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Imunidade do Recém-nascido Quando o mamífero nasce, ele emerge do útero estéril para um ambiente repleto de microrganismos. Com isso, seu trato gastrintestinal adquire uma microbiota em poucas horas. Animais com um período longo de gestação (animais domésticos) já nascem com o sistema imune adaptativo desenvolvido, porém são vulneráveis a infecção, necessitando de assistência. Essa assistência é fornecida pela mãe na forma de anticorpos e linfócitos T. Desenvolvimento do SI O desenvolvimento do sistema imune (SI) nos fetos dos mamíferos segue um padrão consistente. O timo é o primeiro órgão linfoide a se desenvolver, seguido pelos órgãos linfoides secundários. Os linfócitos B aparecem logo após o desenvolvimento do baço e linfonodos, mas os anticorpos são geralmente encontrados apenas no final da vida fetal, se forem encontrados. O período gestacional da égua é de aproximadamente 340 dias e o feto equino consegue produzir anticorpos com 200 dias. O período gestacional da vaca é de 280 dias, mas o feto bovino consegue produzir anticorpos com 73 dias. Desenvolvimento do SI do bezerro O período gestacional da ovelha é de 145 dias, mas o feto ovino pode produzir anticorpos com 41 dias. O período gestacional da porca é de 115 dias, mas o feto suíno pode produzir anticorpos com 58 dias. O período gestacional da cadela é de 60 dias, mas o feto canino pode produzir anticorpos com 40 dias. Portanto, dentro do útero o animal já consegue produzir anticorpos à medida que seus órgãos vão se desenvolvendo. Infecção Intrauterina Algumas infeções podem ser brandas na mãe, mas severas ou letais no feto. As infecções fetais desencadeiam uma resposta imune, gerando hiperplasia linfoide e níveis elevados de imunoglobulina. Podemos observar infecção uterina ao observarmos a presença de quaisquer imunoglobulinas no soro do neonato que não fora amamentado. A resposta a infecção é determinada pelo estado de seu desenvolvimento imunológico. Como exemplo temos a infecção viral pelo vírus da diarreia vira bovina (BVDV). Esse vírus ocorre em dois biótipos: citopático e não citopático. Cepas não citopáticas não desencadeiam a produção de IFN do tipo I, portanto, os bezerros podem sobreviver com uma infecção persistente. Já as cepas citopáticas induzem a produção de IFN, sendo capazes de causar a doença da mucosa. Efeitos da infecção viral pelo BVDV no desenvolvimento fetal do bovino Se uma vaca for infectada precocemente na gestação (até 50 dias após a concepção) pela BVDV não citopática, ela poderá abortar o feto. Porém, se a infecção ocorrer entre 50 e 120 dias, antes do feto desenvolver a competência imune, levarão a uma infecção persistente assintomática com tolerância ao vírus. Após os 120 dias da concepção, se a vaca for contaminada o feto nasce normal. Porém, se a vaca for contaminada pela BVDV citopática em até 100 dias após a concepção o feto é abortado, reabsorvido ou mumificado. Podemos observar que o tempo para o aborto ocorrer é maior, visto que essa cepa é mais poderosa. Entre 100 e 150 dias após a concepção ocorrem malformações e após esse tempo o feto nasce normal. Resposta Imune do Neonato Após o nascimento, os mamíferos devem ser capazes de combater qualquer tentativa de invasão imediatamente. Porém, qualquer resposta imune adaptativa montada pelo recém-nascido é uma resposta primária com intervalo prolongado e com baixa concentração de anticorpos. Essa resposta é melhorada pela mãe por meio da imunidade passiva. A imunidade passiva é a transferência de anticorpos específicos entre indivíduos. No caso do recém-nascido, a mãe transfere esses anticorpos de forma intrauterina e pelo colostro. No neonato esses anticorpos possuem vida curta e não há memória. Além de anticorpos, a mãe também transfere via placenta e colostro linfócitos. Transferência da Imunidade A via através da qual os anticorpos maternos alcançam o feto é determinada pela estrutura da placenta. Em primatas (incluindo humanos), a placenta é hemocorial, ou seja, o sangue materno fica em contato direto com o trofoblasto (apenas 3 camadas de distância). Isso permite que a IgG materna seja transferida diretamente para o feto. Com isso, o recém- nascido possui níveis de IgG circulantes comparáveis com de um adulto. Em carnívoros (cão e gato) a placenta é endoteliocorial, ou seja, o epitélio coriônico fica em contato com o endotélio dos capilares maternas (4 camadas de distância). Isso permite que apenas 5 a 10% de IgG