tensão é o mesmo princípio que busca retornar à Era Dourada e se livrar da tensão 
interna (Freud). O mesmo princípio constrói um universo na razão e também encontra a 
estrutura de sua razão em antinomias incompatíveis (Platão em Parmênides, Nicolau de Cusa, 
Kant). O mesmo princípio que, de um lado, insiste no concreto, no literal e também no lógico, e 
de outro, também adentra nas profundezas da mente expressáveis pelo que Empson chamava 
de o sétimo tipo, ou definitivo, da ambiguidade25. 
 Os jeitos de produzir ordem26 são muitos e sintetizamos alguns deles aqui. O triunfo final 
da compulsão a ordem é a formação do ego, e essencial para essa formação são seus hábitos 
epistemológicos. O senex constrói o ego ao excluir terceiros termos, ao manter os opostos em 
 
25 W. Empson, Seven Types of Ambiguity, ver. ed. (London: Chatto & Windus, 1947), esp. 192-97, 232-33. 
26 A forma de ordenação particularmente cara à teoria junguiana é pelo número (tradicionalmente uma 
província de Saturno, mesmo que tradicionalmente seja atribuído a Minerva e Mercúrio). Jung, quando 
idoso, voltou-se particularmente aos números para estudá-los como “o arquétipo da ordem” (CW 8: 870). 
O interesse de Jung foi subsequentemente trabalhado por M. -L. von Franz em seu Número e Tempo 
(Evanston, Ill.: Northwestern Univ. Press, 1974) onde encontrarmos muitas imagens e conceitos, assim 
como preocupações, da consciência senex. A. Plaut, “The Ungappable Bridge: Numbers as Guides to 
Objects Relations and to Cultural Development”, Journal lof Analytical Psychology 18/2 (1973) também 
tenta uma ordenação fundamental do mundo psíquico por meio dos números. O número fantasia surge 
em um contexto de opostos antitéticos (a ponte imperturbável entre sujeitos e objetos, ou entre a 
medicina e a psicologia [von Franz]) como uma forma de uni-los. 
extrema tensão, especialmente através de suas regras e leis que sustentam fronteiras, 
categorias, muralhas. 
 Esses hábitos do pensamento foram desvendados pela lógica de Aristóteles, os axiomas 
e provas de Euclides, as classificações de Lineu, as antinomias de Kant. E tais hábitos seguem o 
Estrangeiro de Platão, que diz: “Devemos continuar como antes, sempre dividindo e escolhendo 
apenas uma parte, até chegarmos ao cume de nossa escalada e ao objetivo de nossa jornada” 
(Político, 268d-e). 
 Particularmente importante para a consciência senex é a lei da contradição. Opostos, 
tais como o puer e o senex, tornam-se contradições. “A oposição”, defende C. K. Ogden27 em 
seu ensaio sobre o sujeito, “não deve ser definida como o grau máximo da diferença, mas como 
uma forma especial de repetição, nomeadamente, de duas coisas similares que são 
mutuamente destrutivas em virtude de sua semelhança”. Mas a contradição congela a 
destruição em exclusão mútua: o ou/ou da negação. Dentro do princípio da negação residem 
todos os julgamentos de positivo e negativo de quaisquer esferas – moral, estética, psicológica. 
Até mesmo o “in”-consciente foi nomeado de maneira senex, o que faz com que percamos sua 
similaridade com a consciência e, ao contrário, o experienciemos como seu oponente negativo. 
O ego, também, nos escritos finais de Freud, foi definido através da influência senex da 
negação28. 
 
