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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife Graúna, Maria das Graças Ferreira Literatura portuguesa I / Maria das Graças Ferreira Graúna. – Recife: UPE/ NEAD, 2009. 64 p.: il. – (Letras). ISBN 978-85-7856-026-3 Conteúdo: fasc. 1 – Das cantigas medievais ao teatro vicentino; fasc. 2 – Camões: épico e lírico; fasc. 3 – Anjos, demônios e pastores “Carpe Diem”!; fasc. 4 – Vertentes do romantismo em verso e prosa. 1. Literatura portuguesa 2. Educação a distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título CDU 869.0 G774l Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010 Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664 Coordenador Geral Coordenador Adjunto Assessora da Coordenação Geral Coordenação de Curso Coordenação Pedagógica Coordenação de Revisão Gramatical Administração do Ambiente Coordenação de Design e Produção Equipe de design Coordenação de Suporte EDIção 2009 Reitor Vice-Reitor Pró-Reitor Administrativo Pró-Reitor de Planejamento Pró-Reitor de Graduação Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Pró-Reitor de Extensão e Cultura Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello Prof. Paulo Roberto Rio da Cunha Prof. Béda Barkokébas Jr. Prof.ª Izabel Cristina de Avelar Silva Prof.ª Viviane Colares S. de Andrade Amorim Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo UNIVERSIDADE DE PERNAmbUCo - UPE Prof. Renato Medeiros de Moraes Prof. Walmir Soares da Silva Júnior Prof.ª Waldete Arantes Prof.ª Silvania Núbia Chagas Prof.ª Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima Prof.ª Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes Prof. Walmir Soares da Silva Júnior Prof.ª Angela Maria Borges Cavalcanti Prof.ª Eveline Mendes Costa Lopes Prof.ª Célia Barbosa da Silva Oliveira . José Alexandro Viana Fonseca Prof. Marcos Leite Anita Sousa Gabriela Castro Rafael Efrem Rodrigo Sotero Romeu Santos Susiane Santos Adonis Dutra Afonso Bione Prof. Jáuvaro Carneiro Leão NEAD - NÚCLEo DE EDUCAção A DISTÂNCIA 5 Literatura Portuguesa i Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna Carga Horária | 60 horas ementa Considerações sobre a literatura portuguesa do século XII ao século XIX. Origens. Trovadorismo. Poesia palaciana e outras manifestações do Humanismo. Renascimento. Barroco. Arcádia lusitana. Faces do Romantismo. objetivo geraL Fomentar a reflexão, o estudo e a pesquisa voltados para os direitos humanos nas mais diversas manifestações da literatura portuguesa do séc. XII ao séc. XIX. objetivos esPecíficos Estudar o contexto histórico e as características dos movimentos literários no contexto europeu: do Trovadorismo ao Romantismo. Problematizar o contexto histórico e as características das obras consideradas mais representativas (em prosa e verso) em Portugal: do séc. XII ao séc. XIX. Estabelecer relações entre as diferentes manifestações literárias lusófonas: do Trovadorismo às gerações românticas do séc. XII ao séc. XIX. aPresentação da disciPLina A literatura é uma expressão artística, das mais elevadas no conjunto das mani- festações culturais de um povo. A literatura pode ser considerada um jeito de ser e de viver, de tal maneira que podemos observar, ler e interpretar o universo. Com este espírito, podemos dizer que na literatura cabem “todos os sonhos do mundo”, como diria o poeta Fernando Pessoa. Vejamos, agora, de que trata a nossa Disciplina: no Fascículo 1, temos o Tro- vadorismo - um grande estilo de época que, ao longo da história da literatura universal, influenciou outros movimentos, a exemplo do Humanismo; no Fas- cículo 2, o Renascimento nos traz os Lusíadas (epopéia) e a lírica de Luis Vaz de Camões; o Fascículo 3 remete ao Barroco e ao Arcadismo – estilos de época em que se destacam, respectivamente, as cartas de Mariana Alcoforado e a poesia bocagiana; para encerrar, o Fascículo 4 nos embala com o Romantismo em verso e prosa, escrito por Almeida Garret e outros nomes da cena literária portuguesa. Esperamos que a dinâmica dos exercícios e as estratégias apresentadas possam contribuir para o desenvol- vimento da pesquisa e para a compreensão da literatura portuguesa e suas relações sociais. Naveguemos, então, no mar da Literatura Portuguesa! 6 7Fascículo 1 das cantigas medievais ao teatro vicentino Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna Carga Horária | 15 horas 1. origens da Literatura Portuguesa Primeiro Período (1189 ou 1198-1434) ProbLematização Grande parte da literatura de tradição oral é cantada ou entoada, podendo ser acompanhada de música (produzida por instrumentos diver- sos) e associada à poesia. A oralidade é a base da literatura - seja espanho- la, árabe, francesa ou de língua portuguesa (em Macau, na China; no Continente Africano, na Europa, na América do Sul e outros lugares); o certo é que a oralidade vem primeiro, como demonstram as rodas de conversas que alimentam o imaginário das pequenas aldeias portuguesas e a literatura de cordel, que ainda circula no Nordeste do Brasil, oriunda dos tempos medievais. É possível dizer que a variedade do cancioneiro, tal como o conhecemos hoje, partiu de uma realidade que transcende o período medieval: algo que podemos chamar de oralidade. Desse modo, podemos supor que a oralidade continua indispensável “a todo conhecimento que se pretenda sólido, nos vários setores da Cultura”, conforme intuímos do pensamento de Massaud Moisés no prefácio da série de textos doutrinários sobre a estética da Ilustração no universo da lite- ratura portuguesa. Como este espaço é de reflexão, aqui, não nos interessam as respostas prontas, mas, sobretudo, o fazer literário de autores(as) e a repercussão das obras do Me- dievalismo ao Romantismo na história social da literatura portuguesa. No entendimento de Saraiva, um estudioso da literatura portuguesa, a Litera- tura oral é composta pelo Romanceiro, isto é, um conjunto de manifestações Ata do I Encontro de Estu dos Medievais - UFRJ: http://www.pem.ifcs.ufrj.br/p rogramacao.htm texto comPLementar Salão de leitura do Real Gabi- nete Português de Leitura, no Centro do Rio de Janeiro. Cr éd ito : D an ie l S ch w ab e in w w w .fl ic kr .c om 8 Fascículo 1 artísticas constituído de breves romances popu- lares ou composições versificadas sobre aventuras guerreiras, sociais ou amorosas. São exemplos des- sas manifestações: O Romance da Nau Catrineta, Santa Iria, O Conde Alemão. Nos chamados Contos Tradicionais, estão as his- tórias do cotidiano, muitas vezes com intervenção do sobrenatural, como sugerem a História da Ca- rochinha. Nas Trovas Populares, encontra-se o Cancioneiro; um dos mais conhecidos intitula-se Senhora do Almurtão, com peças na sua maioria, oriundas do canto. Esse tipo de narrativa apresen- ta diferentes versões, considerando a criação cole- tiva e a tradição oral reproduzidas pela memória. Desse modo, passa por variações que acabam por enriquecê-la e por consagrar, assim, a sua base cole- tiva. Garrett, em consonância com o ideal românti- co de valorização das origens da nacionalidade e da tradição popular, Teófilo Braga, Leite de Vasconce- los e Consiglieri Pedroso demonstram claramente a influência que receberam dessas composições. No século XX, Fernando Lopes Graça apresentou muitas das versões musicais dos textos do Can- cioneiro e de alguns romances. Desse modo, a re- lação entre literatura oral e literatura escrita nos aproxima do chamado sistema semiótico literário. Na concepção de Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1988, 137-144), em Teoria da Literatura, essa rela- ção mostra o seguinte: Para se compreender adequadamente a problemática semi- ótica da literatura oral, torna-seindispensável, em primeiro lugar, rejeitar a ideia de que entre o texto da literatura oral e o texto da literatura escrita existe apenas a diferença de que o segundo, ao contrário do primeiro, apresenta os seus si- nais constitutivos materializados numa substância e numa peculiares, em conformidade com as regras e convenções do código grafemático utilizado. Se a ideia de qualquer texto escrito representa tão-só a materialização gráfica, a mera transliteração de um ato de fala oralmente realizado, é profundamente inexacta, maior gravidade assume o erro quando se equaciona assim a relação diferencial existente entre texto da literatura oral e texto da literatura escrita (AGUIAR E SILVA). atividade crítica/refLexiva | Com base nas Referências, discuta com os(as) colegas do Curso a relação entre a literatura escrita e a literatura de tradição oral. 2. estética trovadoresca: Lírica e satírica ProbLematização Quais os reflexos da poesia trovadoresca na atual literatura portuguesa? contexto Histórico O Trovadorismo tem origem no Sul da França, mais precisamente na Provença (daí a sua tradição provençal) e se mistura com a cultura da Penín- sula Ibérica. A estética trovadoresca foi chamada também de poesia galaico-portuguesa (da Galiza, região do norte ibérico) e divide-se – conforme o tratado poético do Cancioneiro da Biblioteca Na- cional ou CBN – em duas categorias: lírica e satí- rica. Da primeira, constam as cantigas de amigo e de amor. Nas satíricas, temos as cantigas de escár- nio e de maldizer. Essas