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HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA - exegese, historica, jurisprudencia dos conceitos

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Rafael Lazzarotto Simioni 
Visite nossos sites na Internet 
wwwjurua.com.br e 
www.editorialjurua.com 
e-mail: editora@jurua.com.br 
Fundação de Amparo à Pesquisa do • 
Estado de Minas Gerais 
ISBN: 978-85-362-4528-7 
.JURUR Brasil — Av. Munhoz da Rocha, 143 — Juvevê — Fone: (41) 4009-3900 
Fax: (41) 3252-1311 — CEP: 80.030-475 — Curitiba — Paraná — Brasil 
EDITORA 
Europa —Rua General Torres, 1.220 — Lojas 15 e 16 — Fone: (351) 223 710 600 — 
Cento Comercial D'Ouro — 4400-096 — Vila Nova de Gaia/Porto — Portugal 
Editor: José Emani de Carvalho Pacheco 
Simioni, Rafael Lazzarotto. 
S589 	Curso de hermenêutica jurídica contemporânea: do 
positivismo clássico ao pós-positivismo jurídico./ Rafael 
Lazzarotto Simioni./ Curitiba: Juruá, 2014. 
832p. 
1. Positivismo (Direito). 2. Hermenêutica jurídica. 
I. Título. 
CURSO DE 
HERMENÊUTICA 
JURÍDICA 
CONTEMPORÂNEA 
DO POSITIVISMO CLÁSSICO AO 
PDS-POSITIVISMO JURÍDICO 
00630 
CDD 340.1 (22.ed.) 
CDU 340 Curitiba 
Juruá Editora 
2014 
 
1 
ESCOLA DA EXEGESE 
1.1 	MOTIVOS 
França, início do século XIX. A Revolução Francesa de 1789 pro-
vocou transformações enormes em todas as áreas da experiência humana, 
inclusive na concepção de Estado, de direito e de decisão jurídica. O Ilumi-
nismo francês apresentou-se como uma ideologia tão forte que até mesmo o 
passado histórico precisava ser negado. Isso porque, para assegurarem-se os 
três pilares do Iluminismo — liberdade, igualdade e fraternidade — era neces-
sário colocar um ponto final na história de trevas que foi a Idade Média. O 
século das Luzes precisava se separar dos tempos das trevas, dos tempos da 
dominação, da desigualdade social e do obscurantismo místico-religioso que 
caracterizaram a Idade Média. 
1.1.1 	Desconectar o Direito do Passado Histórico 
Era necessário, portanto, uma concepção de direito desconectada 
do passado. Era necessário mudar o curso da história, colocando os ideais de 
liberdade, igualdade e fraternidade em um futuro que merecia ser persegui-
do. A Revolução Francesa procurou romper com o passado. Negar o passado 
das trevas para dar um novo curso à história. Para _tanto, o direito tornou-se 
nm,instrumento importante, especialmente porque a lei escrita permitia exa-
tamente essa desvinculação do passado histórico. A lei escrita permitia que 
, . -se desconsiderassem as razões históricas que justificaram as normas juridi- _ 
cas. Porque a partir do_momento.em_ que_ a norma apresentava-se na forma 
escrita, o seu texto constituía, por si só, a expressão do que deveria ser inter-
pretado, arguit entado e ddcididorio campo cro direito. 
Razões históricas, motivos do passado, costumes, tudo isso era ob-
jeto de uma forte crítica por parte dos ideais iluministas. Precisamente por- 
3 
30 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
que o passado de trevas que foi a Idade Média devia ser deixado para trás, 
para que o esclarecimento guiasse a sociedade no sentido dos seus ideais de 
liberdade, igualdade e fraternidade. Nesse contexto, portanto, era imprescin-
dível uma concepção de direito não histórica, quer dizer, um direito que orien-
tasse as decisões somente para aquilo que era fruto da razão do próprio ilu-
minismo: os textos legais sistematizados, em especial o Code civil, a expres-
são máxima da razão iluminista sobre o direito na época. 
O Code civil não era apenas um código civil tal como o entende, 
mos hoje. O Code civil constituía, por si só, o fundamento tanto da experiên-
cia quanto da racionalidade do direito. Era o resultado da sistematização de 
um conjunto de textos legais que permitia respostas jurídicas para todas asi 
questões práticasl. Todas as questões jurídicas estavam previstas nos textos' 
legais sistematizados no Code. E se porventura uma questão Pão estivesse' 
prevista lá, era porque não se tratava de uma questão jurídica. E com essei 
fundamento se poderia então argumentar x) aastamento de qualquer- presta- 
para uma pretensão sem respaldo jurídico. 
E o fato de se acreditar que todas as questões práticaTs encontravam 
uma resposta jurídica nos textos legais do Code civil; permitia a tomada de 
decisões jurídicas sem nenhuma necessidade de interpretar as situações prá-
ticas a partir de seus contextos históricos, como também permitia que a ar-
gumentação jurídica ficasse restrita a uma lógica bastante simples de mera 
subsunção do caso no texto legal. As respostas do direito às questões práticas 
poderiam então ser simplesmente deduzidas dos textos legais segundo uma , 
lógica analítica exageradamente dogmática. E utilizamos a expressão "dogmá- 
' tica" agiu no sentido forte de que o texto da lei, por si só, constituía um ,1r*V2 )5 
dogma que não poderia ser questionado, nem mesmo interpretado, muito 
menos contrariado ou relativizado pela argumentação e pela decisão jurídica. 4' 
Interpretar o texto da lei constituía inclusive um ato reprovável, já': 
que o texto legal era considerado não só como o resultado racional e ilurni-
- nado de uma decisão política do legislativo, mas sobretudo como um valor 
r;superior ao próprio governo. Conforme Rousseau, o governo é o garantidor, 
I ‘-administrador e no máximo interprete das leis2. É o governo que depende das 
; r : 
í 
Corno observou W1EACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tra-
dução de A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenlcian, 1993. p. 379: 
"E precisamente a crença jusracionalista na possibilidade de um direito justo em abso-
luto (numa certa situação histórica) que faz crer ao legislador que é possível regular uma 
vez por todas qualquer situação pensáveP". 
2 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Frammenti politici. In: 	 Scritti politici. Roma: 
Laterza & Figli, 1994. v. 2, [p. 227-316], p. 244: "Pertanto, se le leggi esistono prima dei 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 31 
leis, não as leis do governo. Por isso o legislativo, diferentemente de hoje, 
era considerado um dos poderes mais importantes da estrutura do Estado3. 
Para a decisão jurídica cabia apenas aplicar a lei. E daí, também, tanto a fór-
mula de Rousseau, para quem os magistrados só têm que obedecer as leis 
fundamentais do Estado4, quanto a de Montesquieu, segundo o qual o juiz é a 
boca da leis. Isso porque a lei não só emana de uma vontade geral considera-
da sempre correta na proteção dos interesses privados, mas também porque a 
sua duração revela a todos a equidade e a segurança que ela propicia6. A 
obediência à lei é sinônimo de liberdade, porque obedecer a uma lei é obede-
cer à vontade pública, não à vontade de alguém'. Com efeito, a ideia de lei 
no iluminismo é uma ideia quase sobrenatural. A lei é a expressão máxima 
de uma vontade política que procura se esfôrçar para atingir a perfeição da 
vontade de Deus. E nesse sentido, a lei passa a ter um caráter igualmente 
sagrado, pois embora não expressem a perfeição ideal das leis de Deus, as 
leis civis revelam-se, contudo, como expressão da razão iluminista. 
Pensa-senas vantagens de tempo e de esforço que o legalismo da 
Escola da Exegese permitiu para as decisões jurídicas. Se antes era necessá-
rio argumentar, para justificar uma resposta do direito a uma questão, sob as 
diversas — e incontroláveis — variáveis dos costumes históricos de cada es-
trato social, agora torna-se possível simplesmente argumentar que a resposta 
a tal questão jurídica é esta porque o texto da lei diz que é esta e não outra. O 
ganho de tempo e de simplicidade na argumentação jurídica é significativo. 
governo, esse sono indipendenti dal governo anzi è il governo stesso che dipende dalle le-
ggi, poiché solo da queste trae la propria autorità e, lungi dall'esserne autore o padrone, 
ne è solo garante, amministratore e, ai massimo, interprete". 
Tanto que se pode ler em Rousseau uma expectativa bastante otimista depositada no le-
gislativo: "È impossibile corrompere il legislatore in corpo, ma ingannarlo è facile. I suoi 
rappresentanti, invece sono difficili da ingannare, ma facili da corrompere, e raramenteaccade che non siano" (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Considerazioni sul Governo di Polo- 
fia e sul progetto di riformarlo. In: 	. Scritti politici. A cura di Maria Garin. Bari: 
Laterza & Figli, 1994. v. 3, [p. 175-281], p. 204). 
4 
Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Frammenti politici. In: 	. Scritti politici. Roma: 
Laterza & Figli, 1994. v. 2, [p. 227-316], p. 244. 
Cf. MONTESQUIEU. De l'esprit des Mis. Paris: Librairie Garnier Frères, 1927. p. 154 
[Livre XI, Chapitre VI]. 
6 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Frammenti politici. In: 	. Scritti politici. Roma: 
Laterza & Figli, 1994. v. 2, [p. 227-316], p. 245. 
7 Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques., p. 108: "As leis não são, propriamente, mais do que as con-
dições da associação civil. O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só àqueles que se 
associam cabe regulamentar as condições da sociedade. [..] Então, das luzes públicas re-
sulta a união do entendimento e da vontade no corpo social, daí o perfeito concurso das par-
tes e, enfim, a maior força do todo. Eis donde nasce a necessidade de um Legislador". 
32 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
	
