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Rafael Venâncio de Souza ➢ Desnutrição Proteico-Energética 1. Conceito - é uma síndrome carencial decorrente de carência primária ou secundária de energia e proteínas, com manifestações, clínicas, antropométricas e metabólicas 2. Epidemiologia - segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 20 milhões de crianças abaixo de 5 anos apresentavam desnutrição grave no ano de 2013 - no Brasil, um estudo realizado em hospitais universitários mostrou 30% de desnutrição e 205 de risco nutricional - de acordo com o Ministério da Saúde, a letalidade é em torno de 20% em desnutridos graves 3. Classificação da Desnutrição - PRIMÁRIA: decorrente da ingesta insuficiente ou inadequada de alimentos, depende de fatores extrínsecos ao indivíduo e a correção da dieta leva à remissão do quadro - SECUNDÁRIA: decorrente de fatores intrínsecos ao indivíduo, podendo ser causada por doenças crônicas neurológicas, renais, cardiológicas, infecciosas dentre outras 4. Desnutrição Primária → Fatores de Risco - baixo peso ao nascer - baixo nível educacional e cultural – interrupção precoce da amamentação e privação afetiva, que tem uma estreita relação com baixa-estima materna - baixo nível socioeconômico – pobreza e privação nutricional por falta de alimentação - más condições ambientais e exclusão do sistema de saúde – acarreta infecções de repetição e hospitalizações frequentes → Manifestações Clínicas - nas formas leves a moderadas, se observa uma desaceleração da curva de crescimento (percentil ou escore Z) - já nas formas graves, se observa uma repercussão na curva pondero-estatural e alterações em vários sistemas orgânicos → Alterações Orgânicas Decorrentes da Desnutrição - SISTEMA CARDIOVASCULAR: débito cardíaco diminuído (o que gera uma pressão arterial diminuída) - FÍGADO: síntese de proteínas e gliconeogênese reduzidas (tendência à hipoglicemia) - SISTEMA GENITOURINÁRIO: fluxo sanguíneo renal e filtração glomerular reduzidos com menor capacidade de eliminação de excesso de ácido ou água - SISTEMA GASTROINTESTINAL: menor motilidade e atrofia do epitélio estratificado intestinal, maior permeabilidade intestinal com possibilidade de absorção de proteínas intactas (com isso, há uma maior chance de desenvolvimento de alergia a certos alimentos) - SISTEMA IMUNOLÓGICO: resposta imune diminuída com fagocitose deficiente e menor resposta inflamatória - SITEMA ENDÓCRINO: níveis de insulina reduzidos e cortisol e GH aumentados - SISTEMA CIRCULATÓRIO: taxa metabólica basal reduzida em torno de 30% - FUNÇÃO CELULAR: atividade de bomba de sódio-potássio diminuída com aumento de sódio intracelular e redução de potássio e magnésio intracelular - há, ainda, as seguintes alterações: ① redução de panículo adiposo e de massa muscular, principalmente em região de nádegas e face interna das coxas ② glândulas salivares, sudoríparas e lacrimais atrofiadas ③ cabelos opacos e quebradiços, queda de cabelo e comprometimento de unhas, sendo que esses comprometimentos têm relação com a carência → Marasmo - é uma deficiência global de energia por deficiência de carboidratos, gordura ou proteína - é mais comum de aparecer em lactentes antes de 1 ano com ingestão inadequada, devendo se pensar em poucas condições econômicas para alimentação ou em situações de maus tratos (é um período em que o bebê necessita de um aporte nutricional adequado devido ao crescimento acelerado, logo qualquer erro na alimentação pode causar prejuízo nutricional) - a criança se mostra pequena para sua idade – relação peso/estatura com percentil < 70% ou escore Z -2 - a criança apresentará ausência de gordura subcutânea – pode ser verificada pelo desaparecimento da bola de Bichat, o qual é o último - ainda, haverá pele frouxa, costelas proeminentes, atrofia muscular, hipotonia, irritabilidade e aspecto envelhecido Rafael Venâncio de Souza → Kwashiorkor - é uma deficiência de proteína com ingestão adequada de energia - pode ocorrer em qualquer idade, porém é comum acontecer em crianças entre 2 e 3 anos - o nome da doença faz referência a uma frase em Gana a qual diz que é a doença do primeiro filho quando nasce o segundo - apresenta-se como uma forma edematosa de desnutrição, com lesões de pele, cabelos e unhas enfraquecidos, hepatomegalia, esteatose hepática e hipoalbuminemia - a criança pode apresentar dermatite e escoriações em região perianal devido diarreia – a diarreia ocorre por conta da hipoalbuminemia, logo há uma perca de enzimas como lactase, lipase e protease - há uma deficiência de estatura e consumo de massa muscular, porém com tecido gorduroso conservado - a criança apresenta uma apatia generalizada, um apetite comprometido → Kwashiorkor Marasmático - nesse caso, a criança irá apresentar sinais clínicos dos dois extremos, com predominância de um sobre o outro - a presença de edema configura um sinal grave de alarme Rafael Venâncio de Souza 5. Diagnóstico → Avaliação Antropométrica - deve-se utilizar gráficos