duas categorias dão conta de um cancioneiro com característica peculiar, de que falaremos adiante. Nos séculos XII a XIV, a literatura fora dos conventos, mosteiros e abadias desenvolveu-se em um idioma galego-português, isto é, uma mistura da língua da Galícia com a de Portugal. Esse hibridismo está presente na poesia trovadoresca e nas novelas de cavalaria. Na Idade Média, as primeiras manifestações em língua galego-portuguesa (português arcaico) da- tam do séc. XII; não eram recitadas, porém canta- das e aparecem em três coletâneas: o Cancioneiro da Ajuda – CA (com 310 cantigas compiladas no séc. XIII), o Cancioneiro da Vaticana – CV (1205 cantigas copiladas na Itália, no séc. XVI sobre ori- ginais do séc. XIV) e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional - CBN (1647 cantigas compiladas após a morte de D. Dinis), considerado o mais completo, abrange as cantigas do século XII ao século XIV. Essa coletânea revela-nos a produção lírica e satí- rica difundida por trovadores (poetas), segréis (ins- trumentistas) e jograis (cantor e compositor). Na opinião de António José Saraiva e Oscar Lo- Grupo Atempo - Música Medieval - Conjunto de música especializado no período Medieval http://www.atempo.com.br/ texto comPLementar cantigas de Santa Maria ht tp :// up lo ad .w ik im ed ia .o rg / w ik ip ed ia /c om m on s/ 7/ 72 / Ca nt ig as _S an ta _M ar ia .jp g 9Fascículo 1 pes, dois nomes aparecem como os precursores do Trovadorismo em Portugal: João Soares de Paiva e Paio Soares de Taveirós; este último é autor da cé- lebre “Cantiga da Garvaia” (primeira composição trovadoresca, provavelmente do ano de 1189 ou 1198), em alusão à D. Maria Paes Ribeiro, prova- velmente amante do monarca português, D. San- cho I. A este respeito, convém observar que não se trata de uma cantiga de amor, pois a composição tem mais semelhança com as cantigas de mal-dizer. atividade crítica/refLexiva | Discuta com os(as) colegas do Curso a relação entre as diferentes cantigas trovadorescas 3. PrinciPais trovadores ProbLematização Na opinião do pesquisador Jarbas Vargas Nascimento: o séc. XIII fixa com D. Afonso X, o Sábio, uma revolucioná- ria postura histórica na poesia lírica, inovando o meio cultu- ral ao apresentar a coletânea religiosa de poesias líricas - As cantigas a Santa Maria - que re- presentam, de certa forma, um reflexo da devoção mariana espalhada pela Europa no final do séc. XII. Entre os trovadores mais famosos, consta o Rei Afonso X de Castela e Dom Dinis (1261-1325), Rei de Portugal – este último conhecido também como Rei trovador, autor de 138 cantigas; a maio- ria de amor, apresentando alto domínio técnico e lirismo, tendo renovado a cultura numa época em que ela estava em decadência em terras ibéricas. Filho do rei D. Afonso III e neto de D. Afonso X, Rei de Leão e Castela, o rei trovador subiu ao tro- no de Portugal em 1279. Em seu reinado, a língua portuguesa se tornou oficial; a agricultura ganhou destaque com a plantação do Pinhal de Leiria. No Trovadorismo, outros nomes se destacam: João So- ares de Paiva, Paio Soares de Taveirós, João Garcia de Guilhade, Afonso Sanches, João Zorro, Aires Nunes, Nuno Fernandes Torneol. Outro rei trovador é D. Afonso X, conhecido como o Sábio de Leão e Castela. É considerado o grande renovador da cultura peninsular na segun- da metade do século XIII. Acolheu na sua corte trovadores, tendo ele próprio escrito um grande número de composições em galaico-português que ficaram conhecidas como Cantigas de Santa Ma- ria. Promoveu, além da poesia, a historiografia, a astronomia e o direito, tendo elaborado a General História, a Crônica de España, Libro de los Juegos, Las Siete Partidas, Fuero Real, Libros del Saber de Astrono- mia, entre outras. Dedicado também às letras foi o rei D. Duarte. Fez tradução de autores latinos e italianos e organizou uma importante biblioteca particular, destacando- se as seguintes contribuições: Livro dos Conse- lhos; Leal Conselheiro; Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela. atividade crítica/refLexiva | Pesquise acerca da poesia religiosa no medievalismo português. 4. cantigas amorosas ProbLematização A que se deve a exclusão da literatura escrita por mulheres, na Idade Média? Artistas medievais Fonte: http://images.google. com.br/images?hl=pt- BR&q=trovadorismo&um =1&ie=UTF-8&sa=N& tab=wi Centro de Estudos Medie vais - Oriente & Oci- dente - Centro de Estud os Medievais da Uni- versidade de São Paulo http://www2.fe.usp.br/~cem oroc texto comPLementar http://www.ifcs.ufrj.br/~fraza o/mulher.html texto comPLementar Santa Clara e São Francisco ht tp :// ca nt od ap az .co m .b r/ im ag es /fr an - cis co _c la ra _m ao s.j pg 10 Fascículo 1 A lírica medieval é composta por cantigas de ami- go e cantiga de amor. A diferença entre essas canti- gas consiste em que na Cantiga de Amigo se supõe um eu-lírico feminino, pois o tema trata de uma cantiga de mulher, composta por um trovador. Nessa cantiga, o objeto de atenção é o ser amado, o namorado, o amante, o amigo. Uma das canti- gas mais conhecidas intitula-se Ondas do mar de vigo, de Martim Codax. O fragmento que segue demonstra claramente que a boa literatura vence o tempo, ou seja, a produção literária da Idade Mé- dia é apenas parte de um mundo que mal conhe- cemos e que, por isso mesmo precisamos conhecer para entender melhor o nosso cotidiano. Quanto à estrutura dessas canções, é notória a presença de alguns recursos: o paralelismo, isto é, a repetição parcial dos versos, com uma peque- na variação no seu final; o refrão, com a repetição integral dos versos. Esse tipo de recurso tem por objetivo propiciar a memorização. Para identificar a cantiga de amigo, não é difícil perceber a voz da poesia. Nela, quem se lamenta é uma mulher, isto é, um eu-lírico feminino que reclama a saudade do objeto amado (o amigo = namorado, amante). Nes- se tipo de poesia, o diálogo se dá com os elementos da natureza; uma espécie de inovação oriunda da Península Ibérica. Ondas do mar levado, se vistes meu amado! E ai Deus, se verrá cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado! E ai Deus, se verrá cedo! (...) (Martin Codax, CV 884, CBN 1227) Entre as Cantigas de Amigo, existem aquelas que podem ser chamadas de pastorela, pois nela des- fruta-se o espetáculo como amador das coisas be- las, com alusões ao mundodas aves, das árvores e as mudanças das estações do ano, por exemplo, relacionadas ao estado de espírito, aos sentimen- tos; barcarola – o mar, os rios, os lagos, o barco, as viagens, a saudade são temas recorrentes nessas canções; romaria – descreve situações relacionadas às festas religiosas e às bailas, com assuntos ligados à dança. O trovador coloca como personagem central uma mulher da classe popular e procura expressar o sen- timento feminino por meio de tristes situações da vida amorosa das donzelas. Pela boca do trovador, ela canta a ausência do amigo ou amado e desabafa o desgosto de amar e ser abandonada, em razão da guerra ou de outra mulher. Nesse tipo de poema, a moça expõe seus sentimentos amorosos com a mãe, as amigas, as árvores, as fontes, o mar e os rios, entre outros elementos da natureza. O caráter narrativo e o descritivo apresentam um vivo retrato da vida campestre e do cotidiano das aldeias me- dievais portuguesas. - Ai flores, ai flores do verde pino, Se sabedes novas do meu amigo? Ai, Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, Se sabedes novas do meu amado? Ai, Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, Aquel que mentiu do que pôs comigo? Ai, Deus, e u é? Na Cantiga de Amor, é o trovador quem fala. O eu-lírico é masculino e confessa seu amor à mulher da corte, isto é, à senhora (ou “senhor” – segundo o português arcaico). O tema predominante é o so- frimento amoroso (“coita”) do trovador pela dama. Essa relação é marcada pelo distanciamento entre o trovador e sua amada. Essa postura é um reflexo do feudalismo, pois a mulher ao ser considerada, ao mesmo tempo, como objeto sexual e divindade; assume o lugar do senhor feudal, enquanto o trova- dor revela a sua servidão pela obrigação de render- lhe homenagens e declarar publicamente as quali- dades da amada como quer o amor cortês. De tão enaltecida, assim, a mulher – amante espiritual – é considerada também incapaz de praticar maldades. Quem fala no poema é um homem, que se dirige a uma mulher da nobreza, geralmente casada, e o amor se torna tema central do texto poético. Esse amor se torna impraticável pela situação da mu- lher. Segundo o homem, sua amada seria a perfei- ção e incomparável a nenhuma outra. O homem sofre interiormente, coloca-se em posição de servo da mulher amada. Ele cultiva esse amor em segre- do, sem revelar o nome da dama, já que o homem é proibido de falar diretamente sobre seus senti- mentos por ela (de acordo com as regras do amor cortês), que nem sabe dos sentimentos amorosos do trovador. Nesse tipo de cantiga, há presença de refrão que insiste na ideia central, o enamorado não acha palavras muito variadas, tão intenso e maciço é o sofrimento que o tortura. Essas cantigas espelham a vida na corte através de forte abstração 11Fascículo 1 e linguagem refinada. Outro aspecto da cantiga, do ponto de vista estru- tural, tem a ver com o emprego de repetições, mas isso não lhe tira a expressividade poética, pois, no cancioneiro popular, esse é um recurso marcante que parece reforçar a dramaticidade do eu-lírico (seja nas cantigas de amor ou de amigo) e o aspec- to jocoso nas cantigas escárnio e de maldizer. Eis um fragmento de uma cantiga de amor composta por D. Dinis: Quer’eu em maneira de proençal fazer agora un cantar d’amor, e querrei muit’i loar mia senhor a que prez nen fremusura non fal, nen bondade; e mais vos direi em: tanto a fez Deus comprida de ben que mais que todas las do mundo Val. Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, quando a faz, que a fez sabedor de todo ben e de mui gran valor, e con todo est’é mui comunal ali u deve; er deu-lhi bon sen, e des i non lhi fez pouco de ben, quando non quis que lh’outra foss’igual. (El-Rei D. Dinis, CV 123, CBN 485) atividade crítica/refLexiva | Pesquise as Referências Bibliográficas e discuta com os(as) colegas do Curso o contexto histórico do medievalismo português. 5. cantigas satíricas ProbLematização Pode se dizer que as Cantigas de Escárnio e de Maldizer configuram o retrato preto e branco de uma época. Saiba por que. Essas cantigas refletem a realidade, pois trazem o retrato em preto e branco – por assim dizer – dos costumes, dos tipos sociais, do comportamento humano, do cenário de uma época. Uma das ca- racterísticas da cantiga de escárnio consiste em sati- rizar a pessoa sem nomeá-la; enquanto a cantiga de maldizer mostra, claramente, e outra implícita, de quem ou de que se trata a pessoa ou a situação sa- tirizada. Em ambas, a personagem satirizada pode ser uma pessoa decadente, ou que passou por um problema amoroso, uma mulher namoradeira, os representantes do clero e suas amantes e todos os outros tipos sociais. Nessas cantigas, era comum o uso de palavras dúbias, da ironia, da hipérbole, de gírias e palavrões. Das cantigas de Escárnio, o exemplo que se segue é a célebre “Dona fea”; uma composição de Joan Garcia de Guilhade, compila- da no Cancioneiro da Vaticana e no Cancioneiro da Biblioteca Nacional: Ai, dona fea, foste-vos queixar que vos nunca louv’en [o] meu cantar; mais ora quero fazer um cantar en que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! (...) Dona fea, nunca vos eu loei en meu trobar, pero muito trobei; mais ora já un bon cantar farei, en que vos loarei toda via; e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia! A cantiga que ficou conhecida por “Cantiga da Ribeirinha” é considerada uma das mais antigas manifestações literárias de Portugal (Veja, neste Fascículo, quadro “saiba mais”). Por suas caracte- rísticas pertence ao grupo da poesia de Maldizer, pois se trata de uma sátira direta à D. Maria Paes Ribeiro, amante do monarca português, D. San- cho I. A este respeito, convém observar que não se trata de uma cantiga de amor, pois esse tipo de composição obedecia a um código de ética dos tro- vadores que proibia citar o nome da pessoa amada. Na cantiga em destaque, o trovador faz alusão ao nome de uma Senhora e ameaça propagar que a viu na intimidade, pois era típico nessas cantigas versar sobre os escândalos dos jograis e suas com- panheiras, como observa Saraiva (1999) em Inicia- ção à literatura portuguesa. Pelo caráter vingativo, sugerido no texto, “A Ribeirinha ou Cantiga de Garvaia” aproxima-se, portanto, das cantigas de mal-dizer. Cantigas de maldizerFo nt e: T ro va do ris m o: h tt p: // im ag es . go og le .c om .b r/ im ag es ?h l= pt - BR & q= tr ov ad or is m o& um = 1& ie = U TF -8 & sa = N & ta b= w i h t tp ://www.gargantada serpente .com/histor ia/ trovadorismo/satirico.shtml texto comPLementar 12 Fascículo 1 No mundo non me sei parelha, Mentre me for’como me vay Ca já moiro por vos – e ay! Mia senhor branca e vermelha, Queredes que vos retraya Quando vus eu vi em saya! Mao dia me levantei, Que vus enton non vi fea! E, mia senhor, des aquel di’ ay! Me foi a mi muyn mal, E vos, filha de don Paay Moniz, e bemvus seMelha D’aver eu por vos guarvaya Pois eu, mia senhor d’alfaya Nunca de vos ouve, nem ei Valia d’ua Correa. Esse tipo de cantiga procurava ridicularizar pesso- as e costumes da época com produção satírica e maliciosa. As cantigas de escárnio são críticas, utilizando-se de sarcasmo e ironia, feitas de modo indireto; al- gumas usam palavras de duplo sentido, para que, não se entenda o sentido real. As de maldizer utilizam uma linguagem mais vulgar, referindo-se diretamente a suas personagens, com agressivida- de e com palavras duras. Mostram exatamente o que querem dizer, não havendo outro modo de interpretar. Os temas centrais dessas cantigas são as disputas políticas, as questões e ironias que os trovadores se lançam mutuamente, como sugere a seguinte cantiga que pode ser considerada de Es- cárnio ou de Maldizer: Conheceis uma donzela Por quem trovei e a que um dia Chamei dona Berinjela? Nunca tamanha porfia Vi nem mais disparatada. Agora que está casada Chamam-lheDona Maria. Algo me traz enojado, Assim o céu me defenda: Um que está a bom recato (negra morte o surpreenda e o Demônio cedo o tome!) quis chamá-la pelo nome e chamou-lhe Dona Ousenda. Pois que se tem por formosa Quanto mais achar-se pode, Pela Virgem gloriosa! Um homem que cheira a bode E cedo morra na forca Quando lhe cerrava a boca Chamou-lhe Dona Gondrode atividade critico/refLexiva | Pesquise as Referências e discuta com os(as) colegas do Curso a função da sátira na literatura. 6. noveLas de cavaLaria amadis de gauLa (1508) ProbLematização A exaltação heroica cola- borou para o desenvolvi- mento das narrativas cava- leirescas. No século XVI, Portugal e Espanha produ- ziram juntos mais de duas dúzias dessas narrativas. Essa cena da Távola Redonda é consagrada na história da literatura universal. A novela medieval mais conhecida é a que liga o Santo Graal às len- das arthurianas. Arthur era o rei da Britânia, que se reunia com seus cavaleiros ao redor da Távola Redonda. Havia, sempre, um lugar vazio na mesa. Este era reservado a um cavaleiro de grandes vir- tudes, àquele que encontraria o cálice sagrado. O cavaleiro era Lancelot, que chegou a encontrar o Graal, mas conseguiu apenas contemplá-lo. Não poderia tocá-lo, pois sua pureza fora manchada pelo adultério, que cometera com a rainha Guine- vere. As novelas de cavalaria - surgiram derivadas de canções de gesta e de poemas épicos medievais. Refletiam os ideais da nobreza feudal: o espírito ca- valheiresco, a fidelidade, a coragem, o amor servil, mas estavam também impregnadas de elementos da mitologia céltica. A Demanda do Santo Gra- al reúne dois elementos fundamentais da Idade Média: a Cavalaria a serviço do Rei e a serviço da Religiosidade. Outras novelas que também mere- cem destaque são “José de Arimatéia” e “Amadis de Gaula”. Em Portugal, Amadis de Gaula (séc. XIV) é uma das novelas de cavalaria oriundas do século XVI. Cavaleiros da Távola Redonda F on te : N ov el a de c av al ar ia : h tt p: // im ag es . go og le .c om .b r/ im ag es ?u m = 1& hl = pt -B R& q= no ve la + de + ca va la ria & bt nG = Pe sq ui sa r+ im ag en s http://www.gargantadaserpe nte.com/historia/ humanismo/prosa.shtml texto comPLementar 13Fascículo 1 Do mesmo período, temos a Crônica do Impera- dor Clarimundo (1522), do historiador João de Barros; Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567), de Jorge Ferreira de Vasconcelos; Palmeirim de Inglaterra (1567), de Francisco de Morais. Para Massaud Moisés, em a Literatura Por- tuguesa, essa novela sobressai-se pelo seguinte: Na literatura quatrocentista, sobressai-se a obra Amadis de Gaula (1508), uma das mais importantes novelas de cavalaria escritas na Península Ibérica, se não a mais im- portante exceptuando o Dom Quixote, e cuja autoria con- tinua a ser um intricado problema. Quem a escreveu? Em que língua? Desde cedo, sua paternidade se envolveu de mistério, dando origem a três correntes de opinião: a primeira, que ligava a novela à Literatura Francesa, está hoje intei- ramente posta de lado; a segunda defende a tese de que sua autoria se deve a um português; e a terceira advoga a tese espanhola. Militam em favor da tese portuguesa alguns argumentos, dos quais se apontam os seguintes: Azurara, em sua Cró- nica do Conde D. Pedro de Meneses (1454, 1. I, cap. G3), refere o nome de Vasco da Lobeira, tido por um dos auto- res da obra, juntamente com João de Lobeira; nos Poemas Lusitanos (1598), de António Ferreira, incluem-se dois sonetos alusivos ao episódio de Briolanja, personagem do Amadis (1. I, cap. 4U), o qual, por sua vez, interessa pelas recusas de Amadis às solicitações da donzela, por fidelida- de a Oriana, apesar da interferência de D. Afonso, irmão de D. Dinis, em favor da solicitante; o lais dedicado a Le- onoreta, inserto no Amadis, escrito em Português, teria sido composto por João de Lobeira, trovador do tempo de Afonso III e de D. Dinis; assim sendo, o trovador teria es- crito também os dois livros iniciais da novela, a que mais tarde Vasco da Lobeira teria acrescentado o terceiro, o que explicaria ter-lhe Azurara mencionado o nome. Fundamentam a tese espanhola os seguintes argumentos: a primeira edição da novela é de 1508, em Espanhol, feita por