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 33 
Essa concepção de direito foi conhecida também como o legalismo 
da codificação pós-revolucionária. Nessa concepção, não há nenhuma dife-
rença entre direito e texto legal. Direito e texto de lei confundem-se em uma 
única identidade dogmática. O direito é o texto da lei, tanto quanto o texto da 
lei é o direito. E assim a Escola da Exegese permitiu entender o direito exa-
tamente segundo os ideais da Revolução Francesa: negando os costumes e 
tradições que vinham das "trevas" da Idade Média, para permitir apenas a 
legitimidade esclarecida da lei editada segundo as exigências do século das 
Luzes. 
1.1.2 	Multijurisdicionalidade e Direito Costumeiro Fragmentado 
A Escola da Exegese erigiu o texto da lei como o único material 
para ser trabalhado sob o nome de direito. Porque uma vez escrita, a lei po-
deria ser tanto entendida por todos, quanto difundida para todos que a ela se 
encontravam submetidas. 
Essa combinação de meio de comunicação e meio de difusão ins-
tituída pela forma escrita da lei permitiu resolver também ursa problema his-
tórico do Estado medieval, que era o problema da multijurisdicionalidade: 
havia tantas jurisdições quanto o número de classes, estamentos ou estratos 
sociais. Havia uma jurisdição para mercadores, outra para nobres, outra ain-
da para religiosos, para plebeus etc. Cada estrato social tinha uma jurisdição 
correspondente9. E isso acontecia exatamente porque não havia relações jurí-
dicas significativas entre estratos sociais distintos. Nobres não realizavam 
contratos com plebeus e vice-versai°. As relações eram de dominação, explo-
ração e submissão. E do mesmo modo que cada estrato social possuía a sua 
própria jurisdição, também havia um direito costumeiro fragmentado, de ín-
dole jusnaturalista, com tantos costumes quanto o número de estratos sociais. 
Cada estrato social possuía tanto o seu próprio direito costumeiro 
quanto uma jurisdição correspondente". E isso representava um problema 
Sobre os meios de difusão da comunicação, ver-se: LUHMANN, Niklas; DE GIORGI, 
Raffaele. Teoria deita società. 11. ed. Milano: Franco Angeli, 2003. 
Cf. TARELLO, Giovani. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codifica-
zione del diritto. Bologna: II Mulino, 1976. p. 27. 
Relações jurídicas entre nobres e plebeus eram tão raras e inusitadas que inclusive vira-
vam novelas, como as de Shakespeare. Uma interessante ilustração desse período históri-
co e do significado do inicio da proteção jurídica aos contratos firmados por plebeus pode 
ser lida em FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière. 
Cf. TARELLO, Giovani. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codifica-
zione dei diritto. Bologna: Ii Mulino, 1976. p. 28-29: "L'espressione 'particolarismo fiuridi-
co ' è stata inventada e fatta circolare dai giuristi positivisti dall'Ottocento, proprio al fine di 
para a pretensão de governo de um território ou de uma nação por um Esta- 
do. Um poder central de controle e direção daquela forma de sociedade es- 
tratificada exigia, como condição de possibilidade, a unificação da jurisdição 
e também do direito. Quer dizer, a pretensão do Estado de governar um ter-
ritório multijurisdicionalizado, onde o direito se encontrava fragmentado na 
forma de múltiplos direitos costumeiros, de índole jusnaturalista, exigia um 
instrumento capaz de unificar tanto as múltiplas jurisdições quanto os frag-
mentados direitos costumeiros de cada estrato social. 
Para isso a lei escrita foi uma resposta perfeita. Porque com base na 
lei escrita, o próprio direito se torna geral e abstrato: geral no sentido da di-
fusão para todas as pessoas e estratos sociais do território do Estado ou da 
nação; e abstrato no sentido de que a sua aplicação não dependeria mais de 
nenhuma razão histórica, mas tão somente da subsunção do caso concreto 
nos elementos sintáticos descritos no texto da lei. 
Esses três motivos juntos constituíram uma boa razão para justifi-
car as pretensões da Escola da Exegese. A sua concepção legalista de direito 
permitiu, de uma só vez: a) coordenar a necessidade do Iluminismo de rom-
per com o passado; b) unificar a múltiplas jurisdições que antes eram dividas 
em conformidade com os estratos sociais medievais; bem como c) substituir 
os direitos costumeiros de cada estrato social medieval por um direito racio-
nal, geral e abstrato, que vale para todos e que, exatamente por isso, apre-
sentou-se como instrumento de promoção dos ideais de igualdade, liberdade 
e fraternidade. 
1.2 FUNDAMENTOS 
1.2.1 	Justificações Teóricas 
Mas apesar da proeminência da lei escrita como o único vetor vá-
lido da decisão jurídica na Escola da Exegese, há também outros dois pres-
supostos que constituem o seu estilo de interpretação, argumentação e de- 
contrapporre la felice situazione dei diritto codificato a quella, infelice, che la precedeva; 
[.], in cui ia concomitanza di tendenze storicistiche e di tendenze corporativistiche, mentre 
ostacolava nella prima metà dei secolo XIX il processo di codificazione, dissuadeva 
dall'adozione di uno schema di interpretazione storiografica fondato sulla contrapposizione 
tra diritto frantumato in sistemi particolari e diritto unificar° da una codificazione unifor-
me". Também Wieacker destaca, a respeito do Código de Napolão, essa necessidade política 
de "substituir o antigo particularismo feudal por um direito geral dos franceses baseado na 
razão". (WLEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. 
M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenlcian, 1993. p. 386) 
9 
10 
II 
34 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
_ 	t• 
cisão. Ao lado do pressuposto político do legalismo liberal, a Escola da 
Exegese tem também um pressuposto filosófico no jusnaturalismo ilumi-
nista, bem como um pressuposto cultural no fenômeno das codificações 
pós-Revolução Francesa12. Esses três pressupostos juntos, articulados de 
modo implícito nos discursos da Escola da Exegese, constituíram as suas 
bases fundamentais de justificação científica. São três, pois, os fundamen-
tos que constituem a justificação teórica (científica) da Escola da Exegese: 
uma imagem política da lei escrita, uma imagem filosófica jusnaturalista e 
uma imagem cultural da forma codificada dessa lei escrita. A lei escrita 
tinha, assim, um fundamento simultaneamente político, filosófico (jusnatu-
ralismo iluminista) e cultural. 
O fundamento político da lei escrita apontava para o modelo de 
Estado da época, segundo o qual somente as leis politicamente legitimadas 
pelo Estado de assembleia representativa e com seus poderes separados po-
deriam pretender validade. Separava-se assim a lei escrita das normas mo-
rais, religiosas, éticas e toda aquela carga histórica que fundamentava o di-
reito costumeiro. Esse fundamento político da lei escrita permitia, portanto, 
renunciar ao direito costumeiroe cumprir com as exigências de rompimento 
com o passado da Revolução Francesa. No lugar do passado histórico e de 
suas tradições consuetudinárias, colocava-se agora a legitimidade política do 
Estado, já fundamentada por filósofos como Rosseau e Montesquieu. 
Naturalmente, um fundamento político é insuficiente para consti-
tuir o pano de fundo dos discursos práticos que seriam necessários à aplica-
ção do direito pelas decisões jurídicas. A fundamentação de uma decisão 
jurídica exige mais fundamentos prévios. Uma fundamentação política dos 
textos legais deixa aberto um espaço muito grande para argumentações. E 
por isso o fechamento dessa rede de pré-fundamentações foi realizada com 
base nos ideais filosóficos do jusnaturalismo iluminista, que pregava a exis-
tência de um direito natural-racional superior, o qual foi colocado como fun-
damento metafísico dos textos legais. Quer dizer: um direito natural-racional 
metafisico, colocado como pano de fundo dos textos legais, para cobrir qual-
quer aresta eventualmente aberta por perguntas sobre os motivos da decisão 
por uma e não outra resposta do direito. 
Essa combinação de justificações políticas e jusfilosóficas ilumi-
nistas permitiram então um arranjo ideal com o momento cultural da época, 
cuja moda eram as codificações: a sistematização dos textos legais em códi-
gos que não apenas facilitavam a pesquisa das soluções jurídicas, mas que 
12 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 181. 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 35 
sobretudo corporificavam o direito. Com efeito, os códigos eram mais que 
coletâneas de leis: eles simbolizavam a própria unidade do direito. Simboli-
zavam o lugar, o sentido e a própria corporeidade material do direito. E exa-
tamente em razão da combinação entre a fundamentação política, jusfilosófi-
ca e cultural das codificações, a ideia de código passou a simbolizar também 
a ideia de que todas as respostas jurídicas, todo o direito, toda a regulamen-
tação jurídica, estava de modo total, exclusivo e definitivo, no código. O có-
digo era o direito completo. O direito era o código. Não havia direito fora do 
texto legal do código. 
E essa ideia foi uma conquista da Escola da Exegese, pois antes 
dela, nos códigos dos séculos XVII e XVIII, não havia uma ruptura com as 
tradições históricas, tampouco havia uma concepção de inexistência de lacu-
nas, tanto que esses códigos remetiam, no caso de lacunas, a fontes subsidiá-
rias de direito, que eram os recursos ao direito natura113. A partir, da Escola 
da Exegese, contudo, a codificação ganha o sentido da completude e da au- 
\ tossuficiência. Tanto que o juiz já não poderia mais recusar-se a julgar um 
caso sob o pretexto de lacuna na lei'''. 
1.2.2 	Justificações Práticas 
Dessa justificação teórica da ideia de direito na Escola da Exegese 
foram projetadas — e dogmatizadas — as suas justificações práticas. E entende-
mos por justificação prática aquele conjunto de argumentos que são realizados 
previamente pela doutrina jurídica para, depois, na prática das decisões jurídi-
cas, não se precisar discuti-los em cada situação concreta. Essas justificações 
práticas são argumentos que tomam seus postulados já argumentados para as 
decisões. E exatamente porque não se precisa argumentar o que já está argu-
mentado, a importância simbólica dessas justificações práticas é determinante 
do estilo de interpretação, argumentação e decisão jurídica. 
No caso da Escola da Exegese, podem ser sinalizadas três funda-
mentações prévias para os discursos práticos das decisões jurídicas: identifi-
cação do direito com a lei escrita; exclusividade da lei escrita como critério 
de orientação discursiva; e suficiência da lei escrita para simbolizar a unida-
de e a totalidade do direito15. 
13 Cf. TARELLO, Giovani. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codifi-
cazione dei diritto. Bologna: 11 Mulino, 1976. p. 47 e 221. 
14 
 Trata-se do art. 40 do Code civil: que tem a regra do non liquet. XXX citar o art. Quarto 
no orginal. 
is Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 183. 
17 
36 
	 Rafael Lazzarotto Simioni 
A identificação do direito com a lei escrita tinha o sentido de afir-
mar, ao mesmo tempo, que não havia direito além daquele escrito nas leis. E 
esse sentido é importante para se entender os vetores discursivos da Escola 
da Exegese. Ao afirmar que não há direito além da lei escrita, essa justifica-
ção diz, ao mesmo tempo, que não há outro direito possível. E se porventura 
existirem outras normas importantes — éticas, morais, religiosas, culturais 
etc. — já estava claro que essas outras normas não eram jurídicas, não eram 
direito. Como lidar então com a questão da justiça em um bontexto teórico 
como esse? Como responder a um eventual reclamo de injustiça da decisão, 
que deve seguir fielmente a operação lógica de subsunção do caso ao texto 
legal e que, exatamente por isso, corre o risco de apresentar-se injusta em 
determinadas situações?.O interessante, é que a resposta para essas questões _ 	,._• 
já está dada pela justificação teórico-científica da Escola da EXegese-: o t'exto, 
da lei já está fundamentado tanto na política daquele modelo de Estada_libe, 
ral, quanto na ideia jusfilosófica do direito natural-racional do AUMinigT10. 
E assim a Escola da Exegese torna indiscutível essa justificação:, o di-
reito é a lei escrita, porque somente a lei escrita tem a legitimidade política e a 
correção jusfilosófica necessária para cumprir com os ideais do Iluminismo. E 
nessas condições, questionar o texto legal já significaria questionar a própria 
legitimidade política ou a própria correção jusfilosófica do texto legal. Natu-
ralmente, uma argumentação jurídica que pretendesse ir contra todos os ideais 
iluministas que pululavam sobre esses dois fundamentos, seria tão dificil de ser 
realizada quanto incoerente com o próprio contexto político da decisão jurídica. 
Ao lado dessa identificação do direito com a lei escrita, a Escola da 
Exegese disponibilizou também um outro argumento prévio importante para 
a prática das decisões jurídicas: a exclusividade da lei escrita como o único 
critério de orientação discursiva. Sob esse postulado, afirmava-se que todos 
os critérios para a tomada de decisões jurídicas já estavam dados na lei es-
crita, de modo exclusivo. Quer dizer: somente no texto legal a decisão: jurídi-
ca poderia encontrar os critérios necessários para julgar questões práticas. 
Veja-se que enquanto o postulado da identificação do direito com a lei es-
crita afirma que não existe outro direito além da lei escrita, esse postulado da 
exclusividade da lei escrita como o único critério decisório afirma que o juiz 
não pode recorrer critérios normativos complementares para a decisão, como .. 
são as cláusulas gerais, o bem Comum e outros conceitos normativos inde-
terminados. Para Castanheira Neves, na Escola da Exegese "a lei é não só a 
única fonte do direito como ainda o critério normativo-jurídico exclusivo"16: 
16 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 184. 
	
