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2011 GeoGrafia Cultural e PolítiCa Prof.ª Mirian Margareth Zemke Copyright © UNIASSELVI 2011 Elaboração: Prof.ª Mirian Margareth Zemke Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 910 Z53g Zemke, Mirian Margareth. Geografia Cultural e Política/ Mirian Margareth Zemke. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2011.x ;199.p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830- 322-8 1.Geografia Política 2. Geografia Cultural I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III ApresentAção Caro acadêmico! A disciplina que apresentaremos nessa nova etapa de trabalho está direcionada aos estudos referentes à Geografia Cultural e à Geografia Política. O entrelaçamento entre os temas cultura e política nos parece, a princípio, quase que inexistente, mas, a partir do momento em que consideramos que o objeto da Geografia permeia as relações que as sociedades desenvolvem sobre o espaço, esse entrelaçamento se torna possível e observável. Observamos, inicialmente, que as diferentes comunidades que compõem a sociedade global reservam o direito de não perder sua identidade. A comentada cadeia global traz a ideia de que somos uma grande e única sociedade, onde, a partir da condição de estarmos conectados, tem-se a ilusão de falarmos a mesma língua e termos os mesmos valores, concepções, cultos, enfim, a mesma cultura. Considerando que não é o homem como indivíduo que representa nosso foco de atenção, mas sim os grupos sociais, que, mesmo apresentando diferentes interesses e características socioculturais, ocupam, muitas vezes, a mesma paisagem, toda essa diversidade se traduz em unicidade e identidade. Considerando, ainda, que esses grupos socioculturais, assim como todos os outros existentes, têm como palco de suas ações, atividades, ideologias etc., a esfera macroespacial, ou seja, a superfície do planeta, emerge a necessidade de sistemas ou leis ou, ainda, imposições político-econômicas e administrativas que busquem garantir certa estabilidade como também sua sustentabilidade. Dessa colocação advém os estudos referentes à Geografia Política e suas abordagens. Vamos lá, então, pois temos muito estudo pela frente! Prof.ª Mirian Margareth Zemke IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL ................ 1 TÓPICO 1 – CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL ..................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 CONCEITUANDO GEOGRAFIA CULTURAL .............................................................................. 5 3 SAUER E A GÊNESE DA GEOGRAFIA CULTURAL ................................................................... 9 4 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESTUDOS DE PAUL CLAVAL ..................................... 13 5 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA GEOGRAFIA CULTURAL ....................................................... 14 6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL ...................................................................... 17 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 19 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 20 TÓPICO 2 – A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA ........................................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 21 2 A PAISAGEM ........................................................................................................................................ 21 3 A CULTURA ........................................................................................................................................... 23 3.1 A CULTURA E A CONSCIÊNCIA ............................................................................................... 23 3.2 A CULTURA E A NATUREZA ...................................................................................................... 24 3.3 A CULTURA E O PODER ............................................................................................................... 25 4 O SIMBOLISMO .................................................................................................................................. 27 4.1 LENDO AS PAISAGENS SIMBÓLICAS....................................................................................... 28 5 CRÍTICAS À GEOGRAFIA CULTURAL ......................................................................................... 30 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 32 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 33 TÓPICO 3 – A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO ........................... 35 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35 2 A GEOGRAFIA E A GLOBALIZAÇÃO ........................................................................................... 35 2.1 ENTENDENDO A CULTURA DIANTE DA GLOBALIZAÇÃO ............................................. 39 2.2 A INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA DA GLOBALIZAÇÃO NOS DIFERENTES ASPECTOS SOCIAIS ....................................................................................................................... 41 3 A CULTURA DA VIRTUALIDADE REAL ...................................................................................... 44 4 O SURGIMENTO DA CULTURA DA MÍDIA DE MASSA ........................................................ 46 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................51 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 52 TÓPICO 4 – A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA ........................................................... 53 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 53 2 METALINGUAGEM ............................................................................................................................ 54 3 DIANTE DESSAS CARACTERÍSTICAS TEMOS UMA NOVA ESTRADA PARA TRILHAR: A DO CIBERESPAÇO E DA CIBERCULTURA ............................................. 56 4 A CIBERCULTURA SERIA FONTE DE EXCLUSÃO? .................................................................. 59 5 A CONSTELAÇÃO DA INTERNET ................................................................................................. 61 sumário VIII LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................65 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................66 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................67 UNIDADE 2 – GEOGRAFIA POLÍTICA ..........................................................................................69 TÓPICO 1 – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA ...................................71 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................71 2 CONTEXTUALIZANDO A GÊNESE DA GEOPOLÍTICA E DA GEOGRAFIA POLÍTICA .............................................................................................................................................72 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................80 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................81 TÓPICO 2 – LEITURAS GEOPOLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS ............................................83 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................83 2 A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA .........................................................................84 3 GEOGRAFIA, SOCIEDADE E POLÍTICA ....................................................................................89 4 ENTENDENDO A ORDEM GEOPOLÍTICA MUNDIAL ..........................................................92 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................96 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................97 TÓPICO 3 – A ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL ....................................................99 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................99 2 A GEOPOLÍTICA E SEU COMPROMISSO LOGÍSTICO NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.......................................................................................100 3 A TECNOLOGIA ESPACIAL DO PODER DO ESTADO ..........................................................101 4 O NOVO SIGNIFICADO DO TERRITÓRIO DIANTE DA NOVA LOGÍSTICA TECNOLÓGICA E CULTURAL ......................................................................................................102 5 A GEOPOLÍTICA DA INCLUSÃO E EXCLUSÃO ......................................................................104 6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DIANTE DO IMPERATIVO TECNOLÓGICO E A POLÍTICA VOLTADA PARA A SUSTENTABILIDADE....................105 6.1 A ECOLOGIA COMO UM NOVO PARÂMETRO GEOPOLÍTICO ......................................106 7 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO MODELO LOGÍSTICO PARA ORDENAR O USO DO TERRITÓRIO ..............................................................................109 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................112 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................113 TÓPICO 4 – O ESTADO-NAÇÃO NA ERA DO MULTILATERALISMO .................................115 