27 C. K. Ogden, Opposition, A Linguistic and Psychological Analysis (Bloomington: Indiana University Press, 
1967), 41. 
28 Em Beyond Pleasure Principle [Além do Princípio do Prazer] (1920) (London: The International 
Psychoanalytical Press, 1950), a descrição que Freud faz do ego soa como uma formulação da consciência 
senex, como se Freud fosse uma “criança de Saturno” quando o ensaio foi escrito. Ele escreve que a 
psicanálise “primeiro veio a conhecer [o ego] como uma ação repressiva, censora, capaz de erigir 
estruturas protetivas e formações reativas” (69-70). Ele faz uma “distinção precisa entre pulsões egoicas, 
que nós equacionamos às pulsões de morte, e pulsões sexuais, que nós equacionamos às pulsões de vida” 
(71-72). A pulsão de morte, usando o ego como seu instrumento de repressão, mostra-se por meio do 
sadismo e do ódio. O ego se opõe à conjugação das entidades (Eros), implicando, dessa maneira, que o 
ego é o fator segregador e isolante da psique. Acima de tudo, para nossa ênfase acerca da formulação 
saturnina de Freud, a pulsão de morte busca “remover a tensão interna” (78) e “restaurar um estado 
anterior de coisas” (79). A “compulsão a repetição que nos coloca nos trilhos da pulsão de morte” (ibid.) 
está de acordo com “o esforço mais universal de toda substância viva – nomeadamente, o retorno a 
quiescência do mundo inorgânico” (86). Nos recordamos das inclinações de Saturno para os símbolos 
inorgânicos e abstrações. O ego como pertencente ao senex na concepção de Freud é uma ideia que 
 A negação, de acordo com Freud, é repressão: “Um julgamento negativo é o substituto 
intelectual para a repressão; o “Não” no qual ele é expresso é a marca da repressão”29. Aqui, 
Freud desloca a negação da filosofia para a psicologia. Ele a viu como um equivalente da 
repressão. Mas por que esse tipo de repressão? Kant responde: “A província peculiar dos 
julgamentos negativos existe unicamente para evitar o erro”30. Em outras palavras, esse tipo de 
repressão que chamamos de negação mira particularmente na manutenção de um ideal e no 
aperfeiçoamento da visão de verdade e ordem, o cosmos senex. 
 A condição para que a repressão seja necessária é a consciência significar ordenação, e 
ordenação por meio da negação. Outras perspectivas arquetípicas – lunares, herméticas, 
heroicas, apolíneas, etc – organizam o mundo sob diferentes lógicas criando diferentes estilos 
egoicos. Mas o ego senex prospera sobre a repressão e faz derivar sua energia da força de seus 
limites. Amplifique repressões e o ego enfraquecerá – o que não é de todo verdade, por 
exemplo, em um cosmos dionisíaco. Mas aumente repressões para o senex eo ego perderá seu 
papel no controle central. Desprovido de seu apoio arquetípico no senex, ele é “invadido”, 
torna-se “inconsciente”, um rei destronado, errante como Lear e em busca do amor, e cujas 
mais profundas expressões do amor chegam no fim, sobre a morte, na forma de um “Nunca” 
(Rei Lear, 5. 3). A psicanálise que amplia repressões não foi originalmente pensada para quem 
 
aparece ainda com mais força em seu texto “Negation”, Collected Papers V (London: Hogarth Press, 
Institute of Psycho-Analysis, 1950), 185: “A afirmação... pertence ao Eros, enquanto que a negação... 
pertence à pulsão de destruição... Essa visão de negação se harmoniza muito bem com o fato de que em 
análise nós nunca descobrimos o ‘não’ no inconsciente, e que o reconhecimento do inconsciente por parte 
do ego é expressado de forma negativa”. 
29 Freud, “Negation”, 182. 
30 A passagem aparece no começo da Parte I da Doutrina Transcendental do Método, em A Crítica da 
Razão Pura, trad. J. M. D. Meiklejohn (London: Everyman, 1934), 407. “Julgamentos negativos – aqueles 
que não o são meramente no que diz respeito à lógica, mas a respeito de seu conteúdo – não são 
comumente considerados em respeito especial. Eles são, ao contrário, considerados como invejosos 
inimigos para nosso desejo insaciável por conhecimento; e quase requer um pedido de desculpas para 
nos induzir a tolerar, muito menos para premiá-los e respeitá-los. Todas as proposições, de fato, podem 
ser logicamente expressas de uma forma negativa; mas em relação ao conteúdo de nossa cognição, a 
peculiar província do julgamento negativo existe somente para que o erro seja evitado”. Para a 
necessidade do erro, ver meu ensaio “Sobre a Necessidade da Psicologia Anormal”, Eranos Yearbook 43 
(1974) e para uma discussão sobre erro e errância (vaguear, fantasia), ver meu Re-Vendo a Psicologia, 
capítulo 3. 
envelhece. A repressão é inerentemente necessária para a consciência senex, 
consequentemente emanada de suas antíteses internas. 
 A repressão em nossa cultura há muito tem sido associada com analidade. Freud atribuía 
ao caráter anal três principais características: “Eles são excepcionalmente ordeiros, 
parcimoniosos e obstinados”31. Esses traços, junto a outros posteriormente elaborados 
(inibição, sadismo, uma especial obsessão em relação ao tempo), parecem uma descrição em 
linguagem psicanalítica do senex clássico. A relação entre o ânus e a melancolia tem uma longa 
história. Um tratamento específico da melancolia, até Pinel levantar uma voz humanizada e 
oficial contra tal ação, consistia na mais violenta forma de expurgo, o heléboro32. Por meio de 
sua ingestão, esperava-se livrar a melancolia de sua excessiva bile negra. As fezes enegrecidas 
(na verdade, sangramentos internos) eram erroneamente assumidas como evidências de seu 
sucesso. Datando da época dos escritos hipocráticos, o reestabelecimento das hemorroidas era 
um sinal prognóstico favorável no quadro melancólico: o sangramento anal convocava o excesso 
e o humor venenoso. Esquirol no começo da psiquiatria moderna e Calmeil em 1870 ainda 
encontraram coincidências entre o reaparecimento do sangramento anal com a cura da 
melancolia33. 
 Norman O. Brown escreveu o estudo definitivo sobre repressão e analidade34. Tantas 
são as qualidades e funções senex discutidas em seus capítulos que constituem um apêndice 
 