desenvolvidos pela OMS que representam o padrão de crescimento da criança (https://www.who.int/toolkits/child-growth- standards/standards) - o Ministério da Saúde adota tanto o escore Z e o percentil, sendo este último o mais comum → Avaliação Clínica - o sinal clínico mais valorizado e de alarme para desnutrição é o edema - os sinais de gravidade imediata são hipotermia, hipoglicemia, sinais de infecção, palidez grave e sinais de colapso circulatório → Avaliação Bioquímica - hemograma: avaliação de anemia e de processo infeccioso - glicemia: ponto de corte para hipoglicemia é < 54mg/dL - elementos anormais e sedimentos (EAS) - exame parasitológico de fezes (EPF) - outros exames como RX tórax, PPD, HIV e coleta de líquor 6. Tratamento → Desnutrição Leve à Moderada - tratamento ambulatorial com orientações e com aumento do fornecimento de calorias para recuperação nutricional - tratamento da causa de base, quando houver (anemia, parasitoses etc) - nos casos suspeitos de maus tratos, deve-se acionar o Conselho Tutelar → Grave - apresenta três fases, começando no nível hospitalar e finalizando no nível ambulatorial: ① estabilização ③ reabilitação ③ acompanhamento https://www.who.int/toolkits/child-growth-standards/standards https://www.who.int/toolkits/child-growth-standards/standards Rafael Venâncio de Souza • ESTABILIZAÇÃO 1) prevenir hipotermia - a hipotermia é quando a TAX < 35°C, principalmente nos lactentes com peso muito baixo - pode-se fazer isso colocando o lactente na incubadora ou em local com aquecimento 2) monitorizar e combater glicemia - hipoglicemia é caracterizada por glicemia em jejum < 54mg/dL - a hipoglicemia é uma importante causa de morte nos 2 primeiros dias de tratamento e o único sinal pode ser sonolência 3) tratar desidratação - sinais normalmente presentes podem ser pouco confiáveis no desnutrido, uma vez que o turgor da pele, as lágrimas e a saliva já estão diminuídos pela condição nutricional - o tratamento oral é preferencial e pode ser necessário usar solução com menor teor de sódio e maior teor de potássio que a solução oral padrão 4) investigar e tratar choque séptico quando presente - se presente, deve-se fornecer volumes de soro de forma criteriosa 5) correção de distúrbios eletrolíticos - potássio (intracelular) e magnésio devem ser corrigidos de forma lenta - pode haver deficiência de oligoelementos, ferro e vitaminas 6) tratar infecção - a infecção pode ser difícil de ser detectada pela baixa resposta do organismo (pouca febre e pouca resposta de células sanguíneas) 7) suplementação vitamínica - ácido fólico 1mg/dia - zinco 2mg/kg/dia - cobre 0,2mg/kg/dia - ferro (é iniciado quando houver ganho ponderal) 3mg/kg/dia - vitamina A ① < 6 meses: 50.000 UI ② entre 6-12 meses: 100.000 UI ③ maiores de 12 meses: 200.000UI8) reinício alimentar com cautela - iniciar com teor calórico entre 80-100cal/kg/dia com dieta de baixo teor de lactase (lembrar da baixa concentração de lactase pela desnutrição) e de proteínas - deve ser dada por via oral, porém, se não houver boa aceitação, deve ser feita uma nutrição parenteral com sonda orogástrica • REABILITAÇÃO OU DE CRESCIMENTO RÁRPIDO - o retorno do apetite é o principal marcador dessa fase - nesse momento, pode-se ofertar dietas com volumes maiores e com maior teor de calorias (150-220cal/kg/dia) - é esperado um ganho ponderal ideal em torno de 10g/kg/dia - é fundamental a afetividade, a estimulação, a recreação e o cuidado, com uma importante estimulação física e sensorial da criança para minimizar o atraso no desenvolvimento físico e psicomotor - por fim, deve-se preparar a criança para a alta e o pós-alta, visto que o tratamento hospitalar não deve se prolongar pelo risco de infecção hospitalar • MONITORAMENTO - critérios para o acompanhamento ambulatorial: ① deve ter terminado o esquema antibiótico ② deve aceitar bem a dieta oferecida (no mínimo 2 dias antes da alta) e esta deve ser mantida em casa ③ ganho de peso superior a 10g/kg/dia por 3 dias consecutivos ④ ausência de edema - deve-se assegurar que a mãe ou o cuidador tenham sido treinados e tenham possibilidade de acompanhar a criança em casa - a criança deve passar por um seguimento semanal até 1 mês após a alta → Síndrome de Recuperação Nutricional - ocorre entre o 20º-40º dia após o início do tratamento e regride entre a 10ª-12ª semana após o início do tratamento - os sintomas são de intensidade variável e ocorrem nas duas formes de desnutrição, sendo mais discreto e mais tardia no marasmo - a criança pode apresentar: ① hepatomegalia ② distensão abdominal com circulação colateral – o volume sanguíneo começa a aumentar e, em um primeiro momento, a circulação portal pode não suportar ③ ascite – ocorre devido dificuldade circulatória portal ④ fácies de lua cheia ⑤ alteração de pele e anexos – apresenta sudorese abundante e Hipertricose ⑥ aumento de volemia ⑦ hipergamaglobulina e eosinofilia – ocorre devido aumento de fração proteica
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