Garci-Ordónez de Montalvo, que lhe teria acrescenta- do 0 4° livro e emendado os anteriores; as mais remotas referências à novela se devem a autores espanhóis, como a do Canciller Ayala em seu Rimado de Palácio (cerca de 1380) ; no século XIV, Pedro Fernís, poeta do Cancionei- ro de Baena, refere o Amadis em 3 livros; no século XV, é mencionado por vários escritores espanhóis. Não há, porém, argumentos cabais que permitam decidir acerca das duas teses citadas. Falta ainda encontrar qual- quer prova mais concludente para dar por solucionado o problema, se bem que alguns pormenores internos façam pender a balança para o lado português, como foi notado, inclusive, por espanhóis, entre os quais Menéndez Pelayo (Orígenes de la Novela, vol. I, págs. 345-6). Todavia, há pouco tempo, se encontrou motivo suficiente para consi- derar o problema em definitivo resolvido, ou seja, “existe um fragmento do romance na nossa língua, do século XIII ou XIV, no arquivo dum aristocrata castelhano residente em Madrid”. “Está, creio bem, desde agora, encerrada a velha questão do Amadis de Gaega (...) Podemos, por- tanto, dizer que as duas mais altas expressões do gênio literário galego-português são o Amadis de Gaega e Os Lusíadas; e talvez não seja por mero acaso que essas duas obras-primas, surgidas com intervalo de três séculos, te- nham como autores dois portugueses de origem galega: João Lobeira e Luís de Camões”. A novela, reeditada várias vezes e continuada ao longo do século XVI, formando o ciclo dos Amadises, em 12 livros, filia-se ao longínquo trovadorismo amoroso. Amadis é um perfeito cavaleiro-amante e sentimental, vivendo em plena atmosfera do “serviço” cortês, caracterizado pela dedicação constante e obsessiva à bem-amada, a fim de lhe conseguir os favores. Esse traço francamente medieval é equilibrado com frequente tendência sensualista. Des- sa forma, ao platonismo amoroso se junta “um grande e mortal desejo” que incendeia o par de enamorados: Ama- dis e Oriana. É uma nota de primitivismo erótico, vul- cânico e inebriante, desobediente a leis ou a convenções sociais e morais. O cavaleiro humaniza-se, terreniza-se a ponto de, no li- vro 4° (tão diferente dos demais, pelo entrecho, pobre e monótono, e pelo estilo, cheio de “agudezas” forçadas), casar-se sacramentalmente para convalidar a antiga rela- ção amorosa com Oriana. Nascem daí certos conflitos no espírito de Amadis, não os padronizados pela tradição mas os dum homem complexo, denso psicologicamente, “moderno”. O homem medieval começava a dar vez ao homem concebido segundo os valores renascentistas, que então iniciavam sua invasão de modo franco e definitivo. Amadis anuncia o surgimento do heroi moderno, de lar- go curso e influência no século XV e no XVI, servindo de verdadeiro elo de ligação entre um mundo que morria, a Idade Média, e outro que principiava a despontar, a Re- nascença, M. Rodrigues Lapa, “A Questão do Amadis de Gaula na Contexto Peninsular”, Grial, Revista Galega de Cultura; Vigo, n “ 27, Janeiro 1970, p. 14. O ciclo dos Amadises compõe-se dos seguintes livros, to- dos em Castelhano: Sergas de Esplandián (1510), escrito por Garci-Ordónez de Montalvo; Florisando (1510), por Páez de Rivera; Lisuarte de Grécia (1514), por Feliciano de Silva; Lisuarte de Grécia (1526), por Juan Díaz; Amadis de Grécia (1530), por Feliciano de Silva; Florisel de Ni- quea (1532), pelo mesmo autor; Florisel de Niquea (1535 e 1551), pelo mesmo autor; Silves de Ia Selva (1546), pelo mesmo autor (MOISÉS). Um outro tipo de narrativa ficcional se desenvol- ve paralelamente. Trata-se da novela pastoril, cujo modelo peninsular adquireressonância europeia, a partir da Diana (559) escrita em espanhol, por Jorge de Montemor. No séc. XVII, esse gênero ain- da ecoa nas obras de Rodrigues Lobo, autor das novelas Primavera, Pastor Peregrino e Desenga- nado assim como na Lusitânia Transformada de Fernão Álvares do Oriente, e nas Ribeiras do Mondego, de Elói de Souto Maior. O séc. XVII vê também desenvolver-se a novela parenética, com Os Infortúnios trágicos da cons- 14 Fascículo 1 tante Florinda (1633), de Gaspar Pires de Rebe- lo. Esse tipo de novela é mais tarde convertida em alegoria progressista, de acordo com os ideais do Iluminismo, mas ficcionalmente similar, em obras como O feliz independente do tempo e da fortu- na (1779), do Pe. Teodoro de Almeida; As Aven- turas de Diófanes (1752), de Teresa Margarida da Silva e Horta que prenunciam o teor político, na senda pedagógica de Fénelon. A ficção clássica, em Portugal, emerge, sobretudo, para os três séculos, com a Menina e Moça, de Ber- nardim Ribeiro (séc. XVI), a Peregrinação, de Fer- não Mendes Pinto (séc. XVII) e as Obras do Dia- binho da Mão Furada, obra anônima (séc. XVIII), por vezes atribuída a António José da Silva, o Judeu. atividade critico/refLexiva | Pesquise as Referências e discuta com os(as) colegas do Curso a influência das Novelas de Cavalaria na atual literatura portuguesa. 7. Humanismo (1434 – 1527) ProbLematização A contribuição do cronista Fernão Lopes é, sem dúvida, uma das mais importantes na história da literatura universal, sobretudo no Hu- manismo português. Fernão Lopes é considerado o maior historiógra- fo de língua portuguesa, aliando a investigação à preocupação pela busca da verdade. D. Duarte concedeu-lhe uma tença anual para ele se dedicar à investigação da história do reino, devendo redigir uma Crônica Geral do Reino de Portugal. Correu a província a buscar informações, informações es- tas que depois lhe serviram para escrever as várias crônicas (Crônica de D. Pedro I, Crônica de D. Fernando, Crônica de D. João I, Crônica de Cin- co Reis de Portugal e Crônicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal). Foi “guardador das escrituras” da Torre do Tombo. De Fernão Lopes. Leia, ago- ra, um fragmento da crônica “Cerco de Lisboa”: Andavam os moços de três e de quatro anos, pe- dindo pão pela cidade pelo amor de Deus, como lhes ensinavam suas madres; e muitos não tinham outra cousa que lhes dar senão lágrimas que com eles choravam, que era triste cousa de ver, e se lhes davam tomando pão como noz, haviam-no por grande bem. Desfalecia o leite àquelas que tinham crianças a seus peitos, por míngua de mantimento; e vendo laze- rar seus filhos a que ocorrer não podiam, choravam amiúde sobre eles a morte, antes que os a morte pri- vasse da vida: muitos esguardavam as preces alheias com chorosos olhos, por cumprir o que a piedade manda; e, não tendo de que lhes ocorrer, caíam em dobrada tristeza. [...] Ora esguardai, como se fôsseis presentes, uma tal cidade assim desconforta a e sem nenhuma certa fiúza de seu livramento, como viveriam em desvai- rados cuidados quem sofria ondas de tais aflições! Ó geração que depois veio, povo bem aventurado, que não soube parte de tantos males nem foi qui- nhoeiro de tais padecimentos! Outros cronistas: Frei João Álvares, a pedido do Infante D. Henrique, escreveu a Crônica do In- fante Santo D. Fernando. Nomeado abade do mosteiro de Paço de Sousa, dedicou-se à tradu- ção de algumas obras pias: Regra de São Bento, os Sermões aos Irmãos do Ermo atribuídos a SAIBA MAIS! A mais antiga manifest ação literária galego- portuguesa que se pod e datar é a cantiga “Ora faz host’o senhor d e Navarra”, do trova- dor português João Soa res de Paiva ou João Soares de Pávia, compos ta provavelmente por volta do ano 1200. Por e ssa cantiga ser a mais antiga datável (por co nter dados históricos precisos), convém datar daí o início do Lírica medieval galego-portug uesa (e não, como se supunha, a partir da “C antiga de Guarvaia”, composta por Paio Soares de Taveirós, cuja data de composição é impo ssível de apurar com exactidão, mas que, ten do em conta os dados biográficos do seu autor , é certamente bastan- te posterior). Este texto t ambém é chamado de “Cantiga da Ribeirinha” por ter sido dedica- da à Dona Maria Paes Ribeiro, a ribeirinha. Fonte: Slide - http://www.slid eshare.net/clauheloisa/ trovadorismo/ Cronista Fernão LopesFo nt e: h ttp :// im ag es .g oo gl e. co m .b r/ im ag es ?u m =1 & hl =p t-B R& q= fe rn % C3 % A3 o+ lo pe s& bt nG = Pe sq ui sa r+ im ag en s http://www.gargantadaserpe nte.com/historia/ humanismo/index.shtml texto comPLementar 15Fascículo 1 Santo Agostinho e o livro I da Imitação de Cristo. Gomes Eanes de Zurara, filho de João Eanes de Zu- rara. Teve a seu cargo a guarda da livraria real, ob- tendo em 1454 o cargo de “cronista-mor” da Torre do Tombo, sucedendo, assim, a Fernão Lopes. Das crônicas que escreveu, destacam-se: Crônica da To- mada de Ceuta, Crônica do Conde D. Pedro de Me- neses, Crônica do Conde D. Duarte de Meneses e Crônica do Descobrimento e Conquista de Guiné. Poesia palaciana: coletânea de poesia publicada em 1516, por iniciativa de Garcia de Resende, que se preocupou em levar para a posteridade um re- gistro das grandezas dos portugueses. Ele procurou reunir tudo o que possa testemunhar a vida, os costumes e a cultura da sociedade portuguesa da época bem como estimular o gosto de escrever e “trazer à memória” os feitos dos portugueses, can- tados mais tarde por Camões. O Cancioneiro Geral inclui composições de vários gêneros (poesia lírica-amorosa e satírica, poesia