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FASCÍCULOS - literatura_portuguesa_1

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife
 Graúna, Maria das Graças Ferreira
Literatura portuguesa I / Maria das Graças Ferreira Graúna. – Recife: UPE/ 
 NEAD, 2009. 
64 p.: il. – (Letras).
ISBN 978-85-7856-026-3
 
Conteúdo: fasc. 1 – Das cantigas medievais ao teatro vicentino; fasc. 2 
 – Camões: épico e lírico; fasc. 3 – Anjos, demônios e pastores “Carpe Diem”!; 
 fasc. 4 – Vertentes do romantismo em verso e prosa.
 
1. Literatura portuguesa 2. Educação a distância I. Universidade de 
 Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título 
 
 CDU 869.0
G774l
Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
Coordenador Geral
 
Coordenador Adjunto
 
Assessora da Coordenação Geral
 
Coordenação de Curso
 
Coordenação Pedagógica
 
Coordenação de Revisão Gramatical
 
Administração do Ambiente
 
Coordenação de Design e Produção
 
Equipe de design 
 
Coordenação de Suporte
EDIção 2009
Reitor
 
Vice-Reitor
 
Pró-Reitor Administrativo
 
Pró-Reitor de Planejamento
 
Pró-Reitor de Graduação
 
Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa 
 
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado
Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello
Prof. Paulo Roberto Rio da Cunha
Prof. Béda Barkokébas Jr.
Prof.ª Izabel Cristina de Avelar Silva
Prof.ª Viviane Colares S. de Andrade Amorim 
Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo
UNIVERSIDADE DE PERNAmbUCo - UPE
Prof. Renato Medeiros de Moraes
Prof. Walmir Soares da Silva Júnior
Prof.ª Waldete Arantes
Prof.ª Silvania Núbia Chagas
Prof.ª Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima
Prof.ª Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes
Prof. Walmir Soares da Silva Júnior
Prof.ª Angela Maria Borges Cavalcanti
Prof.ª Eveline Mendes Costa Lopes
Prof.ª Célia Barbosa da Silva Oliveira .
José Alexandro Viana Fonseca
Prof. Marcos Leite
 
Anita Sousa
Gabriela Castro
Rafael Efrem
Rodrigo Sotero
Romeu Santos
Susiane Santos
Adonis Dutra
Afonso Bione
Prof. Jáuvaro Carneiro Leão
NEAD - NÚCLEo DE EDUCAção A DISTÂNCIA
5
Literatura
Portuguesa i
Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna
Carga Horária | 60 horas 
ementa
Considerações sobre a literatura portuguesa do século XII ao século XIX. 
Origens. 
Trovadorismo. 
Poesia palaciana e outras manifestações do Humanismo. 
Renascimento. 
Barroco. 
Arcádia lusitana. 
Faces do Romantismo. 
objetivo geraL
Fomentar a reflexão, o estudo e a pesquisa voltados para os direitos humanos 
nas mais diversas manifestações da literatura portuguesa do séc. XII ao séc. XIX. 
objetivos esPecíficos 
Estudar o contexto histórico e as características dos movimentos literários no 
contexto europeu: do Trovadorismo ao Romantismo. 
Problematizar o contexto histórico e as características das obras consideradas 
mais representativas (em prosa e verso) em Portugal: do séc. XII ao séc. XIX. 
Estabelecer relações entre as diferentes manifestações literárias lusófonas: do 
Trovadorismo às gerações românticas do séc. XII ao séc. XIX. 
aPresentação da disciPLina
A literatura é uma expressão artística, das mais elevadas no conjunto das mani-
festações culturais de um povo. A literatura pode ser considerada um jeito de ser 
e de viver, de tal maneira que podemos observar, ler e interpretar o universo. 
Com este espírito, podemos dizer que na literatura cabem “todos os sonhos do 
mundo”, como diria o poeta Fernando Pessoa. 
Vejamos, agora, de que trata a nossa Disciplina: no Fascículo 1, temos o Tro-
vadorismo - um grande estilo de época que, ao longo da história da literatura 
universal, influenciou outros movimentos, a exemplo do Humanismo; no Fas-
cículo 2, o Renascimento nos traz os Lusíadas (epopéia) e a lírica de Luis Vaz de 
Camões; o Fascículo 3 remete ao Barroco e ao Arcadismo – estilos de época em 
que se destacam, respectivamente, as cartas de Mariana Alcoforado e a poesia 
bocagiana; para encerrar, o Fascículo 4 nos embala com o Romantismo em verso 
e prosa, escrito por Almeida Garret e outros nomes da cena literária portuguesa. 
Esperamos que a dinâmica dos exercícios e as estratégias apresentadas possam contribuir para o desenvol-
vimento da pesquisa e para a compreensão da literatura portuguesa e suas relações sociais.
Naveguemos, então, no mar da Literatura Portuguesa!
6
7Fascículo 1
das cantigas 
medievais ao 
teatro vicentino
Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna
Carga Horária | 15 horas 
1. origens da Literatura Portuguesa 
 Primeiro Período (1189 ou 1198-1434) 
ProbLematização 
Grande parte da literatura de tradição oral é 
cantada ou entoada, podendo ser acompanhada 
de música (produzida por instrumentos diver-
sos) e associada à poesia. 
A oralidade é a base da literatura - seja espanho-
la, árabe, francesa ou de língua portuguesa (em 
Macau, na China; no Continente Africano, na 
Europa, na América do Sul e outros lugares); o certo é que a oralidade vem 
primeiro, como demonstram as rodas de conversas que alimentam o imaginário 
das pequenas aldeias portuguesas e a literatura de cordel, que ainda circula no 
Nordeste do Brasil, oriunda dos tempos medievais. 
É possível dizer que a variedade do cancioneiro, tal como o conhecemos hoje, 
partiu de uma realidade que transcende o período medieval: algo que podemos 
chamar de oralidade. Desse modo, podemos supor que a oralidade continua 
indispensável “a todo conhecimento que se pretenda sólido, nos vários setores 
da Cultura”, conforme intuímos do pensamento de Massaud Moisés no prefácio 
da série de textos doutrinários sobre a estética da Ilustração no universo da lite-
ratura portuguesa. 
Como este espaço é de reflexão, aqui, não nos interessam as respostas prontas, 
mas, sobretudo, o fazer literário de autores(as) e a repercussão das obras do Me-
dievalismo ao Romantismo na história social da literatura portuguesa. 
No entendimento de Saraiva, um estudioso da literatura portuguesa, a Litera-
tura oral é composta pelo Romanceiro, isto é, um conjunto de manifestações 
Ata do I Encontro de Estu
dos Medievais - UFRJ: 
http://www.pem.ifcs.ufrj.br/p
rogramacao.htm
texto comPLementar
Salão de leitura do Real Gabi-
nete Português de Leitura,
no Centro do Rio de Janeiro. Cr
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8 Fascículo 1
artísticas constituído de breves romances popu-
lares ou composições versificadas sobre aventuras 
guerreiras, sociais ou amorosas. São exemplos des-
sas manifestações: O Romance da Nau Catrineta, 
Santa Iria, O Conde Alemão. 
Nos chamados Contos Tradicionais, estão as his-
tórias do cotidiano, muitas vezes com intervenção 
do sobrenatural, como sugerem a História da Ca-
rochinha. Nas Trovas Populares, encontra-se o 
Cancioneiro; um dos mais conhecidos intitula-se 
Senhora do Almurtão, com peças na sua maioria, 
oriundas do canto. Esse tipo de narrativa apresen-
ta diferentes versões, considerando a criação cole-
tiva e a tradição oral reproduzidas pela memória. 
Desse modo, passa por variações que acabam por 
enriquecê-la e por consagrar, assim, a sua base cole-
tiva. Garrett, em consonância com o ideal românti-
co de valorização das origens da nacionalidade e da 
tradição popular, Teófilo Braga, Leite de Vasconce-
los e Consiglieri Pedroso demonstram claramente 
a influência que receberam dessas composições. 
No século XX, Fernando Lopes Graça apresentou 
muitas das versões musicais dos textos do Can-
cioneiro e de alguns romances. Desse modo, a re-
lação entre literatura oral e literatura escrita nos 
aproxima do chamado sistema semiótico literário. 
Na concepção de Vitor Manuel de Aguiar e Silva 
(1988, 137-144), em Teoria da Literatura, essa rela-
ção mostra o seguinte: 
 
Para se compreender adequadamente a problemática semi-
ótica da literatura oral, torna-seindispensável, em primeiro 
lugar, rejeitar a ideia de que entre o texto da literatura oral e 
o texto da literatura escrita existe apenas a diferença de que 
o segundo, ao contrário do primeiro, apresenta os seus si-
nais constitutivos materializados numa substância e numa 
peculiares, em conformidade com as regras e convenções 
do código grafemático utilizado. Se a ideia de qualquer 
texto escrito representa tão-só a materialização gráfica, a 
mera transliteração de um ato de fala oralmente realizado, 
é profundamente inexacta, maior gravidade assume o erro 
quando se equaciona assim a relação diferencial existente 
entre texto da literatura oral e texto da literatura escrita 
(AGUIAR E SILVA). 
atividade crítica/refLexiva | Com base 
nas Referências, discuta com os(as) colegas do 
Curso a relação entre a literatura escrita e a 
literatura de tradição oral.
2. estética trovadoresca: 
Lírica e satírica
ProbLematização
Quais os reflexos da 
poesia trovadoresca 
na atual literatura 
portuguesa?
contexto Histórico
O Trovadorismo tem origem no Sul da França, 
mais precisamente na Provença (daí a sua tradição 
provençal) e se mistura com a cultura da Penín-
sula Ibérica. A estética trovadoresca foi chamada 
também de poesia galaico-portuguesa (da Galiza, 
região do norte ibérico) e divide-se – conforme o 
tratado poético do Cancioneiro da Biblioteca Na-
cional ou CBN – em duas categorias: lírica e satí-
rica. Da primeira, constam as cantigas de amigo e 
de amor. Nas satíricas, temos as cantigas de escár-
nio e de maldizer. Essas duas categorias dão conta 
de um cancioneiro com característica peculiar, de 
que falaremos adiante. Nos séculos XII a XIV, a 
literatura fora dos conventos, mosteiros e abadias 
desenvolveu-se em um idioma galego-português, 
isto é, uma mistura da língua da Galícia com a de 
Portugal. Esse hibridismo está presente na poesia 
trovadoresca e nas novelas de cavalaria. 
Na Idade Média, as primeiras manifestações em 
língua galego-portuguesa (português arcaico) da-
tam do séc. XII; não eram recitadas, porém canta-
das e aparecem em três coletâneas: o Cancioneiro 
da Ajuda – CA (com 310 cantigas compiladas no 
séc. XIII), o Cancioneiro da Vaticana – CV (1205 
cantigas copiladas na Itália, no séc. XVI sobre ori-
ginais do séc. XIV) e o Cancioneiro da Biblioteca 
Nacional - CBN (1647 cantigas compiladas após a 
morte de D. Dinis), considerado o mais completo, 
abrange as cantigas do século XII ao século XIV. 
Essa coletânea revela-nos a produção lírica e satí-
rica difundida por trovadores (poetas), segréis (ins-
trumentistas) e jograis (cantor e compositor).
Na opinião de António José Saraiva e Oscar Lo-
Grupo Atempo - Música
 Medieval - Conjunto 
de música especializado
 no período Medieval
http://www.atempo.com.br/
texto comPLementar
cantigas de Santa Maria ht
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9Fascículo 1
pes, dois nomes aparecem como os precursores do 
Trovadorismo em Portugal: João Soares de Paiva e 
Paio Soares de Taveirós; este último é autor da cé-
lebre “Cantiga da Garvaia” (primeira composição 
trovadoresca, provavelmente do ano de 1189 ou 
1198), em alusão à D. Maria Paes Ribeiro, prova-
velmente amante do monarca português, D. San-
cho I. A este respeito, convém observar que não se 
trata de uma cantiga de amor, pois a composição 
tem mais semelhança com as cantigas de mal-dizer. 
atividade crítica/refLexiva | Discuta 
com os(as) colegas do Curso a relação entre as 
diferentes cantigas trovadorescas
3. PrinciPais trovadores
 