31 Freud, “Character and Anal Erotism” [Caráter e Erotismo Anal], Collected Papers II (London: Hogarth 
Press: Institute of Psycho-Analysis, 1953), 45. 
32 Heléboro (raiz negra), ainda que frequentemente usado em conexão à melancolia, não era específico 
para ela; era também empregado em outras desordens mentais e físicas. Para uma descrição de sua 
violência, ver “elléborisme” em Dictionnaire des sciences médicales (Paris: 1815); ver também o artigo de 
Pécholier em Dictionnaire encyclopédique des sciences médicales, XII (Paris: 1886). Na medida em que a 
melancolia foi compreendida de forma literalista como uma doença da bile negra, tudo que poderia 
induzir à purgação de seu negror ou de sua acumulação no sangue era tido, consequentemente, como 
agente terapêutico. O alívio usual da parte inferior do corpo ocorria por meio da menstruação e do 
sangramento hemorroidal. Ver E. Fischer-Homberger, Hypocrondie (Bern: Huber, 1970), 23. A fúria negra, 
temperamentos negros, e o espírito negro da disposição saturnina encontram seus precursores nos textos 
gregos clássicos, ver F. Kudlien, “Die Urgeschichte der griechischen Begriffe ‘Schwarze Galle’ und 
‘Melancholie’”, em Der Beginn des medizinischen Denkens bei den Griechen (Zurich/Struttgart: Artemis 
Verlag, 1967), com notas. 
33 Starobinski, op. cit. 18. 
34 N. O. Brown, Life Against Death (New York: Vintage, 1959), Part V, “Studies in Anality”. 
contemporâneo ao material apresentado em Saturn and Melancholy, demonstrando a 
consistência do arquétipo. Para Brown, analidade e repressão pertencem a um mesmo 
agrupamento simbólico, de forma que o fim da repressão (o telos de seus próprios escritos) 
também significaria o fim do caráter anal e de sua civilidade repressiva. O que, também, 
encerraria o tipo de ego ao qual aprendemos a chamar de civilizado, mas que, para ele, que 
nunca perde de vista o papel da negação nesse tipo de consciência, é sádico, avaro, paranoide 
e suicida. 
 Para se levar adiante o pensamento de Brown, requer-se, primeiramente, traçar 
distinções entre três termos – consciência senex, repressão e analidade, tanto como símbolo 
quanto como zona corporal35. Deveremos inicialmente livrar a repressão de seu foco anal e de 
sua redução ao caráter anal. Para que seja abrangente, a sequência deve ser: arquétipo senex, 
e então repressão, e então analidade. Visto que o senex inclui a repressão como um atributo, 
então a repressão, por sua vez, inclui o ânus. A repressão é primária ao senex; a analidade é 
secundária. (Sentido e verdade, envelhecimento, melancolia, o possuidor de outras 
características já mencionadas não pode ser de todo reduzido, mesmo pelo sistema psicanalítico 
mais selvagem, a analidade). A analidade não é a condição ocidental básica, mas a consciência 
senex, que se focou repressivamente sobre o ânus de forma a retirar as energias libidinais que 
dele emanam36. 
 O principal problema na posição de Brown é seu comprometimento com a hipótese 
materialista que postula o corpo como anterior à psique. Assim, traços psíquicos como 
repressão e negação se tornam secundários à real zona libidinal do ânus. Quando eventos 
psíquicos derivam do corpo, o corpo se torna algo diferente da psique, um campo no qual 
 
