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Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Literatura Contemporânea Unidade 3 - Tendências e Narrativas Curtas Leonora Gerardino Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Introdução Caros alunos, vocês já pararam para pensar a respeito das tendências contemporâneas na literatura brasileira? Já comparou um enredo de prosa de outras épocas literárias com a atual e percebeu diferenças na construção do texto? Você sabia que temos técnicas inovadoras denominadas como “mini-textos”? O percurso e as aventuras de obras e escritores ao longo da história da literatura nos conduziram à contemporaneidade, em que o rigor das estruturas eruditas deram lugar a tradições muito mais ligadas à experimentação e a inovação formal como regras. Além disso, atualmente, vemos a literatura adentrar e discutir universos temáticos muito mais abundantes, em que escritores, bombardeados pela profusão de informações da era digital, aceitam se arriscar por campos antes inusitados da criação. Nesta unidade, iremos dar destaque as tendências que observamos na literatura ao adentrar no mundo globalizado, digitalizado e informacional, descobrir novas técnicas e contextos textuais. Bons Estudos! 1. Temas e formas da poesia contemporânea: antologia de autores diversos Ao falarmos de modernidade e contemporaneidade, é importante ressaltar a grande diversidade de possibilidades de produção de poesia no contexto atual, considerando, inclusive, o universo da poesia digital. E, diante disso, faz-se necessário abordar aqui, também, as novas tecnologias na literatura e de que forma elas estão sendo incorporadas nos processos de produção, como assevera Ribas: Pensar em poesia digital implica focalizar não somente os recursos e técnicas da escrita, mas, tendo em vista o modus operandi destes poetas- voltado à incorporação das novas mídias -, demanda estudar a sua utilização, manuseio e condições subjetivas e objetivas de produção; e, conforme sinalizamos na introdução, tentar compreender a relação das palavras com as coisas a que parecem remeter – e, até mesmo, a perceber se há algum movimento ou proposta de remissão. (RIBAS, 2013, p.48) A era digital construiu um imaginário em que se prevaleceu o desenvolvimento técnico e tecnológico da sociedade. Tal imperativo, ocorrido a tantos campos da atividade humana, atingiu, também, o campo literário. Como coloca Walter Benjamin, Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas em a Obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, a ascensão das revoluções tecnológicas impõs uma maior rapidez para as produções literárias e, sobretudo, criou uma mentalidade em que os indivíduos foram domesticados a desejar obras de arte que, ao contrário do que pressupõe a tradição literária, deveria, não conduzir à reflexões, mas entreter o leitor, feito em consumidor, nos seus momentos de descanso das aceleradas rotinas dos grandes centros urbanos. O enredamento social em contextos de interação e vivência predominantemente digitais fortaleceu essa relação. Como consequência disso, vemos, no espectro largo da criação literária, obras que visam reproduzir efeitos de obras anteriores e amplamente apreciadas pelo público. Por outro lado, temos uma evolução do construtivismo, pois a nova poesia - acompanhada das novas tecnologias - possibilitou que essa poesia visual pudesse apresentar um caráter mais interativo, fazendo uso dos recursos digitais que temos hoje. Apresentaremos adiante alguns autores que, rebatendo-se contra as limitações e regras colocadas à literatura na contemporaneidade, buscam definir novos caminhos para a literatura: ● Roberto Corrêa dos Santos: Roberto Corrêa dos Santos - Fonte: Blog do IMS Leia um trecho de seu poema Transbordamento: A cama do hospital navega./ Sonha-se com as velocidades por sobre azuis e verdes líquidos./ Tombam os organismos, jamais a vida./ E um homem, maravilhosamente exagerado na imanência do mundo, dorme./ Ondas e páginas, ondas em páginas. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Sobre Roberto Corrêa dos Santos, por meio do trecho apresentado, observamos que há uma desorganização do que já fora organizado, uma exploração das possibilidades poéticas e a saída da zona de conforto. Você sabia? Assista ao vídeo de Roberto Corrêa dos Santos declamando a sua obra “Zeugma”, acesse o link a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=JvYvbAgp1tc>. ● Alckmar Santos: Alkmar Santos - Fonte: UFSC Poesias Digitais , 1999 , Alckmar Luiz dos Santos https://www.youtube.com/watch?v=JvYvbAgp1tc http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa204041/alckmar-luiz-dos-santos Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Registro fotográfico Sérgio Guerini Alckmar utiliza-se do hibridismo entre a literatura e hipertextos, mesclando ferramentas oferecidas pela nova tecnologia com o texto em si, desde a preparação até o resultado final. Alckmar gosta bastante de mesclar os textos barrocos com as tecnologias atuais, e um grande exemplo disso é a obra Memory, elaborada como um objeto interativo em Flash. ● Antônio Risério: Antônio Risério - Fonte: Revista Cult Risério, Antônio - Filhos de Luso (1996) Risério explora e valoriza o uso das novas tecnologias para moldar seus textos e, com essa exploração tecnológica, valoriza a mensagem que quer expressar. Risério afirma que, em as suas obras, a lógica digital e computacional são uma das matrizes obrigatórias para a criação literária. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Segundo o autor: [...] ao atuar em sistema informático, a poesia não só desautomatiza nossa visão desses fenômenos contemporâneos, como promove uma aproximação desmistificadora, mostrando que no campo das novas tecnologias, as cartas não estão definitivamente marcadas – nem o jogo foi decidido (RISERIO, 1998, p. 202). ● Ernesto Manoel de Melo e Castro: Ernesto Manoel de Melo e Castro - Fonte: Folha todos os poemas são visuais porque são para ser lidos com os olhos que veem por fora as letras e os espaços mas não há nada de novo em tudo o que está escrito é só o alfabeto repetido por ordens diferentes […] ilusões fechadas para os olhos abertos verem Melo e Castro - “ilusões fechadas para/ os olhos abertos verem” Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas ● Marcelo Sahea: Marcelo Sahea - Fonte: Bandcamp do Autor SAHEA, Marcelo. Ego Marcelo Sahea começou na poesia muito cedo. Já aos 15 anos, ilustrava, compunha suas poesias e apresentava em locais públicos, como em ônibus. O poema Ego, apresentado acima, retrata a forma de um ovo constituído pela palavra “egg” (ovo, em inglês), repetidas vezes, conotando o espaço individual do ser humano e, assim, demarcando o egocentrismo. Notamos também um trabalho melódico, dada a proximidade sonora com a palavra inglesa e a terminologia “ego”. Sahea utiliza a concepção da poesia verbivocovisual, por meio da qual o autor explora conceitos líricos, visuais e sonoros nas suas obras. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Você quer ver? Saiba um pouco mais sobre o conceito de literatura verbivocovisual. Assista ao poema “Lixo Eletrônico (Spam)”, do autor Marcelo Sahea, acessando o link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=pf1uB5lcL14 2. O romance em versos e o diálogo com a tradição: Omeros, de Derek Walcott Estamos muito acostumados com os enredos poéticos provenientes de escritores de linhagem europeia, com suas diversas formas e trejeitos linguísticos, que já são clássicas nas produções literárias. Mas o que dizer sobre as culturasdos povos de etnias afrodescendentes e indígenas? Por que não conhecer mais a respeito dessas culturas? O grande fato é que as culturas afro e indígenas são consideradas subculturas, uma vez que é a cultura do homem branco que predomina. No entanto, opondo-se a este pensamento, apresentamos o autor Derek Walcott. Derek Walcott - Fonte: Metrópolis Derek Alton Walcott, caribenho