ProbLematização
Na opinião do pesquisador 
Jarbas Vargas Nascimento:
o séc. XIII fixa com D. Afonso 
X, o Sábio, uma revolucioná-
ria postura histórica na poesia 
lírica, inovando o meio cultu-
ral ao apresentar a coletânea 
religiosa de poesias líricas - As 
cantigas a Santa Maria - que re-
presentam, de certa forma, um 
reflexo da devoção mariana 
espalhada pela Europa no final 
do séc. XII.
Entre os trovadores mais famosos, consta o Rei 
Afonso X de Castela e Dom Dinis (1261-1325), 
Rei de Portugal – este último conhecido também 
como Rei trovador, autor de 138 cantigas; a maio-
ria de amor, apresentando alto domínio técnico e 
lirismo, tendo renovado a cultura numa época em 
que ela estava em decadência em terras ibéricas. 
Filho do rei D. Afonso III e neto de D. Afonso X, 
Rei de Leão e Castela, o rei trovador subiu ao tro-
no de Portugal em 1279. Em seu reinado, a língua 
portuguesa se tornou oficial; a agricultura ganhou 
destaque com a plantação do Pinhal de Leiria. No 
Trovadorismo, outros nomes se destacam: João So-
ares de Paiva, Paio Soares de Taveirós, João Garcia 
de Guilhade, Afonso Sanches, João Zorro, Aires 
Nunes, Nuno Fernandes Torneol. 
Outro rei trovador é D. Afonso X, conhecido 
como o Sábio de Leão e Castela. É considerado o 
grande renovador da cultura peninsular na segun-
da metade do século XIII. Acolheu na sua corte 
trovadores, tendo ele próprio escrito um grande 
número de composições em galaico-português que 
ficaram conhecidas como Cantigas de Santa Ma-
ria. Promoveu, além da poesia, a historiografia, a 
astronomia e o direito, tendo elaborado a General 
História, a Crônica de España, Libro de los Juegos, Las 
Siete Partidas, Fuero Real, Libros del Saber de Astrono-
mia, entre outras. 
Dedicado também às letras foi o rei D. Duarte. Fez 
tradução de autores latinos e italianos e organizou 
uma importante biblioteca particular, destacando-
se as seguintes contribuições: Livro dos Conse-
lhos; Leal Conselheiro; Livro da Ensinança de 
Bem Cavalgar Toda a Sela. 
 
atividade crítica/refLexiva | Pesquise 
acerca da poesia religiosa no medievalismo 
português.
4. cantigas amorosas
ProbLematização
A que se deve a exclusão da literatura escrita 
por mulheres, na Idade Média?
Artistas medievais
Fonte: http://images.google.
com.br/images?hl=pt-
BR&q=trovadorismo&um
=1&ie=UTF-8&sa=N&
tab=wi 
Centro de Estudos Medie
vais - Oriente & Oci-
dente - Centro de Estud
os Medievais da Uni-
versidade de São Paulo
http://www2.fe.usp.br/~cem
oroc
texto comPLementar
http://www.ifcs.ufrj.br/~fraza
o/mulher.html
texto comPLementar
Santa Clara e São Francisco
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10 Fascículo 1
A lírica medieval é composta por cantigas de ami-
go e cantiga de amor. A diferença entre essas canti-
gas consiste em que na Cantiga de Amigo se supõe 
um eu-lírico feminino, pois o tema trata de uma 
cantiga de mulher, composta por um trovador. 
Nessa cantiga, o objeto de atenção é o ser amado, 
o namorado, o amante, o amigo. Uma das canti-
gas mais conhecidas intitula-se Ondas do mar de 
vigo, de Martim Codax. O fragmento que segue 
demonstra claramente que a boa literatura vence o 
tempo, ou seja, a produção literária da Idade Mé-
dia é apenas parte de um mundo que mal conhe-
cemos e que, por isso mesmo precisamos conhecer 
para entender melhor o nosso cotidiano. 
Quanto à estrutura dessas canções, é notória a 
presença de alguns recursos: o paralelismo, isto é, 
a repetição parcial dos versos, com uma peque-
na variação no seu final; o refrão, com a repetição 
integral dos versos. Esse tipo de recurso tem por 
objetivo propiciar a memorização. Para identificar 
a cantiga de amigo, não é difícil perceber a voz da 
poesia. Nela, quem se lamenta é uma mulher, isto 
é, um eu-lírico feminino que reclama a saudade do 
objeto amado (o amigo = namorado, amante). Nes-
se tipo de poesia, o diálogo se dá com os elementos 
da natureza; uma espécie de inovação oriunda da 
Península Ibérica. 
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!
(...)
(Martin Codax, CV 884, CBN 1227)
Entre as Cantigas de Amigo, existem aquelas que 
podem ser chamadas de pastorela, pois nela des-
fruta-se o espetáculo como amador das coisas be-
las, com alusões ao mundodas aves, das árvores 
e as mudanças das estações do ano, por exemplo, 
relacionadas ao estado de espírito, aos sentimen-
tos; barcarola – o mar, os rios, os lagos, o barco, 
as viagens, a saudade são temas recorrentes nessas 
canções; romaria – descreve situações relacionadas 
às festas religiosas e às bailas, com assuntos ligados 
à dança. 
O trovador coloca como personagem central uma 
mulher da classe popular e procura expressar o sen-
timento feminino por meio de tristes situações da 
vida amorosa das donzelas. Pela boca do trovador, 
ela canta a ausência do amigo ou amado e desabafa 
o desgosto de amar e ser abandonada, em razão da 
guerra ou de outra mulher. Nesse tipo de poema, 
a moça expõe seus sentimentos amorosos com a 
mãe, as amigas, as árvores, as fontes, o mar e os 
rios, entre outros elementos da natureza. O caráter 
narrativo e o descritivo apresentam um vivo retrato 
da vida campestre e do cotidiano das aldeias me-
dievais portuguesas. 
- Ai flores, ai flores do verde pino,
Se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é? 
Ai flores, ai flores do verde ramo,
Se sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
Aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?
 
