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2015 DiDática e MetoDologia De ensino De língua Portuguesa e literatura Prof. Iara de Oliveira Copyright © UNIASSELVI 2015 Elaboração: Prof. Iara de Oliveira Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 469 O48d Oliveira, Iara de Didática e metodologia de ensino de língua portuguesa e literatura / Iara de Oliveira. Indaial : UNIASSELVI, 2015. 218 p. : il. ISBN 978-85-7830-922-0 1. Língua portuguesa. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. III O desenvolvimento tecnológico do último século gerou transformações de várias ordens – social, cultural, econômica, política – atingindo, inclusive, a instância educacional. O aprimoramento da educação a distância, o desenvolvimento de ambientes virtuais de ensino, as videoaulas, etc. romperam as fronteiras dos espaços escolares e levaram a educação formal para os mais diversificados lugares. No entanto, toda essa evolução não apagou ou diminuiu a importância do professor. Ela, na verdade, reforçou o caráter de mediador deste profissional, atribuindo-lhe novas e dinâmicas funções. Dessa forma, tornar-se professor, no caso específico do curso de Letras, professor de língua portuguesa e literatura, é aceitar-se como agente de transformação, comprometendo-se com a formação de cidadãos conscientes de seus papéis e capazes de promover mudanças nos contextos em que se inserem. Esta, no entanto, não é uma tarefa fácil. Ela exige do docente uma formação de qualidade, aprimoramento constante e ações reflexivas das quais depende a excelência do processo ensino-aprendizagem. A disciplina de Didática e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa vem justamente atender à necessidade de fornecer ao futuro docente material reflexivo e instrumental para uma prática pedagógica consciente, qualificada e comprometida com a formação de sujeitos críticos e socialmente ativos. Por isso, o Caderno de Estudos desta disciplina que chega as suas mãos não fornece receitas de aulas atrativas ou apresenta soluções prontas para as questões que mobilizam o ensino de língua portuguesa. Seu propósito é apresentar temas que suscitem a reflexão e permitam que o futuro professor possa encontrar os seus próprios caminhos de atuação. Desse modo, na primeira unidade estudaremos os fundamentos e os pressupostos teórico-metodológicos que envolvem o ensino de língua portuguesa e literatura, procurando entender a trajetória desta disciplina na educação brasileira e como se caracteriza na atualidade. Também refletiremos sobre o currículo, observando sua evolução ao longo da história da educação e entendendo-o como um artefato sociocultural importante para dimensionar os propósitos do processo de ensino-aprendizagem. A segunda unidade é dedicada à reflexões sobre o ensino de língua e literatura no ensino fundamental e médio. Nela estudaremos o processo de ensino-aprendizagem de língua e literatura, bem como as abordagens dadas ao texto literário em sala de aula. Também nos dedicaremos a entender como planejar adequadamente as aulas, como elaborar um plano de ensino e de aula e como escolher as melhores estratégias metodológicas para o ensino da língua portuguesa. aPresentação IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! A terceira e última unidade é dedicada à avaliação. Nela estudaremos as concepções de avaliação aplicadas ao ensino-aprendizagem na atualidade, veremos o que são instrumentos e critérios de avaliação, bem como procuraremos entender a associação que hoje se estabelece entre avaliação e heterogeneidade. Para concluir, apresentaremos alguns desafios a serem superados pelo professor de língua portuguesa. Com esse percurso, esperamos que você possa traçar caminhos que o levem a desempenhar as funções docentes com competência, sempre consciente da necessidade de atualização e aprimoramento. Também almejamos que o instrumental aqui fornecido possibilite que sua prática pedagógica seja dinâmica e sempre passível de remodelação, conforme as necessidades identificadas durante os processos avaliativos. Por fim, desejamos que você faça uma ótima leitura e uma excelente reflexão! NOTA V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII suMário UNIDADE 1 – OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS ................................................................................................ 1 TÓPICO 1 – OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA................................................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 BREVE PANORAMA DO ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA NO BRASIL ................ 3 2.1 A DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: BREVE TRAJETÓRIA ............................................................................................................................. 4 3 OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS E SUA INFLUÊNCIA NO ENSINO DE LINGUA E LITERATURA ..................................................................................................................................... 9 4 CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO VERSUS LETRAMENTO............................................. 13 5 ENSINO DE LÍNGUA....................................................................................................................... 16 5.1 ELABORAÇÃO DIDÁTICA E CONHECIMENTO TEÓRICO ................................ 19 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 23 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 24 TÓPICO2 – OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA ........................................................................................... 27 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 27 2 OS PARADIGMAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA ....................................................................................... 27 2.1 TEORIA INATISTA DA APRENDIZAGEM .................................................................. 28 2.2 BEHAVIORISMO, TEORIA COMPORTAMENTALISTA OU TEORIA AMBIENTALISTA .................................................................................................................... 