da cidade de Castries, nasceu no dia 23 de Janeiro de 1930 e faleceu em 17 de Março de 2017. Começou a escrever suas obras aos 18 anos, iniciando com Twenty Five Poems, em 1948. https://www.youtube.com/watch?v=pf1uB5lcL14 Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Walcott era descendente de negros, ingleses e alemães e trazia consigo estas variedades étnicas para elaborar a busca pela identidade em suas obras, apresentando uma poesia transcultural (misturando elementos clássicos da literatura e a cultura afro caribenha). Walcott propõe uma grande reflexão com relação às experiências de seu povo em Santa Lúcia, tratando com saudosismo sua identidade e herança cultural. Uma das suas obras mais conhecidas é Omeros, lançada em 1990, relatando a temática e cultura africana. Para que possamos analisar a obra, vamos começar pelo seu nome: Omeros, de Walcott, significa “interesse pelo mar” e vem de Homero, poeta das Ilíadas. Aqui, temos os personagens que fazem referências à obra grega, são eles: Achille (Aquiles), Philoctele (Filoctetes), Heitor e Omero (Homero). O próprio personagem Achille é a busca de Walcott pela sua identidade, sua autoaceitação da herança híbrida de etnias. Isso confirma-se no momento em que Achille retorna ao passado para poder se reconhecer e se conectar com suas origens africanas. Os personagens da obra não são caracterizados como heróis, deuses mitológicos ou monstros, e sim são representados por pessoas normais que caracterizam o povo caribenho. Temos a união do povo nativo da ilha (os pescadores), e o turista - apresentamos aqui um traço bastante marcante de contemporaneidade. Essa união entre o turista e o nativo visa construir uma equivalência valorativa, no plano narrativo, entre turista (representando a elite, o branco, o europeu) e o nativo (representando o oprimido, o negro, o afrodescendente), oferecendo ao leitor um imaginário que, talvez, não esteja habituado a conceber em seu cotidiano. Como já citamos, o tema central é a busca pela própria identidade, além disso, vemos que, em Omeros, Walcott revela-se bastante patriota (ao trazer a beleza de sua terra natal), faz uma grande crítica ao fardo do colonialismo e à fragmentação da identidade caribenha - visto que os colonizadores, de todos os países que foram apropriados, tendem a perder seus costumes e identidade (vide povos negros e indígenas). Walcott fora um herói na construção da obra, pois deu voz àqueles que sofreram com os ditames escravocratas na América e fez uma obra que difundiu elementos que enfatizam os mitos e relembram os contos e lendas tradicionais. Além desse cuidado com o contexto, preocupou-se em detalhar os tipos de conversas, histórias, minúcias e descrições de espaço. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas O foco da obra é restaurar a identidade e a cultura nativa das territorialidades em questão, bem como da consciência negra, em geral. Tal identidade cultural é aproveitada para divulgar a cultura afrodescente e resgatar seu valor. Sobre a estrutura da obra, separa-se da seguinte maneira: ● 192 cânticos com metáforas, estrutura de Terza Rima e com versos brancos e rítmicos. ● Versos feitos em hexâmetros (6 métricas) e estrofes em tercetos (3 métricas). ● Linguagem coloquial; ● Referências a elementos externos, não provenientes da cultura afro, como o escritor Edgar Allan Poe, Homero e até mesmo aos Beatles. Walcott faleceu em 2017 e com certeza deixou uma obra imensamente inovadora para os leitores. Você quer ler? Leia a obra “Omeros”, de Derek Walcott, e descubra o mundo mágico caribenho proporcionado pelo autor. 