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................115 2 O ESTADO-NAÇÃO NA ÉPOCA DO MULTILATERALISMO ...............................................116 3 REDEFINIÇÃO DO ESTADO E DA ESTRUTURA DO PODER GLOBAL ...........................122 3.1 A NOVA FORMA DO ESTADO ..................................................................................................123 3.2 MULTIPOLARIZAÇÃO: A QUESTÃO DA HEGEMONIA MUNDIAL ...............................125 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................129 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................132 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................134 IX UNIDADE 3 – GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E ESTUDOS DE CASO ......................................135 TÓPICO 1 – A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA ...........................137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO NO BRASIL: A GEOPOLÍTICA DO ESTADO E A GEOPOLÍTICA DO POVO .......................................................................................................139 3 BREVE HISTÓRICO DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA ...........................................................140 4 O ESPAÇO BRASILEIRO E A GEOPOLÍTICA ............................................................................143 4.1 A REDIVISÃO TERRITORIAL .....................................................................................................144 5 PROBLEMAS GEOPOLÍTICOS BRASILEIROS NO PERÍODO DA BIPOLARIZAÇÃO – GUERRA FRIA .............................................................................................146 6 A DEPENDÊNCIA EXTERNA DA GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E A SUA INSERÇÃO NO SISTEMA INTERNACIONAL .................................................................................................149 6.1 ENTENDENDO O PROBLEMA INTELECTUAL BRASILEIRO ............................................150 6.2 A GEOPOLÍTICA OFICIAL BRASILEIRA .................................................................................151 6.3 AS RAZÕES ESTRUTURAIS DA MANUTENÇÃO DA GEOPOLÍTICA DA DEPENDÊNCIA .............................................................................................................................152 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................155 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................156 TÓPICO 2 – A POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA DO CAPITALISMO .........................................157 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................157 2 A GEOPOLÍTICA EM MOVIMENTO ...........................................................................................1583 GEOPOLÍTICA ATUAL ....................................................................................................................160 4 NOVA ORDEM OU NOVA DESORDEM A PARTIR DO CAPITALISMO ...........................165 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................169 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................170 TÓPICO 3 – A ANTROPOLÍTICA .....................................................................................................171 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................171 2 DA POLÍTICA À ANTROPOLÍTICA .............................................................................................172 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................174 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................181 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................182 TÓPICO 4 – ESTUDO DE CASO: O TERRORISMO .....................................................................183 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................183 2 APRESENTANDO O PROBLEMA: O TERRORISMO ...............................................................183 3 O QUE É O TERRORISMO NA NOVA ORDEM MUNDIAL? .................................................184 4 AS REDEFINIÇÕES NA ORDENAÇÃO GEOPOLÍTICA MUNDIAL ...................................188 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................193 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................194 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................195 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................197 X 1 UNIDADE 1 TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • estabelecer as relações entre uma paisagem cultural e uma paisagem natural; • conhecer o processo evolutivo de concepção da Geografia Cultural; • estabelecer comparativos entre a vida cotidiana e a aprendizagem teórica apreendida; • diferenciar os aspectos pelos quais a Geografia Cultural se apresenta; • resgatar valores que identificam o lugar de vivência. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL TÓPICO 2 – A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA TÓPICO 3 – A CULTURA DIANTE DO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO TÓPICO 4 – A METALINGUAGEM E A CIBERCULTURA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 1 INTRODUÇÃO Apropriando-se de uma ideia de Cosgrove (1998), parto de uma situação prática e rotineira para dar início aos nossos estudos sobre Geografia Cultural. Pelo fato de morar em um município litorâneo de Santa Catarina, em época de temporada eu e minha família vamos à praia nos finais de semana. Nesses momentos, não sou, conscientemente, uma geógrafa, pois como nós, centenas de outras famílias também vão à praia procurar um lugar ao Sol. A praia é um lugar especial, iluminado naturalmente, e o contato com a areia é condição essencial para usufruir esse tipo de lazer. Essa mesma cena pode ser vista em quase todos os municípios litorâneos do país, podendo ser típica de países litorâneos. Os geógrafos poderiam se interessar pelo lugar, porque ele ocupa um dos espaços imobiliários mais valorizados, porque seu contato próximo ao mar lembra descanso, lazer, eles podiam, ainda, estudar os movimentos migratórios caracterizados pela transumância, da procedência dos veranistas e da maneira que eles contribuem para a economia do município. Entretanto, eu e minha família estamos apenas veraneando. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 4 FONTE: Disponível em: <http://posgraduacaoemeducacaoediversidade.blogspot. com/2009_09_01_archive.html>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 1 – FACES DA GEOGRAFIA CULTURAL NOTA Em momentos anteriores você estudou os movimentos migratórios internos e, entre eles, existe o movimento de transumância, que corresponde àqueles movimentos sazonais, ou seja, estão condicionados a um determinado período do ano, pelos mais diversos motivos. Exemplo: os veranistas em período de temporada. Então, sentada em minha cadeira de praia, eu vejo outras coisas ocorrendo: vendedores de mantas e redes, que deixaram sua terra natal (geralmente são nordestinos) para conseguir acumular algum capital e retornar, no final da temporada, para casa; vendedores de bebidas e sorvetes circulando entre os veranistas; bares e quiosques atendendo aos mais exigentes pedidos. Já que não assistimos aos noticiários, eles chegam até nós pelos vendedores de revistas e jornais; famílias nas quais as diferentes gerações estão em pleno contato; grupo de jovens e adolescentes que demonstram sua personalidade usando piercings e tatuagens, que são, muitas vezes, indecifráveis. A praia é, então, altamente complexa, com múltiplos significados. Certamente, ela é organizada para atender ao turismo de massa, tornando-se acessível para um possível estudo sobre a dinâmica litorânea em períodos de temporada. O local é um lugar simbólico, onde muitas culturas se encontram e talvez entram em conflito. Entendemos, portanto, que a Geografia está em toda parte. TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 5 IMPORTANT E Em nossos estudos, vamos entender o termo conflito como a diferenciação de ideias, de comparação, de divergências, e não um confronto direto, corpo a corpo. Da concepção que a Geografia está em toda parte é que emerge o simbolismo e o exercício da prática cultural existentes nos diferentes contextos, nas diferentes realidades. A superfície terrestre, também chamada Litosfera, apresenta dimensões variadas em sua continuidade, mas abriga inúmeras descontinuidades culturais representadas por milhares de grupos humanos que se identificam pela sua cultura, seus saberes transmitidos de gerações para gerações, de hábitos e costumes que lhe dão identidade, tudo isso demonstra a riqueza de estudarmos esse tema. Nós, geógrafos, temos o compromisso de, diante de algumas abordagens que nos padronizam e nos homogeneízam como viventes da Aldeia Global, resgatar e difundir as diferenças (culturais, étnicas etc.) de cada povo, pois essas diferenças enriquecem cada povo, tornando-o único diante da concepção de mundo globalizado. Realmente é uma tarefa difícil, mas não vamos nos ater em conhecer as diferenças culturais de cada povo existente na Terra, pois isso seria quase impossível. Vamos perceber que, a partir dessas diferenças, as relações com o espaço de vivência são construídas e reconstruídas continuamente, pois mesmo as culturas mais antigas, aquelas datadas como primeiras civilizações, apresentaram alterações ou adequações em suas concepções de valores, hábitos, ritos, ou seja, em suas concepções culturais. Dessa maneira, podemos conceber que a cultura não é um elemento estanque, estático, mas sim receptora de novas concepções e valores. 