Na Cantiga de Amor, é o trovador quem fala. O 
eu-lírico é masculino e confessa seu amor à mulher 
da corte, isto é, à senhora (ou “senhor” – segundo 
o português arcaico). O tema predominante é o so-
frimento amoroso (“coita”) do trovador pela dama. 
Essa relação é marcada pelo distanciamento entre 
o trovador e sua amada. Essa postura é um reflexo 
do feudalismo, pois a mulher ao ser considerada, 
ao mesmo tempo, como objeto sexual e divindade; 
assume o lugar do senhor feudal, enquanto o trova-
dor revela a sua servidão pela obrigação de render-
lhe homenagens e declarar publicamente as quali-
dades da amada como quer o amor cortês. De tão 
enaltecida, assim, a mulher – amante espiritual – é 
considerada também incapaz de praticar maldades. 
Quem fala no poema é um homem, que se dirige 
a uma mulher da nobreza, geralmente casada, e o 
amor se torna tema central do texto poético. Esse 
amor se torna impraticável pela situação da mu-
lher. Segundo o homem, sua amada seria a perfei-
ção e incomparável a nenhuma outra. O homem 
sofre interiormente, coloca-se em posição de servo 
da mulher amada. Ele cultiva esse amor em segre-
do, sem revelar o nome da dama, já que o homem 
é proibido de falar diretamente sobre seus senti-
mentos por ela (de acordo com as regras do amor 
cortês), que nem sabe dos sentimentos amorosos 
do trovador. Nesse tipo de cantiga, há presença de 
refrão que insiste na ideia central, o enamorado 
não acha palavras muito variadas, tão intenso e 
maciço é o sofrimento que o tortura. Essas cantigas 
espelham a vida na corte através de forte abstração 
11Fascículo 1
e linguagem refinada. 
Outro aspecto da cantiga, do ponto de vista estru-
tural, tem a ver com o emprego de repetições, mas 
isso não lhe tira a expressividade poética, pois, no 
cancioneiro popular, esse é um recurso marcante 
que parece reforçar a dramaticidade do eu-lírico 
(seja nas cantigas de amor ou de amigo) e o aspec-
to jocoso nas cantigas escárnio e de maldizer. Eis 
um fragmento de uma cantiga de amor composta 
por D. Dinis: 
Quer’eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d’amor,
e querrei muit’i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi em:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo Val.
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est’é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh’outra foss’igual.
(El-Rei D. Dinis, CV 123, CBN 485)
atividade crítica/refLexiva | Pesquise 
as Referências Bibliográficas e discuta com 
os(as) colegas do Curso o contexto histórico 
do medievalismo português.
5. cantigas satíricas
ProbLematização
Pode se dizer que as 
Cantigas de Escárnio e 
de Maldizer configuram 
o retrato preto e branco 
de uma época. Saiba por 
que.
Essas cantigas refletem a realidade, pois trazem o 
retrato em preto e branco – por assim dizer – dos 
costumes, dos tipos sociais, do comportamento 
humano, do cenário de uma época. Uma das ca-
racterísticas da cantiga de escárnio consiste em sati-
rizar a pessoa sem nomeá-la; enquanto a cantiga de 
maldizer mostra, claramente, e outra implícita, de 
quem ou de que se trata a pessoa ou a situação sa-
tirizada. Em ambas, a personagem satirizada pode 
ser uma pessoa decadente, ou que passou por um 
problema amoroso, uma mulher namoradeira, os 
representantes do clero e suas amantes e todos os 
outros tipos sociais. Nessas cantigas, era comum 
o uso de palavras dúbias, da ironia, da hipérbole, 
de gírias e palavrões. Das cantigas de Escárnio, o 
exemplo que se segue é a célebre “Dona fea”; uma 
composição de Joan Garcia de Guilhade, compila-
da no Cancioneiro da Vaticana e no Cancioneiro 
da Biblioteca Nacional: 
Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv’en [o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
(...)
Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito
trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
A cantiga que ficou conhecida por “Cantiga da 
Ribeirinha” é considerada uma das mais antigas 
manifestações literárias de Portugal (Veja, neste 
Fascículo, quadro “saiba mais”). Por suas caracte-
rísticas pertence ao grupo da poesia de Maldizer, 
pois se trata de uma sátira direta à D. Maria Paes 
Ribeiro, amante do monarca português, D. San-
cho I. A este respeito, convém observar que não 
se trata de uma cantiga de amor, pois esse tipo de 
composição obedecia a um código de ética dos tro-
vadores que proibia citar o nome da pessoa amada. 
Na cantiga em destaque, o trovador faz alusão ao 
nome de uma Senhora e ameaça propagar que a 
viu na intimidade, pois era típico nessas cantigas 
versar sobre os escândalos dos jograis e suas com-
panheiras, como observa Saraiva (1999) em Inicia-
ção à literatura portuguesa. Pelo caráter vingativo, 
sugerido no texto, “A Ribeirinha ou Cantiga de 
Garvaia” aproxima-se, portanto, das cantigas de 
mal-dizer. 
Cantigas de 
maldizerFo
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trovadorismo/satirico.shtml
texto comPLementar
12 Fascículo 1
No mundo non me sei parelha,
Mentre me for’como me vay
Ca já moiro por vos – e ay!
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraya
Quando vus eu vi em saya!
Mao dia me levantei,
Que vus enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquel di’ ay!
Me foi a mi muyn mal,
E vos, filha de don Paay Moniz,
e bemvus seMelha
D’aver eu por vos guarvaya
Pois eu, mia senhor d’alfaya
Nunca de vos ouve, nem ei
Valia d’ua Correa.
 
Esse tipo de cantiga procurava ridicularizar pesso-
as e costumes da época com produção satírica e 
maliciosa. 
As cantigas de escárnio são críticas, utilizando-se 
de sarcasmo e ironia, feitas de modo indireto; al-
gumas usam palavras de duplo sentido, para que, 
não se entenda o sentido real. As de maldizer 
utilizam uma linguagem mais vulgar, referindo-se 
diretamente a suas personagens, com agressivida-
de e com palavras duras. Mostram exatamente o 
que querem dizer, não havendo outro modo de 
interpretar. Os temas centrais dessas cantigas são 
as disputas políticas, as questões e ironias que os 
trovadores se lançam mutuamente, como sugere a 
seguinte cantiga que pode ser considerada de Es-
cárnio ou de Maldizer: 
Conheceis uma donzela
Por quem trovei e a que um dia
Chamei dona Berinjela?
Nunca tamanha porfia
Vi nem mais disparatada.
Agora que está casada
Chamam-lheDona Maria.
Algo me traz enojado,
Assim o céu me defenda: 
Um que está a bom recato
(negra morte o surpreenda
e o Demônio cedo o tome!)
quis chamá-la pelo nome
e chamou-lhe Dona Ousenda.
Pois que se tem por formosa
Quanto mais achar-se pode,
Pela Virgem gloriosa!
Um homem que cheira a bode
E cedo morra na forca 
Quando lhe cerrava a boca
Chamou-lhe Dona Gondrode
atividade critico/refLexiva | Pesquise 
as Referências e discuta com os(as) colegas do 
Curso a função da sátira na literatura.
 
6. noveLas de cavaLaria 
amadis de gauLa (1508)
ProbLematização
A exaltação heroica cola-
borou para o desenvolvi-
mento das narrativas cava-
leirescas. No século XVI, 
Portugal e Espanha produ-
ziram juntos mais de duas 
dúzias dessas narrativas.
Essa cena da Távola Redonda é consagrada na 
história da literatura universal. A novela medieval 
mais conhecida é a que liga o Santo Graal às len-
das arthurianas. Arthur era o rei da Britânia, que 
se reunia com seus cavaleiros ao redor da Távola 
Redonda. Havia, sempre, um lugar vazio na mesa. 
Este era reservado a um cavaleiro de grandes vir-
tudes, àquele que encontraria o cálice sagrado. O 
cavaleiro era Lancelot, que chegou a encontrar o 
Graal, mas conseguiu apenas contemplá-lo. Não 
poderia tocá-lo, pois sua pureza fora manchada 
pelo adultério, que cometera com a rainha Guine-
vere. As novelas de cavalaria - surgiram derivadas 
de canções de gesta e de poemas épicos medievais. 
Refletiam os ideais da nobreza feudal: o espírito ca-
valheiresco, a fidelidade, a coragem, o amor servil, 
mas estavam também impregnadas de elementos 
da mitologia céltica. A Demanda do Santo Gra-
al reúne dois elementos fundamentais da Idade 
Média: a Cavalaria a serviço do Rei e a serviço da 
Religiosidade. Outras novelas que também mere-
cem destaque são “José de Arimatéia” e “Amadis 
de Gaula”. 
Em Portugal, Amadis de Gaula (séc. XIV) é uma 
das novelas de cavalaria oriundas do século XVI. 
Cavaleiros da Távola 
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humanismo/prosa.shtml
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13Fascículo 1
Do mesmo período, temos a Crônica do Impera-
dor Clarimundo (1522), do historiador João de 
Barros; Memorial das Proezas da Segunda Távola 
Redonda (1567), de Jorge Ferreira de Vasconcelos; 
Palmeirim de Inglaterra (1567), de Francisco de 
Morais. Para Massaud Moisés, em a Literatura Por-
tuguesa, essa novela sobressai-se pelo seguinte: 
 
Na literatura quatrocentista, sobressai-se a obra Amadis 
de Gaula (1508), uma das mais importantes novelas de 
cavalaria escritas na Península Ibérica, se não a mais im-
portante exceptuando o Dom Quixote, e cuja autoria con-
tinua a ser um intricado problema. Quem a escreveu? Em 
que língua? 
Desde cedo, sua paternidade se envolveu de mistério, 
dando origem a três correntes de opinião: a primeira, 
que ligava a novela à Literatura Francesa, está hoje intei-
ramente posta de lado; a segunda defende a tese de que 
sua autoria se deve a um português; e a terceira advoga a 
tese espanhola. 
Militam em favor da tese portuguesa alguns argumentos, 
dos quais se apontam os seguintes: Azurara, em sua Cró-
nica do Conde D. Pedro de Meneses (1454, 1. I, cap. G3), 
refere o nome de Vasco da Lobeira, tido por um dos auto-
res da obra, juntamente com João de Lobeira; nos Poemas 
Lusitanos (1598), de António Ferreira, incluem-se dois 
sonetos alusivos ao episódio de Briolanja, personagem do 
Amadis (1. I, cap. 4U), o qual, por sua vez, interessa pelas 
recusas de Amadis às solicitações da donzela, por fidelida-
de a Oriana, apesar da interferência de D. Afonso, irmão 
de D. Dinis, em favor da solicitante; o lais dedicado a Le-
onoreta, inserto no Amadis, escrito em Português, teria 
sido composto por João de Lobeira, trovador do tempo de 
Afonso III e de D. Dinis; assim sendo, o trovador teria es-
crito também os dois livros iniciais da novela, a que mais 
tarde Vasco da Lobeira teria acrescentado o terceiro, o que 
explicaria ter-lhe Azurara mencionado o nome. 
Fundamentam a tese espanhola os seguintes argumentos: 
a primeira edição da novela é de 1508, em Espanhol, feita 
por Garci-Ordónez de Montalvo, que lhe teria acrescenta-
do 0 4° livro e emendado os anteriores; as mais remotas 
referências à novela se devem a autores espanhóis, como 
a do Canciller Ayala em seu Rimado de Palácio (cerca de 
1380) ; no século XIV, Pedro Fernís, poeta do Cancionei-
ro de Baena, refere o Amadis em 3 livros; no século XV, é 
mencionado por vários escritores espanhóis. 
Não há, porém, argumentos cabais que permitam decidir 
acerca das duas teses citadas. Falta ainda encontrar qual-
quer prova mais concludente para dar por solucionado o 
problema, se bem que alguns pormenores internos façam 
pender a balança para o lado português, como foi notado, 
inclusive, por espanhóis, entre os quais Menéndez Pelayo 
(Orígenes de la Novela, vol. I, págs. 345-6). Todavia, há 
pouco tempo, se encontrou motivo suficiente para consi-
derar o problema em definitivo resolvido, ou seja, “existe 
um fragmento do romance na nossa língua, do século XIII 
ou XIV, no arquivo dum aristocrata castelhano residente 
em Madrid”. “Está, creio bem, desde agora, encerrada a 
velha questão do Amadis de Gaega (...) Podemos, por-
tanto, dizer que as duas mais altas expressões do gênio 
literário galego-português são o Amadis de Gaega e Os 
Lusíadas; e talvez não seja por mero acaso que essas duas 
obras-primas, surgidas com intervalo de três séculos, te-
nham como autores dois portugueses de origem galega: 
João Lobeira e Luís de Camões”. 
A novela, reeditada várias vezes e continuada ao longo do 
século XVI, formando o ciclo dos Amadises, em 12 livros, 
filia-se ao longínquo trovadorismo amoroso. Amadis é 
um perfeito cavaleiro-amante e sentimental, vivendo em 
plena atmosfera do “serviço” cortês, caracterizado pela 
dedicação constante e obsessiva à bem-amada, a fim de 
lhe conseguir os favores. Esse traço francamente medieval 
é equilibrado com frequente tendência sensualista. Des-
sa forma, ao platonismo amoroso se junta “um grande e 
mortal desejo” que incendeia o par de enamorados: Ama-
dis e Oriana. É uma nota de primitivismo erótico, vul-
cânico e inebriante, desobediente a leis ou a convenções 
sociais e morais. 
O cavaleiro humaniza-se, terreniza-se a ponto de, no li-
vro 4° (tão diferente dos demais, pelo entrecho, pobre e 
monótono, e pelo estilo, cheio de “agudezas” forçadas), 
casar-se sacramentalmente para convalidar a antiga rela-
ção amorosa com Oriana. Nascem daí certos conflitos no 
espírito de Amadis, não os padronizados pela tradição 
mas os dum homem complexo, denso psicologicamente, 
“moderno”. O homem medieval começava a dar vez ao 
homem concebido segundo os valores renascentistas, que 
então iniciavam sua invasão de modo franco e definitivo. 
Amadis anuncia o surgimento do heroi moderno, de lar-
go curso e influência no século XV e no XVI, servindo de 
verdadeiro elo de ligação entre um mundo que morria, a 
Idade Média, e outro que principiava a despontar, a Re-
nascença, M. Rodrigues Lapa, “A Questão do Amadis de 
Gaula na Contexto Peninsular”, Grial, Revista Galega de 
Cultura; Vigo, n “ 27, Janeiro 1970, p. 14. 
O ciclo dos Amadises compõe-se dos seguintes livros, to-
dos em Castelhano: Sergas de Esplandián (1510), escrito 
por Garci-Ordónez de Montalvo; Florisando (1510), por 
Páez de Rivera; Lisuarte de Grécia (1514), por Feliciano de 
Silva; Lisuarte de Grécia (1526), por Juan Díaz; Amadis 
de Grécia (1530), por Feliciano de Silva; Florisel de Ni-
quea (1532), pelo mesmo autor; Florisel de Niquea (1535 
e 1551), pelo mesmo autor; Silves de Ia Selva (1546), pelo 
mesmo autor (MOISÉS). 
 