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 37 
O problema da diferença entre aplicação pura do direito e aplicação 
realizadora, que hoje tanto se discute, não existia na época. A decisão jurídi-
ca sempre seria uma pura aplièação déé direito escrito, sem nenhum conteúdo 
inovador ou realizador. E eventual pergunta pela justiça da decisão já estaria 
previamente respondida pela fundamentação teórica dessa concepção de di-
reito: o dever de fidelidade da decisão ao texto da lei, à lettre de la loil7 , já se 
encontrava fortemente justificado pela fundamentação do princípio da sepa-
ração dos poderes, que exigia doJudiciário apenas la bouche qui prononce 
lês paroles de la loi' 1 . E a força desse argumento era tanta que inclusive jus-
tificou a criação dos tribunais de cassação mais como protetores das leis do 
que como juiz dos cidadãos. 	 , - 	' 1 tOPLai 
Obviamente, um estilo de direito no qual as decisões jurídicas de-
veriam não apenas seguir uma lógica puramente dedutiva de subsunção dos 
casos nos textos legais, mas também orientar seus processos argumentativos- 
decisórios exclusivamente com base na abstração (histórica e contextual) 
dos textos legais, só poderia supor a suficiência da lei escrita como símbolo 
da unidade e da totalidade do direito. Todas as respostas jurídicas e procedi-
mentos decisórios estão na lei escrita. Logo: a lei escrita só pode ser infali-
velmente completa, suficiente e consistente, na sua sistematicidade lógico- 
analítica. Em outras palavras, a Escola da Exegese sustentava a inexistência 
de lacunas no direito para a decisão dos casos. E se eventualmente ocorresse 
um caso sem resposta no direito, a resposta já estaria previamente dada: um 
MONTESQUIEU. De l'esprit des bis. Paris: Librairie Garnier Frères, 1927. p. 74 [Livre 
VI, Chapitre III]: "Dans le gouvernement républicain il est de la nature de la constitution 
que les juges suivent la lettre de la loi. 11 nY a point de citroyen contre qui on puisse in-
terpréter une loi, quand ii s'agit de ses biens, de son honneur, ou de sa vie". 
18 
MONTESQUIEU. De l'esprit des bis. Paris: Librairie Garnier Frères, 1927, p. 154 [Livre 
XI, Chapitre VI]: "si les tribunaux ne doivent pas être fixes, les jugements doivent I 'être à 
un tel pointe, qu'ils ne soiente jamais qu'un texte precis de la loi". E desse modo, "II 
pourroit arriver que la loi, qui est eu même temps clairvoyante et aveugle, seroit, en de 
certains cas, trop rigoureuse. Mais les juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, 
que la bouche que prononce les paroles de la loi; des étres inanimés qui n'en peuvent 
modérer ni la force ni la rigueur". (Ibidem, p. 159). Essa concepção está na própria fun-
damentação moral e política da Revolução Francesa. Em um de seus relatórios, Robespierre 
escreveu que "o magistrado é obrigado a imolar seu interesse ao interesse do povo, e o 
orgulho do poder à igualdade. É preciso que a lei fale sobretudo com autoridade àquele 
que é seu órgão. É preciso que o governo exerça um controle sobre si mesmo, para con-
vservar todas as suas partes em harmonia com a ler (ROBESPIERRE, Maximilien de. 
Sobre os princípios de moral política que devem guiar a Convenção Nacional na adminis-
tração interna da República. Relatório apresentado em nome do Comitê de Salvação Pú- 
blica, 05.02.1794. In: 	. Discursos e relatório na Convenção. Tradução de Maria 
Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Eduerj e Contraponto, 1999. [p. 141-162], p. 148). 
." 
j•-• 
38 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
pedido sem resposta na lei é um pedido sem fundamento jurídico, que deve,,, 
portanto, conduzir à improcedência dãe-deiriarida19.,_ _ 
E assim a Escola da Exegese orientava a interpretação, a argu-
mentação e a decisão jurídica. Disponibilizando essas três categorias de 
argumentos prévios — argumentos autologicamente já argumentados — esse 
estilo de pensamento jurídico permitiu uma simplificação radical da deci-
são jurídica. Pois de uma complexa pesquisa, de um lado histórico-cultural 
dos costumes e, de outro, metafísica do direito natural aplicável, a Escola 
da Exegese reduziu a decisão jurídica a apenas duas variáveis: qual é o 
fato, de um lado, e qual é o direito, de outro. Entre o fato e o direito torna-
-se então suficiente uma simples operação lógica de subsunção dedutiva. 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 39 
1.3 	INTERPRETAÇÃO, ARGUMENTAÇÃO E DECISÃO 
JURÍDICA 
Depois de explicitarmos os motivos, as razões teóricas e justifica-
ções práticas da Escola da Exegese, fica fácil compreender as suas recomen-
dações quanto à interpretação, à argumentação e a decisão jurídica. 
No que tange à interpretação, a recomendação era: fica proibido 
interpretar o texto da lei. Difícil seria ter espaço, na época, para uma per-
gunta do tipo: como interpretar uma proibição de interpretar? Uma pergunta 
como essa já apareceria como uma ingenuidade. Porque já se deveria saber 
previamente que a interpretação do texto legal significava uma calúnia à 
própria pretensão de racionalidade dos fundamentos políticos, jusfilosóficos 
e culturais daquela concepção de direito — fundamentos esses que, como 
acima demonstrado, já se encontravam previamente argumentados pela dou-
trina da Escola da Exegese. 
A estrutura argumentativa desse tipo de construção teórica é circular: 
a) é proibido interpretar, porque não é essa a função do judiciário; b) não é 
essa a função do judiciário porque o direito tem seu fundamento político no 
Estado; c) o Estado tem seu fundamento político na separação dos poderes; d) 
a separação dos poderes afirma que o judiciário é responsável somente pela 
aplicação da lei; e) a aplicação da lei exige fidelidade ao texto da lei; f) porque 
\interpretar a lei seria já violar a separação dos poderes; logo 1: g) é proibido 
interpretar sob pena de violar a separação dos poderes; h) a separação dos po-
1 deres tem fundamento no iluminismo jusfilosófico; logo 2: é proibido inter-
pretar sob pena de violar também a própria concepção do iluminismo jusfflo-
sófico. Conclusão geral: interpretar a lei viola tanto o fundamento político 
quanto o fundamento filosófico do direito, já previamente argumentados, am-
bos, no nível das justificações teóricas da doutrina da Escola da Exegese. 
Tratava-se, assim, de um positivismo exegético, um positivismo 
hermenêutico bastante estrito, concentrado apenas na dimensão intátisa-)do 
texto da lei. Uma "incondicional fidelidade aos textos legais"20 . 
f r 
1.3.1 Interpretação 
A interpretação do direito recomendada pela Escola da Exegese 
partia de duas estratégias teóricas distintas: a) a observação do texto legal 
como o único objeto da interpretação, na forma de um objetivismo her- 
20 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 187. 
 