2 CONCEITUANDO GEOGRAFIA CULTURAL O conceito de Geografia Cultural nos remete a um passado não muito longínquo, aindano final do século XIX e início do século XX, surgindo em detrimento à Geografia Determinista, apresentada e difundida por Friederich Ratzel (1844-1904). A Geografia Determinista foi bastante influenciada pela teoria da seleção natural de Charles Darwin (1809-1882), que perdurou por muito tempo dentro dos estudos geográficos. Darwin difundia que as espécies se transformavam a partir de uma seleção de características que as adaptavam a um ambiente, transformando-as em uma espécie predominante. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 6 É importante ressaltar que Darwin, sendo naturalista, direcionou seus estudos para as ciências biológicas. Contudo, pensadores sociais começaram a transferir seus conceitos de evolução e adaptação para a compreensão das civilizações e demais práticas sociais. Com essa transferência de conceitos, foi possível justificar a ideia de que algumas sociedades e civilizações eram dotadas de valores que as colocavam em condição de superioridade em relações a outros grupos sociais. Diante dessa supremacia estabelecida, povos como os africanos e asiáticos, por não compartilharem das mesmas capacidades culturais evoluídas e tecnologias avançadas para a época (final do século XIX e início do século XX), foram subjugados pelos europeus, restando-lhes a condição de subordinados e subordinantes, respectivamente. Essas teorias serviram de sustentação para que as grandes potências capitalistas do final do século XIX (Bélgica, França, Alemanha, Itália, Canadá, EUA e Japão) exercessem o imperialismo no espaço afro-asiático. Entendemos, assim, que essas ideias criaram concepções sobre cultura impregnadas de equívocos e preconceitos, que repercutiram de maneira desastrosa para os povos subordinados, pois até hoje eles apresentam características políticas, sociais e econômicas nas linhas periféricas do mundo “evoluído” pelo capitalismo globalizante. FONTE: Disponível em: <http://geoprofessora.blogspot.com/2010/03/neocolonialismo.html>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 2 – IMPERIALISMO TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 7 A definição de Geografia Cultural como disciplina aconteceu de maneira lenta, mas progressiva, pois ela não poderia mais ser concebida como uma ciência natural de paisagens e de regiões como era no início do século XX, nem mesmo apresentar uma análise reducionista dos mecanismos que permitem às diferentes sociedades funcionarem, superando os obstáculos da dispersão e da distância, que atendiam os estudos até os anos de 1960, mesmo existindo pesquisadores que avançavam seus estudos na contramão das concepções dominantes. Emergiam abordagens parciais, ou seja, restritas a um determinado espaço, como, por exemplo, na França, que, ainda no começo do século XX, a “[...] noção de gênero de vida tem uma dimensão ecológica, naturalista; ela serve, primeiramente para mostrar como os grupos se adaptam ao ambiente” (CLAVAL, 1997, p. 90). A Corrente Possibilista, que contrapõe a Corrente Deteminista de Ratzel, é defendida por Vidal de La Blache (1845-1918). Geógrafo francês, priorizou, em seus estudos, o grupo social em detrimento ao indivíduo, porque só a partir da união da sociedade é que se pode garantir a superação das dificuldades. Escreveu que o estudo da Geografia era o estudo dos lugares e não dos homens, mostrando que os homens sempre souberam tirar proveito da natureza, criando técnicas, hábitos, sendo guiado por um desejo de apropriação a um fim determinado. Para La Blache, as condições naturais não determinam o comportamento do homem, apenas oferecem as oportunidades, mas, com isso, não queria dizer que o homem é livre para quem tudo é permitido. Reconheceu que a escolha do homem é severamente limitada pelo sistema de valores de sua sociedade, sua organização, tecnologia, suas concepções ético-culturais. Realize leituras sobre as diferentes correntes do pensamento geográfico, isso facilitará na compreensão e aprofundamento dos temas trabalhados. A partir dessas leituras, caro acadêmico, estabeleça paralelos entre suas concepções. Você perceberá que a maneira pela qual os estudiosos defendiam suas ideias estava de acordo com os interesses políticos e econômicos de cada época. AUTOATIVIDADE Baseando-se nas observações de La Blache, Claval (1997, p. 90) afirma que, além da dimensão ecológica e naturalista, o gênero de vida tem uma dimensão social e cultural, em que: [...] a força do hábito torna-se tão forte que o grupo humano perde sua plasticidade. Ao invés de adaptar-se ao meio, ele procura modificá- lo para permanecer em seus hábitos: observa-se por ocasião das migrações; os recém-chegados em um país fazem em geral de tudo para continuar a viver como eles o faziam em seus países de origem. Vidal de La Blache, que faz do gênero de vida um dos eixos da geografia humana que ele elabora, é, desta forma, o primeiro a sugerir que ele pode ser uma dimensão cultural [...]. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 8 Essa citação é bastante elucidativa e muito fácil de percebê-la em nosso cotidiano. No Estado de Santa Catarina temos vários exemplos, como é caso de algumas cidades que se desenvolveram nas áreas marginais do rio Itajaí-Açu, como Brusque e Blumenau. Se você se portar para a origem dessas cidades, perceberá que a organização de seu espaço geográfico, sua economia e suas tradições culturais estão intimamente ligadas ao país de origem de seus primeiros habitantes, a Alemanha. Essas tradições se explicitam por meio das músicas, do vestuário, da língua ainda preservada no convívio familiar, na arquitetura, nas festas e até mesmo na religiosidade, em que igrejas luteranas reúnem muitos fiéis em suas celebrações, que são realizadas em língua alemã. FONTE: Disponível em: <https://bit.ly/2wvc56s>. Acesso em: 31 ago. 2018. FIGURA 3 – PREFEITURA DE BLUMENAU/SANTA CATARINA Três países se destacam nos estudos referentes à Geografia Cultural: a França, os Estados Unidos e a Alemanha. Na França, além dos estudos de Vidal de La Blache, temos ainda Deffontaines (1884-1978) e Paul Claval (1932), ambos estudiosos da Geografia Cultural. Na Alemanha, Otto Schultter, e, nos Estados Unidos, Carl Ortwin Sauer (1889-1975). No Brasil, destacamos Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl como os principais geógrafos que abordaram a temática em questão, referenciando, em especial, os estudos de Sauer. A intenção em nossos estudos é apresentar aqueles que, de maneira mais significativa, contribuirão para as nossas reflexões. Iniciamos com Deffontaines (1948 apud CLAVAL, 1997), que direciona seus estudos para a geografia religiosa, alegando que essa imprime, nas paisagens (igreja, mesquitas, santuários, templos, cruz etc.), certos gêneros de vida (prática do jejum na sexta-feira, interdição do álcool e do consumo de carne de porco, proibição do corte de cabelo, por exemplo), assim como os gêneros de vida que a religião faz nascer. TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 9 A Alemanha também se destacou nos estudos sobre Geografia Cultural. Otto Schultter (apud CLAVAL, 1997, p. 24) escreveu, em 1907, sobre a organização da paisagem, dizendo que a Geografia Cultural: [...] é a marca que os homens impõem à paisagem que constitui o objeto fundamental de todas as pesquisas. Esta marca é estruturada: o objeto da geografia é de apreender esta organização, de descrever aquilo que se qualifica desde então de morfologia da paisagem cultural e de compreender sua gênese. Nos Estados Unidos, os estudos que abordam a Geografia Cultural são interessantemente apresentados por Carl Sauer, que nos mostra de que maneiras as transformações culturais se impõem diante dos ambientes naturais. No decorrer deste tópico, as abordagens que faremos sobre a Geografia Cultural nos aterão aos trabalhos de Roberto Lobato Corrêa, Zeny Rosendadahl e Denis Cosgrove, que fazem referências aos trabalhos de Carl Sauer e de Paul Claval, um nome singular notrato com essa disciplina. 3 SAUER E A GÊNESE DA GEOGRAFIA CULTURAL Carl Ortwin Sauer é descrito por Corrêa (1997) como um dos grandes mestres da Geografia Cultural norte-americana, mas que teve uma grande repercussão mundial, pois, mesmo tendo sua formação em bancos universitários que privilegiavam o determinismo ambiental, conseguiu estabelecer uma ruptura, consolidando essa disciplina e estabelecendo fortes ligações dessa com a Antropologia e a História. Os estudos na Geografia norte-americana, mais especificamente a dos Estados Unidos, até final do século XIX, estava intimamente ligada à Geologia, voltada para o levantamento sistemático dos recursos do subsolo, que atendiam a industrialização do referido país, recebendo pouquíssima influência da Antropologia, que será o cerne da Geografia Cultural. Dessa matriz geológica, com forte ênfase no estudo dos fenômenos naturais, emergiram outras matrizes: a Geomorfologia, em 1904, por William Morris Davis; a Antropogeografia, por Ellen C. Semple, formada em História e discípula de Frederich Ratzel, difundindo o papel do meio natural sobre o curso da História, em que a natureza exerceria um controle sobre a vida humana e social; e a Geografia Econômica, por Emory R. Johnson, concretizada no sistema de transportes, na indústria e no comércio. As concepções do darwinismo social e do pragmatismo permeavam todas as três matrizes, determinando uma visão determinística, assim como evolucionista, imprimindo a ideia de competição, dominação e sucessão, como já estudamos anteriormente. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 10 Foi nesse contexto que as críticas ao determinismo ambiental começavam a se ampliar por todo o território dos Estados Unidos. A partir da década de 1920, ideias que se posicionavam na contramão do determinismo ambiental começam a florescer, vislumbrando da Geografia uma Ecologia Humana, que objetivava examinar as respostas humanas ao meio físico. Concomitante à Ecologia Humana, emergem os estudos corológicos e a Geografia Cultural de Sauer. FONTE: Disponível em: <www.ecoh.ufsc.br>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 4 – ECOLOGIA HUMANA DICAS Para um melhor aprofundamento sobre a Geografia Corológica, sugiro que você consulte o trabalho de Fabiana Machado Leal sob o tema: Geografia: Ciência Corográfica e Ciência Corológica. Seu trabalho encontra-se disponível em: <enhpgii.files.woespress. com/2009/10fabiana-machado-leal/1.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2010. Vale a pena conferir!. Os caminhos percorridos por Sauer, quanto ao seu posicionamento crítico diante do determinismo ambiental, iniciam com os trabalhos de campo, que vieram impregnados de ideias até então não vislumbradas “[...] por um lado pragmatismo vinculado ao ideal de racionalizar o uso do solo e, de outro, impregnado do possibilismo, no sentido de que os grupos humanos se deparam com alternativas próprias de cada grupo, para gerar determinado uso da terra” (CORRÊA, 1997, p. 265). Em 1925, Sauer (apud CORRÊA, 1997) rompe em definitivo com o determinismo ambiental, com a publicação de “The Morfology of Landscape”. Nessa obra, além de criticar o determinismo ambiental, ele defende a Geografia como a ciência que estuda a diferenciação de áreas ou corologia. Segundo esse estudioso, área, região e paisagem são palavras que devem ser consideradas TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 11 equivalentes, preferindo o uso do termo paisagem, pois tanto área quanto região conotam a ideia de determinismo ambiental e região natural a um único tipo de resposta humana, respectivamente. Sauer (1963, p. 320-321 apud CORRÊA, 1997, p. 266) refere-se à Geografia como: [...] é concebida como o estabelecimento de um sistema crítico que engloba a fenomenologia da paisagem, de modo a abarcar, por meio de seu significado e cores, o variado cenário terrestre [...]. Os objetos que existem na paisagem existem em inter-relação. Afirmamos que constituem uma realidade como um todo, que não se expressa pela separação de suas partes constituintes, que a área tem forma, estrutura e função, e daí posição em um sistema, e que é sujeita ao desenvolvimento, mudança e fim [...]. É possível notar, a partir dessa citação, que a Geografia, no que concerne ao seu estudo da paisagem, apresenta flexibilidades, ou seja, tanto são descritivos os elementos existentes naturalmente como é receptível a interferência humana, que dá sentido e dinamicidade. Os elementos naturais como os sociais ou culturais encontram-se em constante consonância, que se estabelece a partir de uma relação de interdependência, em que o primeiro (o natural) promove a ação sobre o segundo (social e cultural) e esse, simultaneamente, deixa seus registros na paisagem. Assim, Sauer (apud CORRÊA, 1997) tem na paisagem o conceito fundamental da Geografia, devido a sua qualidade orgânica, ou seja, viva, influenciada pela cultura do homem sobre a natureza, que a modifica, transformando-a de uma paisagem natural para uma paisagem cultural. Na Escola de Berkeley, convencionada pelos geógrafos culturais norte- americanos como a escola que deu gênese à Geografia Cultural, Sauer ampliou seus conhecimentos a respeito da Antropologia, da História, que lhe forneceu saberes sobre a diversidade da ação humana e “[...] também aprendeu que a cultura é um fenômeno que se origina, difunde-se e evolui no tempo e no espaço, sendo compreensível no tempo, porém traçavel no espaço onde se localiza. Em seus estudos com a História, aprendeu a considerar o tempo, a poder entender como as coisas se tornam” (CORRÊA, 1997, p. 269). A junção das duas ciências – Antropologia e História – teve subsídios para poder, então, estabelecer a Geografia Cultural ou, ainda, a História da Cultura no Espaço. Em 1927, formulou-se a conceituação de Geografia Cultural, que, no seu entender, seria o sinônimo de Geografia Regional ou Geografia Histórica, sugerindo que a Geografia deve considerar, em seus estudos: a) a reconstrução da paisagem física anterior à existência humana; b) a reconstrução da paisagem durante a ocupação humana; c) as mudanças significativas que se verificam na paisagem cultural. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 12 Podemos observar, pelas indicações de Sauer (apud CORRÊA, 1997), que a paisagem sofre interferência direta da ação humana, através de seu trabalho, que é significado pelos valores, padrões éticos e culturais de cada sociedade que ocupa um determinado espaço ou área. Ressaltamos, ainda, conforme já mencionado no início de nossos estudos, que essa paisagem é alterada e reconstruída pelas tendências culturais do momento, absorvendo novos conhecimentos que se registram no seu aspecto, comprovando sua mutação, ou seja, sua receptividade a novos conceitos e valores. Dessa maneira, é aceitável que as culturas tenham estágios, e a receptividade cultural, que diz respeito à difusão, adoção e rejeição de inovações, deve sempre ser considerada. FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/transformacao-no- espaco-geografico.htm>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 5 – AVENIDA PAULISTA EM 1920 FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/transformacao-no- espaco-geografico.htm>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 6 – AVENIDA PAULISTA EM 2000 TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 13 Ainda, temos que a proposta de Sauer (apud CORRÊA, 1997) para os estudos geográficos é a comparação entre culturas localizadas em diferentes áreas, considerando que a natureza histórica da cultura – um conjunto de hábitos aprendido por um determinado grupo em um determinado local e determinado tempo – deve ser compreendida por meio de análises das origens e processos e de como elas se diferenciaram entre si. A partir dessa metodologia, podemos entender que a diversidade cultural pode estar presente em um mesmo espaço e em um mesmo momento, em que não se está pontuando supremacia entreessa ou aquela cultura, mas buscando compreender suas origens. Corrêa (1997, p. 270) contribui dizendo: [...] Houve em Sauer um forte interesse pelo estudo de áreas em estágios culturais menos avançados. Isso não implicava, contudo, uma visão etnocêntrica, reconhecendo ele uma racionalidade própria de cada cultura. Sauer receava, em realidade, a difusão da cultura industrial destruindo a diversidade cultural existente em países de cultura não industrial [...]. Outra observação importante apontada por Sauer (apud CORRÊA, 1997) é que se considerem de um lado os processos da Geografia Física, em que as mudanças seculares afetam direta e indiretamente o homem a partir da sua dinamicidade, muitas vezes lenta, mas sempre contínua e, de outro lado, que se considere o homem como agente da Geografia Física, cuja cultura tem afetado a natureza, como, por exemplo: os padrões dos núcleos de povoamento, os tipos de arquitetura, os sistemas agrícolas e até mesmo o modo de uso da terra. DICAS Os trabalhos e contribuições de Sauer se delongam por inúmeras observações para os estudos direcionados à Geografia Cultural. Fica aqui a indicação da leitura de seu trabalho “The morphology of landscape’ (A morfologia da paisagem), publicado em 1925, pela Universidade da Califórnia (EUA), que aponta que devemos estar interessados naquela parte da paisagem que nos diz respeito como seres humanos, por sermos parte dela, pois vivemos com ela, somos limitados e a modificamos conforme nossas tecnologias e interesses, pois “as qualidades físicas da paisagem são aquelas que têm valor de hábitat, presente ou potencial” (SAUER, 1924, p. 19-54 apud CORRÊA, 1997). 4 UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS ESTUDOS DE PAUL CLAVAL Paul Claval é caracterizado como uma das principais referências sobre os estudos da Geografia Cultural na atualidade. Suas obras são atuais e contextualizadas, o que permite sua elucidação assim como sua exemplificação. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 14 Para Claval (1997), a Geografia Cultural está intimamente associada às experiências que os grupos humanos, representados pelas distintas sociedades, têm da Terra, da natureza e do ambiente. Esse segmento da Geografia estuda a maneira pela qual as necessidades, os gostos e as aspirações das sociedades se configuram no espaço geográfico, resultando na compreensão de como elas se definem, se identificam e se realizam no mesmo. Em seus trabalhos, Claval evidencia que os estudos da Geografia Cultural são mais significativos na atualidade, comparando-os com os momentos em que foi desenvolvida ou criada, face ao crescente interesse pelos lugares, pelas novas relações sociais na abordagem cultural, especialmente ao que se refere ao papel da comunicação e pelos crescentes problemas morais do mundo atual. 5 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA GEOGRAFIA CULTURAL Durante muito tempo, a paisagem tem se constituído em um dos conceitos- chave da Geografia, por estar apropriada de uma unidade e de identidade. A importância desse conceito, dentro do pensamento geográfico variado, e por alguns momentos, está relegado a uma posição secundária em relação aos conceitos de região, espaço território e lugar, conforme enfatiza Corrêa e Rosendahl (1998). A partir de 1970, o conceito de paisagem é retomado, trazendo novas concepções de outras matrizes epistemológicas. Para Corrêa e Rosendahl (1998), a paisagem geográfica apresenta simultaneamente várias dimensões que cada matriz epistemológica privilegia: sua dimensão morfológica, entendida como um conjunto de formas criadas pela natureza e pela ação humana, e uma dimensão funcional, que apresenta relações entre suas diversas partes. Ao que se refere à construção humana, essa decorreu dentro de uma dimensão histórica e, por condição existencial, também uma dimensão espacial. “Mas a paisagem é portadora de significados, expressando valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma dimensão simbólica” (CORRÊA; ROSENDAHL, 1998, p. 7-8). Segundo Claval (2002, p. 20-21), nas releituras sobre a Geografia Cultural, deve-se considerar que: a) As mudanças de concepções nas Ciências Humanas e Sociais ocorreram a partir da necessidade de integrar perspectivas existenciais e críticas, ou seja, de valores e tradições que identificam as ações humanas, assim como seus posicionamentos diante de situações de inconformismo. b) Da abordagem cultural, demandam a necessidade de repensar a Geografia Humana, onde esta não pode ser totalmente desvinculada da cultura onde se desenvolveu, estendendo-se também às ciências: sociais, econômicas, políticas, a Sociologia etc. Lembrando que o econômico, o político e o social nunca existiram como categorias imutáveis e independente do espaço onde se encontram. TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 15 c) Tanto o etnólogo como o geógrafo deve praticar em seus estudos a arte da “descrição densa”, a qual é descrita como uma única maneira possível de integrar algumas das particularidades culturais das populações e dos lugares estudados. d) Existem diferentes concepções de cultura: numa primeira concepção, a cultura aparece como um conjunto de práticas ou kow hows, de conhecimentos e de valores que cada um recebe e adapta a situações evolutivas, parecendo representar uma realidade individual (resultante da experiência de cada pessoa) e social (resultante de processos de comunicação), não sendo uma realidade homogênea; numa segunda concepção, a cultura é apresentada como um conjunto de princípios, regras, normas e valores que deveriam direcionar a escolha dos indivíduos, assim como, orientar suas ações. Numa terceira concepção, a cultura é apresentada como um conjunto de atitudes e de costumes que dão ao grupo social a sua unidade. Essa última concepção de cultura tem um papel importante na construção das identidades coletivas. Para nós, geógrafos, a concepção da estrutura complexa das sociedades humanas deve sempre permanecer, demonstrando respeito e aceitação pelo diferente. Claval (1997, p. 21) lembra que, atualmente, os geógrafos analisam as relações homem/meio dentro de uma perspectiva ecológica, o que resulta em quantificações e objetividades, desconsiderando a subjetividade das “representações do meio ambiente por parte das populações locais, da sua compreensão dos mecanismos ecológicos, da sua concepção da natureza em relação com a divindade ou o sagrado”. Entende-se, com isso, que os valores intrínsecos culturais da população que ocupa aquela paisagem estudada não são considerados em seus estudos. A compreensão da parte científica da Ecologia e da parte ideológica é considerada fundamental no entendimento da ação humana na contemporaneidade. Um exemplo prático para entendermos essa preocupação de Claval (1997) está na maioria das abordagens sobre os estudos geográficos do sertão nordestino. Por mais que estejam pontuando as características socioeconômicas, físicas e políticas de uma maneira interdependente, pouco é valorizada a concepção do povo sobre o lugar, das suas esperanças com um futuro próspero ou, até mesmo, seu conformismo diante das carências existenciais em que vivem. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 16 FONTE: Disponível em: <http://geografianovest.blogspot.com/2008/08/imagens-do-serto. html>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 7 – CONTINGÊNCIAS DA SOBREVIVÊNCIA Claval (1997) reforça que os geógrafos estudam a dimensão estética das paisagens, sejam elas rurais ou urbanas, não dando a devida atenção ao estudo da paisagem como uma exploração da convivência, que se desenvolve entre ela e os homens. [...] Os governantes utilizam as paisagens como suporte de suas mensagens de propaganda ou de sua ideologia. As classes dominantes justificam a sua supremacia social e política pela qualidade das paisagens que planejam [...]. Nem sempre as paisagens traduzem a vontade da manipulação ideológica expressa pelas classes dominantes [...] no mundo moderno,uma parte importante das paisagens é planejada para servir de guia aos utilizadores dos serviços públicos, como as das autoestradas e dos grandes aeroportos [...] a organização da paisagem reflete a existência de um sistema de poder: existe uma relação entre o país como criação política e a paisagem como expressão da personalidade do grupo social. O sentido de identidade de muitas coletividades sociais está ligado às paisagens da lembrança e da memória. [...] (CLAVAL, 1997, p. 22). Com isso, podemos entender que os estudos regionais mudam suas concepções de verdade, tornando-se mais fiéis quando abordados na escala local. A atenção está centrada no lugar, e quando se fala em região, deve-se falar de realidades sociais ali já existentes; falar do significado do espaço para cada indivíduo e da maneira de construir objetos sociais a partir das experiências humanas, o que resultará na construção de análises das categorias sociais e territoriais mais fidedignas. Lembra ainda Claval (1997) que tanto os lugares como as paisagens fazem parte da memória coletiva. Fatos passados impregnam certos lugares de significados; as identidades individuais e coletivas são fortemente ligadas ao TÓPICO 1 | CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 17 desenvolvimento da consciência territorial. Isso é verdadeiro no sentido que estamos sempre lembrando fatos e sempre esses fatos estão condicionados à existência de uma paisagem ou lugar. Um alerta que se faz pertinente em nossos estudos ou análises de uma determinada paisagem é como não nos deixar persuadir diante da tendência da homogeneização de comportamentos, da cultura, dos valores que estão sendo apresentados nesse novo estágio da globalização. Realmente é uma tarefa difícil, somos influenciáveis e precisamos estar em constante policiamento para não cair no risco de ameaçar, a partir de nossos diagnósticos, as identidades locais, que estão sendo suprimidas diante da forte influência dos meios de comunicação. 6 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL Já nos deportamos várias vezes na importância da identidade local, mas em nenhum momento explicitamos sua construção. Fazendo referência a Calhoun apud Castells (1999, p. 22), se entende por identidade o fato de: [...] Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida... O autoconhecimento – invariavelmente uma construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta – nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modos específicos, pelos outros [...] Assim, podemos entender por identidade o processo de construção de significado, com base na cultura ou no conjunto de culturas inter-relacionadas, pois somos receptivos a vários atributos culturais. A identidade cultural se constitui de fonte de significados por seus próprios atores, que foi sendo construída por meio de um processo individual. Dentro de uma concepção mais genérica, pode- se dizer que as identidades culturais organizam seus significados, seus símbolos autossustentáveis ao longo do tempo e do espaço. Segundo Castells (1999, p. 23) “[...] a construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso”. Importante observar que a chamada matéria-prima é absorvida tanto pelo indivíduo como pelos grupos sociais, que reorganizam seu significado diante das tendências sociais e projetos culturais já enraizados, bem como em sua concepção de tempo e espaço, ou seja, a dinamicidade do surgimento ou elaboração do novo acaba interferindo direta ou indiretamente nas permanências de uma determinada sociedade, que ocupa um determinado espaço em um determinado tempo. Assim, é possível entender que quem constrói a identidade coletiva (lembre-se de que estamos falando de sociedade ou grupo social), e em atendimento a quê essa identidade é construída, são os próprios conteúdos simbólicos dessa mesma identidade, bem como o seu significado para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 18 Na prática, podemos exemplificar isso através de certas práticas coletivas estabelecidas entre diferentes religiões que seguem rituais, muitas vezes, centenárias na sua realização. Veja que a permanência desses rituais dá significados e identificam aquela religião em detrimento a outras religiões. Para Castells (1999, p. 26), “diferentes tipos de identidades são construídas e suas permanências estão diretamente relacionadas a um contexto social” e ao enraizamento ou não de seu simbolismo ou, ainda, pela incorporação ou não das tendências contemporâneas. Lembrando de que diante de novas apropriações simbólicas, a paisagem sofre mutações em sua configuração, em atendimento a novas demandas sociais que emergem. Assim, é importante entendermos a Paisagem como categoria de estudo da Geografia e sua manifestação simbólica diante da Cultura. 19 Neste tópico vimos que: ● O conceito de Geografia Cultural tem suas origens no final do século XIX e início do XX, com os estudos de Vidal de La Blache e a Teoria do Possibilismo. ● A Teoria do Possibilismo sustenta-se no fato de o homem modificar o meio, adequando-o às suas necessidades. ● La Blache faz do gênero de vida um dos eixos da Geografia Humana, sendo o primeiro a sugerir que ele tem uma dimensão cultural. Ex.: os imigrantes em nosso país. ● Carl Sauer foi um dos grandes mestres da Geografia Cultural norte-americana, tendo seus estudos difundidos por todo o mundo, tornando-se um dos principais referenciais teóricos do tema. ● Sauer sugere que, nos estudos de Geografia Cultural, deve ser considerado: a) a reconstrução da paisagem física anterior à existência humana; b) a reconstrução da paisagem durante a ocupação humana; c) as mudanças significativas que se verificam na paisagem cultural. ● A cultura é um elemento dinâmico, pois absorve, em maior ou menor grau, as tendências contemporâneas. ● Paul Claval, contemporâneo, associa a Geografia Cultural às experiências dos grupos humanos. ● A paisagem é considerada o conceito-chave da Geografia Cultural por estar apropriada de unicidade e identidade. ● Claval observa que os estudos da Geografia Cultural acabam se limitando a abordagens ecológicas, sem a preocupação com os valores intrínsecos culturais da população que habita aquela paisagem. ● A constituição da identidade cultural acontece por meio do processo de construção de significados e de seus símbolos autossustentáveis ao longo do tempo e do espaço. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 Você observou, no decorrer das abordagens, que a Geografia Cultural obedeceu a um processo teórico para ser caracterizada como uma disciplina. Em uma análise pessoal, é possível caracterizarmos sua existência somente a partir do século XX por Sauer? Justifique. 2 Em uma leitura contemporânea, a partir da realidade que o cerca, descreva uma paisagem, levando em consideração as observações de Sauer e Claval, estabelecendo eixos entre o passado físico e o presente cultural da mesma. AUTOATIVIDADE 21 TÓPICO 2 A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A Geografia como ciência apresenta algumas categorias de análise, que acabam permeando todos os envolvidos e qualquer estudo ou pesquisa, em maior ou em menor grau, pois esses elementos acabam estabelecendo um grau de integração entre si, que, sem o reconhecimento de todos, o trabalho parecerá incompleto. As categorias de análise podem ser: espaço, lugar, região e território, que servem de fio condutor às explicações e elucidações para a compreensão da dinâmica do espaço geográfico. Direcionando nossos estudos para a disciplina de Geografia Cultural, nos ateremos aotrabalho com a Paisagem. Não queremos imprimir sobre essa categoria um grau de importância que venha a subestimar as demais. Apenas queremos entender que é por meio da análise da Paisagem que a geografia em questão se fundamentou, assim como foi e é motivo de vários conflitos não só em nível conceitual e epistemológico, mas também quanto aos elementos a serem considerados. Não estaremos demonstrando uma solução para esses conflitos de concepções teóricas, que serão apresentadas pelos estudiosos da Geografia Cultural, mas sim, buscaremos entender seus pareceres e exemplificá-los, para que possamos significá-los diante da nossa realidade. 2 A PAISAGEM A Paisagem sempre esteve relacionada com a cultura, com a ideia de formas visíveis sobre a superfície da Terra e ainda podemos dizer: um recorte, uma cena de um determinado espaço geográfico. Em nenhum momento, a Paisagem é estática, mas ela é portadora de odores, movimentos, sabores, de passado e, especialmente, ocupada por atores sociais, enfim, a Paisagem é composta de dinamicidades e histórias que se traduzem de maneira complexa. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 22 Para Cosgrove (1998, p. 99) a Paisagem está intimamente relacionada a “[...] uma nova maneira de ver o mundo como uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja estrutura e mecanismo são acessíveis à mente humana [...] e agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar e aperfeiçoar o meio ambiente”. Dentro da concepção de Cosgrove (1998), a paisagem é um termo complexo, pois deve implicar em sua conceituação três considerações importantes: a) sua composição e estrutura espacial, ou seja, sua origem natural, onde os elementos naturais predominam e, no que se refere à estrutura, podemos referenciar Santos (2000, p. 50) que a identifica como sendo a “inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de organizar”; b) a concepção racional do meio ambiente, que pode ser expressa pela concepção que o homem tem sobre a paisagem; c) a intervenção humana e o controle das forças que modelam e remodelam o mundo. Essa consideração é de suma importância no sentido de apropriação da Paisagem natural pela sociedade, que refletirá na modelagem da paisagem natural, suas concepções e valores culturais, que “[...] busca uma relação que harmoniza a vida humana com a ordem ou modelo inerente da própria natureza” (COSGROVE, 1998, p. 99). A intenção de harmonia, a paisagem representada em pinturas, poesia ou teatro expressam os laços entre a vida humana, o amor, os sentimentos ritmados do mundo natural (a passagem das estações, crescimento, reprodução, envelhecimento, os sentimentos e as emoções humanas no aspecto das formas naturais), ou seja, a paisagem natural contida nos sentimentos humanos ou os sentimentos humanos contidos na paisagem. Diante desses argumentos, podemos dizer que o conceito de Paisagem, mesmo expressando-se de maneira complexa, possui um grande valor para os estudos da Geografia Humana, lembrando-nos de que a geografia está em toda parte, podendo ser classificada como fonte de beleza e inspiração ou de feiúra, de tristezas e sofrimento, de ganho ou de perda. Cosgrove (1998) ainda nos lembra que foi Sauer quem originou uma escola de geografia da Paisagem, centralizando a ação do homem nas transformações das faces da Terra. Sauer sustentava essas transformações através do uso de tecnologias como o uso do fogo, a domesticação de animais e plantas, a hidráulica, mas também, essas transformações ocorrendo a partir das relações com as culturas não materiais, como: a crença religiosa, sistemas políticos. As atenções de Sauer estavam focalizadas nas sociedades pré-modernas ou em suas manifestações na paisagem contemporânea. TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA 23 Seguindo essa tradição nos estudos da Geografia Cultural, tem-se que as formas visíveis da paisagem (campos, praças, cidades, fazendas) se refletem na visão de que o conceito de cultura não é complexo, sendo considerado um “[...] conjunto de práticas compartilhadas comuns a um grupo humano em particular, práticas que foram aprendidas e transmitidas através de gerações” (COSGROVE, 1998, p. 101). Essa conceituação gerou críticas, pois, para alguns estudiosos, a cultura parecia se expressar através das pessoas para alcançar objetivos dos quais estavam vagamente cientes, emergindo a ideia de um determinismo cultural e que não atendia às demandas na geografia de uma teoria cultural no que se refere às paisagens contemporâneas e sofisticadas da cultura moderna. 3 A CULTURA Dentro de uma abordagem de estudos para Geografia Cultural moderna, Costrove (1998) aponta algumas abordagens que devem ser consideradas. Acompanhe-as nos seguintes subitens. 