35 Outras partes corporais e aflições tradicionalmente associadas a Saturno são: vesícula biliar, bile negra, 
ossos e cabeça, bexiga, pele e pelos, a orelha direita (e sua surdez), tontura, todas as doenças lentas 
(reumatismo) e febres, condições crônicas, qualquer inibição de funcionamento (aleijamento, problema 
de fala, impotência), excreções (fezes, cálculos renais; urina, reuma dos olhos e do nariz): cf. Picatrix: Das 
Ziel des Wiesen von Pseudo-Magriti, trad. H. Ritter & M. Plessner (London: Warburg Institute, 1862). 
36 Ver Freud, “On the transformation of instincts with special reference to anal erotism” [Transformação 
dos instintos, em particular no erotismo anal], Collected Papers II, 164. “... Cada uma das três qualidades, 
avareza, pedantismo e teimosia, vem de fontes eróticas anais – ou, para expressá-lo de maneira mais 
cautelosa e mais completa – vêm de poderosas contribuições dessas fontes”. No sistema da Yoga 
Kundalini, a consciência associada ao Muladhara, o centro corporal “localizado” na região coccígea do 
ânus e do genital, não tem um caráter especificamente anal ou genital, mesmo quando se vale de 
contribuiçõesde fontes arquetípicas anais ou genitais. 
podemos “confiar” enquanto “solo seguro”, algo mais velho, mais universal e objetivo. O corpo 
começa a assumir outro nível de realidade, não mais o corpo experienciado pela imaginação. Ele 
se torna um conjunto de conceitos baseados nas observações externas e composto por 
conteúdos ontológicos e morais. Eu seria o último a me juntar ao que Brown considera ser a 
deserção neo-freudiana da “compreensão psicanalítica inicial sobre a base corporal de todas as 
superestruturas ideológicas”37. Mas deixemos corpo e alma juntos, não considerando nenhum 
mais primário que o outro, nenhum mais real, básico ou valioso. Na medida em que fantasiamos 
o corpo enquanto uma “base”, nós criamos um objeto biológico de outra ordem separado do 
que ele porta. A antítese inerente a todo pensamento implica que sempre que elevamos algo, 
no mesmo momento também rebaixamos algo. Sempre que precisamos focar no corpo, nós 
começamos igualmente a perder contato com ele. 
 Ao livrarmos a repressão de sua redução a um enfoque corporal, também poderemos 
livrar esse foco, o ânus, da repressão da consciência senex. Se nele reinasse Afrodite, se 
converteria em uma região de alegria libidinal e amor sexual; se fosse o trickster, um reino de 
brincadeiras irresponsáveis e piadas; se fosse o heroísmo hercúleo (que tende a servir a um 
velho rei), um trabalho de limpeza, uma empreitada cultural; Deméter38, a quem pertence a 
digestão, uma parte despudorada do ciclo de crescimento e morte. Em outras palavras, uma 
psicologia arquetípica pode imaginar zonas corporais e funções através de várias perspectivas. 
Outra “visão excremental” (Brown) seria possível se a consciência senex e sua repressão não 
mais se fixassem na analidade. A repressão precede a fase anal e torna possível a organização 
infantil da libido através de fases; a repressão precede e permite a existência da própria 
civilização. Porque a repressão pertence ao arquétipo senex, ela possui uma fonte arquetípica, 
não uma fonte anal. 
 
37 Brown, Life Against Death, 203. O apoio para a hipótese de uma “base corporal para todas as 
superestruturas ideológicas” vem de algumas teorias da linguagem, por exemplo, O. Jesperson (Negation 
in English and Other Languages, 2nd ed. [Copenhagen: A. F. Host, 1966], 6ff.) que escreve: “... o velho 
negativo ne, que assumo estar junto da variante me, uma interjeição primitiva de desgosto, acompanhada 
pela expressão facial de contração dos músculos do nariz... Essa origem natural explica o fato de que 
começos negativos com sons nasais (n, m) são encontramos em muitas linguagens fora da família indo-
europeia”. 
38 Diógenes Laércio VI, 69 sobre Diógenes, o Cínico: “Era o hábito [de Diógenes] fazer tudo em público, 
tanto os trabalhos de Deméter quanto os de Afrodite”. 
Freud notou que o “recalcado permanece inalterado pela passagem do tempo”39. O que 
foi reprimido não decai, nem desaparece – tampouco se desenvolve. Mas uma vez que o ego, 
esse sim, se desenvolve, a repressão faz com que o próprio tempo interior fique fora de ordem, 
partes moventes e partes estagnadas. Façamos então uma inversão proposital da observação 
de Freud e digamos “para conservar os complexos inalterados pela passagem do tempo, 
recalque-os”. Saturno é o grande conservador que traz todas as coisas para a atemporalidade, 
de uma maneira ou de outra. Repressão e negação servem a esse propósito. Até então, 
analisamos a repressão como um mal, uma atividade egoica, um mecanismo de defesa que gera 
a neurose. Poderia a repressão ser vista de forma nova? Poderia esse fenômeno ser “salvo”? 
Quais são suas necessidades? 
Se a repressão descontextualiza eventos psíquicos de seu próprio tempo, ela os traz de 
volta para a atemporalidade. Do ponto de vista do ego, isso é regressão. Mas o ego é, ele mesmo, 
um dinamismo pululante, que heroicamente projeta-se para o futuro, chaminés que liberam um 
rastro de poluição, o rugido imperturbável da história que fica para trás. O ego anseia pelo 
tempo e nunca o tem suficientemente. Retirar as coisas do tempo encerra seus movimentos na 
história, seus crescimentos e mudanças. Quando reprimimos algo fora do tempo, o complexo se 
reaproxima da atemporalidade do mundo arquetípico. É claro, isso implica que o componente 
infantil do complexo permanece cronologicamente intocado. Mas o componente infantil é 
também a juventude do complexo, seu aspecto pueril, sua primordialidade. 
Se, seguindo Freud, podemos falar de um “recalcado primordial”, então a repressão é 
primordial. Ainda que Freud situe a repressão no ego, constatando que “nós nunca descobrimos 
o ‘não’ no inconsciente”40, é mais preciso afirmar que repressões (como projeções) acontecem 
antes de o ego ser formado e, mais, que a repressão forma o ego como o conhecemos. Porque 
a repressão é dada primordialmente com id, ela é arquetípica e necessária. Ela pertence aos 
arquétipos, especialmente o senex. 
Podemos imaginar a repressão dessa maneira. A ordem dos poderes primordiais requer 
limites41 entre eles. A consciência de um tende a excluir a consciência do outro. A repressão 
mútua entre suas perspectivas é uma contra-tendência à sua própria vinculação42. “Um deus 
 