3. Tendências da Prosa Contemporânea Antes de nos aprofundarmos na prosa na contemporaneidade, vamos descobrir do que se trata este modalidade literária, como definimos um texto como prosa e quais as suas características. Primeiramente, a prosa é classificada como um texto predominantemente narrativo, originado das antigas contações de história e, portanto, abarca acontecimentos (ação sobre o tempo) em uma determinada localidade (ação sobre espaço). Desta forma, percebemos que o central na prosa é que as palavras dão forma, fazem mimese da ação humana sobre o mundo real. Temos dois tipos de prosa, a saber: Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas - Prosa Narrativa: para textos históricos e de ficção; - Prosa Demonstrativa: para ensaios, cartas e oratórias. Também é possível classificar a prosa de acordo com a função que desempenha: prosa narrativa, informativa, dramática, contemplativa e argumentativa. Veja alguns exemplos de cada uma delas: - Prosa Narrativa: Conto; - Prosa Informativa: Reportagem; - Prosa Dramática: Peça de Teatro; - Prosa Contemplativa: Ensaios; - Prosa Argumentativa: Tratados. Outra categoria bastante peculiar à prosa é a prosa poética. Tal termo foi criado pelo linguista Roman Jakobson em plena época do simbolismo francês. A prosa poética é desenvolvida às últimas consequências centralmente por escritores que buscavam empregar o chamado “fluxo de consciência”. Tal técnica consiste em descrever a maneira como ocorreria os pensamentos de uma personagem e/ou narrador. Ainda assim, nem só neste contexto vemos seu emprego. Tal característica consiste, sobretudo, num trabalho mais apurado com a escolha de palavras e composição de frases, aproximando a estética tradicional da prosa, mais descritiva e objetiva, à da poesia, mais sugestiva e subjetiva. Vamos focar agora nas tendências da prosa contemporânea brasileira. Dentre os temas mais abordados, temos: ● A Prosa Regionalista: Cujo cenário retrata o homem do campo, ou o homem do interior, e o meio em que vive. Destaque para o escritor Luiz Antônio de Assis Brasil. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Luiz Antônio de Assis Brasil - Fonte: Companhia das Letras ● Prosa Política: Neste cenário temos uma denúncia à violência política no país - como resquícios de momentos passados, como a Ditadura Militar, por exemplo. Um dos escritores em destaque é Josué Guimarães. Josué Guimarães - Fonte: UPF - Universidade Passo Fundo ● Realismo Fantástico: São situações que unem o real e o imaginário. Obteve uma forte influência do surrealismo. A América do Sul tem um grande destaque na temática do realismo fantástico - citaremos a seguir Julio Cortázar, como um grande representante da Argentina. A metáfora é uma figura de linguagem bastante utilizada nesse cenário, para poder aproximar a fantasia da realidade. No Brasil, merece destaque o escritor Moacyr Scliar. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Moacyr Scliar - Fonte: Companhia das Letras ● Romance Reportagem: Aqui, temos um tipo de prosa que relata temas do cotidiano - bem como noticiários que vimos em telejornais e folhetins. A linguagem apresentada é mais direta, e o autor traz o real dentro da ficção. Destaque para o jornalista e escritor Rubem Fonseca. Rubem Fonseca - Fonte: Estante Virtual Por fim - e não menos importante - temos a crônica e o conto, que são as narrativas curtas. Iremos nos aprofundar um pouco mais sobre elas no próximo tópico, mas já podemos adiantar que essas são as maiores tendências atuais. Literatura Contemporânea- Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Começando pela crônica, que está bastante presente em jornais e revistas, apresenta ironia e humor como ferramentas linguísticas. Apresenta, normalmente, temáticas relacionadas a situações do cotidiano presente e, por isso, as crônicas são consideradas “textos com prazo de validade”. Autores importantes para o gênero: Luís Fernando Veríssimo e Martha Medeiros. Luís Fernando Veríssimo - Fonte: Companhia das Letras Martha Medeiros - Fonte: O Globo Você quer ler? Acesse o link da página “Refletir para Refletir” e conheça as 4 crônicas mais famosas de Martha Medeiros, Clique aqui: https://www.refletirpararefletir.com.br/4-cronicas-de-martha-medeiros https://www.refletirpararefletir.com.br/4-cronicas-de-martha-medeiros Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Finalizamos