Um outro tipo de narrativa ficcional se desenvol-
ve paralelamente. Trata-se da novela pastoril, cujo 
modelo peninsular adquireressonância europeia, 
a partir da Diana (559) escrita em espanhol, por 
Jorge de Montemor. No séc. XVII, esse gênero ain-
da ecoa nas obras de Rodrigues Lobo, autor das 
novelas Primavera, Pastor Peregrino e Desenga-
nado assim como na Lusitânia Transformada 
de Fernão Álvares do Oriente, e nas Ribeiras do 
Mondego, de Elói de Souto Maior. 
O séc. XVII vê também desenvolver-se a novela 
parenética, com Os Infortúnios trágicos da cons-
14 Fascículo 1
tante Florinda (1633), de Gaspar Pires de Rebe-
lo. Esse tipo de novela é mais tarde convertida em 
alegoria progressista, de acordo com os ideais do 
Iluminismo, mas ficcionalmente similar, em obras 
como O feliz independente do tempo e da fortu-
na (1779), do Pe. Teodoro de Almeida; As Aven-
turas de Diófanes (1752), de Teresa Margarida da 
Silva e Horta que prenunciam o teor político, na 
senda pedagógica de Fénelon. 
A ficção clássica, em Portugal, emerge, sobretudo, 
para os três séculos, com a Menina e Moça, de Ber-
nardim Ribeiro (séc. XVI), a Peregrinação, de Fer-
não Mendes Pinto (séc. XVII) e as Obras do Dia-
binho da Mão Furada, obra anônima (séc. XVIII), 
por vezes atribuída a António José da Silva, o Judeu. 
atividade critico/refLexiva | Pesquise 
as Referências e discuta com os(as) colegas do 
Curso a influência das Novelas de Cavalaria 
na atual literatura portuguesa.
7. Humanismo 
(1434 – 1527)
 
ProbLematização
A contribuição do cronista 
Fernão Lopes é, sem dúvida, 
uma das mais importantes na 
história da literatura universal, sobretudo no Hu-
manismo português.
Fernão Lopes é considerado o maior historiógra-
fo de língua portuguesa, aliando a investigação 
à preocupação pela busca da verdade. D. Duarte 
concedeu-lhe uma tença anual para ele se dedicar 
à investigação da história do reino, devendo redigir 
uma Crônica Geral do Reino de Portugal. Correu 
a província a buscar informações, informações es-
tas que depois lhe serviram para escrever as várias 
crônicas (Crônica de D. Pedro I, Crônica de D. 
Fernando, Crônica de D. João I, Crônica de Cin-
co Reis de Portugal e Crônicas dos Sete Primeiros 
Reis de Portugal). Foi “guardador das escrituras” 
da Torre do Tombo. De Fernão Lopes. Leia, ago-
ra, um fragmento da crônica “Cerco de Lisboa”: 
Andavam os moços de três e de quatro anos, pe-
dindo pão pela cidade pelo amor de Deus, como 
lhes ensinavam suas madres; e muitos não tinham 
outra cousa que lhes dar senão lágrimas que com 
eles choravam, que era triste cousa de ver, e se lhes 
davam tomando pão como noz, haviam-no por 
grande bem.
Desfalecia o leite àquelas que tinham crianças a seus 
peitos, por míngua de mantimento; e vendo laze-
rar seus filhos a que ocorrer não podiam, choravam 
amiúde sobre eles a morte, antes que os a morte pri-
vasse da vida: muitos esguardavam as preces alheias 
com chorosos olhos, por cumprir o que a piedade 
manda; e, não tendo de que lhes ocorrer, caíam em 
dobrada tristeza. [...]
Ora esguardai, como se fôsseis presentes, uma tal 
cidade assim desconforta a e sem nenhuma certa 
fiúza de seu livramento, como viveriam em desvai-
rados cuidados quem sofria ondas de tais aflições! 
Ó geração que depois veio, povo bem aventurado, 
que não soube parte de tantos males nem foi qui-
nhoeiro de tais padecimentos!
Outros cronistas: Frei João Álvares, a pedido do 
Infante D. Henrique, escreveu a Crônica do In-
fante Santo D. Fernando. Nomeado abade do 
mosteiro de Paço de Sousa, dedicou-se à tradu-
ção de algumas obras pias: Regra de São Bento, 
os Sermões aos Irmãos do Ermo atribuídos a 
SAIBA MAIS!
A mais antiga manifest
ação literária galego-
portuguesa que se pod
e datar é a cantiga 
“Ora faz host’o senhor d
e Navarra”, do trova-
dor português João Soa
res de Paiva ou João 
Soares de Pávia, compos
ta provavelmente por 
volta do ano 1200. Por e
ssa cantiga ser a mais 
antiga datável (por co
nter dados históricos 
precisos), convém datar
 daí o início do Lírica 
medieval galego-portug
uesa (e não, como se 
supunha, a partir da “C
antiga de Guarvaia”, 
composta por Paio Soares de 
Taveirós, cuja data 
de composição é impo
ssível de apurar com 
exactidão, mas que, ten
do em conta os dados 
biográficos do seu autor
, é certamente bastan-
te posterior). Este texto t
ambém é chamado de 
“Cantiga da Ribeirinha”
 por ter sido dedica-
da à Dona Maria Paes 
Ribeiro, a ribeirinha.
Fonte: Slide - http://www.slid
eshare.net/clauheloisa/
trovadorismo/
Cronista 
Fernão LopesFo
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15Fascículo 1
Santo Agostinho e o livro I da Imitação de Cristo. 
Gomes Eanes de Zurara, filho de João Eanes de Zu-
rara. Teve a seu cargo a guarda da livraria real, ob-
tendo em 1454 o cargo de “cronista-mor” da Torre 
do Tombo, sucedendo, assim, a Fernão Lopes. Das 
crônicas que escreveu, destacam-se: Crônica da To-
mada de Ceuta, Crônica do Conde D. Pedro de Me-
neses, Crônica do Conde D. Duarte de Meneses e 
Crônica do Descobrimento e Conquista de Guiné. 
Poesia palaciana: coletânea de poesia publicada 
em 1516, por iniciativa de Garcia de Resende, que 
se preocupou em levar para a posteridade um re-
gistro das grandezas dos portugueses. Ele procurou 
reunir tudo o que possa testemunhar a vida, os 
costumes e a cultura da sociedade portuguesa da 
época bem como estimular o gosto de escrever e 
“trazer à memória” os feitos dos portugueses, can-
tados mais tarde por Camões. 
O Cancioneiro Geral inclui composições de vários 
gêneros (poesia lírica-amorosa e satírica, poesia his-
tórica, épica, dramática, moralizante, alegórica, ele-
gíaca e didáctica), que aparece tanto em português 
como castelhano. São aproximadamente trezentos 
autores, com produções poéticas datadas da segun-
da metade do século XV ao início do século XVI, 
durante o reinado de D. Afonso V, D. João II e D. 
Manuel. Os poemas refletem o ambiente palacia-
no e aristocrático em que foram criados e, a par 
de manterem algumas características do lirismo 
peninsular, denotam já influências de Dante e Pe-
trarca. Alguns poetas nele incluídos merecem ser 
destacados — são os casos de Diogo Brandão, Du-
arte de Brito, Jorge d’Aguiar, o conde de Vimioso, 
João Roiz de Castel-Branco, Bernardim Ribeiro, Sá 
de Miranda, e o próprio Garcia de Resende. 
O Cancioneiro é uma fonte importante para co-
nhecermos a “arte de trovar” dos serões da corte, 
o trabalho e o lazer, os objetivos e os interesses dos 
cortesãos que viveram na época dos Descobrimen-
tos. Contudo, falar na literatura do século XV e 
não apenas fazer referência ao Cancioneiro Geral, 
mas sobretudo analisar e avaliar a lírica e a sátira, 
que adquirem uma nova expressão. Essa coletânea 
contribuiu para um dissecar mais analítico do sen-
timento, sem o qual a grande poesia do século XVI 
não seria possível; sentimento este que funciona 
como repertório de uma tradição que os séculos 
seguintes não alterarão substancialmente, quer 
como traço de mentalidade, quer no seu aproveita-
mento literário. 
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as Referências e escreva (entre 25 e 30 linhas) 
acerca da Poesia Palaciana e do papel do cro-
nista na história social da literatura portuguesa.
8. teatro de giL vicente
 