39 Freud, New Introductory Lectures on Psychoanalysis (London: Leonard and Virginia Woolf at the Hogarth 
Press, and the Institute of Psycho-Analysis, 1933), 99. Ver Beyond the Pleasure Principle, 33; e Life Against 
Death, 274-77. 
40 Freud, “Negation”, loc. cit. sup. 
41 N. O. Brown, ‘Boundary” in Love’s Body (New York: Random House, 1966). 
42 Ver o meu Mito da Análise, 264. 
mantém o outro sob controle”43. Todos reprimem-se mutuamente. A repressão estabelece seus 
limites e reflete um aspecto senex que estabelece ordem através do mundo arquetípico pela 
negação que evite qualquer poder de exceder sua necessidade. 
Do mesmo modo que a repressão afirma seus limites dentro do arquetípico, por meio 
da repressão afirmamos os limites dos padrões pelos quais vivemos. Os papeis que 
desempenhamos se situam dentro da pele deste ou daquele padrão arquetípico. Suspender 
repressões é também perder os limites e borrar as distinções entre os modos de existência. O 
pano de fundo politeísta da existência requer uma repulsão contínua das energias entre formas, 
entre polos negativos de dois filões magnéticos. Os deuses, que juraram por Estige (ódio), 
mantêm-se em seus confins e não invadem esferas que não são suas. E cada deus igualmente 
tem seu estilo de exclusão, de forma que quando reprimimos, o fazemos sempre a partir de um 
estilo ou de outro. A repressão pode ser diferenciada por meio do mito: quem está excluindo 
quem? Não há um ato global de repressão geral a menos que nosso estilo esteja modelado por 
um princípio monoteístico que começa pela exclusão de todo o resto, isto é, nenhum outro deus. 
Uma descrição acurada do inconsciente coletivo afirma a multiplicidade de centelhas que não 
pode ser formulada por sincretismo, panteísmo, ou monoteísmo unitarista. Cada um desses 
“ismos”, ao amalgamar e unificar, perde as distinções dadas pela repressão. 
O reino imaginal também pede por limites fixos, do contrário não haveria geografia 
imaginal. Não é somente o espaço interno que conta, mas os espaços internos, uma precisão de 
topoi, cada figura arquetípica no contexto bem definido de sua paisagem, de seu clima44. Se a 
Era Dourada é a utopia onde (e não quando) Kronos-Saturno reina, então a Era Dourada é uma 
topologia do primordialmente reprimido, onde a repressão continuamente produz diferentes 
locais para a distinção das imagens primordiais. 
Nossas repressões humanas conservam a vida psíquica do desenvolvimento para além 
da primordialidade. Sim, elas mantêm os complexos no campo da infantilidade, isto é, em sua 
infância – mas isso não quer dizer:perto do imaginal? A repressão primordial poderia ser 
invertida para significar reprimido em nome da primordialidade, o retorno do recalcado, a visão 
transcendente dessa terra que chamada “era dourada”. O propósito fundamental e a contumaz 
intenção da consciência senex de Cronos é o retorno a esse lugar da imaginação. Reprime-se 
para restaurar a perfeição. Sua consciência é utópica. Só existem as contradições superadas. 
 
43 H. Usener, Götternamen (Frankfurt: Verlag C. Schulte-Bulmke, [1895] 1948), 348. 
44 Sobre topografia imaginal, ver E. S. Casey, “Toward and Archetypal Imagination”, Spring: An Annual of 
Archetypal Psychology and Jungian Thought (1974). O lócus da imagem é particularmente importante na 
arte da memória, em na geografia do imaginal nos escritos de Corbin. 
Se perguntarmos pelo que é reprimido, a resposta emerge tanto de Freud quanto do 
mito. O reprimido é o infantil, as crianças de Cronos que representam as outras variedades 
arquetípicas da imaginação. As crianças devoradas pelas infantilidades que nutrem a vida da 
fantasia e que foram vistas pela psicodinâmica freudiana como neuróticas e regressivas. Esses 
deslocamentos, distorções, simbolizações e fantasias são as crianças fermentando 
interiormente, produzindo o excesso de pneuma e elevando os poderes imaginativos do senex 
às raias do exagero. 
 Na consciência senex, a criança precisa ser devorada. Isso pertence ao mito. Não é algo 
“negativo”. Para o neoplatonismo (Salústio), comer crianças reflete a autofertilização 
introvertida em que “devorar denota uma união de si com a própria substância”45 – a própria 
semente e o cultivo dessa semente46. Da perspectiva da consciência senex, enquanto as crianças 
permanecerem dentro, elas estãarão no lugar certo; devorá-las as mantêm vivas. 
 O problema irrompe quando elas irrompem. Pois Saturno é dirigido tanto pela urgência 
de percepção concreta quanto por sua mente extravagante. Ele vive em duas casas vizinhas, 
Capricórnio e Aquário. A necessidade de materializar abstrações e imagens transforma a criança 
interior em uma pedra objetiva, o pensamento materializado e literalizado que é tão 
característico do senex. 
 Dessa forma, o que vemos é o mesmo arquétipo que tanto contém quanto quebra a 
contenção. A fermentação o excede porque Saturno tem fome pelo concreto. Ele constrói seu 
receptáculo muito literalmente. Quando o receptáculo da fermentação psíquica é definido pelo 
 