i. 	 5 Á-It.' 0, 	 ) C •is 	rL.:1 2:5 	5- 
 
 
19 
Assim sustentavam importantes pensadores da Escola da Exegese, como Demolombe, 
Bonnecase, Blondeau e Huc. Vale a pena transcrever as palavras Blondeau: "il aura des 
motifs aussi puissants pour s 'abstenir que pour agir, et devra considérer ces bis comme 
n 'existant pas, et rejeter la demande" (apud GÉNY, François. Méthode d'interprétation 
et sources en droit prive positif: essai critique. 2. ed. Paris: Librairie- Générale de Droit 
& de Jurisprudence, 1919. t. I, p. 25). Uma resposta da Escola da Exesese às críticas da 
Escola Científica de Gény pode ser lida em: BONNECASE, Julien. L'Ecole de l'Exégèse 
en Droit Civil: les traits distinctifs de sa doctrine et de ses méthodes d'après la profession 
de foi de ses plus illustres représentants. 10. ed. Paris: E. De Boccard, 1924, especial-
mente p. 244-279. Bonnecase, contudo, já admite a falibilidade do legislador quando re-
conhece que há um ideal em relação ao qual a lei pode se apresentar inadequada: "por una 
parte, la persona humana es quien concibe el Derecho y, por otra, únicamente lo concibe 
bafo la imperiosa presión de la necesidad que a cada instante siente, de asegurar el cam-
po de acción que corresponda a su actividad innata. Si el legislador se niega a compren-
der Ias aspiraciones ideales dei alma humana, la familia zozobrará con el Derecho, en-
cargado de asegurar su existencia, en el materialismo más brutal, en la negación, a la 
vez, de los datos de la naturaleza y de la razón" (BONNECASE, Julien. La filosofia dei có-
digo de Napoleon aplicada al derecho de familia. Tradução de Lic. Jose M. Cajica Jr. 
Puebla, México: José M. Cajica Jr, 1945, p. 24). Em uma de suas obras mais maduras, Bon-
necase chega a afirmar,referindo-se ao espírito da lei ou à vontade do legislador na inter-
pretação jurídica, que "Asilo habia determinado la escuela de la exegesis, que durante todo 
el sigla XIX agrupá en su seno y vinculó a sus dogmas la mayor parte de los civilistas fran-
ceses, especialmente los más ilustres de ellos. Con facilidad se comprende que semejante 
concepción de la enseiíanza dei derecho producia en el espiritu de los oyentes un ejecto en-
teramente destructor dei pasado, frente al cual nada era la célebre imagen del rio Leteo que 
arrastra en sus aguas el ovido" (BONNECASE, Julien. Introducción al estudio del dere-
cho. 2. ed. Tradução de Jorge Guerrero R. Bogotá: Temis Libreria, 1982, p. XIV-XV). As-
sim também Demolombe, que parecendo prenunciar a insufiência dos métodos da Escola da 
Exegese, inicia o prefácio do seu gigantesco Cours de Code Napoléon com a seguinte per-
gunta: "A quelles conditions un cours de Code Napoléon doit-il aujourd'hui satisfaire?" 
(DEMOLOMBE, C. Cours de Code Napoléon: Traité de la publication des effets et de 
l'application des bis en général. 3. ed. Paris: Auguste Durand e L. Hachette Et Cia., 1886. t. 
I, p. I). xxxWieacker, Gesetz und richterkunts, 6; e Privatrechtgechichchte der Neuzeit, 399. 
Savigny, Uber Gesetzgebung und rechtwissenschaft in unserer Zeit, einf. xxx 
 
 
 