o tópico explicando um pouco sobre o conto como tendência linguística. É uma narrativa curta, com espaço e tempo bem definidos. Dos autores em destaque, citaremos um grande nome do gênero, Clarice Lispector. Clarice Lispector - Fonte: Revista Cult Nos dias de hoje, temos ainda os minicontos (ou microcontos), que são compostos por, mais ou menos, 280 caracteres (desde 2017, quando antes era de apenas 140), com relatos do dia a dia e situações atuais. Podemos comparar os minicontos com postagens em redes sociais, por exemplo. A rede social Twitter é um grande exemplo de miniconto da atualidade. Postagem do Jornal Estadão no Twitter - Fonte: Twitter Os blogs virtuais e as redes sociais são as maiores ferramentas de expansão da literatura. Com elas, temos inúmeros escritores ao redor do mundo. No conto, por exemplo, é possível considerar que um relato de alguma situação que nos ocorre em Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas um determinado dia, possa ser o enredo para um conto. O surgimento desses minicontos deve-se pela nossa rotina dos dias atuais, já que a vida do ser humano é bastante corrida. Quando navegamos na internet e seguimos uma celebridade, temos total interesse em saber como essa pessoa se comporta na sua vida pessoal, ou então, quando acessamos nossas redes sociais, sempre observamos as postagens de nossos amigos. Você já parou para pensar que essas postagens nada mais são do que contos? E que quem o postou é o maior protagonista dessa história? 3.1. Os novos autores da era digital Vivemos em um mundo bastante globalizado, com uma grande variedade de informações, fontes e recursos. Dessa forma, o ato de se escrever ganha novos territórios, construindo novas relações de comunicação, já que podemos postar conteúdos em blogs e redes sociais a qualquer momento para qualquer pessoa. Nesse sentido, temos os os famosos blogueiros e youtubers, que são, no nível mais popular e massificado da cultura, os predominantes produtores de conteúdos de e sobre “literaturas” digitais. Nos dias de hoje, a comunicação digital tem ganhado cada vez mais espaço no tocante aos nossos hábitos de leitura. Frequentemente estamos lendo postagens de nossos amigos de redes sociais, trocamos mensagens instantâneas em celulares, assistimos aos vídeos dos nossos canais favoritos e lemos blogs na internet do que pegamos um livro para ler. Esse costume deve-se pela correria do cotidiano e a disponibilidade digital. Esses produtores de conteúdo ou esses usuários digitais muitas vezes redigem sobre eles mesmos. Repare em suas redes sociais. Quantos amigos virtuais falam sobre como foram suas rotinas? O que comeram, o que beberam, pra onde foram? Essas postagens revelam uma realidade ficcionada de quem escreve. No caso, o autor é o próprio personagem da história. Quem redige essas publicações, necessita de um certo público para a sua história. Esse fato é tão evidente que, muitas vezes, eles pagam por impulsionamento de suas postagens. Nesse sentido, a "evasão de privacidade" ocupa ao mesmo tempo dois lugares incompatíveis: os posts falam o tempo todo em primeira pessoa, são verdadeiras válvulas de escape do umbiguismo, mas não garantem a transparência do Eu que desaparece por trás de suas performances, configurando o movimento simultâneo de evocação e evasão de uma Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas intimidade que faz vacilar o horizonte de expectativa de seu leitor. (AZEVEDO, p.45, 2008) O que a autora quis dizer com a afirmação é que esses “autores” manipulam uma vida que não é totalmente real. Mesmo que tenha fundamentos de realidade, o autor sempre irá romantizar ou eufemizar a sua realidade, com o intuito de atrair seguidores, que são os seus leitores. Ainda explorando a questão dos autores digitais, temos a vertente dos escritores de blogs ou produtores de conteúdo para vídeos. Neste caso, temos um autor que escreve para compartilhar ideias ou informações, ou seja, não são as postagens pessoais citadas anteriormente. Com a expansão do gênero conto e demais gêneros da prosa, vários blogs ou canais de Youtube exploram o conhecimento e o entretenimento do espectador/leitor. Retornamos, portanto, ao momento em que o autor torna-se protagonista do seu texto. Vários produtores de conteúdos para blogs ou canais de Youtube já redigiram livros bibliográficos, explicitando a sua vida particular aos seguidores de seus textos e canais. 