ProbLematização 
O teatro vicentino é expressão de liberdade na Ida-
de Média.
Ambientado no início da Era Moderna, o teatro 
vicentino mostra criticamente o pensamento me-
dieval. Nessa perspectiva, a vida e a obra de Gil 
Vicente, conforme os estudiosos, parecem das 
mais controvertidas. Nascido por volta de 1465, 
ele aproveitou-se do prestígio que a função de or-
ganizador das festas da corte lhe conferia. Desse 
modo, em 1502, encenou a sua primeira peça, o 
Monólogo do vaqueiro ou Auto da Visitação, na 
câmara da rainha D. Maria, em comemoração ao 
nascimento de D. João III. Durante trinta e quatro 
anos, GilVicente fez representar dezenas de peças. 
Em 1562, seu filho, Luís Vicente, compilou e pu-
blicou as obras do seu pai. 
Características do teatro vicentino: escrita em 1517, 
Auto da Barca do Inferno é uma das obras mais 
representativas do teatro vicentino. Como em tan-
tas outras peças, nesta o autor aproveita a temática 
religiosa como pretexto para a crítica de costumes. 
Num braço de mar, estão ancoradas duas barcas. 
O auto da barca, 
Gil Vicente
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16 Fascículo 1
A primeira, capitaneada pelo diabo, faz a travessia 
para o inferno; a segunda, chefiada por um anjo, 
vai para o céu. Uma a uma vão chegando as almas 
dos mortos - um fidalgo, um onzeneiro (agiota), 
um parvo (bobo), um sapateiro, um frade, levando 
sua amante, uma alcoviteira, um judeu, um corre-
gedor (juiz), um procurador (advogado do Estado), 
um enforcado e quatro Cavaleiros de Cristo (cruza-
dos) que morreram em poder dos mouros. Todos 
tentam evitar a barca do diabo. Mas apenas o par-
vo e os cruzados conseguem embarcar para o céu. 
O teatro vicentino ainda reflete o pensamento 
medieval por sua moral religiosa e sua concepção 
teocêntrica do mundo. No Auto da Barca do In-
ferno, por exemplo, ao ver-se recusado pelo anjo, 
o fidalgo assim se lamenta, por ter dissipado sua 
vida, sem acreditar no castigo do inferno. 
Ao inferno todavia! 
Inferno há aí para mim?!
Ó triste! Enquanto vivi
nunca cri que o aí havia.
Tive que era fantasia
folgava ser adorado;
confiei em meu estado 
e não vi que me perdia.
Com os elementos ideológicos inovadores que 
suas sátiras sociais contêm, Gil Vicente não se dei-
xou influenciar pelas novidades estéticas introdu-
zidas pelo Renascimento. Sua obra é a síntese das 
tradições medievais e populares. Conforme Segis-
mundo Spina: “o seu teatro não pode ser jamais 
entendido, se analisado e concebido segundo os 
padrões de uma estética que não seja a estética do 
teatro popular”. Para um melhor entendimento da 
arte vicentina, convém apresentar, pelo menos, 
um breve comentário de sua obra, com base na 
estética do teatro popular medieval. Assim, temos: 
Teatro alegórico: representação de ideias abstratas 
com personagens, situações e coisas concretas. O 
Auto da Barca do Inferno, por exemplo, é uma 
peça alegórica. O cais e as barcas são a alegoria da 
morte; a barca do inferno é alegoria da condena-
ção da alma; a barca do céu, a da salvação. 
Teatro de tipos: as personagens de Gil Vicente são 
sempre típicas, isto é, não são indivíduos singula-
res nem possuem traços psicológicos complexos; 
pelo contrário, apenas reúnem os caracteres mais 
marcantes de sua classe social, de sua profissão, de 
seu sexo, de sua idade. 
Teatro de quadros: em geral, as peças de Gil Vi-
cente desenvolvem-se por meio de uma sucessão 
de cenas relativamente independentes, sem for-
mar propriamente um enredo, uma história que, 
depois de apresentada, se complica até um ponto 
culminante e um desfecho. 
No Auto da Barca do Inferno, temos uma intro-
dução em que aparecem o diabo e seu companhei-
ro preparando a barca e anunciando a vigem; com 
a chegada do fidalgo, inicia-se o primeiro quadro, 
e os outros se sucedem sempre com a mesma es-
trutura: chegada da personagem, diálogo com o 
diabo, tentativa de embarque para o céu e, se a 
personagem é recusada pelo anjo, retorno à busca 
do inferno. Isso mostra a ruptura da linearidade 
do tempo e despreocupação com a verossimilhan-
ça; pois mesmo nas peças que possuem um enre-
do, a sucessão cronológica dos acontecimentos é 
frequentemente inverossímil ou mesmo absurda. 
Na farsa intitulada O velho e a horta, o persona-
gem, um velho hortelão, apaixona-se por uma mo-
cinha que, pela manhã, o procura para comprar 
temperos. Ao final do primeiro diálogo, um criado 
vem avisar-lhe que já é noite e que sua mulher o es-
pera para jantar. Mal sucedido em seus galanteios, 
o velho apaixonado contrata os serviços de uma 
alcoviteira, que lhe arranca dinheiro para comprar 
presentes e empreender a conquista. Numa de suas 
visitas, a alcoviteira é presa e açoitada. Desconsola-
do, o velho recebe a notícia do casamento da moça 
por quem se apaixonara. Tudo isso acontece numa 
sucessão ininterrupta, marcada apenas pela entra-
da e saída de personagens, e a única marcação de 
tempo, como se viu, é inverossímil. 
Teatro cômico e satírico: as peças de Gil Vicente, 
em sua maioria, são comédias de costumes, seguin-
do o lema “pelo riso corrigem-se os costumes”. O 
dramaturgo lança mão de inúmeros recursos efi-
cientes para provocar o riso: personagens caricatu-
rais; situações absurdas; desencontros imprevistos 
e ridículos. É, sobretudo, o poder de sua linguagem 
que prende a atenção da plateia. Observe, agora, o 
recurso à linguagem popular nos xingamentos do 
povo ao diabo (Auto da Barca do Inferno): 
 