29 2.3 TEORIA INTERACIONISTA ............................................................................................... 31 2.3.1 Teoria Interacionista-Construtivista.................................................................................. 32 2.3.2 Teoria Sociointeracionista ................................................................................................... 33 2.4 TEORIA DA AFETIVIDADE ............................................................................................... 36 2.5 A PSICOGÊNESE DA LINGUA ESCRITA ..................................................................... 37 3 PRESSUPOSTOS TÉORICO-METOLÓGICOS: OS PCNS ...................................................... 39 3.1 PCN ENSINO FUNDAMENTAL ....................................................................................... 40 3.2 PCN ENSINO MÉDIO ............................................................................................................ 46 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 54 TÓPICO 3 – O CURRÍCULO COMO ARTEFATO SOCIOCULTURAL ................................... 57 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 57 2 VISÕES DE CURRÍCULO ............................................................................................................... 57 2.1 TEORIA TRADICIONALISTA ........................................................................................... 58 2.2 TEORIA TECNICISTA ........................................................................................................... 59 2.3 TEORIAS CRÍTICAS ............................................................................................................... 62 2.4 TEORIAS PÓS-CRÍTICAS ..................................................................................................... 63 VIII 3 NOVAS DIMENSÕES PARA O CURRÍCULO ............................................................................ 65 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 68 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 72 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 73 UNIDADE 2 – PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO............................... 75 TÓPICO 1 – O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO ....................................................................................... 77 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 77 2 O ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA: QUESTÕES GERAIS .......................................... 77 2.1 POR UM ESTUDO META OU EPILINGUÍSTICO? ..................................................... 78 3 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA COM BASE NO TEXTO ....................................... 81 4 MÉTODOS E TÉCNICAS DE ENSINO ........................................................................................ 84 4.1 MÉTODOS DE ENSINO ......................................................................................................... 85 4.2 TÉCNICAS DE ENSINO ........................................................................................................ 87 5 O ENSINO HÍBRIDO ....................................................................................................................... 89 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 92 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 94 TÓPICO 2 – O TEXTO LITERÁRIO: ABORDAGENS E ENSINO ............................................. 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 95 2 O TEXTO LITERÁRIO: DESCAMINHOS ................................................................................... 95 3 O TEXTO LITERÁRIO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS DA EDUCAÇÃO ....................... 97 4 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA O ENSINO DE LITERATURA: SUGESTÕES ....................................................................................................................................... 101 4.1 O TRABALHO COM A POESIA ......................................................................................... 101 4.1.1 Democratizando a poesia ................................................................................................... 102 4.1.2 Varal literário ........................................................................................................................ 104 4.1.3 Produzindo como os dadaístas .......................................................................................... 105 4.1.4 Limeriques ............................................................................................................................ 106 4.2 O TRABALHO COM A NARRATIVA .............................................................................. 106 4.2.1 Romances .............................................................................................................................. 107 4.2.2 Contos e crônicas ................................................................................................................. 108 5 SOBRE O TRABALHO COM O TEXTO LITERÁRIO: OUTRAS POSSIBILIDADES ....... 108 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 111 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 112 TÓPICO 3 – PLANEJAMENTO: ESCOLHAS PEDAGÓGICAS PARA O ÊXITO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................................... 113 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 113 2 O PLANEJAMENTO ......................................................................................................................... 113 2.1 O PLANO DE ENSINO .......................................................................................................... 114 2.1.1 Elementos do plano de ensino ........................................................................................... 