40 Rafael Lazzarotto Simioni 
 
Curso de Hermenêutica Jurídicàtontemporânea 
 
 
41 
 
menêutico que apresentava-se como uma boa solução para o problema do 
subjetivismo histórico-cultural que potencialmente influenciava a interpreta-
ção; e b) a combinação desse objetivismo hermenêutico com uma metodolo-
gia de pura dedução lógica do sentido literal do texto da lei. 
Naturalmente, a combinação do formalismo da lógica dedutiva 
com o igualmente formal conteúdo sintático do texto legal não era suficiente 
para guiar a interpretação jurídica de modo infalível em todos os casos. Às 
vezes surgiam dúvidas sobre qual a dedução lógica correta do texto da lei. E 
apesar da Escola da Exegese ter o texto legal como o único objeto de inter-
pretação jurídica possível (os fatos, por exemplo, não representavam pro-
blemas de interpretação), às vezes ocorriam dúvidas. 
Para os casos de dúvida sobre a interpretação correta — e somente 
no caso de dúvida — admitia-se a necessidade do recurso a um valor excep-
cionalmente utilizado na interpretação jurídica, que era o recurso à vontade 
do legislador21. Essa vontade não poderia ser, contudo, suposta ou argu-
mentada simplesmente como razoável ou justa ou qualquer outro argu-
mento. A vontade do legislador deveria ser comprovada sobretudo através 
da pesquisa dos trabalhos preparatórios à edição da lei. Essa vontade do 
legislador .era entendida como uma vontade racional a priori, já justificada 
no âmbito da política. De modo que a vontade do legislador figurava como 
um elemento de valor decisivo para complementar a técnica da interpreta-
ção dos textos legais nos casos de dúvida. E,. essa vontade do legislador não 
poderia ser discutida, pois tratava-se de uma razão política contra a qual ,o 
judiciário não poderia questionar. 
Importante destacar, contudo, que a pesquisa da vontade do le-
gislador também necessitava de interpretação. A leitura dos trabalhos pre-
paratórios à edição das leis também exigia interpretação. E essa interpreta-
çãO da vontade do legislador seguia a mesma metodologia recomendada 
j. 
21 
Cf. GÉNY, François. Méthode d'interprétation et sources en droit prive positif: essai 
critique. 2. ed. Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1919. t. I, p. 32: 
"Mais, souvent, la pensée du législateur, qui contient seule la reg-1e impérative pour 
I 'interprète, n'est pas exactement traduite par la formule employée. Celle-ci reste obscure 
ou incomplète, en tout cas, manifestement insuffisante, à elle seu/e, pour révéler la soluti-
on demandée. Alors, intervient, afim de suppleer à l'impuissance de l'interprétation 
grammaticale, 1 'interprétation improprement appelée logique, dont l'essence, comme l'a 
montré R. Von Jhering, consiste, en passam' au-dessas des mots, à chercher la pensée de 
la oi justqu'en l'âme de son auteur", ou seja, a vontade do legislador. Assim também 
BONNECASE, Julien. L'École de l'Exégése en Droit Civil: les traits distinctifs de sa 
doctrine et de ses méthodes d'après la profession de foi de ses plus illustres représentants. 
10. ed. Paris: E. De Boccard, 1924. p. 131, fala em: "La prédominance de l'intention da législateur dans l'interprétation da texte de lor 
para a interpretação dos textos legais: uma analítica puramente formal da 
vontade do legislador para determinar, dedutivamente, o sentido do texto 
da lei por ele editada. Quer dizer, a vontade do legislador devia ser inter-
pretada através da mesma combinação de um objetivismo hermenêutico 
com uma dedução lógica do sentido da sua vontade, para deduzir dela, lo-
gicamente, o sentido do texto legal. 
Observam-se duas operações de interpretação ou dois níveis ana-
líticos de interpretação.: no primeiro, a interpretação do texto da lei; on se- 
gundo, a interpretação da vontade do legislador para, depois, realizar uma 
dedução lógica dessa interpretação para interpretar o texto da lei. Para a 
primeira operação, a Escola da Exegese atribuiu o nome de 
gramatical. Para a segunda operação, atribuiu o nome de ,inteweta.Ao ló-
gica. A interpretação gramatical também era lógica, mas estava restrita à 
—aiiáliíse lógica dos elementos sintáticos do texto legal. O sistema de refe-
rência utilizado para essa operação de subsunção lógica do fato à norma era 
apenas o texto da lei. Já a interpretação lógica possuía outro sistema de re-
ferência. A referência comunicativa apontava para fora do texto legal, para 
a vontade do legislador, para posteriormente deduzir logicamente dela o 
sentido da lei. 
Assim, a recomendação da Escola da Exegese a respeito da inter-
pretação jurídica era bastante simples: interpreta-se apenas o sentido grama-
tical do texto da lei, sem considerar todo o restante da realidade que interfere 
nesse ato de conhecimento. Sem considerar as tradições históricas, culturais, 
sociais, políticas e também ideológicas diante das quais a interpretação sem-
pre está submetida. E essa desconsideração não era apenas uma omissão in-
gênua do método de interpretação jurídica. Pelo contrário, essa desconside-
ração era expressamente recomendada. Os juízes estavam proibidos de sair 
dos limites estritamente gramaticais do texto da lei, para buscar em elemen-
tos exteriores ao texto os suplementos necessários para uma interpretação 
mais sofisticada. A interpretação gramatical não era apenas o método de in- 
terpretação possível na época, era também o método de interpretação reco-
mendado dogmaticamente. 
O único suplemento admitido era o recurso à vontade do legislador, 
por meio da chamada interpretação lógica. A referência à lógica, aqui, está 
no sentido da lógica de dedução da vontade do legislador para suplementar a 
insuficiência dos elementos gramaticais do texto legal. Um formalismo bas-
tante seguro em termos de controle dos argumentos e das decisões possíveis, 
mas exageradamente reducionista em termos de capacidade intelectiva e de 
abrangência normativa do direito. A redução de todo o direito ao texto da lei, 
na sombra da vontade do legislador, simplificava bastante a interpretação 
42 	 Rafael Lazzarotto Sinnioni 
jurídica. Hoje nós podemos criticar essa simplificação demonstrando os gra-
ves déficits de compreensão do direito como um importante instrumento de 
transformação social. Mas na época, essa simplificação era necessária para 
um direito capaz de servir aos motivos do Iluminismo: romper com o passa-
do, com a multijurisdicionalidade e com a fragmentação dos vários direitos 
costumeiros. 
Importante sinalizar também que não havia contradição entre os 
fundamentos da Escola da Exegese e a utilização excepcional do recurso à 
vontade do legislador. Isso porque entre a interpretaçãogramatical (a refe-
rência somente ao texto da lei) e a interpretação lógica (a referência à vonta-
de do legislador para interpretar o texto da lei), não havia nenhuma mediação 
normativa. Quer dizer, tratava-se de pura lógica dedutiva. A fonte do direito 
continuava sendo, portanto, o suficiente e exclusivo texto da lei. Somente na 
interpretação desse texto é que se tornava possível suplementar o seu sentido 
gramatical com a vontade do legislador. 
Essa técnica de interpretação não se distancia muito das práticas 
contemporâneas de interpretação restritiva, como acontece especialmente no 
campo do direito tributário e do direito penal. Entretanto se sabe que toda 
essa construção teórica da Escola da Exegese não é apenas inconveniente 
para uma pretensão de compreensão mais sofisticada e abrangente do direito, 
mas sobretudo impossível de ser realizada. Isso porque simplesmente não há 
interpretação que parta de um grau zero de compreensão. Como nos ensinou 
a filosofia hermenêutica de Heidegger, toda interpretação pressupõe pré-
-compreensões que são sempre históricas22. 
Esse tipo de interpretação gramatical e lógica recomendado pela 
Escola da Exegese só pôde ser sustentado sob a forma exageradamente dog-
mática — no sentido forte da expressão. Nesse tipo de metodologia interpre-
tativa não tinha lugar para princípios morais, valores éticos, orientações a 
consequências etc. Mas não se pode perder de vista que, na época, essa dog-
maticidade era conveniente para assentar os ideais pós-revolucionários do 
Iluminismo. O problema, portanto, está na ingênua utilização desse método 
de interpretação no contexto da sociedade contemporânea. Pois apesar da sua 
sedutora simplicidade e segurança, as questões jurídicas do mundo contem-
porâneo exigem muito mais da interpretação jurídica do que apenas a expli-
citação do sentido gramatical das leis escritas. 
22 Cf. HODEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. 14. ed. Tradução de Márcia Sá Cavalcante 
Schuback. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Universidade de São Francisco, 2005. especial-
mente p. 229 e ss. 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 43 
1.3.2 Argumentação 
Se a interpretação jurídica recomendada pela Escola da Exegese só 
admitia a análise dos elementos sintáticos do texto da lei, sob a sombra da 
vontade do legislador, pode-se já ter uma ideia da simplificação drástica que 
essa metodologia proporciona sobre a argumentação jurídica. A argumenta-
ção jurídica, nesse contexto, torna-se tão simplificada a ponto de dispensar 
qualquer tipo de análise mais sofisticada das questões submetidas à decisão 
jurídica. 
Toda a complexidade que qualquer acontecimento social sempre 
carrega consigo fica filtrada pela suficiência e exclusividade do texto da lei 
para a resposta correta do direito. Todos os motivos, que podem ser tanto de 
ordem antropo-psico-fisiológica, quanto de ordem econômica, política, reli-
giosa, moral, ética, cultural etc., ficam simplesmente dispensados de compa-
recer à argumentação jurídica da Escola da Exegese, porque a única justifi-
cação necessária já está previamente dada, de modo suficiente e exclusivo, 
no texto da lei. 
Em termos pragmáticos, uma argumentação jurídica desse estilo de 
concepção teórica acontece nestes termos: a solução é x porque o art. x da lei 
f, x diz que a solução é x e não outra. Uma argumentação, portanto, exagera-
damente simples e, ao mesmo tempo, muito potente em termos de conven-
cimento. Isso porque o caráter circular e tautológico do procedimento lógico-
-argumentativo garante que não haverá necessidade de justificar motivos ou 
razões superiores à própria circularidade e tautologicidade estabelecida pelo 
próprio argumento. Em outras palavras, a força desse estilo de argumentação 
está exatamente na circularidade dos fundamentos, cuja relação é estabeleci-
da na forma de uma justificação recíproca, onde a solução é x porque a lei 
diz que a solução é x e não outra. A única saída argumentativa seria pergun-
tar pelo fundamento da lei que diz que a solução é x e não outra. Mas essa 
saída já está previamente trancada pela própria fundamentação teórica da 
Escola da Exegese: o fundamento da lei vem, como antes observado, tanto 
da política quanto da filosofia jusnaturalista do iluminismo. Quer dizer, os 
argumentos já estão argumentados. E exatamente nessa tautologia está a for-
ça e a simplicidade desse estilo de argumentação. 
Entretanto a argumentação sempre pode ser muito criativa, sempre 
pode surpreender. E podemos supor, diante da ausência de comprovação 
história, que ao mesmo tempo em que se sufocava a argumentação jurídica 
dentro dos limites da prisão sintática do texto legal, também se a oxigenava 
no lado da questão da definição dos fatos. Isso porque a diferença entre 
questões de fato e questões de direito, sempre presentes em todas as teorias 
que trabalham com lógicas de subsunção, permite um isolamento lógico das 
 
44 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 45 
 
 
questões de direito, mas não permite esse mesmo isolamento sobre as ques-
tões de fato. A definição dos fatos sempre pode ser transbordada pela argu-
mentação jurídica. Sempre pode ser narrada, argumentativamente, de modo a 
explicitar alguns aspectos, silenciando outros. E isso permite supor que a 
.argumentação jurídica na Escola da Exegese era uma argumentação que ex-
plorava bastante a configuração fática dos acontecimentos, de modo a indu-
zir a subsunção em uma ou noutra norma jurídica. 
Como ilustração, pode-se considerar que um fato pode ser definido 
como o conjunto dos elementos "a", "b", "c", "d", "e" e "f", enquanto que os 
elementos sintáticos do texto da lei são "b", "c" e "e". A argumentação pode 
então desenvolver-se na forma de uma fundamentação que procura justificar 
a convicção de que aquele fato pode ser entendido como um fato que se sub-
sume ou que não se subsume nos elementos sintáticos do texto legal. Como 
acima destacado, trata-se de uma argumentação bastante comum no campo 
do direito tributário e no do direito penal dos dias de hoje. 
Podemos denominar esse estilo de argumentação de argumentação 
de subsunção, quer dizer, uma argumentação que, diante da simplicidade e 
força da tautologia no lado da descrição sintática do texto legal, procura 
complicar e enfraquecer a linearidade no lado da descrição dos fatos. Se o 
direito é inquestionável, a argumentação então questiona os fatos. Quando o 
direito já está previamente argumentado com suficiência e exclusividade, 
então não resta outro espaço para a argumentação jurídica senão construir e 
justificar uma determinada narrativa — e não outra — a respeito dos fatos. 
Importante chamar a atenção para o fato de que esse estilo de ar-
gumentação se encontra bastante presente tanto fundamentação das lides na 
práxis forense quanto na justificação das respostas às avaliações nos cursos 
de direito: de um lado, a simplificação técnica do isso é assim porque o arti-
go tal diz que é assim, e do outro, a complexificação fática do mas e se o 
agente que praticou o ato estivesse sob outra motivação. Uma combinação de 
simplicidade gramatical-legal e complexidade fática cujo arranjo lógico, que 
se chama subsunção, passa a constituir a dinâmica e o sentido da argumenta-
ção jurídica. 
Nesse estilo de argumentação jurídica ficam de fora, portanto, ar-
gumentos importantes como a força ou o peso — que sempre precisam ser 
argumentados — de princípios morais, valores éticos, coerências e consistên-
cias em relação às exigências sistêmicas de outros contextos normativos 
como a religião, a cultura, as tradições históricas e também as fmalidades 
projetadas para o futuro. Essa ordem de valores argumentativos torna-se su-
pérflua no estilo da argumentação jurídica da Escola da Exegese. E nova-
mente aqui é importante destacar que esse estilo de argumentação era neces- 
 
sário diante dos ideais do Iluminismo pós-revolucionário. Mas é evidente-
mente insuficiente para osdias de hoje. 
 