Hiu! Hiu! Barca do cornudo,
Pero Vinagre beiçudo
(...)
Sapateiro da Candosa!
Entrecosto de carrapato!
17Fascículo 1
Hiu! Hiu! Caga no sapato,
filho da grande aleivosa!
Tua mulher é tinhosa
e há de parir um sapo
chentado (=pregfado) no guardanapo!
Neto da cagaminhosa!
Furta-cebolas! Hiu! Hiu!
‘scomungado nas igrejas!
Burrela, cornudo sejas!
O fragmento teatral, a seguir, é parte da obra vi-
centina Auto da Lusitânia (1532). A personagem 
Lediça é filha de um alfaiate judeu. Estando sozi-
nha, varrendo a loja, chega um cortesão, freguês 
de seu pai, que inicia uma tentativa de conquista 
amorosa. Os galanteios do conquistador são uma 
paródia da linguagem do amor cortês que observa-
mos nas cantigas de amor. 
Cortesão: Não devia tal senhora
como vós andar varrendo,
senão enfiar aljofre
e perlas orientais;
não sei como isto se sofre.
Lediça: Minha mãe tem no seu cofre
duas voltas de corais.
Cortesão: Senhora, sou cortesão,
(...)
Mas vosso e não de ninguém
é tudo o que está comigo,
e quero-vos grande bem.
Lediça: Bem vos queira Deus amém;
querereis outra coisa, amigo?
Cortesão: Temo muito que me deixe
vosso amor pobre coitado
de favor com que me queixe.
Lediça: lançai na sisa do peixe,
e logo sois remediado.
Cortesão: Não falo, senhora disso,
porque eu me queimo e arço
com dores de coração.
Lediça: Muitas vezes tenho eu isso:
diz Mestr’Aires que é do baço,
e reina mais no verão.
Cortesão: Mas, senhora, por amar
fiz minha sorte sujeita,
e pedi a mais andar.
Lediça: Crede, senhor, que o jogar
poucas vezes aproveita.
(...)
Cortesão: Ó doce flor entre espinhas,
crede o amor sem mudança
que vos tenho e que vos digo.
Assim umas primas minhas
e toda esta vizinhança
todos têm amor comigo:
(...)
Cortesão: Senhora, por piedade
que entendais minha razão;
entendei minha vontade,
e mudarei a tenção:
entendei bem minha dor
e mil Maleitas Quartãs,
que por vós me hão-de-matar.
Lediça: Assim é meu pai, senhor,
que tem dores d’alMorrãs,
que é coisa d’apiedar.
Foi o ano tão ChaCoso
de doenças da má ora,
que creio bem o mal vosso. 
(...)
PrinciPais obras vicentinas
•	 Auto da visitação (ou Monólogo do vaqueiro 
- 1502)
•	 Auto pastoril castelhano (1509)
•	 Auto da Índia (1509)
•	 O velho da horta (1512)
•	 Quem tem farelos? (1515)
triLogia das barcas
•	 Auto da Barca do Inferno (1517)
•	 Auto da Barca do Purgatório (1518)
•	 Auto da Barca da Glória (1519)
•	 Farsa de Inês Pereira (1524)
•	 Auto da feira (1526)
•	 O juiz da Beira (1526)
•	 Farsa dos almocreves (1527)
•	 O clérigo da Beira (1529) 
•	 Auto da Lusitânia (1532)
atividade critico/refLexiva | Pesquise as 
Referências e escreva (entre 25 e 30 linhas) 
uma síntese do Auto da Barca, de Gil Vicente.
Ecos da literatura medie
val nos chamados
tempos modernos.
fórum temático
18 Fascículo 1
RESUMO
A oralidade é a base da literatura, como demonstram as rodas de conversas que alimentam 
o imaginário das pequenasaldeias portuguesas e a literatura de cordel, oriunda dos tempos 
medievais.
Na Idade Média, as primeiras manifestações em língua galego-portuguesa (português arcai-
co) datam do séc. XII; não eram recitadas, porém cantadas e aparecem em três coletâneas: 
o Cancioneiro da Ajuda – CA (com 310 cantigas compiladas no séc. XIII), o Cancioneiro 
da Vaticana – CV (1205 cantigas copiladas na Itália, no séc. XVI sobre originais do séc. XIV) 
e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional- CBN (1647 cantigas compiladas após a morte 
de D. Dinis), considerado o mais completo, abrange as cantigas do século XII ao século XIV. 
Essa coletânea revela-nos a produção lírica e satírica difundida por trovadores (poetas), seg-
réis (instrumentistas) e jograis (cantor e compositor).
Entre os trovadores mais famosos consta o Rei Afonso X de Castela e Dom Dinis (1261-
1325), Rei de Portugal – este último conhecido também como Rei trovador, autor de 138 
cantigas; a maioria de amor, apresentando alto domínio técnico e lirismo, tendo renovado a 
cultura numa época em que ela estava em decadência em terras ibéricas.
A lírica medieval é composta por cantigas de amigo e cantiga de amor; cantigas de escár-
nio e de maldizer. A cantiga que ficou conhecida por Cantiga da Ribeirinha é consid-
erada a mais antiga manifestação literária portuguesa.
Em Portugal, Amadis de Gaula (séc. XIV) é uma das Novelas de cavalaria oriundas do 
século XVI. Do mesmo período, temos a Crônica do Imperador Clarimundo (1522), do his-
toriador João de Barros; Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567), 
de Jorge Ferreira de Vasconcelos; Palmeirim de Inglaterra (1567), de Francisco de Morais.
A contribuição do cronista Fernão Lopes é, sem dúvida, uma das mais importantes na história 
da literatura universal, sobretudo no Humanismo português. Nesse período, surge a Poesia 
palaciana: considerada uma espécie de coletânea de poesia publicada em 1516, por ini-
ciativa de Garcia de Resende, que se preocupou em levar para a posteridade um registro das 
grandezas dos portugueses.
Para finalizar este Primeiro Fascículo, destacamos uma arte ambientada no Humanismo, que 
marca o início da Era Moderna. Trata-se do Teatro de Gil Vicente que mostra criticamente 
o pensamento medieval. Nesse autor, as características dão conta de cinco aspectos (teatro 
alegórico, teatro de tipos, de quadros, farsa e satírico) que se revestem da maior importância 
no processo de formação e desenvolvimento da Literatura Portuguesa.
gLossário
arço - ardo (de amores) 
Ca - pois, porque. Enquanto ca também se arcaizou, o 
francês manteve car até hoje, com o mesmo significado.
ChaCoso - achacoso, cheio de pequenas doenças.
Coitado de favor - sem correspondência.
dores d’alMorrãs - dores de hemorroidas.
enfiar aljofre - fazer colares (aljofres: pérolas).
guarvaya - manto escarlate próprio dos reis.
lançai na sisa do peixe - Lediça finge que não entende e 
responde falando de impostos (sisa).
19Fascículo 1
ENCONTRO. Revista do Gabinete Português 
de leitura de Pernambuco. Ano 14, n. 14, 
setembro de 1998.
INFANTE, Ulisses. Análise e interpretação de 
poesia. São Paulo: Scipione, 1995.
PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica 
literária. 2. Ned. Rio de Janeiro: Presença, 
1985.
VICENTE, Gil. Obras-primas do teatro vicen-
tino. (Org. prefácio, notas e comentários de 
Segismundo Spina). São Paulo: Difel/Edusp, 
1970.
VIEIRA, Yara Frateschi. Poesia medieval – litera-
tura portuguesa. São Paulo: Global, 1987.
Maleitas Quartãs - febres de quatro em quatro dias.
Mentre - enquanto, entrementes. Essa forma arcaizou-se, 
isto é, caiu em desuso, mas o espanhol manteve a forma 
antiga mientras. 
Mestre - médico.
parelha - igual, semelhante. 
por aMar fiz Minha sorte sujeita - ele quer dizer que em-
penhou sua felicidade (sorte) no amor.
Que vus enton non vi fea - Aqui o autor valeu-se de uma 
figura de linguagem - mais exatamente, figura de pensam-
ento - conhecida por litote, que consiste na atenuação de 
uma ideia através da negação do seu oposto. Dessa forma, 
“não vi feia” equivale a “vi bonita”. 
reina - acontece; ataca (a doença).
retraya - retrate, evoque. 
seMelha - parece.
senhor - senhora. Por essa época, usava-se, na poesia, a 
palavra “senhor” referindo-se indistintamente ao homem e 
à mulher.
referÊncias 
 
ABDALA JUNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, M. 
Aparecida. História social da literatura portu-
guesa. 4 ed. São Paulo: Ática, 1994.
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da 
literatura. 8 ed. Coimbra. Livraria Almedina, 
1988.
ATAS DO I ENCONTRO INTERNACIONAL DE 
ESTUDOS MEDIEVAIS. USP/UNIAMP/UNESP, 
4, 5 e 6 de julho/1995.
DINIS, Julio. O canto da serra. Lisboa: Expo98, 
1998.
ESTUDOS PORTUGUESES - Revista da Asso-
ciação de Estudos Portugueses: Revista da As-
sociação de Estudos Portugueses Jordão Eme-
renciano. Camilo & Cia: centenários. UFPE, 
Recife, n. 2, 1990/1991.
_______ Revista da Associação de Estudos Por-
tugueses: Revista da Associação de Estudos 
Portugueses Jordão Emerenciano. UFPE, Rec-
ife, n. 4, 1993/1994. 
20
21
camões: 
éPico e Lírico
Prof.ª Dr.ª maria das Graças Ferreira Graúna
Carga Horária | 15 horas 
1. renascimento em PortugaL (1527-1580): 
contexto Histórico 
ProbLematização 
A história de Portugal do século XVI é versejada 
de uma maneira especial por Luiz Vaz de Camões, 
autor de Os Lusíadas, um dos marcos da literatura 
universal.
Fascículo 2
Arte renascentista. 
O nascimento de Vênus, 
de Sandro Botticelli
Fo
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 A
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s 
vida de camões
As obras desse poeta fig
uram entre os melhores
 clássicos, a exemplo de
 Virgilio, Homero e Dan
te. 
Seu poema épico Os Lus
íadas divide-se em dez 
cantos repartidos em oit
avas. Esta epopeia tem co
mo 
tema os feitos dos portu
gueses: suas guerras e n
avegações.
Dono de um estilo de v
ida boêmio, este escrito
r lusitano foi frequentad
or da Corte, viajou para
 o 
Oriente, esteve preso, p
assou por um naufrágio
, foi também processad
o e terminou em miséri
a. 
Seus últimos anos de vid
a foram na mais comple
ta pobreza.
A bagagem literária deix
ada pelo escritor é de in
estimável valor literário.
 Ele escreveu poesias líri
cas 
e épicas, peças teatrais,
 sonetos que, em sua m
aior parte, são verdade
iras obras de arte. De 1
542 
a 1545, parece ter mora
do em Lisboa, vivendo a
s primeiras paixões amo
rosas e dificuldades com
 o 
meio. Não se sabe, com
 certeza, por que foi forç
ado a trocar a capital pe
lo desterro no Ribatejo, m
as 
por volta de 1547 se al
istou no serviço militar 
e seguiu para o norte d
a África. Em combate p
erto 
de Ceuta, no Marrocos,
 perdeu o olho direito. 
De volta a Lisboa em 15
49, conviveu um tanto c
om 
a nobreza, outro tanto c
om a noite das ruas e d
os bordéis. Impetuoso, e
m 1552 feriu à espada u
m 
cavaleiro do rei e foi con
denado a um ano de pr
isão. 
Após o indulto de D. Joã
o III, em março de 1553
, Camões partiu para a Í
ndia. Pouco parou em G
oa: 
participou da expedição
 ao Malabar e talvez de
 um cruzeiro contra nav
ios turcos no mar Verme
lho. 
Sua estada em Macau, 
no cargo de provedor d
os defuntos e ausentes,
 mais ou menos de 155
6 a 
1558, não é tida como 
certa. O que não se põe
 em dúvida é que, em v
iagem às costas da Chin
a, 
naufragou nas proximid
ades do atual Vietnam, 
salvando-se a nado com
 o manuscrito de Os Lus
í-
adas já bastante adiant
ado. Esteve ainda na M
alásia e retornou a Goa
, quando de novo teria 
sido 
preso, desta vez por dív
idas. Mais tarde viveu e
m Moçambique, onde D
iogo do Couto o encont
rou 
tão pobre que comia de
pendendo de amigos.
Em 1571, a Inquisição l
he outorgou a licença r
equerida, e a obra, dep
ois de censurada, teve, 
em 
1572, sua primeira ediç
ão. No mesmo ano, o re
i D. Sebastião lhe conce
deu a tença de 15 milré
is, 
quantia sobre cujo valo
r há muita discussão ma
s que a maior parte dos
 estudiosos julga insign
ifi-
cante, ainda mais que lh
e não foi paga com regu
laridade. Os últimos ano
s foram de miséria. Morr
eu 
como se fora um mendig
o.
texto comPLementar
22 Fascículo 2
No século XVI, o Império Português conquis-
ta também o seu espaço no campo da literatura, 
num período em que a palavra de ordem era 
imitar dois ideais clássicos: grego e romano. Cha-
mado de Classicismo, esse movimento configura, 
nas artes, uma vertente do Renascimento, que já 
dominava a Europa. Em Portugal, esse movimen-
to foi iniciado por volta de 1527, quando o por-
tuguês Sá de Miranda trouxe da Itália a medida 
nova (verso decassílabo clássico), que se estende 
até 1580. Entre os discípulos de Sá de Miranda, 
destaca-se Antônio Ferreira (1528-1569) - conside-
rado por Saraiva o único português renascentista 
que não escreveu em espanhol e que teve também 
como modelo o poeta latino Horácio. 
No Renascimento, entram, em cena, valores, como 
a imitação de modelos clássicos. Nesse patamar, 
essa escola literária tem como principais caracterís-
ticas: a presença da mitologia clássica, a reflexão 
em torno do antropocentrismo, da euforia, do oti-
mismo, do equilíbrio, da razão, da harmonia, da 
perfeição formal e do universalismo. Seguir os 
passos das epopeias ilíada e odisseia, de Homero e 
a eneida, de Virgílio, por exemplo, era uma forma 
de o poeta atestar a sua competência literária para 
o mundo. 
O ideal de que a arte pode ser vinculada ao pra-
zer estético não está dissociado dos valores morais 
(ideal ético-estético). Em meio ao hibridismo, com 
a adoção de valores do paganismo e do Cristianis-
mo (o fusionisMo), soma-se outro aspecto relevante 
para o entendimento do Renascimento em Portu-
gal: o orgulho nacionalista exagerado que ganhou 
força com a monumental obra camoniana (Os 
Lusíadas) e outros nomes da literatura lusófona 
– desde o Renascimento aos dias atuais. Vejamos, 
então, o que nos traz Luiz Vaz de Camões: autor 
de Rimas e Os Lusíadas, esta última considerada a 
obra mais significativa do repertório renascentista 
português. 
atividade crítica/refLexiva | Com base 
nas Referências, discuta com os(as) colegas do 
Curso a relação entre as epopeias de Virgílio, 
de Homero e o épico escrito por Camões.
2. camões éPico: 
canto i 
ProbLematização 
 