seja transferida diretamente pela placenta, portanto, a maior parte é transferida pelo colostro. Em ruminantes a placenta é sindesmocorial, ou seja, o epitélio coriônico fica em contato direto com os tecidos uterinos (5 camadas de distância). Desse modo, não há permissão de passagem de IgG materna para o feto. Com isso, o neonato depende totalmente do colostro da mãe para adquirir sua imunidade. Em equinos e suínos a placenta é epiteliocorial, ou seja, o epitélio coriônico fica em contato direto com o epitélio uterino intacto (6 camadas de distância). Do mesmo modo que os ruminantes, não há passagem de IgG, portanto, eles dependem do colostro. Portanto, animais domésticos que não tomam colostro são mais susceptíveis a doenças, podendo levar a uma morte prematura. Desse modo, o baixo nível de anticorpos no sangue do neonato leva a alta taxa de mortalidade. Colostro: Secreção e Composição O colostro contém as secreções acumuladas da glândula mamária nas últimas semanas de gestação junto com proteínas transferidas da corrente sanguínea. Basicamente, o colostro é rico em IgG e IgA e contém algumas IgM e IgE. Predomina- se IgG, a qual pode representar 65 a 90% do total, já a IgA e outras Igs são componentes menores, mas significativos, portanto, se assemelha a concentração de Igs no soro. À medida que a lactação progride e o colostro muda para leite, surgem diferenças. Nos primatas, a IgA predomina tanto no colostro quanto no leite, visto que IgG é transferida via transplacentária. Nos suínos e equinos, a IgG predomina no colostro e a IgA predomina no leite. Nos ruminantes, IgG predomina tanto no leite quanto no colostro. Os níveis de imunoglobulinas maternas no soro do neonato são elevados no início, mas vão decaindo com o passar da idade. Com isso, o animal passa a produzir seus próprios anticorpos. Níveis de Igs no soro do neonato Absorção do Colostro Os neonatos que mamam após o nascimento ingerem colostro. Nesses animais, a atividade proteolítica do intestino é baixa, impedindo a degradação do colostro. Além disso, o colostro possui inibidores de tripsina que evitam sua degradação. As imunoglobulinas colostrais se ligam a receptores FcRn nas células epiteliais do intestino, permitindo sua endocitose pelos enterócitos e sua transferência para capilares, atingindo assim a circulação sanguínea. Os equinos e suínos apresentam uma absorção seletiva de imunoglobulinas. IgM e IgG são absorvidas, mas IgA permanece no intestino. Por outro lado, ruminantes absorvem todas as classes de imunoglobulinas, porém, depois a IgA é excretada novamente ao lúmen. A permeabilidade a imunoglobulinas é alta após o nascimento, mas diminui após 6 horas de vida. A absorção cai para um nível muito baixo após 24 horas. Nas primeiras 6 horas de vida a absorção de anticorpos no intestino é de 66%. Nas 12 horas após o nascimento a absorção já reduz para 47%. Portanto, as primeiras 15 horas de vida são fundamentais para ingestão de colostro. Com 1 dia de vida essa absorção já cai para 12%. Falha de Transferência Passiva A absorção de colostro e de leite são essenciais para a proteção do neonato. A IgG do colostro é essencial para imunidade sistêmica do neonato, o protegendo de doenças septicêmicas.Já a IgA do leite é essencial para imunidade intestinal, protegendo o animal de doenças entéricas. Importância da Ingestão de leite e colostro A falha na transferência do colostro para o neonato predispõe o animal a uma infecção. Existem três tipos de falha de transferência passiva: falha de produção, falha de ingestão e falha de absorção. Falha de Produção Falhas de produção podem ocorrer por três causas: nascimento prematuro, lactação prematura ou colostro de má qualidade. Os nascimentos prematuros podem significar que um colostro insuficiente foi acumulado nos tetos da mãe. Na lactação prematura o colostro é perdido por gotejamento excessivo antes do nascimento do filhote. Também é possível que o colostro seja de má qualidade. Isso pode ser avaliado por um colostrômetro, o qual avalia o conteúdo de IgG. Falha de Ingestão Em carneiros, porcos ou cães pode ocorrer falha de ingestão em consequência dos nascimentos múltiplos. Isso porque alguns filhotes podem mamar mais que outros, causando uma má distribuição do colostro. Também podemos observar falha de ingestão devido à fraqueza dos neonatos, a uma baixa capacidade de sucção ou a problemas físicos, anormalidades nos tetos ou defeitos no maxilar do filhote. Falha de Absorção A falha de absorção intestinal é