1.3.3 Decisão 
 
 
Se a interpretação na Escola da Exegese se restringia ao sentido lógi-
co-sintático do texto legal, na sombra da vontade do legislador, com um estilo 
de argumentação jurídica que se desenvolvia apenas na justificação da confi-
guração dos fatos para uma adequada subsunção, logo se pode perceber que a 
decisão jurídica, nesse contexto, encontrava-se tão somente sob a alternativa 
entre considerar provada uma ou outra narrativa possível da situação fática. 
Toda a problematicidade da decisão se restringia, portanto, à questão 
da subsunção do fato à norma. E isso significa, em termos pragmáticos, um 
problema de decisão sobre apenas duas variáveis reciprocamente lineares: a 
variável "narrativa do fato" e a variável "texto legal aplicável". Em outras pa-
lavras, a decisão jurídica tinha como problema de decisão apenas a escolha — e 
a respectiva justificação — entre a narrativa x ou a narrativa y do fato litigioso, 
pois a justificação argumentativa da escolha de uma dessas narrativas já justi-
ficava, logicamente, também a escolha do texto legal aplicável. 
Por isso que a decisão jurídica, nesse contexto teorético, poderia ser 
simplesmente explicada através daquele antigo silogismo aristotélico da pre-
missa maior, premissa menor e conclusão. A premissa maior era a lei, a pre-
missa menor a narrativa do fato e a conclusão logo aparecia como a pura apli-
cação da lei ao caso concreto, pois a justificação da validade ou adequação da 
lei (a premissa maior) já estava justificada politicamente e filosoficamente pela 
própria fundamentação teórica da Escola da Exegese, diante da qual só sobra-
va uma margem de argumentação para a justificativa da narrativa adequada e 
verdadeira a respeito do fato (premissa menor). E esse tipo de explicaçãnpode 
ser encontrado até hoje em alguns manuais e cursos de direito processual23. 
Entretanto, a decisão jurídica poderia ser surpreendida por casos — 
leia-se: argumentações que justificavam determinadas narrativas a respeito 
de fatos — que não se subsumiam perfeitamente nos elementos sintáticos 
dos textos legais. Com efeito,-a argumentação jurídica poderia surpreender 
a lógica da subsunção com a apresentação narrativa de uma premissa me-
nor potencialmente comprometedora da operação silogística. Em termos 
lógicos, esse problema da decisão jurídica poderia ser denominado, como 
hoje, de casos difíceis. Mas na época não havia essa compreensão do di- 
 
 
 
 
 
23 Por uma questão de polidez, preferimos não citar os autores que continuam a utilizar esse 
método de explicação da decisão jurídica do Século XIX. 
 