4. A narrativa curta contemporânea A narrativa curta é o que chamamos de contos. Este gênero textual tem a relação espaço-tempo bem definida e reduzida para se adequar exatamente ao momento em que a história é narrada. Além do curto espaço e tempo, há uma redução, também, no número de personagens. A linguagem utilizada nos contos geralmente é simples, para que o leitor possa compreender exatamente qual a mensagem narrada. É bastante utilizado para despertar nas crianças o interesse pela leitura. A estrutura dos contos - ou das narrativas curtas - é bastante recheada de diálogos, além da presença do narrador - mesmo que em alguns casos seja escassa. De qualquer forma, compõem o gênero de narração curta (conto): ● A presença de um enredo; ● A presença de um narrador; ● Um ponto de vista; ● Personagem(ns) - às vezes, o próprio narrador é o personagem. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Segundo o crítico alemão Anatol Rosenfield, as narrativas curtas internacionais assumem diferentes formas estruturais das narrativas brasileiras, vamos a elas: ● Short Stories: estilo de conto construído para trazer uma unidade de efeito ao leitor. Ex.: O Barril de Amontillado - Edgar Allan Poe. Edgar Allan Poe - Fonte: Revista Galileu ● Tales: é a narrativa que não depende de um acontecimento central, com uma forma mais livre. Ex. Contos da Cantuária - Geoffrey Chaucer. Geoffrey Chaucer - Fonte: O Explorador Ainda citando a estruturação da narrativa curta, esta precisa ter o tempo bem definido, com começo, meio e fim. Dois elementos fundamentais para a narrativa curta é a existência do clímax (momento de tensão em que a história deverá tomar um rumo) e a existência de diálogos. Esses diálogos podem ser estruturados no discurso direto, indireto e indireto livre. Vamos entender um pouco a diferença entre eles: ➔ Discurso Direto: aqui os personagens dialogam entre si; Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas ➔ Discurso Indireto: quando o narrador “conta” a fala de tal personagem; ➔ Discurso Indireto Livre: a mistura entre o discurso direto e o indireto, em que a fala do narrador confunde-se com a da personagem. Ainda, podemos classificar as narrativas curtas quanto ao seu foco narrativo, como primeira ou terceira pessoa, veja a diferença: -Na primeira pessoa, o personagem principal é o próprio narrador, portanto, a história é narradado ponto de vista deste personagem; -Na terceira pessoa, temos o narrador observador (que apenas descreve o que está acontecendo na história) e o narrador onisciente (que sabe de tudo sobre os personagens, suas vidas, seus pensamentos e temperamentos). Nos dias atuais, podemos associar a criação de narrativas curtas com as elaborações de postagens em blogs ou redes sociais. No segmento da narrativa fantástica, temos as famosas Creepypastas, que são narrativas (com ou sem diálogo) de lendas urbanas provenientes da internet. Você quer ver? Conheça algumas Creepypastas mais famosas, assistindo ao canal ChocolaTV, clicando no link: https://youtu.be/rVe1bfQTBKE Temos na literatura diversos nomes consagrados nessa modalidade das narrativas curtas, a seguir iremos conhecer um pouco mais sobre Julio Cortázar e a sua obra “O Bestiário”, adentrando um pouco sobre o conceito de narrativa fantástica. 