um grande perigo. Cerca de 25% dos potros recém- nascidos não conseguem absorver quantidades suficientes de imunoglobulinas, podendo ocasionar infecções futuras. Diagnóstico O diagnóstico mais rápido e econômico da falha de transferência passiva é o teste de turbidez do sulfato de zinco, o qual envolve a mistura de uma solução de sulfato de zinco com o soro do potro. Em soros com nível de IgG maior que 400 mg/dL, a mistura torna-se turva. Na falha total da transferência, a mistura torna- se límpida. Podemos também realizar outros testes, como o de imunodifusão radial, teste ELISA e aglutinação de látex, mas eles são menos precisos. Tratamento Na falha de transferência passiva devemos observar que quaisquer sinais de infecção bacteriana devem ser tratados com antibióticos. Para potros, devem ser dados de 2 a 3L de colostro de boa qualidade por meio de mamadeira em 3 ou 4 doses a cada hora. O colostro deve estar livre de anticorpos contra os eritrócitos do potro. O colostro pode ser obtido de éguas que possuam mais do que o necessário para seu próprio filhote ou pode ser obtido comercialmente. Ele deve ser armazenado entre -15ºC e -20ºC por até 1 ano. Em potros com mais de 15 horas de vida, a absorção oral cessa, portanto, devemos realizar uma infusão intravenosa de plasma. O sangue para esse método deve ser coletado de forma asséptica e de preferencialmente de doadores locais a fim de ter imunoglobulinas contra patógenos locais. Devemos nos atentar que se a mãe se tornar imune contra eritrócitos do seu feto, os anticorpos colostrais podem causar a destruição dos eritrócitos do recém-nascido, causando a doença hemolítica do recém-nascido (DHRN). Imunidade Mediada por Células O colostro é repleto de linfócitos, portanto, garante imunidade celular ao neonato. Os linfócitos colostrais podem sobreviver por até 36 horas no intestino de bezerros neonatos, e alguns podem penetrar no epitélio das placas de Peyer e alcançar linfonodos e a circulação. Linfócitos T CD8+ no colostro de bovinos podem produzir IFN-γ, influenciando o desenvolvimento precoce de respostas Th1 em bezerros neonatos. Isso acelera o desenvolvimento de linfócitos ativados no bezerro. Portanto, a ingestão de leucócitos colostrais maternos após o nascimento estimula o desenvolvimento do sistema imune neonatal. Imunidade Adaptativa no Neonato O neonato pode desenvolver uma imunidade local ou sistêmica. Na imunidade local os tecidos linfoides intestinais respondem rapidamente aos antígenos ingeridos. Essa resistência inicial é atribuída à produção inata de IFN-α/β, mas existe uma resposta precoce de IgM intestinal, que muda para IgA em 2 semanas. A imunidade sistêmica é adquirida pelos anticorpos maternos. Tais anticorpos inibem a capacidade do recém-nascido de montar sua própria resposta imune. Desse modo, animais muito jovens são incapazes de responder a uma imunização ativa com vacinas. À medida que o título de anticorpos maternos cai a resposta imune fica mais eficiente. Isso ocorre porque os anticorpos maternos mascaram os epítopos dos antígenos vacinais, impedindo seu reconhecimento pelos linfócitos B do animal e, portanto, impedindo a imunidade ativa. Portanto, a resposta imune pode ser induzida apenas quando os títulos de anticorpos maternos caírem abaixo de um limiar crítico. Vacinação Como os anticorpos maternos inibem a síntese de Igs neonatais, eles impedem o sucesso da vacinação em animais jovens. Poucos cães recém-nascidos podem ser vacinados com sucesso, mas a maioria pode ser protegida com 3 meses. Filhotes privados de colostro podem ser vacinados com 2 semanas. Considerações semelhantes são aplicadas na vacinação em grandes animais, porém sua eficiência é maior com 6 meses de idade. Animais vacinados antes dos 6 meses devem ser revacinados aos 6 meses. Desse modo, recomenda-se que a primeira vacinação seja realizada em três doses, garantido uma maior proteção. Imunidade no Pintinho Pintinhos emergem do ambiente estéril do ovo, portanto exigem uma assistência imunológica temporária. As imunoglobulinas são transferidas do soro da galinha para o ovo ainda no ovário ou oviduto. A IgY (uma correspondente à IgG) é transferida do soro da galinha para a gema do ovo, ainda no ovário. Ela é posteriormente absorvida na corrente sanguínea. Quando o ovo se encontra no oviduto, a IgM e a IgA das secreções ovidutais são adquiridas pela albumina (“clara” do ovo). A IgA fornece proteção ao intestino do pinto.
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