 
i 
46 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
reito. E por esse motivo, esse tipo de problema de decisão não era visto 
propriamente como um problema de decisão, mas sim como um problema 
de lacunas no direito. 
Eventuais lacunas, contudo, eram consideradas apenas como lacu-
nas aparentes, pois a justificação dogmática da completude, suficiência e 
exclusividade da lei escrita para responder a todas as questões jurídicas res-
pondia também ao problema das lacunas: diante de uma aparente lacuna — 
ou, em nossa perspectiva, diante de uma dificuldade na lógica de subsunção 
da narrativa à sintaxe da lei ou no silogismo entre a premissa maior e a me-
nor — a decisão poderia recorrer a métodos de integração igualmente lógicos 
e dogmatizados, como a analogia, em um primeiro momento, e os princípios 
gerais, em último caso — ou, em nossa perspectiva, a decisão poderia recorrer 
a suplementos lógicos (analogia) ou a suplementos ontológicos (os princípios 
gerais), transcendentes ao sistema de referência que era o texto da lei. 
A analogia era chamada de analogia legis e sua utilização era reali-
zada através da justificação, por meio da argumentação, da existência de si-
milaridades entre o caso em questão e o caso previsto na lei — entre a narrati-
va provada e narrativa esperada pelos elementos sintáticos do texto legal. Já 
a referência a princípios gerais, que era denominada analogia iuris, somente 
poderia ser utilizada em último caso, quando não era possível justificar a uti-
lização da analogia legis. 
Uma última hipótese possível era a situação da decisão constatar la-
cunas e não conseguir justificar nem o uso da analogia legis, tampouco o recur-
so à analogia iuris. Nessa hipótese, a recomendação da Escola da Exegese era a 
de declarar a inexistência de fundamento jurídico para a pretensão. Com efeito, 
se o direito era a lei escrita, "um caso que não estivesse directa ou indirecta-
mente regulado nela seria um caso que carecia de tutela juridica"24 . Julgava-se 
então improcedente a demanda, justificando essa improcedência na própria 
falta de direito, quer dizer, uma falta de pretensão jurídica prevista em lei. 
1.4 	CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Hoje nós podemos observar que nesse estilo de decisão jurídica da 
Escola da Exegese a incapacidade de justificação argumentativa de uma de-
terminada subsunção era resolvida com a improcedência da ação. Quer dizer, 
nós podemos identificar uma certa tendência à simplificação drástica das 
24 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 189. 
25 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 47 
formas de interpretação, argumentação e decisão. Qualquer complicação já 
poderia ser vista como uma carência de direito. E pode-se supor também 
que, por incapacidade de justificar, argumentativamente, uma resposta do 
direito, tornava-se mais fácil justificar a falta de direito, para um juízo, então, 
de improcedência da demanda. 
Trata-se de um estilo bastante conservador de decisão jurídica25. 
Apesar de estar no contexto pós-revolucionário francês, a orientação da deci-
são ao texto da lei impede que a argumentação possa produzir justificações 
baseadas em exigências teleológicas, finalistas, de orientação àquilo que se 
quer para o futuro. A única orientação possível era o passado do texto da lei, 
na sombra da vontade do legislador que editou a lei. Argumentos de princi-
pio, como são aqueles necessários de justificação com base na moral, nos 
valores éticos, nas tradições culturais e etc., não tinham lugar nesse estilo de 
decisão jurídica. Como também não tinham lugar os argumentos de conse-
quências, orientados para um prognóstico jurídico dos possíveis efeitos co-
laterais da decisão. 
Entretanto, é importante reconhecer e admirar o esforço de cientifi-
cidade da Escola da Exegese. Especialmente porque a decisão jurídica não 
poderia não decidir (non liquet) — art. 40 do Código Civil de Napoleão. Diante 
da proibição do diferimento da decisão, as decisões jurídicas às vezes colo-
cam-se diante de situações nas quais é necessário criar o direito. Portanto, 
era bem mais fácil para a Escola do Direito Livre — uma corrente crítica à 
Escola da Exegese — resolver esse problema, porque para ela se poderia de-
cidir qualquer coisa, segundo a consciência do juiz. Mas a Escola da Exegese 
procurou constituir critérios lógicos, fortemente dogmatizados, de modo a 
evitar qualquer decisão construtiva do direito. E cumprir assim com um dos 
lemas da Revolução, segundo o qual o juiz é tão somente a boca da lei. 
Utilizando a distinção aristotélica — a forma é a essência imaterial, 
enquanto a matéria é a essência substancia126 — e firmada por Kant entre ra-
zão teórica e razão prática, podemos ver que as decisões da Escola da Exege-
se tinham muito de razão teórica e nada de razão prática. Uma concepção 
Importante considerar também que essa concepção positivista-legalista do direito produ-
ziu influência tanto nos países capitalistas quanto nos socialistas, inclusive aqueles com 
tendências comunistas (Cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 4. ed. 
Tradução de A. M. Hespanha e L. M. Macaista Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste 
Gulbenkian, 2003. p. 417) 
26 
Embora Aristóteles admita uma matéria inteligível quandose trata da explicação dos entes 
matemáticos (cf. ARISTOTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tra-
dução e comentários de Giovanni Reale. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 
2002. v. III, p. 29 (A 5/6, 987b 15). 
48 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
estritamente formal do direito, diante da qual a materialidade da justiça ou da 
correção moral ficavam afastadas. E assim a Escola da Exegese conseguiu 
construir um sistema fechado do direito, capaz de garantir graus bastante 
altos de segurança formal e simplicidade cognitiva, cujo efeito colateral foi a 
produção de graus igualmente altos de insegurança material e de complexi-
dade silenciada. 
Quanto mais segurança formal, mais insegurança material se pro-
duz. E quanto mais simplicidade cognitiva, mais complexidade fica silencia-
da, sufocada pela forma estritamente sintática do texto da lei. Com efeito, o 
formalismo desse estilo de decisão desempenhava satisfatória segurança e 
simplicidade formal do direito, mas exatamente em razão disso, produzia 
também muita complexidade e insegurança material. Isso porque, diante da 
simples regra do texto legal, qualquer um já poderia planejar estrategica-
mente seu comportamento de modo a evitar a incidência da lei, fazendo as-
sim crescer a tomplexidade na dimensão prática, silenciada pelo formalismo 
teorético do direito. 
Nos dias atuais, pode-se constatar a presença do estilo de interpre-
tação, de argumentação e também de decisão da Escola da Exegese. A justi-
ficação jurídica da segurança e da simplicidade das súmulas vinculantes é 
apenas uma das ilustrações possíveis. E exatamente por isso que a súmula 
vinculante, como um texto que é, também fica sujeita à interpretação, a 
ponto de logo ser necessária, no lado do silogismo jurídico, uma súmula das 
súmulas, e no lado dos fatos, recursos à argumentação jurídica necessária 
para justificar narrativas que complicam a simplicidade e segurança daquele 
silogismo. 
Ao contrário de uma grande parte de importantes juristas, nós não 
podemos concluir que a Escola da Exegese teve seu fim com a escola cientí-
fica de Gény e Saleilles em 1899. Claro que ela teve seu declínio (entre 1880 
e 1890), especialmente diante das exigências da sociedade industrial — que 
exigia um direito modificável para adaptar-se às constantes transformações 
sociais — e do início da política daquele modelo de Estado que hoje nós cha-
mamos de Estado de Bem-estar Socia122. Esses motivos tomaram obsoleta a 
27 Para Saleilles e Gény, contudo, os motivos desse declínio estavam associados ao progres-
so científico e social, que já ultrapassavam os ideais da codificação "qui puisse embrasser 
et prévoir tout l'ensemble des rapports juridiques — mais que la jurisprudence, et égale-
ment la doctrine, en interprétant la loi, ne se plaçaient qu 'au pont de vue d 'une recherche 
de volonté, et qu 'elles ne faisaient que tirer les solutions logiques qu 'eút acceptées le lé-
gislateur; non pas le législateur moderne, mais I 'auteur nême de la loi, quel que fút 
I 'intervalle à jeter en bloc entre le passé et le présent" (SALEILLES, Rymond. Préface. 
In: GÉNY, François. Méthode d'interprétation et sources en droit prive positif: essai 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 49 
pretensão de suficiência e exclusividade dos textos legais, tornando não só 
conveniente, mas sobretudo necessária, a introdução teórica de uma distinção 
entre o direito e o texto da lei, a partir da qual o direito seria muito mais am-
plo do que os restritos elementos sintáticos do texto lega128. Mas ela subsiste„ 
até os nossos dias, naturalmente em menor grau, e ainda produz fortes in-
fluências nas expectativas práticas de segurança e simplicidade nas opera-
ções de interpretação, argumentação e decisão. 
Com o declínio da Escola da Exegese, pelos motivos acima salien-
tados, foi assim aberta a porta para a Escola do Direito Livre, na qual o texto 
da lei era a fonte principal do direito, mas não mais a fonte exclusiva e sufi-
ciente, pois agora, a interpretação, a argumentação e a decisão jurídica pode-
riam utilizar referências externas em suas operações, que apontavam para os 
mais variados elementos possíveis (tradições históricas, princípios morais, 
valores éticos, costumes culturais, finalidades etc.), introduzidos argumenta-
tivamente na decisão sob o nome de "consciência". E essa exagerada liber-
dade decisória só seria corrigida posteriormente, pelas Escolas Histórica e da 
Jurisprudência dos Interesses, até chegarmos à teoria pura do direito de Kel-
sen e à atual diversidade de perspectivas contemporâneas que se convencio-
nou chamar de pós-positivismo. 
critique. 2. ed. Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1919. t. I, [p. XIII-
XXV], p. XVI. Saleilles considerou o estudo do direito comparado como a causa dos maio-
res avanços e progressos no Direito. Em um prefácio de 01.10.1889, escreveu: "c 'est le 
mérite des études de droit comparé de fournir à cette marche du progres juridique les 
éléments d 'observation qui lui sont indispensables. 11 n 'est pas une seule des conceptions 
scientifiques imaginées en France ou ailleurs, pas un seul des usagens inspirés par la 
pratique du monde civilisé, qui ne puisse répondre à une intention possible des individus 
qui entrem en rapports d 'affaires, et donner satisfaction, aujourd 'hui ou plus tard, à un 
besoin de la vie juridique" (SALEILLES, Rymond. Étude sur la théorie générale de 
l'obligation d'après le premier projet de Code Civil pour l'empire allemand. 3. ed. 
Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1925, p. VII). Assim também em: 
SALEILLES, Raymond. De la déclaration de volonté: contribution a l'étude de l'acte ju-
ridique dans le code civil allemand. Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 
1929, p. IX: "i/ s'agit de savoir aujourd'hui si, en face de certames diées vers lesquelles 
toutes les législations paraissent s 'orienter, le droit français saura garder son rôle à la 
tête du progrès juridique universel, ou s passera I 'hégémonie à d'autres". 
28 
Cf. SALEILLES, Raymundo. La posesión: elementos que la constituyen y su sistema en 
el código civil de imperio alemán. Rad. J. M. Navarro de Palencia. Madrid: Libreria Ge-
neral de Victoriano Suárez, 1909. p. 397: "todo acto útil y pacificamente realizado con-
forme en la apariencia con el orden social, es ya un derecho naciente, y no puede ceder 
sino ante un derecho anterior, más enérgico y más integralizado". 
52 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
desenvolvimentos tecnológicos da modernidade são prova disso 	deixou 
muito a desejar em termos de razão prática, quer dizer, em termos de, huma-: - 	 _ 
nidade. No Iluminismo sobrou razão teórica na mesma proporção que faltou 
razão prática. 
E o direito tem a ver mais com a razão prática do que com a razão 
teórica. O direito não é apenas uma técnica, uma ferramenta, um instru-
mento, uma engrenagem da máquina "sociedade", pois é também, e sobre-
tudo, uma forma de orientação dos juízos práticos. O direito tem a ver, 
portanto, com normas, com princípios morais, com valores éticos, com 
cultura e com história. De modo que, entender o direito apenas como mais , 
uma tecnologia da sociedade - que funciona como uma máquina, com in-
dependência dos contextos históricos e culturais da sociedade - não seria 
correto. Uma máquina precisa só de combustível para funcionar. E para se 
entendê-la, basta- ler o manual de instruções e saber para que serve cada 
componente. Mas o direito não é uma máquina. O seu funcionamento pre-
cisa de combustíveis diferentes, que são os conflitos de interesses históri-
cos e culturais. E para entendê-lo, não bastam manuais de instrução, não 
bastam textos legais, pois é necessário compreendê-lo como- acontecimento 
histórico e cultural de um povo. 
Utilizando uma ilustração baseada no conto A terceira margem do 
rio, de Guimarães Rosa30, tal como o personagem permaneceu com as baga-
gens da sua vida, enquanto todo o restante dasua família ia embora, também 
o direito tem as suas bagagens históricas, que exigem sua permanência na 
sua morada prática. Exatamente o contrário da pretensão iluminista de negar 
a história para negar, assim, o seu passado de trevas. 
A Escola Histórica precisava reagir contra essa a-historicidade 
do racionalismo iluminista. E por isso ela vai firmar sua identidade exata-
mente na afirmação da natureza histórica da constituição do direito e da 
realidade humana31. Contra o racionalismo mecanicista daquele iluminis-
mo da época, a Escola História advogava a favor _de uma compreensão do 
direito como um dos resultados do próprio espírito do povo, cuja forma- __ 
çao, cujo processo evolutivo, sempre é histórico e cultural, nunca cons-
truído como se fosse uma máquina, como se fosse uma engrenagem que_ 
funciona sem depender de toda ,a história cultural que constitui o espírito 
4o povo. 
Cf. ROSA, João Guimarães. A terceira margem do rio. In: 	. Primeiras estórias. Rio 
de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p. 32. 
31 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 203. 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 53 