his- tórica, épica, dramática, moralizante, alegórica, ele- gíaca e didáctica), que aparece tanto em português como castelhano. São aproximadamente trezentos autores, com produções poéticas datadas da segun- da metade do século XV ao início do século XVI, durante o reinado de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel. Os poemas refletem o ambiente palacia- no e aristocrático em que foram criados e, a par de manterem algumas características do lirismo peninsular, denotam já influências de Dante e Pe- trarca. Alguns poetas nele incluídos merecem ser destacados — são os casos de Diogo Brandão, Du- arte de Brito, Jorge d’Aguiar, o conde de Vimioso, João Roiz de Castel-Branco, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, e o próprio Garcia de Resende. O Cancioneiro é uma fonte importante para co- nhecermos a “arte de trovar” dos serões da corte, o trabalho e o lazer, os objetivos e os interesses dos cortesãos que viveram na época dos Descobrimen- tos. Contudo, falar na literatura do século XV e não apenas fazer referência ao Cancioneiro Geral, mas sobretudo analisar e avaliar a lírica e a sátira, que adquirem uma nova expressão. Essa coletânea contribuiu para um dissecar mais analítico do sen- timento, sem o qual a grande poesia do século XVI não seria possível; sentimento este que funciona como repertório de uma tradição que os séculos seguintes não alterarão substancialmente, quer como traço de mentalidade, quer no seu aproveita- mento literário. atividade critico/refLexiva | Pesquise as Referências e escreva (entre 25 e 30 linhas) acerca da Poesia Palaciana e do papel do cro- nista na história social da literatura portuguesa. 8. teatro de giL vicente ProbLematização O teatro vicentino é expressão de liberdade na Ida- de Média. Ambientado no início da Era Moderna, o teatro vicentino mostra criticamente o pensamento me- dieval. Nessa perspectiva, a vida e a obra de Gil Vicente, conforme os estudiosos, parecem das mais controvertidas. Nascido por volta de 1465, ele aproveitou-se do prestígio que a função de or- ganizador das festas da corte lhe conferia. Desse modo, em 1502, encenou a sua primeira peça, o Monólogo do vaqueiro ou Auto da Visitação, na câmara da rainha D. Maria, em comemoração ao nascimento de D. João III. Durante trinta e quatro anos, GilVicente fez representar dezenas de peças. Em 1562, seu filho, Luís Vicente, compilou e pu- blicou as obras do seu pai. Características do teatro vicentino: escrita em 1517, Auto da Barca do Inferno é uma das obras mais representativas do teatro vicentino. Como em tan- tas outras peças, nesta o autor aproveita a temática religiosa como pretexto para a crítica de costumes. Num braço de mar, estão ancoradas duas barcas. O auto da barca, Gil Vicente Fo nt e: G il Vi ce nt e: h tt p: // im ag es . go og le .c om .b r/ im ag es ?n ds p= 18 & um = 1& hl = pt -B R& q= au to + da + ba rc a+ de + gi l+ vi ce nt e& st ar t= 36 & sa = N http://www.gargantadaserpe nte.com/historia/ humanismo/teatro.shtml texto comPLementar 16 Fascículo 1 A primeira, capitaneada pelo diabo, faz a travessia para o inferno; a segunda, chefiada por um anjo, vai para o céu. Uma a uma vão chegando as almas dos mortos - um fidalgo, um onzeneiro (agiota), um parvo (bobo), um sapateiro, um frade, levando sua amante, uma alcoviteira, um judeu, um corre- gedor (juiz), um procurador (advogado do Estado), um enforcado e quatro Cavaleiros de Cristo (cruza- dos) que morreram em poder dos mouros. Todos tentam evitar a barca do diabo. Mas apenas o par- vo e os cruzados conseguem embarcar para o céu. O teatro vicentino ainda reflete o pensamento medieval por sua moral religiosa e sua concepção teocêntrica do mundo. No Auto da Barca do In- ferno, por exemplo, ao ver-se recusado pelo anjo, o fidalgo assim se lamenta, por ter dissipado sua vida, sem acreditar no castigo do inferno. Ao inferno todavia! Inferno há aí para mim?! Ó triste! Enquanto vivi nunca cri que o aí havia. Tive que era fantasia folgava ser adorado; confiei em meu estado e não vi que me perdia. Com os elementos ideológicos inovadores que suas sátiras sociais contêm, Gil Vicente não se dei- xou influenciar pelas novidades estéticas introdu- zidas pelo Renascimento. Sua obra é a síntese das tradições medievais e populares. Conforme Segis- mundo Spina: “o seu teatro não pode ser jamais entendido, se analisado e concebido segundo os padrões de uma estética que não seja a estética do teatro popular”. Para um melhor entendimento da arte vicentina, convém apresentar, pelo menos, um breve comentário de sua obra, com base na estética do teatro popular medieval. Assim, temos: Teatro alegórico: representação de ideias abstratas com personagens, situações e coisas concretas. O Auto da Barca do Inferno, por exemplo, é uma peça alegórica. O cais e as barcas são a alegoria da morte; a barca do inferno é alegoria da condena- ção da alma; a barca do céu, a da salvação. Teatro de tipos: as personagens de Gil Vicente são sempre típicas, isto é, não são indivíduos singula- res nem possuem traços psicológicos complexos; pelo contrário, apenas reúnem os caracteres mais marcantes de sua classe social, de sua profissão, de seu sexo, de sua idade. Teatro de quadros: em geral, as peças de Gil Vi- cente desenvolvem-se por meio de uma sucessão de cenas relativamente independentes, sem for- mar propriamente um enredo, uma história que, depois de apresentada, se complica até um ponto culminante e um desfecho. No Auto da Barca do Inferno, temos uma intro- dução em que aparecem o diabo e seu companhei- ro preparando a barca e anunciando a vigem; com a chegada do fidalgo, inicia-se o primeiro quadro, e os outros se sucedem sempre com a mesma es- trutura: chegada da personagem, diálogo com o diabo, tentativa de embarque para o céu e, se a personagem é recusada pelo anjo, retorno à busca do inferno. Isso mostra a ruptura da linearidade do tempo e despreocupação com a verossimilhan- ça; pois mesmo nas peças que possuem um enre- do, a sucessão cronológica dos acontecimentos é frequentemente inverossímil ou mesmo absurda. Na farsa intitulada O velho e a horta, o persona- gem, um velho hortelão, apaixona-se por uma mo- cinha que, pela manhã, o procura para comprar temperos. Ao final do primeiro diálogo, um criado vem avisar-lhe que já é noite e que sua mulher o es- pera para jantar. Mal sucedido em seus galanteios, o velho apaixonado contrata os serviços de uma alcoviteira, que lhe arranca dinheiro para comprar presentes e empreender a conquista. Numa de suas visitas, a alcoviteira é presa e açoitada. Desconsola- do, o velho recebe a notícia do casamento da moça por quem se apaixonara. Tudo isso acontece numa sucessão ininterrupta, marcada apenas pela entra- da e saída de personagens, e a única marcação de tempo, como se viu, é inverossímil. Teatro cômico e satírico: as peças de Gil Vicente, em sua maioria, são comédias de costumes, seguin- do o lema “pelo riso corrigem-se os costumes”. O dramaturgo lança mão de inúmeros recursos efi- cientes para provocar o riso: personagens caricatu- rais; situações absurdas; desencontros imprevistos e ridículos. É, sobretudo, o poder de sua linguagem que prende a atenção da plateia. Observe, agora, o recurso à linguagem popular nos xingamentos do povo ao diabo (Auto da Barca do Inferno): Hiu! Hiu! Barca do cornudo, Pero Vinagre beiçudo (...) Sapateiro da Candosa! Entrecosto de carrapato! 17Fascículo 1 Hiu! Hiu! Caga no sapato, filho da grande aleivosa! Tua mulher é tinhosa e há de parir um sapo chentado (=pregfado) no guardanapo! Neto da cagaminhosa! Furta-cebolas! Hiu! Hiu! ‘scomungado nas igrejas! Burrela, cornudo sejas! O fragmento teatral, a seguir, é parte da obra vi- centina Auto da Lusitânia (1532). A personagem Lediça é filha de um alfaiate judeu. Estando sozi- nha, varrendo a loja, chega um cortesão, freguês de seu pai, que inicia uma tentativa de conquista amorosa. Os galanteios do conquistador são uma paródia da linguagem do amor cortês que observa- mos nas cantigas de amor. Cortesão: Não devia tal senhora como vós andar varrendo, senão enfiar aljofre e perlas orientais; não sei como isto se sofre. Lediça: Minha mãe tem no seu cofre duas voltas de corais. Cortesão: Senhora, sou cortesão, (...) Mas vosso e não de ninguém é tudo o que está comigo, e quero-vos grande bem. Lediça: Bem vos queira Deus amém; querereis outra coisa, amigo? Cortesão: Temo muito que me deixe vosso amor pobre coitado de favor com que me queixe. Lediça: lançai na sisa do peixe, e logo sois remediado. Cortesão: Não falo, senhora disso, porque eu me queimo e arço com dores de coração. Lediça: Muitas vezes tenho eu isso: diz Mestr’Aires que é do baço, e reina mais no verão. Cortesão: Mas, senhora, por amar fiz minha sorte sujeita, e pedi a mais andar. Lediça: Crede, senhor, que o jogar poucas vezes aproveita. (...) Cortesão: Ó doce flor entre espinhas, crede o amor sem mudança que vos tenho e que vos digo. Assim umas primas minhas e toda esta vizinhança todos têm amor comigo: (...) Cortesão: Senhora, por piedade que entendais minha razão; entendei minha vontade, e mudarei a tenção: entendei bem minha dor e mil Maleitas Quartãs, que por vós me hão-de-matar. Lediça: Assim é meu pai, senhor, que tem