3.1 A CULTURA E A CONSCIÊNCIA Para o estudo dessa abordagem, deve-se entender que a cultura não é algo que funciona através dos seres humanos, mas deve-se considerar a sua constante reprodução pelas sociedades, sendo, muitas delas, ações não reflexivas, rotineiras da vida cotidiana, como o culto a uma religião, que só pode sobreviver se for praticado. Um exemplo interessante de Cosgrove (1998) é de que um morador suburbano pode não estar ciente que, ao cortar a grama de uma propriedade, está mantendo um sinal de propriedade numa paisagem já proprietária de alguém. Partindo desses exemplos, podemos dizer que, se nos é solicitado expressar o significado de nossas atividades, certamente teríamos dificuldades de explicá-las, mas sabemos que, sem tais atividades ou práticas, muitas expressões culturais desapareceriam de nossas paisagens. As transformações na cultura se expressam em processos lentos ou rápidos, que são sempre capazes de nos trazer reflexões conscientes e de comunicação, basta nos entregarmos a esses exercícios. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 24 FONTE: Disponível em: <http://www.quebarato.com.br/classificados/pintura-com-moldura-de- paisagem-em-oleo-sobre-tela-belo-quadro__604233.html>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 8 – PAISAGEM TURÍSTICA A figura retrata uma paisagem turística. Vejam que as pessoas presentes não se preocupam em se questionar sobre seus papéis como turistas, mas esse lugar procura adaptar-se para recebê-los. Consideramos que sem a presença das pessoas, a funcionalidade dessa paisagem padeceria. 3.2 A CULTURA E A NATUREZA É importante considerarmos, nessa abordagem, que qualquer intervenção humana na natureza reflete sua transformação em cultura, visível ou não. O uso de tecnologias e/ou técnicas presentes na construção de edificações são indicadores óbvios de mudança de paisagem. Um exemplo curioso apresentado por Cosgrove (1998) é o tomate, um elemento natural que, quando tirado do pé, serve de alimento para os humanos. Esse objeto natural se torna cultural no momento que lhe é atribuído significados. “O significado natural é introduzido no objeto e também pode ligá-lo a outros objetos aparentemente não relacionados a ele na natureza” (COSGROVE, 1998, p. 102-103). No caso do tomate, foram atribuídos valores culturais, que se podem discutir e identificar, mesmo sem ele perder suas propriedades naturais. É importante, ao iniciarmos os estudos referentes à cultura expressada na paisagem, que entremos na consciência cultural daqueles que a fazem acontecer. Para revelar os significados na paisagem cultural, são necessárias habilidades TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA 25 imaginativas de entrar no mundo dos outros de maneira autoconsciente. Só assim será possível representar essa paisagem num nível que seus significados sejam objeto de investigação. Muitas vezes, alguns dos significados já nos são naturalmente encontrados, pelo fato de também fazermos parte da natureza, quando, por exemplo, associamos a primavera com flores e o verão com praia. FONTE: Disponível em: <http://tocadathamy.wordpress.com/2009/11/06/as-estacoes/>.Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 9 – AS FLORES E SEU SIGNIFICADO DURANTE A PRIMAVERA 3.3 A CULTURA E O PODER Se isolássemos a concepção de poder da cultura, estaríamos bastante distante de nossa realidade. O fato de vivermos em sociedades divididas a partir do seu poder aquisitivo, de termos variações nas idades e ainda de etnicidade, sugere que existe uma regulação de ordem, que nos atinge de maneira direta ou indiretamente, como é o caso das diferentes idades presentes em uma paisagem, que se refletem em consciências diferentes, e até certo ponto, em uma cultura diferente. O grau de diferença varia de maneira significativa. Em uma mesma sociedade, verificam-se culturas tão radicalmente diferentes que, por vezes, pode-se dizer, são incompatíveis, como as culturas católicas e protestantes na Irlanda do Norte ou, ainda, torcidas de futebol organizadas, nas quais o poder é contestado entre os grupos de força relativamente iguais, reproduzindo suas culturas num alto nível de conscientização. Não se está afirmando que essa conscientização é válida ou não, afirma-se que ela se expressa em defesa de concepções diferenciadas. O Estado, como representante de um interesse nacional, interfere de maneira a introduzir pelo menos os rudimentos ou princípios de uma cultura comum em cada paisagem identificada. O resultado desses princípios é a manutenção ou estabelecimento de uma ordem controlável. UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 26 Podemos dizer, então, que o estudo da cultura está diretamente relacionado ao estudo do poder. Um grupo dominante, ao se impor, estabelecerá sua própria experiência de mundo e suas próprias suposições serão tomadas como verdadeiras, como a objetiva e válida cultura para todas as pessoas que lhe são imediatamente subordinantes. O poder é expresso e mantido na reprodução dos dominados, sendo mais bem concretizado quando é menos visível e conscientemente absorvido, passando até mesmo a se expressar como senso comum, identificado, segundo Cosgrove (1998, p. 105) como “hegemonia cultural”. A partir de seu cotidiano ou sua experiência de vida, elabore alguns exemplos de paisagem que imponham uma cultura determinante e dialogue com aqueles que absorveram essa cultura, para entender a maneira pelo qual se identifica com ela. Você estará realizando um momento de reflexão sobre algo institucionado como verdade. AUTOATIVIDADE Não se deve esquecer de que há ainda culturas dominantes e subordinantes não apenas no sentido político, mas também em termos de sexo, idade e etnicidade. Essa última foi bastante expressiva na África do Sul durante o apartheid. FONTE: Disponível em: <http://picsdigger.com/keyword/apartheid%20pictures/>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 10 – A CULTURA E O PODER NA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA 27 A figura anterior expressa, de maneira inteligente, a imposição de culturas vista por dois aspectos: político e étnico-cultural. Cosgrove (1998) lembra ainda das culturas subdominantes, que podem ser divididas não somente em classes, mas também historicamente, como residuais (que sobraram do passado), emergentes (que antecipam o futuro) e excluídas (que são ativa ou passivamente suprimidas), como as culturas do crime, drogas ou grupos religiosos marginais. Em maior ou menor grau, as subculturas encontram alguma expressão na paisagem, mesmo numa paisagem fictícia ou de fantasia. 4 O SIMBOLISMO Cosgrove (1998) lembra de que para compreendermos as expressões culturais existentes em uma paisagem, faz-se necessário que tenhamos o conhecimento da “linguagem” empregada, ou seja, os símbolos e seu significado nessa cultura, pois devemos considerar que todas as paisagens são simbólicas, por mais inexpressível que pareça. A presença de estátuas no centro de uma cidade ou em parques representa um símbolo poderoso de condecoração e homenagem a um determinado personagem, que, provavelmente, tenha influenciado de maneira significativa o desenvolvimento dessa cidade. Essa prática é muito comum e independente da cidade onde ela esteja fixada, e se traduz da mesma forma: com honrarias e homenagens. Esse exemplo serve ao propósito de reproduzir normas culturais e estabelecer valores de grupos dominantes por toda uma sociedade. Outro exemplo que ilustra bem o simbolismo é a existência de parques nos grandes centros urbanos. Não se encontra explícito, mas sim implícito, os limites de comportamento das pessoas que venham a usufruir do lugar: correr é para as crianças e a grama é para sentar ou realizar piqueniques, não se pode nadar no lago e nem subir nas árvores, não se pode transformar o ambiente em espaço comercial, ele é para o lazer, enfim, o comportamento deve ser contido e respeitoso, pois o local é público. Quando esses símbolos são transgredidos, o fato é observado e a censura é claramente registrada pelas pessoas que, mesmo sendo uma minoria, têm de seu lado o simbolismo moral e, através desse simbolismo, tentam se impor diante da “anormalidade”. [...] Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são o produto da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. O simbolismo é mais facilmente apreendido nas paisagens mais elaboradas – a cidade, o parque e o jardim – e através da representação da paisagem na pintura, poesia e outras artes. Mas pode ser lida nas paisagens rurais e mesmo nas mais aparentemente não humanizadas paisagens do meio ambiente natural. Estas últimas são, frequentemente, símbolos poderosos em si mesmas [...]. (COSGROVE, 1998, p. 108) UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 28 Veja que o autor também se refere à paisagem natural aquela que diretamente não sofreu a interferência das ações antrópicas. Com isso, pode-se dizer que o simbolismo está presente tanto em paisagens modificadas e remodeladas pelos homens como nas paisagens onde ainda prevalecem elementos originários da própria natureza. Como exemplo, temos as regiões polares, cujo significado cultural é consequência da sua aparente inconquistabilidade pelo homem. 