2.1.2 A Necessidade de uma Compreensão Histórica e 
Cultural do Direito 
Com influências teóricas do contexto geral do Romantismo Ale 
mão da época, Wolf, Wieacker e Dahm sinalizam também as influências do 
Idealismo Filosófico, do Historicismo e também do Classisismo do assim 
chamado "segundo humanismo"32. Mas se é possível identificar uma 	influên 
cia unívoca na Escola Histórica do jitisa influência está na utilização. 
de uma fuedWeiitação teórica,_para justificar sacionalmente.Q seu.modo de - 
lsacIimento do direito, com um. endereço bastante_certo: evidenciação 
_ dos ciclo-s-liistóricos da cultura humana por Giambattista Vico33. 
Vico foi o filósofo que desenvolveu uma dimensão histórica do 
entendimento no século XVI. Em 1725 ele publicou o seu Principi di uma 
scienza nuova in torno alia commune natura delle nazione, no qual realizou 
uma análise dos desenvolvimentos históricos da cultura ocidental a partir da 
simbologia dos mitos gregos34. A respeito do direito, do mesmo modo, Vico 
demonstrou que "as leis devem ser interpretadas de acordo com os estágios 
das repúblicas, a partir de princípios que tais de governo romano formulam-
se outros princípios para a jurisprudência romana"35 
Esse mesmo estilo de investigação histórica, só que sob uma perspec-
tiva diferente, mais empírica, foi desenvolvido na França tanto por Rousseau36, 
32 Cf. WOLF, Erik. El carácter problemático y necesario de ia ciencia dei derecbo. Tra-
dução de Eduardo A. Vásquez. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1962, p. 16; WIEACKER, 
Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 411. 
" Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. 
Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 405. 
34 Vico justifica esse tipo de análise hístórica nos seguintes termos: "Devemos, ademais, 
destacar que na presente obra, com uma nova arte crítica, de que até agora carecíamos, 
ingressando na pesquisa da efetiva realidade acerca dos fundadores das mesmas nações 
(nas quais certamente terão decorrido mais de mil anos para se chegar aos escritores de 
que se ocupou a crítica até hoje), por isso mesmo há de aqui a filosofia haver-se com a 
filologia, que é a doutrina de todas as coisas que dependem do humano arbítrio, quais, 
por exemplo, todas as histórias das águas, dos costumes e dos fatos pacíficos ou bélicos 
dos povos". (VICO, Giambattista. Princípios de (uma) ciência nova (acerca da nature- za comum das nações). Tradução de Antônio Lázaro de Almeida Prado. São Paulo: Nova 
Cultural, 2005. p. 11-12) 
35 VICO, Giambattista. Princípios de (uma) ciência nova (acerca da natureza comum das nações). Tradução de Antônio Lázaro de Almeida Prado. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 28. 
36 Ver-se: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Frammenti politici. In: 	. Scritti politici. Roma: Laterza & Figli, 1994. v. 2, p. 227-316. 
30 
 Partia do pressuposto de que as normas jurídicas seriam o resultado de uma evolução histórica e que a essência delas seria encontrada nos costumes e nas crenças dos grupos sociais
55 
37 
54 	 Rafael Lazzarotto Simioni 
em meados do século XVIII, quanto por Montesquieu em 1748, por ocasião da 
publicação do seu De l'esprit des bis (livros XIV-XIX). Também na Alemanha 
essa compreensão histórica foi aplicado para a investigação do sentido geral da 
cultura por Burke37 e por Herder38, os quais exerceram forte influência no pen-
samento de Savigny. 
Burke tornou-se famoso por suas importantes críticas ao Iluminis-
mo racionalista e à Revolução Francesa, nas quais destacou a inconveniência 
de se negar a história das instituições, já que se estaria negando também uma 
importante experiência histórica, cultural e política das instituições39. Para 
Burke, as instituições jurídicas, políticas e culturais podem ser reformadas, 
melhoradas, mas nunca substituídas por novos modelos criados de modo im-
prudente. Já para Herder, "Ia gloria de Europa se basa en ia actividad e in-
ventiva, ias ciencias y el esfuerzo competidor realizado en comim"" . Para 
ele, o que diferencia o progresso da Europa em relação a outros lugares é, 
exatamente, o apreço pela ciência41. 
A conclusão geral dessa perspectivação histórica da cultura foi a de 
que a essência das instituições políticas, do direito, da língua, da poesia, da 
cultura, da arte e tudo mais, só pode ser encontrada na alma ou espírito dos 
povos, cuja constituição é sempre histórica. 
Também é importante destacar a influência de Kant, Schelling e 
Hegel no pensamento de Savigny, que sem dúvida foi um dos principais re-
presentantes desse estilo de concepção do direito'''. 
Cf. BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Tradução de Renato de 
Assumpção Faria, Denis Fontes de Souza Pinto e Carmen Lidia Richter Ribeiro Moura. 
Brasília: UnB, 1982. 
38 Cf. HERDER. Ideas para una filosofia de la historia de Ia humanidad. Tradução de J. 
Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1959. 
39 	Burke utiliza argumentos históricos para recomendar prudência nas mudanças das institui- 
ções e afirma: "não rejeito as mudanças; mas gostaria que as mudanças fossem feitas 
sempre com o intuito de conservar". (BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução 
em França. Tradução de Renato de Assumpção Faria, Denis Fontes de Souza Pinto e 
Carmen Lidia Richter Ribeiro Moura. Brasília: UnB, 1982, p. 221) 
40 HERDER. Ideas para una filosofia- de Ia historia de Ia humanidad. Tradução de J. 
Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1959. p. 692. 
41 HERDER. Ideas para una filosofia de Ia historia de Ia humanidad. Tradução de J. 
Rovira Armengol. Buenos Aires: Losada, 1959. p. 693. 
42 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 205; e WIEACKER, 
Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. Botelho Hespa-
nha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 401-402. 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea I 
Mas é importante ter presente que Savigny possui duas fases bem 
í ,/ distintas em seu pensamento. A primeira fase, da sua juventude, era caracte-
' I rizada por um legalismo estrito, muito próximo à Escola da Exegese,- na qual 
i Savigny equiparava o direito ao direito legislado". Nessa primeira fase, o 
I aspecto histórico do direito fica restrito à história do Estado e dos povos, já st que, para ele, a legislação é uma atividade do Estado". Somente depois, em 
uma fase mais madura, Savigny abandonou essa concepção de direito legis-
lado para colocar o primado dos costumes comunitários do povo. É nesta 1 fase madura do seu pensamento que se encontram as bases da Escola Histó-rica do Direito45. 
De Kant Savigny justificou a sua concepção do direito dentro 
daquela Perspectiva institucional da ética não mais com urna ética mater-i- _ al, mas sim cánici tim- a ética de autonomia e de liberdade formalmente 
universalizáveis". 0 resultado dessa influência kantiana é a dimensão 
liberal e a justificação da sua pretensão de universalidade na compreen-
são do direito como um sistema normativo autônomo em relação à mo-
ral'''. De Schelling, Savigny justiilWii—al coil-ó---liWtófic-a— e org-áiric---o- -:--é-NUu—iiva dos institutos jurídicos e também a síntese histórica entre a 
necessidade e a liberdade na formação da identidade histórica e cultural 
do direito costumeiro". E de Hegel, Savigny buscou a fundamentação da 
compreensão da história como uma manifestação do espírito de cada 
45 
Importante considerar que existem pesquisadores, como WIEACKER, Franz. História do 
direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação 
Calouste Gulbenkian, 1993. p. 423, que afirmam encontrar essas bases históricas da com-
preensão do direito em toda a obra de Savigny. 
47 
Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. 
Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 492: "A fundamenta-
ção ética desta convicção foi extraída por Savigny e pelos seus contemporâneos da teoria 
jurídica de Kant, segundo a qual a ordem jurídica nao constitui uma ordem ética, mas 
apenas a possibilita, tendo portanto, uma 'existência independente "'. Nesse sentido, tam-
bém: NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídi- 
co, da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 205. Em Savigny isso 
está no System, 1, §§ 8 e 15, 52. 
48 Cf. NEVES, A. Castanheira. Digesta: escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, 
da sua Metodologia e Outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2, p. 205. 
43 
Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. 
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 10. 
44 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 10. 
46 
KANT. Crítica da razão prática. E Metafísica dos costumos. E fundamentação da meta- 
física dos costumes. Xxx. Em Savigny isso está no System dês heutigen rõmischen 
Rechts, I, § 3 e SS. § 3, I, s.) 
2.2 FUNDAMENTOS 
2.2.1 	Justificações Teóricas ) 
53 
54 	Tomamos essa metáfora do parasita de SERRES, Michel. Le parasite.xxx. 
Cf. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Tradução de A. M. 
Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenlcian, 1993. p. 403. 
52 
Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl Von. Sistema do direito romano atual. Tradução de Ciro 
Mioranza. Ijui: Unijuí, 2004. v. VIII, p. 32 [§ 344]: "as doutrinas dos autores modernos e 
a jurisprudência que a elas se ligam são em grande parte baseadas nas decisões dos ro-
manos, muitas vezes mal compreendidas. Desse modo, a compreensão e a crítica da teo- 
ria e da prática modernas não são possíveis senão por meio de um estudo aprofundado 
dos princípios do direito romano nessa matéria". 
sã ; 	 Rafael Lazzarátto Simioni • 
	' 
povo (Volksgeist)49 — diante do qual esse espírito vai ser colocado como o 
próprio fundamento do direito. 
À Essa referência ao espírito do povo, contudo, não era considerada 
; com a pretensão de universalidade. Pelo contrário, a referência ao valor "espi-rito do povo" era entendida de modo contextual e histórico, quer dizer, a Es-
cola Histórica do Direito pretendia um entendimento do direito como resultado 
, de um processo não só histórico de uma determinada cultura, mas também 
como um processo ligado às especificidades históricas e culturais de cada 
povo. 4 referência a um "espirito do povo" (rolksgeist — a espiritual consciên-
cia comunitária ou, conforme a tradução francesa, o "espirito nacionaP'55 não 
significava, portanto, um absolutismo metafísico ou uma pretensão de univer-
salização homogeneizante, porque a compreensão do direito como um aconte-
cimento histórico e cultural de cada povo significava, ao mesmo tempo, que 
cada povo poderia ter um espírito histórico-cultural diferente. 
Exatamente por esse motivo, a recomendação 'da Escola Histórica 
do Direito vai colocar o direito costumeiro, e não a lei escrita, como o prin-
cipal vetor de racionalidade à interpretação, à argumentação e- à decisão jurí-
dica". Os costumes históricos e culturais de cada povo vão ser, para a Escola 
49 
51 
Cf. SAVIGNY. Citação da consuetude. Xxx. 
50 
noux. Paris: Librarie de Firmin Didot Frères, 1855. t. I, [§ VII], p. 15. 
Cf. SAVIGNY, Friedrich Carl Von. Traité de Droit Romain. Tradução de M. Ch. Gue- 
Curso de Hermenêutica Jurídica Contemporânea 	 57 
Histórica do Direito, o principal eixo de compreensão, o principal valor de 
orientação à interpretação, argumentação e decisão jurídica. 
Daí o grande interesse de Savigny e dos demais representantes des-
sa Escola Histórica do Direito em pesquisar pão só as_manife.stações çultuT rais do direito costumeiro, mas _também as_ origens do direito_e da_c.iência do _ 
direito nos textos romanos52. — 
C: 
Como se pode observar, a fundamentação teórica da Escola Histó-
rica do Direito procurava combinar esses aportes filosóficos da investigação 
histórica, com críticas parasitárias ao movimento do Iluminismo racionalista 
da época. Uma combinação, portanto, de justificações racionais e de críticas 
para demonstrar a insuficiência de se compreender o direito apenas a partir do texto da lei. 
Entendemos por crítica de estilo parasitário aquele tipo de crítica 
que combate uma determinada concepção teórica que, quando vencida, acaba \\ por extinguir a própria crítica". Nesse sentido, a Escola Histórica do Direito 
viveu como um parasita do positivismo legalista pregado no contexto do 
Ilurninismo. Qualificamos de parasita esse estilo de crítica porque, uma vez ..\\ encerrado o sistema parasitado, fatalmente o seu parasita crítico também se ; encerra, perde o sentido. 
Assim, a Escola Histórica justificava a sua pretensão de racionali-
dade (teórica) na necessidade da compreensão histórica do acontecimento do 
direito e nas insuficiências que essa mesma necessidade desvelava na con-
cepção Iluminista do direito, que reduzia todo o fenômeno jurídico apenas ao texto da lei54. E assim a Escola Histórica do Direito justificava, em termos de 
fundamentação teórica (racional), a proposta de conceber o direito como 
r•a4- 
1 
Especialmente porque, para Hegel, pode "acontecer que a lei seja, em seu conteúdo, dife-
rente do que o direito é em si" (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filoso-
fia do direito. Tradução de Norberto de Paula Lima. São Paulo: ícone, 1997. p. 184 [§ 
212]). E "il diritto e ia legge si annunciano come due entità distinte" porque "il terreno 
delle leggi destinate all'uomo, delle leggi dei diritto, è diverso da quello delle leggi della 
natura. 11 terreno di questa legislazione é il regno dello spirito, considerato nel suo com-
plesso, e il diritto si addice solo alio spirito [..] solo il mondo spirituale contiene rapporti 
giuridicr (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Frammento dei corso di filosofia dei diritto 
1831-1832. In: 	. Scritti storici e politici. Tradução de Giovanni Bonacina. Roma: 
Laterza, 1997. [p. 287-293], p. 289. Naturalmente, nos §§ 215 e seguintes dos seus Princí-
pios da filosofia do Direito, Hegel demonstra acreditar na suficiência da razão para cons-
tituir um código perfeito de leis positivas, o contraria a proposta da Escola Histórica: "a 
obrigação para com a lei inclui a necessidade de que a lei seja universalmente conhecida. 
,¢ 216 -.Pode-se, por uni lado, exigir de um código público regras gerais simples, mas, 
por outro lado, a natureza de matéria finita conduz a determinações sem-fim. De um lado, 
o volume das leis deve constituir um todo fechado e acabado; de outro lado, há uma con-
tínua

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