dores d’alMorrãs, que é coisa d’apiedar. Foi o ano tão ChaCoso de doenças da má ora, que creio bem o mal vosso. (...) PrinciPais obras vicentinas • Auto da visitação (ou Monólogo do vaqueiro - 1502) • Auto pastoril castelhano (1509) • Auto da Índia (1509) • O velho da horta (1512) • Quem tem farelos? (1515) triLogia das barcas • Auto da Barca do Inferno (1517) • Auto da Barca do Purgatório (1518) • Auto da Barca da Glória (1519) • Farsa de Inês Pereira (1524) • Auto da feira (1526) • O juiz da Beira (1526) • Farsa dos almocreves (1527) • O clérigo da Beira (1529) • Auto da Lusitânia (1532) atividade critico/refLexiva | Pesquise as Referências e escreva (entre 25 e 30 linhas) uma síntese do Auto da Barca, de Gil Vicente. Ecos da literatura medie val nos chamados tempos modernos. fórum temático 18 Fascículo 1 RESUMO A oralidade é a base da literatura, como demonstram as rodas de conversas que alimentam o imaginário das pequenasaldeias portuguesas e a literatura de cordel, oriunda dos tempos medievais. Na Idade Média, as primeiras manifestações em língua galego-portuguesa (português arcai- co) datam do séc. XII; não eram recitadas, porém cantadas e aparecem em três coletâneas: o Cancioneiro da Ajuda – CA (com 310 cantigas compiladas no séc. XIII), o Cancioneiro da Vaticana – CV (1205 cantigas copiladas na Itália, no séc. XVI sobre originais do séc. XIV) e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional- CBN (1647 cantigas compiladas após a morte de D. Dinis), considerado o mais completo, abrange as cantigas do século XII ao século XIV. Essa coletânea revela-nos a produção lírica e satírica difundida por trovadores (poetas), seg- réis (instrumentistas) e jograis (cantor e compositor). Entre os trovadores mais famosos consta o Rei Afonso X de Castela e Dom Dinis (1261- 1325), Rei de Portugal – este último conhecido também como Rei trovador, autor de 138 cantigas; a maioria de amor, apresentando alto domínio técnico e lirismo, tendo renovado a cultura numa época em que ela estava em decadência em terras ibéricas. A lírica medieval é composta por cantigas de amigo e cantiga de amor; cantigas de escár- nio e de maldizer. A cantiga que ficou conhecida por Cantiga da Ribeirinha é consid- erada a mais antiga manifestação literária portuguesa. Em Portugal, Amadis de Gaula (séc. XIV) é uma das Novelas de cavalaria oriundas do século XVI. Do mesmo período, temos a Crônica do Imperador Clarimundo (1522), do his- toriador João de Barros; Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567), de Jorge Ferreira de Vasconcelos; Palmeirim de Inglaterra (1567), de Francisco de Morais. A contribuição do cronista Fernão Lopes é, sem dúvida, uma das mais importantes na história da literatura universal, sobretudo no Humanismo português. Nesse período, surge a Poesia palaciana: considerada uma espécie de coletânea de poesia publicada em 1516, por ini- ciativa de Garcia de Resende, que se preocupou em levar para a posteridade um registro das grandezas dos portugueses. Para finalizar este Primeiro Fascículo, destacamos uma arte ambientada no Humanismo, que marca o início da Era Moderna. Trata-se do Teatro de Gil Vicente que mostra criticamente o pensamento medieval. Nesse autor, as características dão conta de cinco aspectos (teatro alegórico, teatro de tipos, de quadros, farsa e satírico) que se revestem da maior importância no processo de formação e desenvolvimento da Literatura Portuguesa. gLossário arço - ardo (de amores) Ca - pois, porque. Enquanto ca também se arcaizou, o francês manteve car até hoje, com o mesmo significado. ChaCoso - achacoso, cheio de pequenas doenças. Coitado de favor - sem correspondência. dores d’alMorrãs - dores de hemorroidas. enfiar aljofre - fazer colares (aljofres: pérolas). guarvaya - manto escarlate próprio dos reis. lançai na sisa do peixe - Lediça finge que não entende e responde falando de impostos (sisa). 19Fascículo 1 ENCONTRO. Revista do Gabinete Português de leitura de Pernambuco. Ano 14, n. 14, setembro de 1998. INFANTE, Ulisses. Análise e interpretação de poesia. São Paulo: Scipione, 1995. PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica literária. 2. Ned. Rio de Janeiro: Presença, 1985. VICENTE, Gil. Obras-primas do teatro vicen- tino. (Org. prefácio, notas e comentários de Segismundo Spina). São Paulo: Difel/Edusp, 1970. VIEIRA, Yara Frateschi. Poesia medieval – litera- tura portuguesa. São Paulo: Global, 1987. Maleitas Quartãs - febres de quatro em quatro dias. Mentre - enquanto, entrementes. Essa forma arcaizou-se, isto é, caiu em desuso, mas o espanhol manteve a forma antiga mientras. Mestre - médico. parelha - igual, semelhante. por aMar fiz Minha sorte sujeita - ele quer dizer que em- penhou sua felicidade (sorte) no amor. Que vus enton non vi fea - Aqui o autor valeu-se de uma figura de linguagem - mais exatamente, figura de pensam- ento - conhecida por litote, que consiste na atenuação de uma ideia através da negação do seu oposto. Dessa forma, “não vi feia” equivale a “vi bonita”. reina - acontece; ataca (a doença). retraya - retrate, evoque. seMelha - parece. senhor - senhora. Por essa época, usava-se, na poesia, a palavra “senhor” referindo-se indistintamente ao homem e à mulher. referÊncias ABDALA JUNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, M. Aparecida. História social da literatura portu- guesa. 4 ed. São Paulo: Ática, 1994. AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da literatura. 8 ed. Coimbra. Livraria Almedina, 1988. ATAS DO I ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS MEDIEVAIS. USP/UNIAMP/UNESP, 4, 5 e 6 de julho/1995. DINIS, Julio. O canto da serra. Lisboa: Expo98, 1998. ESTUDOS PORTUGUESES - Revista da Asso- ciação de Estudos Portugueses: Revista da As- sociação de Estudos Portugueses Jordão Eme- renciano. Camilo & Cia: centenários. UFPE, Recife, n. 2, 1990/1991. _______ Revista da Associação de Estudos Por- tugueses: Revista da Associação de Estudos Portugueses Jordão Emerenciano. UFPE, Rec- ife, n. 4, 1993/1994. 20 21 camões: éPico e Lírico Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna Carga Horária | 15 horas 1. renascimento em PortugaL (1527-1580): contexto Histórico ProbLematização A história de Portugal do século XVI é versejada de uma maneira especial por Luiz Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas, um dos marcos da literatura universal. Fascículo 2 Arte renascentista. O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli Fo nt e: A rt e re na sc en tis ta : ht tp :// im ag es .g oo gl e. co m .b r/ im ag es ?u m = 1& hl = pt -B R& q= ar te + re na sc en tis ta & bt nG = Pe sq ui sa r + im ag en s vida de camões As obras desse poeta fig uram entre os melhores clássicos, a exemplo de Virgilio, Homero e Dan te. Seu poema épico Os Lus íadas divide-se em dez cantos repartidos em oit avas. Esta epopeia tem co mo tema os feitos dos portu gueses: suas guerras e n avegações. Dono de um estilo de v ida boêmio, este escrito r lusitano foi frequentad or da Corte, viajou para o Oriente, esteve preso, p assou por um naufrágio , foi também processad o e terminou em miséri a. Seus últimos anos de vid a foram na mais comple ta pobreza. A bagagem literária deix ada pelo escritor é de in estimável valor literário. Ele escreveu poesias líri cas e épicas, peças teatrais, sonetos que, em sua m aior parte, são verdade iras obras de arte. De 1 542 a 1545, parece ter mora do em Lisboa, vivendo a s primeiras paixões amo rosas e dificuldades com o meio. Não se sabe, com certeza, por que foi forç ado a trocar a capital pe lo desterro no Ribatejo, m as por volta de 1547 se al istou no serviço militar e seguiu para o norte d a África. Em combate p erto de Ceuta, no Marrocos, perdeu o olho direito. De volta a Lisboa em 15 49, conviveu um tanto c om a nobreza, outro tanto c om a noite das ruas e d os bordéis. Impetuoso, e m 1552 feriu à espada u m cavaleiro do rei e foi con denado a um ano de pr isão. Após o indulto de D. Joã o III, em março de 1553 , Camões partiu para a Í ndia. Pouco parou em G oa: participou da expedição ao Malabar e talvez de um cruzeiro contra nav ios turcos no mar Verme lho. Sua estada em Macau, no cargo de provedor d os defuntos e ausentes, mais ou menos de 155 6 a 1558, não é tida como certa. O que não se põe em dúvida é que, em v iagem às costas da Chin a, naufragou nas proximid ades do atual Vietnam, salvando-se a nado com o manuscrito de Os Lus í- adas já bastante adiant ado. Esteve ainda na M alásia e retornou a Goa , quando de novo teria sido preso, desta vez por dív idas. Mais tarde viveu e m Moçambique, onde D iogo do Couto o encont rou tão pobre que comia de pendendo de amigos. Em 1571, a Inquisição l he outorgou a licença r equerida, e a obra, dep ois de censurada, teve, em 1572, sua primeira ediç ão. No mesmo ano, o re i D. Sebastião lhe conce deu a tença de 15 milré is, quantia sobre cujo valo r há muita discussão ma s que a maior parte dos estudiosos julga insign ifi- cante, ainda mais que lh e não foi paga com regu laridade. Os últimos ano s foram de miséria. Morr eu como se fora um mendig o. texto comPLementar 22 Fascículo 2 No século XVI, o Império Português conquis- ta também o seu espaço no campo da