4.1 LENDO AS PAISAGENS SIMBÓLICAS A decodificação feita pelos geógrafos resulta em múltiplos significados das paisagens, pois ela se expressa pelos vários elementos nela contidos, sejam eles resultantes de uma auto-organização ou interferência das diferentes culturas existentes. Deve-se considerar que os geógrafos sempre reconhecem, mesmo oralmente, o elemento central da paisagem em estudo. Os dois principais caminhos que respondem a essas identificações são o trabalho de campo e a elaboração e interpretação de mapas. Diante desses conhecimentos pessoais são geradas respostas também pessoais, pois é preciso considerar seus conhecimentos historicamente apreendidos. Realmente, fica difícil isolarmos nossas concepções individuais de uma determinada realidade estudada, mas precisamos ser honestos, garantindo assim fidelidade nas observações e apontamentos, ou seja, não se devem estabelecer julgamentos críticos, pois o que se pretende é apenas uma leitura da paisagem. Cosgrove (1998) lembra de que muitas vezes são as crianças, menos aculturadas em significados convencionais, que podem ser o melhor estímulo para recuperar os significados codificados na paisagem. A metodologia que se aplicava no passado, quando comparada à aplicada nos dias atuais, é diferente. Hoje, contamos com fontes documentais e cartográficas, não invalidando as fontes orais que predominavam no passado, pois elas são valiosíssimas, porque são concepções dos habitantes naturais da paisagem analisada. Outras fontes que contribuem para a leitura simbólica da paisagem são os próprios produtos culturais: pinturas, poemas, romances, contos populares, músicas, filmes e canções, que fornecem uma base firme a respeito dos significados que os lugares e paisagens possuem. Temos um exemplo bem ilustrativo: a literatura de cordel, típicada região nordeste do Brasil e rica em formas e gêneros. Fazem parte dessa cultura os contos improvisados dos repentistas e emboladores, os causos, as lendas, bem como as narrativas do sofrimento dos homens que vivem no sertão. TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA 29 “O drama da seca” – de Anélio Souza “Plantei roça sem comer a minha última semente. Na terra seca, o sol quente, vi a criação morrer. Esperei Deus resolver mandar chuva pro roçado, toró d’água controlado e não uma tromba d’água, pra não aumentar a mágoa, levando o que foi plantado. Do Ceará ao Cariri açudes estorricados em blocos espedaçados, Pernambuco e Piauí. O Nordeste todo aqui nesta gleba tão sofrida do nosso Brasil sem vida. Não chovendo no sertão, torra a semente no chão e a luta fica perdida.” FONTE: Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/45469>. Acesso em: 2 ago. 2010. FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/_Ytyn4-1Rbq0/S_x2WIHcYwI/ AAAAAAAACKo/0Rx-WtGS3rQ/s320/200px-Casal_de_retirantes.jpg>. Acesso em: 2 ago. 2010. FIGURA 11 – XILOGRAFIA TÍPICA DA LITERATURA DE CORDEL UNIDADE 1 | TEORIZANDO E CONCEITUANDO A GEOGRAFIA CULTURAL 30 Importante lembrar de que todas essas fontes representam limitações e vantagens, exigindo técnicas diferenciadas de abordagem, para que sejam tratadas de maneira competente. Além de tudo, deve-se contar com o conhecimento histórico e contextual por parte do geógrafo pesquisador, para que possa interpretar com veracidade a paisagem em estudo. O texto de uma interpretação geográfica da paisagem é o meio pelo qual transmitimos seu significado simbólico. Inevitavelmente, nossa compreensão sobre os símbolos é descrita sob nossos próprios valores, crenças e teorias, mas estará apoiada na busca de evidências apresentadas pela própria paisagem e pela oralidade dos elementos humanos presentes na mesma. 5 CRÍTICAS À GEOGRAFIA CULTURAL Assim como todo estudo ou pesquisa está sujeito a refutações, a Geografia Cultural não estaria isenta de tal situação, recebendo críticas oriundas das mais diversas direções, inclusive de seus próprios adeptos. Uma das críticas mais enfatizada estaria no fato de privilegiar apenas um dos múltiplos elementos que se inter-relacionam em área. Para a nova geografia, os geógrafos culturais estariam voltados ao passado, de se interessarem por temas pouco relevantes para os problemas imediatos e vinculados ao desenvolvimento contemporâneo, servindo mais aos interesses acadêmicos. Para Corrêa (1997, p. 276), “os geógrafos estariam mais voltados para os fenômenos de divergência do que convergência cultural, esta sendo associada a uma certa homogeneização de grupos sociais sob o impacto de expansão capitalista. Daí seus interesses voltarem-se para o estudo de áreas culturais não ocidentais”. Outra crítica apontada nas observações de Corrêa (1997) é o fato de os geógrafos culturais tornarem-se seletivos diante das temáticas que a disciplina sugere, ficando mais restrito a estudos sobre religiões em detrimento dos estudos sobre a língua, assim como da compreensão sobre os aspectos materiais da cultura do que sobre os aspectos não materiais. Talvez isso aconteça pela própria disponibilidade de fontes investigativas, mas é aí que está a importância e os desafios dos estudos. Uma das críticas mais profundas feita à Geografia Cultural está na sua concepção, na formulação do conceito de cultura, que é entendida como uma entidade superorgânica, passando a ser vista, segundo Lestie White (apud CORRÊA, 1997, p. 277), “como uma entidade acima do homem, não redutível às ações pelos indivíduos que estão associados a ela, misteriosamente respondendo pelas suas próprias leis”. TÓPICO 2 | A PAISAGEM, A CULTURA E O SIMBOLISMO: SUAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA 31 Entendemos, pela citação, que o sujeito ou indivíduo é um mero agente das forças culturais, sobrepondo-se sobre a própria existência do ser, além de defender que a realidade é dividida por idealismos. A cultura, no entender como superorgânica, passa a fazer parte dos indivíduos de um grupo, sendo, então, internalizada por eles, resultando na ideia de homogeneização cultural de cada grupo, a qual, pela ausência de conflitos internos, implicaria em poucas mudanças e sempre oriunda do exterior, de fora do grupo. Se observarmos a cultura como força determinante em detrimento a outras variáveis, como: estratificação social, interesses políticos, conflitos entre interesses opostos, a interferência do Estado e das grandes empresas, estaríamos desconsiderando o conjunto de elementos que interagem dentro de uma mesma paisagem. Para Ducan (apud CORRÊA, 1997, p. 279) “[...] em breve, o mundo descrito pelos geógrafos culturais é um mundo no qual o indivíduo está largamente ausente, o consenso prevalece, o desejo é ignorado; é um mundo não tocado pelo conflito intracultural”. A citação corrobora com a colocação anterior, alertando da necessidade de integrar o indivíduo não somente na paisagem, mas com todos os elementos nela presentes, sejam esses concretos ou abstratos. A Geografia Crítica apresenta os estudos de James Blaut, citado por Corrêa (1997), em que seus pareceres se voltam ao fato de a Geografia Cultural estar assentada em critérios étnicos e de classe, que acabam influenciando os valores e crenças dos geógrafos culturais, assim como sua seleção de temas para trabalho. Adverte que “ao se admitir a existência de culturas como entidades genuínas da sociedade, esquece-se o papel do Estado e dos limites territoriais, bem como o das classes sociais poderosas” (CORRÊA, 1997, p. 279). Alguns grupos que se chamam de “culturas” são sociedades oprimidas, seja pelas elites internas, seja pelas elites externas ou ambas. Essa opressão, muitas vezes, acontece porque essas culturas isoladas não respondem aos interesses dessa mesma elite, pelo contrário, aparecem como estorvo ou obstáculo na dissipação das ideologias burguesas. Vemos pela frente um grande desafio: desenvolver um trabalho referente à Geografia Cultural, contudo, há várias considerações pertinentes, que se pode cair no erro de privilegiar esse ou aquele elemento presente na paisagem em estudo. Entretanto, o importante é perceber que existem continuidades entre os próprios elementos, estabelecendo até uma interdependência entre si, pois isso é bastante importante para delimitarmos todo e qualquer estudo tanto na temporalidade como na espacialidade, mas alertando que esses limites atendem a interesses específicos e didáticos, portanto, são fictícios. 32 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico estudamos que: ● A Paisagem está intimamente relacionada com a cultura, com suas ideias e formas visíveis sobre a superfície terrestre. ● A representação de maneira harmoniosa da paisagem se registra na pintura, na poesia, no teatro, que expressa os laços entre a vida humana e seus sentimentos. ● Nos estudos da Geografia Cultural moderna, segundo Cosgrove (1998), devem ser consideradas as relações entre: Cultura e Consciência, Cultura e Natureza e Cultura e Poder. ● O Simbolismo apresenta-se como significados da cultura de um povo ou de uma sociedade. ● O Simbolismo pode ser representado de maneira concreta, como estátuas e parques, e de maneira abstrata, como rituais religiosos e rituais relacionados às refeições. ● Para a paisagem da leitura simbólica, caracterizam-se como ferramentas essenciais: os trabalhos de campo e a interpretação cartográfica de mapas. ● Outras fontes devem servir como recurso no estudo do simbolismo: os produtos culturais produzidos pelo próprio lugar, como poesias, pinturas, contos, romance. ● As fontes de investigações para o trabalho com o simbolismo e a cultura se complementam, pois todos apresentam vantagens e limitações. ● Como todos os estudos estão sujeitos a críticas, a Geografia Cultural não se abstém dessa situação. ● Entre as críticas, a mais relevante
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