45C. O. Miller, Introduction to a Scientific System of Mythology (1825), trad. J. Leitch (London: Longman, 
Brown, Green and Longmans, 1944), 308; a discussão sobre Salústio está em seu Concerning the Gods and 
the Universe, A. D. Nock, ed. (Cambridge: The University Press, 1927), par. 4. O conto de Uranos-Cronos-
Zeus recebeu inúmeros comentários, especialmente neoplatônicos. Comparar com F. Bacon, Cogitaciones 
de scientia humana (1605), Sp. III, 86; Sp. VI, 723-25. Este e outros mitos “explicados” por Bacon estão no 
livro de P. Rossi, Francis Bacon (London: Routledge & K. Paul, 1968), 73-134. Vico contribui mais com uma 
hermenêutica sociológica (T. G. Bergin & M. H. Fisch, The New Science of Giambattista Vico, Livro II, par. 
587 [Ithaca, N. Y. Cornell University Press, 1968], 213). Para uma elaborada fantasia sexual apresentada 
como uma “interpretação” acadêmica do mitologema, ver G. S. Kirk, Myth, Sather Lectures, (Cambridge 
e Berkeley: University of California Press, 1970), 218: “... O mito parece transmitir uma mensagem sutil, 
que excessos e atos não-naturais no reino do sexo e do nascimento levantam contrabalanceamento e 
excessos dissuasivos na outra direção”. Para outra perspectiva, arquetípica dessa vez, sobre o mito, ver 
M. Stein, “The Devouring Father”, em Fathers and Mothers, ed. P. Berry (Zurich: Spring Publications, 
1973). 
46 Ver “On Seeds”, Apêndice III, em Skarstrom, op. cit. 
senex, nós estipulamos códigos sacerdotais e pesadas leis técnicas para a alquimia, as práticas 
espirituais, a psicoterapia, selando-o com proibições literais – o que faz com que o receptáculo 
precise quebrar, e Saturno se autodestruir. A consciência senex assume o segredo hermético 
literalmente como repressão saturnina. O mistério se torna mudez; o Não a defensa sempre 
necessária. 
 Ao começarmos com uma fantasia da repressão primordial – ao invés dos atos 
repressivos refletidos no ego – podemos ver a necessidade da repressão na vida psíquica. Nós a 
imaginamos como uma forma dos deuses afastarem-se em mútuo respeito. Eles se mantêm 
perpetuamente em conexão com Saturno e limitados por sua ordem restrita. Porque ele é pai 
de Zeus, os princípios de exclusão, repressão, negação e limitação são pais dos atos criativos. 
 As limitações que Saturno impõe desde as bordas exteriores das esferas sobre os outros 
deuses e as que a consciência senex impõe sobre a psique podem ser vistas como uma forma 
modificada de negação. Lá reside um valor real no ego saturnino informado pelo espírito senex 
da limitação. Conheça-te a ti mesmo se torna conheça teus limites, limites que são poderes que 
não pertencem a qualquer humano. O ego, então, não mais é um fazedor e um construtor, um 
criador, ou portador de qualquer expectativa romântica que o herói nos requeira. O ego se torna 
um conservador, uma figura guardiã, ou uma testemunha das fronteiras de um reino 
enfraquecido, que cochila na borda da loucura estrelada em relação contínua com o que está 
“lá fora”. 
 A consciência da limitação é regente e, ao mesmo tempo, está exilada. Ela flutua entre 
complexos, um vigia na noite de suas fantasias, mantendo o tempo através da mensuração das 
imagens que cortam o céu interior, um astrólogo de constelações. Caídos os heróis, seu papel 
se dá entre a depressão e o sacrifício; pois limitação significa servir a Saturno, o deus do 
sacrifício: Moisés e Abraão, patriarcas, demandando a totalidade, “custando não menos que 
tudo”, tão semelhantes a Móloque. O reino encolhe; a diminuição é ascendente; o que não for 
sacrificado, de qualquer forma, decairá. Mas o sacrifício, que é a depressão sob outro disfarce – 
e é também limitação – não é um gesto único. Através da depressão prolongada, o sacrifício se 
torna crônico; mantém-se o sacrifício e perpetua-se a limitação em um modo mimético do deus 
senex. 
 