literatura, num período em que a palavra de ordem era imitar dois ideais clássicos: grego e romano. Cha- mado de Classicismo, esse movimento configura, nas artes, uma vertente do Renascimento, que já dominava a Europa. Em Portugal, esse movimen- to foi iniciado por volta de 1527, quando o por- tuguês Sá de Miranda trouxe da Itália a medida nova (verso decassílabo clássico), que se estende até 1580. Entre os discípulos de Sá de Miranda, destaca-se Antônio Ferreira (1528-1569) - conside- rado por Saraiva o único português renascentista que não escreveu em espanhol e que teve também como modelo o poeta latino Horácio. No Renascimento, entram, em cena, valores, como a imitação de modelos clássicos. Nesse patamar, essa escola literária tem como principais caracterís- ticas: a presença da mitologia clássica, a reflexão em torno do antropocentrismo, da euforia, do oti- mismo, do equilíbrio, da razão, da harmonia, da perfeição formal e do universalismo. Seguir os passos das epopeias ilíada e odisseia, de Homero e a eneida, de Virgílio, por exemplo, era uma forma de o poeta atestar a sua competência literária para o mundo. O ideal de que a arte pode ser vinculada ao pra- zer estético não está dissociado dos valores morais (ideal ético-estético). Em meio ao hibridismo, com a adoção de valores do paganismo e do Cristianis- mo (o fusionisMo), soma-se outro aspecto relevante para o entendimento do Renascimento em Portu- gal: o orgulho nacionalista exagerado que ganhou força com a monumental obra camoniana (Os Lusíadas) e outros nomes da literatura lusófona – desde o Renascimento aos dias atuais. Vejamos, então, o que nos traz Luiz Vaz de Camões: autor de Rimas e Os Lusíadas, esta última considerada a obra mais significativa do repertório renascentista português. atividade crítica/refLexiva | Com base nas Referências, discuta com os(as) colegas do Curso a relação entre as epopeias de Virgílio, de Homero e o épico escrito por Camões. 2. camões éPico: canto i ProbLematização Quais os reflexos da lírica camoniana na atualidade? Criador da linguagem c lássica portuguesa, tev e o seu reconhecimento e o prestígio cada vez mais elevados, a partir do sé culo XVI. Faleceu em Lis boa, Portugal, no ano d e 1580. Seus livros vend em milhares de exemplares atualmente, sendo que foram traduzidos para diversos idiomas (espan hol, inglês, francês, italiano, alemão entre outros). S eus versos continuam vi vos em diversos filmes, mú- sicas e roteiros. Luis Vaz de Camões Fo nt e: C am õe s: ht tp :// im ag es . go og le .c om .b r/ im ag es ?u m = 1& hl = pt -B R& q= ca m oe s& bt nG = Pe sq ui sa r+ im ag en s a máquina do mundo o oLHar de anjo torto sobre os barões assinaLado s Tatiana Alves Soares (UNESA e UniverCidade) Carlos Drummond de A ndrade, considerado po r muitos o maior poeta do país, tem sua estreia lite- rária em 1930, com a pu blicação de Alguma Poe sia. Em Claro Enigma, obra datada de 1951, a fase social e política encontr ada em livros anteriores dá lugar a interrogações de cunho existencial, numa sombria resignação dian te da condição humana. Tal angústia pode ser sentid a em A máquina do mun do, um dos mais consag rados poemas do autor. textos comPLementares 23Fascículo 2 A temática filosófico-exi stencial contida no poem a é intensificada pela in questionável remissão a o texto camoniano: inseri da no canto X d’Os Lus íadas, a miniatura do u niverso é apresentada por Tethys a Vasco da Gama , num prenúncio das gl órias futuras, a que esta riam destinados os port u- gueses. A imagem da m áquina do mundo, que n a epopeia camoniana su rge como signo de enalt e- cimento dos feitos glorio sos lusitanos, aparece r edimensionada no poem a drummondiano. É des se redimensionamento, ob servado em seus aspec tos estilísticos, histórico s e imagísticos, que tra ta o presente ensaio. A máquina do mundo c amoniana (Lus., X, 76-1 42) reitera a perspectiva que permeia o poema: a Sapiência Suprema, neg ada a míseros mortais, é mostrada a Vasco da Gama, numa extensão do prêmio da Ilha dos Amo res. No alto de um cume , símbolo ascensional e iniciático, a Vasco da Ga ma é concedida a contempla ção do universo. Além d e ratificar a tônica antro pocêntrica, valorizando as conquistas humanas, re trata a cosmovisão rena scentista, na perspectiva ptolomaica que via a Te rra como centro do sistema solar. A máquina que su rge é radiante, deslumb rante, num brilho condiz en- te com a glória humana : Este orbe que, primeiro, vai cercando Os outros mais pequenos qu e em si tem, Que está com luz tão clara r adiando, Que a vista cega e a mente v il também, Empíreo se nomeia, onde lo grando Puras almas estão daquele B em Tamanho, que Ele só enten de e alcança, De quem não há no mundo semelhança. (X, 81) Além de ser marcada pe lo encontro dos planos m ítico e histórico, em que deuses e homens contra - cenam, a passagem em que se dá a contemplaç ão da máquina do mund o ocorre em pleno glamo ur épico, após a chegada à s Índias e o desfrute na I lha dos Amores. Trata-se , portanto, de um mome nto sublime para o represen tante dos barões assinal ados. O poema homônimo dr ummondiano integra um a obra cuja tônica é a a ngústia existencial, deco r- rente da constatação do ser humano ante sua p equenez. Não por acaso , a máquina do mundo é encontrada acidentalme nte, por um eu que vaga , sem rumo, por uma cid adezinha qualquer: E como eu palmilhasse vaga mente uma estrada de Minas, pedr egosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de me us sapatos que era pausado e seco; e av es pairassem no céu de chumbo, e suas fo rmas pretas lentamente se fossem diluin do na escuridão maior, vinda d os montes e de meu próprio ser deseng anado, a máquina do mundo se en treabriu para quem de a romper já s e esquivava e só de o ter pensado se car pia. (ANDRADE, 1987: 300 ) Contrariamente ao obse rvado no poema camon iano, é de ceticismo e a margura a atitude do e u drummondiano. Trata-se de uma estradinha qua lquer, repleta de pedras no meio do caminho, p ela qual ele vaga, errante. Expressiva é a imagem das pedras, que tanto p odem traduzir o embrut eci- mento do homem diante de seus obstáculos quan to refletir o estado passi vo e inicial de alguém q ue começa um caminho ev olutivo. O aparecimento da máquina é precedid o pela presença de ave s e de um sino, numa espéc ie de anunciação. As av es normalmente represe ntam os estados superio res do ser, pertencendo ao c ampo semântico das im agens ascensionais. Ma s o que se vê aqui são a ves cujas formas pretas lenta mente se vão diluindo na escuridão maior, numa i nversão do código imag ís- tico, que agora remete à queda, às trevas. O sino , outro símbolo de conex ão com osagrado, apare ce enrouquecido, num refle xo de seu cansaço. Sign ificativa é ainda a const rução sintática, que sug ere ser o eu um dos respon sáveis pelo surgimento de tais elementos. O pró prio ser desenganado, j un- tamente com os montes, constitui uma das orige ns dos pássaros negros em céu de chumbo. Note -se aqui uma das grandes v ertentes da angústia da lírica drummondiana: a impossibilidade do diálo go 24 Fascículo 2 entre Criador e criatura . Traído em sua fé, can sado de esperar por um a resposta, o eu manife sta arrependimento pelo fa to de ter pensado em se envolver. Após ter tenta do entender o mundo, e le nada mais espera. E, ne sse momento, ela se abr e: Abriu-se majestosa e circuns pecta, sem emitir um som que fos se impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspe ção contínua e dolorosa do dese rto, e pela mente exausta de me ntar toda uma realidade que tran scende a própria imagem sua debu xada no rosto dos mistérios, nos abismos. (Ibidem, p. 300) Diferentemente do poem a camoniano, em que a máquina surge em tod o o seu esplendor, a m á- quina drummondiana é circunspecta, parcimon iosa em som e brilho. S ua serenidade encontra um espectador de pupilas g astas, que teria fatigado suas retinas na busca d o transcendente. A alus ão ao deserto também é e xpressiva, remetendo, s imultaneamente, à arid ez e à solidão, mas tam bém ao local onde geralmen te ocorrem as revelaçõe s. Entretanto, agora é ta rde: a máquina encontr a o homem exausto, e sua r enúncia ao transcenden te é percebida no ceticis mo de quem não pode n em quer estabelecer contato : Abriu-se em calma pura, e c onvidando quantos sentidos e intuiçõe s restavam a quem de os ter usado os já perdera e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre rep etimos os mesmos sem roteiro trist es périplos, convidando-os a todos, em c oorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisa s. (Ibidem, p. 300) Além da repetição da id eia de que a máquina s urge em um momento t ardio, em que o homem já há muito dela desistira, a remissão ao texto camo niano acentua o niilismo do eu drummondiano: n ’Os Lusíadas, a máquina rep resenta o triunfo do hom em, num olhar renascen tista sobre os barões ass i- nalados. No poema con temporâneo, o homem s e ressente de sua condiç ão, carente de perspecti vas, sem vislumbre de glória s. O contraste com o text o camoniano é evidencia do na vida besta do hom em comum, aquele que em vão sempre repete os me smos sem roteiro tristes p ériplos. A paradisíaca Ilh a dos Amores é aqui