4.1. A arte do conto em Julio Cortázar: O Bestiário Julio Florencio Cortázar, ou apenas Júlio Cortázar, foi um escritor argentino, nascido na embaixada da Argentina em Bruxelas. Cortázar é uma grande referência na literatura de gênero fantástico que, nas palavras do próprio escritor: “Quase todos os contos que escrevi pertencem ao gênero chamado fantástico por falta de nome melhor” (CORTÁZAR, 2006, p. 148). Cortázar inspirou-se em autores renomados da literatura fantástica, como Edgar Allan Poe. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Julio Cortázar - Fonte: El País Brasil Mas é válido lembrar que, mesmo existindo uma certa inspiração em Poe, nunca devemos confundir as suas obras como um segmento de Poe, uma vez que as obras de Edgar Allan Poe são de caráter policial e suspense, enquanto Cortázar se aventura no mistério. O escritor argentino fez suas obras de maneira genial, o que torna possível que se leitor não se decepcione com o enredo das obras, pois Cortázar sempre instiga o leitor a desvendar os mistérios do narrador e a procurar pistas no decorrer do conto para entender como é a real personalidade de seus personagens. Isso é o que denominamos como “as aparências enganam”. Falaremos um pouco sobre a sua pioneira obra, O Bestiário, que conta com oito contos - sendo um deles o homônimo do título do livro, e é neste que iremos nos aprofundar durante este tópico - com características de contos curtos. Antes de analisar o conto em si, é importante analisarmos o significado do nome do conto, Bestiário, segundo o dicionário: Bestiário: ● Gladiador que, nos circos romanos, lutava contra animais ferozes; ● Conjunto de iconografia animalista medieval, abundante sobretudo em escultura; ● Literatura Obra didática da Idade Média, com descrição de animais reais ou fabulosos. Fonte: Dicionário Dicio Online Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas Todas as definições acima fazem referências à obra, e há também uma alusão da “fauna humana”, uma vez que nós também pertencemos ao reino animal. Não apenas no título, mas Cortázar também utiliza simbolismos e outras nomenclaturas no texto, por exemplo: ● Funes: o nome da família é bastante semelhante à palavra “fauna”, uma analogia interessante referente ao comportamento selvagem dos personagens do conto. ● Nino: filho de Luís, o menino. Em espanhol, menino é traduzido como Niño. Além do jogo de palavras, Cortázar transforma o real e o imaginário em dois universos paralelos, divididos em o que somos de fato e o que gostariamos de ser. A história passa em Mar Del Plata, Argentina, e gira em torno da protagonista Isabel, uma garotinha que vai passar a temporada de verão junto à misteriosa família Funes. A família é composta por Rema, Nenê, Luís e o menino Nino, e junto a eles mora um Tigre. Há uma forte tensão no decorrer do conto, tanto pela relação humana com os animais - sob a presença do tigre que inclusive ataca Nenê, pelo fato da família fazer experimentos com outros animais (formigas, caracóis e gafanhotos) - e os conflitos familiares - ao percebermos que há uma subliminaridade incestuosa de Rema com seus irmãos Nenê e Luís. Retomando à questão dos simbolismos existentes no conto, citamos que a família faz experimentos científicos com outros animais (formigas, caracóis e gafanhotos), e esses animais não foram inseridos no conto por acaso, pois cada um apresenta um significado relacionado à natureza humana: ● Formigas: qualidade laboral; ● Gafanhotos: qualidades detalhistas, observadores; ● Caracóis: conceito de malandragem. Quanto à perspectiva do real e do imaginário, Cortázar faz um jogo com a realidade familiar, no sentido de desavenças, com o que é considerado estranho. Toda a situação e até mesmo as características das personagens nos remete a uma reflexão entre o real e o imaginário. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas A presença do tigre na residência, levando a todos os moradores se prenderem para ter cautela com o animal, nos faz pensar que este simboliza a repressão dos nossos desejos ocultos, principalmente quanto à sexualidade e à violência. Outra simbologia de nomenclatura vem do próprio nome do personagem Nenê, que representa a imaturidade do ser humano - uma vez que chamamos bebês de nenês. Dessa forma, conclui-se portanto que o ambiente da obra é o próprio nicho de feras, que lutam pela sobrevivência. Podemos associar o personagem Nenê a um animal que sai à caça e Rema como a própria caça e, como o conto é narrado segundo a perspectiva de Isabel, ela pode representar os gafanhotos - presentes nos experimentos dos Funes. Por fim, ao caracterizarmos o conto como gênero “fantástico”, temos nele o descobrimento daquilo que é “estranho”, ou “extraordinário”. Visto que os animais presentes no contexto não são animais convencionais de se ter, como cachorro, gato, pássaro etc. Além da presença do tigre, que mesmo tendo uma representação metafórica, foi o animal escolhido por Cortázar para representar a selvageria interior do ser humano. Síntese Essa foi mais uma unidade da disciplina Literatura Contemporânea, na qual pudemos conhecer um pouco mais sobre as tendências literárias tanto no âmbito da poesia, quanto na prosa. ● Descobrimos que as novas tecnologias estão associadas à criação da poesia contemporânea; ● Conhecemos um pouco das obras de artistas como Roberto Corrêa dos Santos, Alckmar Luiz dos Santos e Antônio Risério (e outros artistas) e as suas artimanhas na junção entre literatura e novas tecnologias; ● Conhecemos um pouco sobre Derek Wacott e a sua poesia caribenha, em Omeros. Nessa obra, foi possível descobrir um pouco sobre o nacionalismo de Wacott e as metáforas utilizadas na sua obra; ● Aprendemos sobre as narrativas curtas e suas características; ● Associamos essa categoria de narrativa curta com os contos; Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas ● Aprendemos sobre a obra de Julio Cortázar, o bestiário, e fizemos uma reflexão sobre o contexto da obra, procurando entender melhor sobre o que seriam as narrativas curtas com esse exemplo do autor argentino. Bibliografia MAGALDI, Sábato. Tendências contemporâneas do teatro brasileiro. Estudos Avançados. v. 10, n. 28. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados - USP, 1996, p.277-289. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/viewFile/8963/10515>. Acesso em: 25.06.2019. DALCASTAGNÈ, Regina. A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. n. 26, 2005. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/2123>. Acesso em: 25.06.2019. RIBAS, Maria Cristina Cardoso. Poesia no século XXI: modos de ser, modos de ver. Contexto. Universidade Federal do Espírito Santo, 2013/1, p. 39-74. Disponívelem: <http://periodicos.ufes.br/contexto/article/view/8244>. Acesso em: 25.06.2019. Perrone-Moisés, Leyla. Os heróis da literatura. Estudos Avançados. vol.25. n.71. São Paulo Jan./Apr. 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103- 40142011000100017>. Acesso em: 25.06.2018. AZEVEDO. Luciene Almeida De. Autoficção e literatura contemporânea. Revista Brasileira de Literatura Comparada. n.12, 2008. Disponível em: <http://revista.abralic.org.br/index.php/revista/article/download/179/182>. Acesso em: 25.06.2019. Cunha Jr., Henrique, Fernandes Vieira, Lílian Cavalcanti, Derek Walcott e Omeros: uma discussão sobre a problemática das identidades afro-caribenhas. Revista Brasileira do Caribe [en linea] 2010, XI (Julio-Diciembre) : [Fecha de consulta: 26 de junio de 2019] Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=159117414002>. CORTÁZAR, Júlio. O Bestiário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. http://www.revistas.usp.br/eav/article/viewFile/8963/10515 http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/2123 http://periodicos.ufes.br/contexto/article/view/8244 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142011000100017 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142011000100017 http://revista.abralic.org.br/index.php/revista/article/download/179/182 http://www.redalyc.org/articulo.oa Literatura Contemporânea - Unidade Nº 3 - Tendências e Narrativas Curtas
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