Quais os reflexos da lírica 
camoniana na atualidade? 
Criador da linguagem c
lássica portuguesa, tev
e o seu reconhecimento
 e o prestígio cada vez 
mais 
elevados, a partir do sé
culo XVI. Faleceu em Lis
boa, Portugal, no ano d
e 1580. Seus livros vend
em 
milhares de exemplares
 atualmente, sendo que
 foram traduzidos para 
diversos idiomas (espan
hol, 
inglês, francês, italiano,
 alemão entre outros). S
eus versos continuam vi
vos em diversos filmes, 
mú-
sicas e roteiros.
Luis Vaz de Camões
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a máquina do mundo 
 
o oLHar de anjo torto
sobre os barões assinaLado
s 
Tatiana Alves Soares (UNESA
 e UniverCidade)
Carlos Drummond de A
ndrade, considerado po
r muitos o maior poeta 
do país, tem sua estreia
 lite-
rária em 1930, com a pu
blicação de Alguma Poe
sia.
Em Claro Enigma, obra 
datada de 1951, a fase 
social e política encontr
ada em livros anteriores
 dá 
lugar a interrogações de
 cunho existencial, numa
 sombria resignação dian
te da condição humana. 
Tal 
angústia pode ser sentid
a em A máquina do mun
do, um dos mais consag
rados poemas do autor.
textos comPLementares
23Fascículo 2
A temática filosófico-exi
stencial contida no poem
a é intensificada pela in
questionável remissão a
o 
texto camoniano: inseri
da no canto X d’Os Lus
íadas, a miniatura do u
niverso é apresentada 
por 
Tethys a Vasco da Gama
, num prenúncio das gl
órias futuras, a que esta
riam destinados os port
u-
gueses. A imagem da m
áquina do mundo, que n
a epopeia camoniana su
rge como signo de enalt
e-
cimento dos feitos glorio
sos lusitanos, aparece r
edimensionada no poem
a drummondiano. É des
se 
redimensionamento, ob
servado em seus aspec
tos estilísticos, histórico
s e imagísticos, que tra
ta o 
presente ensaio.
A máquina do mundo c
amoniana (Lus., X, 76-1
42) reitera a perspectiva
 que permeia o poema:
 a 
Sapiência Suprema, neg
ada a míseros mortais, 
é mostrada a Vasco da 
Gama, numa extensão 
do 
prêmio da Ilha dos Amo
res. No alto de um cume
, símbolo ascensional e 
iniciático, a Vasco da Ga
ma 
é concedida a contempla
ção do universo. Além d
e ratificar a tônica antro
pocêntrica, valorizando 
as 
conquistas humanas, re
trata a cosmovisão rena
scentista, na perspectiva
 ptolomaica que via a Te
rra 
como centro do sistema 
solar. A máquina que su
rge é radiante, deslumb
rante, num brilho condiz
en-
te com a glória humana
:
Este orbe que, primeiro, vai
 cercando 
Os outros mais pequenos qu
e em si tem, 
 
Que está com luz tão clara r
adiando, 
 
Que a vista cega e a mente v
il também, 
 
Empíreo se nomeia, onde lo
grando 
 
Puras almas estão daquele B
em 
 
Tamanho, que Ele só enten
de e alcança, 
 
De quem não há no mundo
 semelhança. (X, 81)
Além de ser marcada pe
lo encontro dos planos m
ítico e histórico, em que
 deuses e homens contra
-
cenam, a passagem em 
que se dá a contemplaç
ão da máquina do mund
o ocorre em pleno glamo
ur 
épico, após a chegada à
s Índias e o desfrute na I
lha dos Amores. Trata-se
, portanto, de um mome
nto 
sublime para o represen
tante dos barões assinal
ados.
O poema homônimo dr
ummondiano integra um
a obra cuja tônica é a a
ngústia existencial, deco
r-
rente da constatação do
 ser humano ante sua p
equenez. Não por acaso
, a máquina do mundo 
é 
encontrada acidentalme
nte, por um eu que vaga
, sem rumo, por uma cid
adezinha qualquer:
E como eu palmilhasse vaga
mente 
uma estrada de Minas, pedr
egosa, 
 
e no fecho da tarde um sino
 rouco 
 
se misturasse ao som de me
us sapatos 
 
que era pausado e seco; e av
es pairassem 
 
no céu de chumbo, e suas fo
rmas pretas 
 
lentamente se fossem diluin
do 
 
na escuridão maior, vinda d
os montes 
 
e de meu próprio ser deseng
anado, 
a máquina do mundo se en
treabriu 
 
para quem de a romper já s
e esquivava 
 e só de o ter pensado se car
pia. (ANDRADE, 1987: 300
)
Contrariamente ao obse
rvado no poema camon
iano, é de ceticismo e a
margura a atitude do e
u 
drummondiano. Trata-se
 de uma estradinha qua
lquer, repleta de pedras
 no meio do caminho, p
ela 
qual ele vaga, errante. 
Expressiva é a imagem 
das pedras, que tanto p
odem traduzir o embrut
eci-
mento do homem diante
 de seus obstáculos quan
to refletir o estado passi
vo e inicial de alguém q
ue 
começa um caminho ev
olutivo. O aparecimento
 da máquina é precedid
o pela presença de ave
s e 
de um sino, numa espéc
ie de anunciação. As av
es normalmente represe
ntam os estados superio
res 
do ser, pertencendo ao c
ampo semântico das im
agens ascensionais. Ma
s o que se vê aqui são a
ves 
cujas formas pretas lenta
mente se vão diluindo na
 escuridão maior, numa i
nversão do código imag
ís-
tico, que agora remete à
 queda, às trevas. O sino
, outro símbolo de conex
ão com osagrado, apare
ce 
enrouquecido, num refle
xo de seu cansaço. Sign
ificativa é ainda a const
rução sintática, que sug
ere 
ser o eu um dos respon
sáveis pelo surgimento 
de tais elementos. O pró
prio ser desenganado, j
un-
tamente com os montes,
 constitui uma das orige
ns dos pássaros negros 
em céu de chumbo. Note
-se 
aqui uma das grandes v
ertentes da angústia da 
lírica drummondiana: a 
impossibilidade do diálo
go 
24 Fascículo 2
entre Criador e criatura
. Traído em sua fé, can
sado de esperar por um
a resposta, o eu manife
sta 
arrependimento pelo fa
to de ter pensado em se
 envolver. Após ter tenta
do entender o mundo, e
le 
nada mais espera. E, ne
sse momento, ela se abr
e:
Abriu-se majestosa e circuns
pecta, 
sem emitir um som que fos
se impuro 
 
nem um clarão maior que o
 tolerável 
 
pelas pupilas gastas na inspe
ção 
 
contínua e dolorosa do dese
rto, 
 
e pela mente exausta de me
ntar 
 
toda uma realidade que tran
scende 
 
a própria imagem sua debu
xada 
no rosto dos mistérios, nos 
abismos. (Ibidem, p. 300)
Diferentemente do poem
a camoniano, em que a
 máquina surge em tod
o o seu esplendor, a m
á-
quina drummondiana é
 circunspecta, parcimon
iosa em som e brilho. S
ua serenidade encontra
 um 
espectador de pupilas g
astas, que teria fatigado
 suas retinas na busca d
o transcendente. A alus
ão 
ao deserto também é e
xpressiva, remetendo, s
imultaneamente, à arid
ez e à solidão, mas tam
bém 
ao local onde geralmen
te ocorrem as revelaçõe
s. Entretanto, agora é ta
rde: a máquina encontr
a o 
homem exausto, e sua r
enúncia ao transcenden
te é percebida no ceticis
mo de quem não pode n
em 
quer estabelecer contato
:
Abriu-se em calma pura, e c
onvidando 
 
quantos sentidos e intuiçõe
s restavam 
 
a quem de os ter usado os já
 perdera 
 
e nem desejaria recobrá-los,
 
 
se em vão e para sempre rep
etimos 
 
os mesmos sem roteiro trist
es périplos, 
 
convidando-os a todos, em c
oorte, 
 
a se aplicarem sobre o pasto
 inédito 
 
da natureza mítica das coisa
s. (Ibidem, p. 300)
Além da repetição da id
eia de que a máquina s
urge em um momento t
ardio, em que o homem
 já 
há muito dela desistira, a
 remissão ao texto camo
niano acentua o niilismo
 do eu drummondiano: n
’Os 
Lusíadas, a máquina rep
resenta o triunfo do hom
em, num olhar renascen
tista sobre os barões ass
i-
nalados. No poema con
temporâneo, o homem s
e ressente de sua condiç
ão, carente de perspecti
vas, 
sem vislumbre de glória
s. O contraste com o text
o camoniano é evidencia
do na vida besta do hom
em 
comum, aquele que em 
vão sempre repete os me
smos sem roteiro tristes p
ériplos. A paradisíaca Ilh
a 
dos Amores é aqui subs
tituída por uma estradin
ha qualquer, e o homem
 encontrado é fragmenta
do, 
dilacerado:
Assim me disse, embora voz
 alguma 
 
ou sopro ou eco ou simples 
percussão 
 
atestasse que alguém, sobre 
a montanha, 
 
a outro alguém, noturno e m
iserável, 
 
em colóquio se estava dirigi
ndo:
O esfacelamento do suje
ito lírico é intensificado p
ela adjetivação: ele é no
turno e miserável, e o co
n-
vite para que contemple
 e agasalhe a máquina 
parte de alguém sobre a
 montanha, numa imag
em 
de forte caráter místico.
 Entretanto, nem o cham
ado é suficiente para de
movê-lo de seu ceticism
o. 
Tem-se, novamente, a im
agem da desilusão post
erior à interrogação me
tafísica, como se pode d
e-
preender das palavras d
esse ser que a ele se dir
ige: 
 (...) 
 