subs tituída por uma estradin ha qualquer, e o homem encontrado é fragmenta do, dilacerado: Assim me disse, embora voz alguma ou sopro ou eco ou simples percussão atestasse que alguém, sobre a montanha, a outro alguém, noturno e m iserável, em colóquio se estava dirigi ndo: O esfacelamento do suje ito lírico é intensificado p ela adjetivação: ele é no turno e miserável, e o co n- vite para que contemple e agasalhe a máquina parte de alguém sobre a montanha, numa imag em de forte caráter místico. Entretanto, nem o cham ado é suficiente para de movê-lo de seu ceticism o. Tem-se, novamente, a im agem da desilusão post erior à interrogação me tafísica, como se pode d e- preender das palavras d esse ser que a ele se dir ige: (...) essa total explicação da vida , esse nexo primeiro e singula r, que nem concebes mais, po is tão esquivo se revelou ante a pesquisa ar dente em que te consumiste... vê, contempla, abre teu peito para agasalhá -lo. (Ibidem, p. 301) 25Fascículo 2 O universo mostrado pe la máquina drummondi ana apresenta marcas in equívocas de modernida de e industrialização. Não se trata, aqui, de um pr enúncio das terras por d escobrir, mas, de um ret rato do mundo contemporân eo, habitado pelo gauch e: As mais soberbas pontes e e difícios, o que nas oficinas se elabora , o que pensado foi e logo ati nge distância superior ao pensam ento, (...) dá volta ao mundo e torna a se engolfar na estranha ordem geométr ica de tudo, e o absurdo original e seus e nigmas, suas verdades mais altas que todos monumentos erguidos à ver dade. (Ibidem, p. 301) A perfeição e a ordem g eométricas, que no poem a camoniano surgem co mo signo positivo do cie nti- ficismo e de domínio do homem sobre o univers o, aqui aparecem sob a ótica niilista desse eu qu e vê tudo como uma estranha ordem, na qual ele não se encaixa. Trata-se do desconcerto do eu, cansa do de repetir ad eternum a s viagens pelos mares m uitas vezes navegados, sem chegar a lugar alg um. Às imagens fulgurantes da máquina camoniana contrapõem-se, no text o drummondiano, o céu de chumbo e aves negras, num fúnebre bailado ao som de um sino enrouq uecido. Mudam-se os tempos, m udam-se as vontades: o ato de ver, ação-chave no texto camoniano, é a qui repudiado pelo eu drumm ondiano. Declinando do convite, o poeta renuncia ao desvendamento da m á- quina do mundo. Outro aspecto desse redimen sionamento está no fato de o texto contemporâ neo apresentar um sujeito lí rico que se coloca na 1 a pessoa, conferindo ao p oema uma perspectiva s ub- jetivista, ao contrário da dimensão épica que car acteriza o texto renascen tista: Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhos o, pois a fé se abrandara, e me smo o anseio, a esperança mais mínima - e sse anelo de ver desvanecida a treva e spessa que entre os raios do sol ind a se infiltra; (...) semelhante a essas flores ret icentes em si mesmas abertas e fech adas; como se um dom tardio já n ão fora apetecível, antes despiciend o, baixei os olhos, incurioso, la sso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. (Ibidem, p. 302) A recusaefetuada pelo s ujeito é decorrente da fa lta de esperança e manif esta-se pelo desdém em re- lação à máquina. O ser q ue outrora ansiava pela resposta agora sabe que há rimas, mas não soluç ões: A treva mais estrita já pousa ra sobre a estrada de Minas, pe dregosa, e a máquina do mundo, rep elida, se foi miudamente recompo ndo, enquanto eu, avaliando o qu e perdera, seguia vagaroso, de mãos pe nsas. (Ibidem, p. 302) A trajetória do eu drumm ondiano chega agora ao seu estágio final: do pr imeiro momento, anteri or ao tempo presente, infe re-se uma busca, que se revelara vã; o segundo momento trouxe a apar ição da máquina, num encon tro que culminou com a rejeição por parte do eu -lírico. O momento atual cor- responde a uma espécie de balanço, uma reflexã o acerca da perda. Long e de apresentar uma atit ude reverente, o sujeito pare ce aceitar sua torta cond ição. Repele a máquina que, humilde, miudame nte se recompõe. Vagarosam ente, ele avalia o que d eixou para trás. Sabe-se marcado pelas angústia s de um mundo sem glóri as, um gauche assinalad o. 26 Fascículo 2 Os Lusíadas são um poema épico, que narra a via- gem de Vasco da Gama para as Índias. Composta de dez cantos, essa obra tem 8816 versos decassíla- bos, distribuídos em 1102 estrofes em oitava rima, ou seja, com esquema de rimas em ABABABCC. Essa epopeia apresenta cinco partes: a primeira, chamada Proposição, remete ao Canto I (estrofes 1 a 3). Essas estrofes tratam das façanhas dos na- vegadores portugueses comandados por Vasco da Gama, personagem que representa o povo portu- guês; sendo imortal, apresenta-se inicialmente um dos contrapontos dessa epopeia com os clássicos em que os personagens são imortais. Estrofe 1 As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; Estrofe 2 E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Estrofe 3 Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de alexandro e de trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem neptuno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta. Invocação às ninfas do tejo A segunda parte diz respeito à Invocação (Cantos I, estrofes 4 e 5); passagem em que o ser poeta cla- ma pelo auxílio e por inspiração às musas do Tejo (as Tágides) para compor a sua obra. Estrofe 4 E vós, tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, 3 ordene Que não tenham inveja às de hipoerene. Estrofe 5 Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso. A Dedicatória reside nas estrofes 6 a 18 (Canto I). A terceira parte da obra é dedicada ao rei Dom Sebastião (v. Sebastianismo), considerado como propagador da fé católica e responsável pelas con- quistas marítimas entre os portugueses. Estrofe 8 Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando desce o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco oriental, e do gentio, Que inda bebe o licor do santo rio; A Narração tem início na estrofe 19 (Canto I) e vai até o Canto X, estrofe 144. Essa quarta parte (o po- ema em si) trata das aventuras, dos perigos, das per- das e dos conflitos dos navegadores portugueses. Estrofe 19 Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas A quinta parte é o Epílogo (Canto X, estrofes 145- 156). O ser poeta encerra o cântico X, mostrando- se agradecido aos deuses e, ao mesmo tempo, la- menta o fato de não ser ouvido com mais atenção. atividade crítica/refLexiva | Com base nas características desse movimento literário, discuta com os(as) colegas do Curso a estrutu- ra de Os Lusíadas. 27Fascículo 2 3. os Lusíadas: canto iii ProbLematização Os Lusíadas é a epo- peia do Renascimen- to, que se tornou com o tempo a “bíblia na- cional” da identidade portuguesa (Luiz Car- los Lisboa). Nascida em Castela, Inês de Castro foi dama da corte portuguesa e assassinada por motivos políti- cos. Filha ilegítima de um nobre da Galícia, foi para Portugal (1340) como dama de honra de D. Cons- tança, filha do infante espanhol D. Juan Manuel, quando esta se casou com o príncipe herdeiro D. Pedro, filho do rei de Portugal, D. Afonso IV. Na corte, Inês de Castro tornou-se amante do príncipe herdeiro, que, após a morte de Constança (1345), apesar da oposição do rei, casaram-se secretamente. Inês e Pedro tiveram quatro filhos. Contudo, essas crianças e mais a presença em Portugal de seus ir- mãos Alfonso e Fernando provocaram intrigas na corte e alimentaram o desagrado do rei D. Afonso, que temia pelos direitos sucessórios de seu neto Fernando, filho de Constança. Numa das ausên- cias de Pedro, conspiradores prenderam Inês em Coimbra. O rei Afonso ordenou a execução, mor- te lamentada por Camões e que demonstrou sua indignação em versos imortais. Quando Pedro subiu ao trono, em 1357, desenca- deou sua vingança e mandou executar todos os ma- tadores de sua amada. Ordenou também que os res- tos mortais de Inês de Castro fossem transportados do mosteiro de Santa Clara para Alcobaça, com pompas reais; vem daí o dito popular: “agora é tar- de, Inês é morta”. O seu drama tornou-se tema de inúmeras peças de teatro e de outras artes, como a pintura, imortalizando-a como personagem de uma história real de amor, como nos mostra Ca- mões no Canto III, estrofes 118 a 135 a seguir: 118 Passada esta tão próspera vitória, Tornado Afonso à Lusitana terra, A se lograr da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste, e dino da memória, Que do sepulcro os homens desenterra, Aconteceu da mísera e mesquinha Que depois de ser morta foi Rainha. 119 Tu só, tu, puro Amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. Inês de Castro, Canto III, Os Lusíadas. Fo nt e: T úm ul o de In ês d e Ca st ro : ht tp :// im ag es .g oo gl e. co m .b r/ im ag es ?n ds p= 18 & um = 1& hl = pt -B R& q= in es + de + ca st ro + os + lu si ad as & st a rt = 36 & sa = N “monte casteLo ” (Letra: Renato Russo - Adapt . “I Coríntios 13” e “Soneto 11” de Luís de Camõ es. Música: Renato Russo) Ainda que eu falasse a l íngua dos homens. E falasse a língua do an jos, sem amor eu nada s eria. É só o amor, é isso o am or. Que conhece o que é ve rdade. O amor é bom, não que r o mal. Não sente
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