 
 
 
 
 
IV. Uma solução renascentista 
 
O intelecto especulativo não pensa em nada do que é prático e não é assertivo sobre o que deve ser 
evitado ou perseguido. 
- Aristóteles, De Anima, III 
 
Como chegar a um acordo com o arquétipo em sua totalidade foi a questão que Marcilio Ficino 
(1433-99), o psicólogo mais profundo do Renascimento, lidou ao longo de sua vida. 
 
... Ele mesmo era um melancólico e um filho de Saturno – o último dado, de fato, em 
circunstâncias particularmente desfavoráveis, pois em seu horóscopo, a estrela negra, 
cuja influência ele tão inabalavelmente acreditava, estava em seu ascendente e que, 
ademais, estava no signo de Aquário, a “residência noturna” de Saturno. É incomumente 
esclarecedor ver como a noção de Saturno de Ficino, bem como sua melancolia, 
brotaram de seu fundamento pessoal, psicológico, pois não há dúvida que ele, à 
despeito de sua familiaridade com Dante e o antigo neoplatonismo, fundamentalmente 
considerava Saturno como uma estrela essencialmente de azar, e a melancolia como um 
destino essencialmente infeliz, de forma que ele tentou fazer frente a isso nele mesmo 
e nos outros por meio das artes médicas que ele havia aprendido com seu pai, 
aperfeiçoadas pelo seu próprio treino e, finalmente, firmemente embasadas na magia 
astral neoplatônica.47 
 
 
47 Saturn and Melancholy, 256. Em uma carta ao seu amigo Cavalcanti, Ficino discorre sobre seu 
horóscopo: “Saturno estabeleceu-se nomeio de Aquário, meu ascendente, recebendo a influência de 
Marte no mesmo lugar; a Lua está em Capricórnio... O Sol e Mercúrio em Escorpião, outra casa catastrófica 
dos céus. Vênus em Libra e Júpiter em Câncer talvez tenham sofrido alguma resistência quanto ao que 
concerne minha natureza melancólica”. (“Lettres sur la Conaissance de soi et sur l’astrologie”, trad. et 
ann. Par. A. Chastel, in La Table ronde [n.d.]). A tradução do francês para o inglês é minha, originalmente 
em latim na Basel Edition (1576). Ver Saturn and Melancholy, 256ff. com notas, para as versões em inglês 
e em latim das muitas cartas. 
O resultado de sua dedicação foram três volumes, De Vita Triplici (1482-89)48, sobre os sintomas 
e a terapia da consciência senex. Nesse trabalho, ele se autoriza a uma identificação total com 
seu sujeito; opus e operador afetados pela mesma constelação: 
 
O sistema de Ficino – e este talvez tenha sido seu principal êxito – foi planejado para dar 
à “contradição imanente” de Saturno um poder redentor: o melancólico altamente 
dotado – que sofria sob Saturno, na medida em que o deus atormentava o corpo e as 
faculdades inferiores com pesar, medo e depressão – poderia salvar a si mesmo através 
do próprio ato de voltar-se voluntariamente para o mesmo Saturno.49 
 
O poder redentor da contradição senex foi descoberto no ato de voltar-se para sua própria 
contradição. A antítese de sua natureza libera compreensão curativa. A compreensão é uma 
função do pensamento; contemplação, especulação, música, matemática, e especialmente a 
imaginação, se tornam via regia. Os problemas são tomados em seus extremos, onde não mais 
constituem realidades vivas, mas se tornam fantásticas, refletindo sua fonte na realidade 
imaginal. O mundo é levado de volta ao seu logos, o fim ao seu começo no nous. As questões 
são retiradas do estreito campo da depressão particularizada e expandidas para a contemplação 
melancólica dos universais impessoais e imaginais. A acedia do silêncio e da introspecção 
através da recusa de culpar qualquer pessoa que não a si próprio, de culpar suas próprias 
estrelas, conduz até o espaço interior, memoria. 
 Crucial para esse movimento interior foi a percepção de que a interioridade precisa ser 
negra e vazia, do contrário o antídoto não poderá nascer do veneno. O enfoque rígido e 
autocentrado sem fugas para esperanças futuras é precisamente o método melancólico, um 
processo arquetípico de autocorreção. 
 