essa total explicação da vida
, 
 
esse nexo primeiro e singula
r, 
 
que nem concebes mais, po
is tão esquivo 
 
se revelou ante a pesquisa ar
dente 
 
em que te consumiste... vê, 
contempla, 
 
abre teu peito para agasalhá
-lo. (Ibidem, p. 301) 
 
25Fascículo 2
O universo mostrado pe
la máquina drummondi
ana apresenta marcas in
equívocas de modernida
de 
e industrialização. Não 
se trata, aqui, de um pr
enúncio das terras por d
escobrir, mas, de um ret
rato 
do mundo contemporân
eo, habitado pelo gauch
e:
As mais soberbas pontes e e
difícios, 
 
o que nas oficinas se elabora
, 
 
o que pensado foi e logo ati
nge 
 
distância superior ao pensam
ento, 
 
(...) 
 
dá volta ao mundo e torna a
 se engolfar 
 
na estranha ordem geométr
ica de tudo, 
e o absurdo original e seus e
nigmas, 
 
suas verdades mais altas que
 todos 
 
monumentos erguidos à ver
dade. (Ibidem, p. 301)
A perfeição e a ordem g
eométricas, que no poem
a camoniano surgem co
mo signo positivo do cie
nti-
ficismo e de domínio do
 homem sobre o univers
o, aqui aparecem sob a 
ótica niilista desse eu qu
e vê 
tudo como uma estranha
 ordem, na qual ele não
 se encaixa. Trata-se do 
desconcerto do eu, cansa
do 
de repetir ad eternum a
s viagens pelos mares m
uitas vezes navegados, 
sem chegar a lugar alg
um. 
Às imagens fulgurantes
 da máquina camoniana
 contrapõem-se, no text
o drummondiano, o céu
 de 
chumbo e aves negras, 
num fúnebre bailado ao
 som de um sino enrouq
uecido. 
 
 
Mudam-se os tempos, m
udam-se as vontades: o
 ato de ver, ação-chave 
no texto camoniano, é a
qui 
repudiado pelo eu drumm
ondiano. Declinando do 
convite, o poeta renuncia
 ao desvendamento da m
á-
quina do mundo. Outro
 aspecto desse redimen
sionamento está no fato
 de o texto contemporâ
neo 
apresentar um sujeito lí
rico que se coloca na 1
a pessoa, conferindo ao p
oema uma perspectiva s
ub-
jetivista, ao contrário da
 dimensão épica que car
acteriza o texto renascen
tista:
Mas, como eu relutasse em 
responder 
a tal apelo assim maravilhos
o, 
 
pois a fé se abrandara, e me
smo o anseio, 
 
a esperança mais mínima - e
sse anelo 
 
de ver desvanecida a treva e
spessa 
 
que entre os raios do sol ind
a se infiltra; 
 
(...) 
semelhante a essas flores ret
icentes 
em si mesmas abertas e fech
adas; 
como se um dom tardio já n
ão fora 
apetecível, antes despiciend
o, 
 
baixei os olhos, incurioso, la
sso, 
desdenhando colher a coisa
 oferta 
que se abria gratuita a meu 
engenho. (Ibidem, p. 302)
A recusaefetuada pelo s
ujeito é decorrente da fa
lta de esperança e manif
esta-se pelo desdém em
 re-
lação à máquina. O ser q
ue outrora ansiava pela 
resposta agora sabe que
 há rimas, mas não soluç
ões:
A treva mais estrita já pousa
ra 
 
sobre a estrada de Minas, pe
dregosa, 
 
e a máquina do mundo, rep
elida, 
 
se foi miudamente recompo
ndo, 
 
enquanto eu, avaliando o qu
e perdera, 
 
seguia vagaroso, de mãos pe
nsas. (Ibidem, p. 302)
A trajetória do eu drumm
ondiano chega agora ao
 seu estágio final: do pr
imeiro momento, anteri
or 
ao tempo presente, infe
re-se uma busca, que se
 revelara vã; o segundo
 momento trouxe a apar
ição 
da máquina, num encon
tro que culminou com a 
rejeição por parte do eu
-lírico. O momento atual
 cor-
responde a uma espécie
 de balanço, uma reflexã
o acerca da perda. Long
e de apresentar uma atit
ude 
reverente, o sujeito pare
ce aceitar sua torta cond
ição. Repele a máquina 
que, humilde, miudame
nte 
se recompõe. Vagarosam
ente, ele avalia o que d
eixou para trás. Sabe-se
 marcado pelas angústia
s 
de um mundo sem glóri
as, um gauche assinalad
o.
26 Fascículo 2
Os Lusíadas são um poema épico, que narra a via-
gem de Vasco da Gama para as Índias. Composta 
de dez cantos, essa obra tem 8816 versos decassíla-
bos, distribuídos em 1102 estrofes em oitava rima, 
ou seja, com esquema de rimas em ABABABCC. 
Essa epopeia apresenta cinco partes: a primeira, 
chamada Proposição, remete ao Canto I (estrofes 
1 a 3). Essas estrofes tratam das façanhas dos na-
vegadores portugueses comandados por Vasco da 
Gama, personagem que representa o povo portu-
guês; sendo imortal, apresenta-se inicialmente um 
dos contrapontos dessa epopeia com os clássicos 
em que os personagens são imortais. 
 
Estrofe 1 
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
Estrofe 2 
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Estrofe 3 
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de alexandro e de trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Invocação às ninfas do tejo
A segunda parte diz respeito à Invocação (Cantos 
I, estrofes 4 e 5); passagem em que o ser poeta cla-
ma pelo auxílio e por inspiração às musas do Tejo 
(as Tágides) para compor a sua obra. 
 
Estrofe 4 
E vós, tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, 3 ordene
Que não tenham inveja às de hipoerene.
Estrofe 5 
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso. 
 
A Dedicatória reside nas estrofes 6 a 18 (Canto 
I). A terceira parte da obra é dedicada ao rei Dom 
Sebastião (v. Sebastianismo), considerado como 
propagador da fé católica e responsável pelas con-
quistas marítimas entre os portugueses. 
 
Estrofe 8 
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco oriental, e do gentio,
Que inda bebe o licor do santo rio; 
 
A Narração tem início na estrofe 19 (Canto I) e vai 
até o Canto X, estrofe 144. Essa quarta parte (o po-
ema em si) trata das aventuras, dos perigos, das per-
das e dos conflitos dos navegadores portugueses. 
 
Estrofe 19 
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteo são cortadas 
A quinta parte é o Epílogo (Canto X, estrofes 145-
156). O ser poeta encerra o cântico X, mostrando-
se agradecido aos deuses e, ao mesmo tempo, la-
menta o fato de não ser ouvido com mais atenção. 
 
atividade crítica/refLexiva | Com base 
nas características desse movimento literário, 
discuta com os(as) colegas do Curso a estrutu-
ra de Os Lusíadas. 
27Fascículo 2
3. os Lusíadas: canto iii
ProbLematização 
 
Os Lusíadas é a epo-
peia do Renascimen-
to, que se tornou com 
o tempo a “bíblia na-
cional” da identidade 
portuguesa (Luiz Car-
los Lisboa). 
Nascida em Castela, Inês de Castro foi dama da 
corte portuguesa e assassinada por motivos políti-
cos. Filha ilegítima de um nobre da Galícia, foi para 
Portugal (1340) como dama de honra de D. Cons-
tança, filha do infante espanhol D. Juan Manuel, 
quando esta se casou com o príncipe herdeiro D. 
Pedro, filho do rei de Portugal, D. Afonso IV. Na 
corte, Inês de Castro tornou-se amante do príncipe 
herdeiro, que, após a morte de Constança (1345), 
apesar da oposição do rei, casaram-se secretamente. 
Inês e Pedro tiveram quatro filhos. Contudo, essas 
crianças e mais a presença em Portugal de seus ir-
mãos Alfonso e Fernando provocaram intrigas na 
corte e alimentaram o desagrado do rei D. Afonso, 
que temia pelos direitos sucessórios de seu neto 
Fernando, filho de Constança. Numa das ausên-
cias de Pedro, conspiradores prenderam Inês em 
Coimbra. O rei Afonso ordenou a execução, mor-
te lamentada por Camões e que demonstrou sua 
indignação em versos imortais. 
Quando Pedro subiu ao trono, em 1357, desenca-
deou sua vingança e mandou executar todos os ma-
tadores de sua amada. Ordenou também que os res-
tos mortais de Inês de Castro fossem transportados 
do mosteiro de Santa Clara para Alcobaça, com 
pompas reais; vem daí o dito popular: “agora é tar-
de, Inês é morta”. O seu drama tornou-se tema de 
inúmeras peças de teatro e de outras artes, como 
a pintura, imortalizando-a como personagem de 
uma história real de amor, como nos mostra Ca-
mões no Canto III, estrofes 118 a 135 a seguir: 
 
118
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha.
119 
Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Inês de Castro, Canto III, 
Os Lusíadas.
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36
&
sa
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N
“monte casteLo ” 
(Letra: Renato Russo - Adapt
. “I Coríntios 13” e 
“Soneto 11” de Luís de Camõ
es. Música: Renato Russo)
Ainda que eu falasse a l
íngua dos homens.
E falasse a língua do an
jos, sem amor eu nada s
eria.
É só o amor, é isso o am
or.
Que conhece o que é ve
rdade.
O amor é bom, não que
r o mal. 
Não sente

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