48 Ver T. Moore, The Planets Within: The Astrological Psychology of Marsilio Ficino (Great Barrington, 
Mass: Lindesfarne Press, 1990); Marsilio Ficino’s Book of Life, trad. C. Boer (Dallas: Spring Publications, 
1980). 
49 Saturn and Melancholi, 270-1. Em uma carta ao Arquibispo de Florença, Ficino descrevia a depressão 
que muito o tolhia. Após um favor que a ele foi negado, ele disse, “Eu estava fortemente estarrecido e 
procurei com o maior cuidado a razão dessa série de desordens. Não encontrando nenhuma razão na 
Terra, a encontrei nos céus”. Chastel sugere que esse fora o início da “obsession saturnienne” de Ficino. 
(“Lettres”, 200). 
 A própria agitação e os pensamentos recorrentes que acompanham a estreita solidão e 
o monólogo imaginal interior são atividades periféricas que seguem o compasso de todo 
centramento. As contradições entre centro e circunferência aparecem no paradoxo da 
“depressão agitada” – mãos que se pressionam, necessidade por ritmo consistente, insônia. O 
santo do deserto, intensamente focado, é assaltado por distrações tagarelas; o Velho Rei deseja 
ser deixado em paz com seus livros ao mesmo tempo em que está ocupado defendendo suas 
longínquas fronteiras. (Somente quando estamos capturados em uma fantasia de centramento 
é que nos preocupamos com “dez mil coisas”). A estrutura trabalha à moda obsessiva a partir 
de sua oposição interna. O símbolo corporal é ainda a cabeça50. 
 Na velha doutrina médica (Hipócrates): “A fatiga da alma vem do pensamento da 
alma”51; a nova visão de Ficino vira essa lógica de cabeça pra baixo. Agora, os esforços mentais 
restauram a alma. Sua fatiga é sua porta de entrada. Apatia, acedia, depressão não são 
meramente sintomas de algo errado que precisa ser curado, mas indicativos do que a alma está 
naturalmente buscando, isto é, uma completa percepção da via imaginativa. Similis similibus 
curantur. O senex é a sua própria possibilidade inerente de transcender sua “tensão excessiva”. 
O arquétipo, por mais enfermo e prejudicado que possa ser, como os deuses neoplatônicos, que 
são imortais, está a se autoperpetuar; sua energia não se esgota. Ele busca métodos para sua 
própria revivificação. Alguns desses métodos de revivificação já foram vistos: a pedofagia onde 
a criança é consumida para permanecer fermentando dentro do pai; a adoração ancestral (que 
é a adoração do “arquétipo”) dos mais velhos que refletem o passado, que os vê nos netos; o 
furor melancólico em que as fúrias silenciosas e negras agitam a alma; a depressão que suga 
energia de seus arredores; o retardo a serviço da perpetuação; a Cronia ou Saturnalia através 
das quais uma reversão de valores restaura as leis do deus. Através de cada um desses métodos, 
o arquétipo se sustenta. 
 Quando um psicoterapeuta considera ser benéfico para o sujeito depressivo não resistir 
a sua depressão, ou para sujeitos mais velhos ocuparem-se com os pensamentos, as visões e as 
 
50 Saturn and Melancholy, 286. “The Motif of the Drooping Head”. Ver E. Goodenough, Jewish Symbols in 
the Graeco-Roman Period, Vol. 10 (New York: Bollingen, 1964), 58; sobre a emissão de chumbo da cabeça 
do caído Gaiomar ver “The mysticism of the seven metals”; R. Burton, The Anatomy of Melancholy, 3 vols. 
(New York: E. P. Dutton & Co., Everyman edition, 1932) I: 409; II: 235; ver também vol. I, 300-30 sobre a 
melancholia como uma aflição do intelectuais; sobre Cronos-Saturno como nous, Plotino, Enn. V, 1, 4; ver 
Saturn and Melancholy, 153, 155. 
51 Saturn and Melancholy, 84. 
estranhas alteridades de seus sonhos, o psicoterapeuta está expressando o que Ficino, filho de 
Saturno que foi, apresentara como um método convincente. A consciência senex está 
finalmente em descanso no reino imaginal dos archai, que são dei ambigui de infindáveis 
complicações e contradições. A melancolia nos conduz aonde não mais podemos imaginar ou 
pensar, ao vácuo interno que é também os limites mais distantes da mente. Essas são zonas 
fronteiriças, uma condição limítrofe da ambivalência emocional que, como Freud escreveu, é 
um fator radical da melancolia52. Mas, por ora, do que pudemos reunir da abordagem de Ficino 
ao que poderia ser chamado de fundo psicótico da depressão, não há fúria que encerre as 
contradições internas pela escolha de um ou de outro elemento de seu quadro. Os impulsos 
opostos se mostram como indistinguíveis. Nessa fronteira, um lado é igual ao outro. A fantasia 
aqui transcende os opostos como um problema. As imagens são meramente elas mesmas, não 
passíveis de acusação para comporem julgamentos, posições ou oposições. Não há nada a se 
afirmar ou negar, pois, como disse Aristóteles: “Fantasia é distinta da asserção ou da 
negação...”53. 
 Dessa perspectiva, a terra de Saturno e dos espíritos ctônicos aos quais ele é associado, 
Lua a corruptora, a destruição de toda a existência com o escurecimento do cérebro e a maldição 
do chumbo, podem ser pensados sob uma nova forma. Eles se referem a uma decadência e a 
uma descida abaixo da terra e suas realidades ao imum coeli¸ ao deus oculto (Deus abscondidus) 
e a terra do nous, a terra oculta. A terra oculta é a islâmica “terre celeste” nas palavras de 
Corbin54, ou ao budista “terre pure” nas palavras de Paul Mus55. A sagrada arte da geometria de 
Saturno seria a arte dessas terras. Não o mundo físico que não mostra