116 2.1.2 Plano de aula ........................................................................................................................127 3 SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS ........................................................................................................... 132 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 137 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 141 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 143 IX UNIDADE 3 – A AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA E LITERATURA ........................................................................................ 145 TÓPICO 1 – AVALIAÇÃO ESCOLAR: CONCEPÇÕES E HISTÓRICO .................................. 147 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 147 2 CONCEPÇÕES DE AVALIAÇÃO ................................................................................................... 147 3 BREVE HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO NO BRASIL ................................................................ 150 4 TIPOS DE AVALIAÇÃO................................................................................................................... 156 5 A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO DA APRENDIZAGEM POR HABILIDADE E COMPETÊNCIA ................................................................................................................................. 160 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 168 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 169 TÓPICO 2 – O PROCESSO AVALIATIVO EM SALA DE AULA: CRITÉRIOS E INSTRUMENTOS ......................................................................................................... 171 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 171 2 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO ............................................................................................. 171 2.1 TIPOS DE INSTRUMENTOS ............................................................................................... 172 2.1.1 Prova ...................................................................................................................................... 172 2.1.2 Produções individuais ou coletivas .................................................................................. 180 2.1.3 Portfólio ................................................................................................................................. 182 2.1.4 Seminários ............................................................................................................................. 184 2.1.5 Outros instrumentos de avaliação ..................................................................................... 186 3 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO ........................................................................................................ 187 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 194 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 195 TÓPICO 3 – AVALIAÇÃO E HETEROGENEIDADE .................................................................... 197 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 197 2 SE SOMOS TODOS DIFERENTES, ENTÃO, POR QUE A AVALIAÇÃO É IGUAL? ........ 197 3 AVALIAR EM LÍNGUA PORTUGUESA: OS DESAFIOS DO PROFESSOR ....................... 202 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 207 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 210 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 211 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 213 X 1 UNIDADE 1 OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • analisar a trajetória do ensino de língua portuguesa no Brasil; • reconhecer a influência dos estudos linguísticos no ensino atual de língua portuguesa; • diferenciar codificação/decodificação de letramento; • comparar as diversas teorias de aprendizagem; • analisar os pressupostos teórico-metodológicos que subsidiam os docu- mentos oficiais da educação brasileira; • compreender o currículo como artefato sociocultural. Esta unidade apresenta-se dividida em três tópicos para facilitar a compreensão do conteúdo. Ao final de cada um deles, há atividades que servirão para revisar, fixar e ajudar a construir seu conhecimento sobre o tema. TÓPICO 1 – OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA TÓPICO 2 – OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA TÓPICO 3 – O CURRÍCULO COMO ARTEFATO SOCIOCULTURAL 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 1 INTRODUÇÃO Para que possamos, acadêmico(a), compreender as questões que subsidiam o ensino de língua portuguesa e literatura, estudaremos, primeiramente, aspectos essenciais de fundamentação. Veremos um breve panorama do ensino de língua e literatura, identificando as mudanças de paradigma que ocorreram nas últimas décadas. Na sequência, abordaremos a influência dos estudos linguísticos para o ensino de língua, bem como a alternância da visão de codificação/decodificação para a de letramento. Por fim, fechando este primeiro tópico, analisaremos a questão do ensino. Vamos, lá? 2 BREVE PANORAMA DO ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA NO BRASIL Vivemos em um mundo de constantes transformações. Elas se evidenciam em todos os contextos, inclusive no educacional. No entanto, percebemos que na educação as mudanças parecem obedecer a um ritmo um pouco mais lento, pois, há muito envolvido, ou seja: os investimentos governamentais demoram a chegar ao seu destino e há diversos entraves burocráticos; existe certa pressão da sociedade para que os estudantes aprendam a conviver e lidar com as novas tecnologias – este é também um apelo do mercado de trabalho; as políticas educacionais pedem, tanto à escola pública quanto à privada, uma reflexão sobre a inclusão; os índices de aproveitamento e rendimento; novas dinâmicas educacionais, etc. Não bastasse esse caleidoscópio de temas, há as questões que envolvem diretamente o professor e seu fazer docente: suas bases teóricas, suas escolhas epistemológicas, o planejamento, as questões de socialização e ambientação dos alunos no espaço escolar, sua formação continuada e a atualização de seus conhecimentos e práticas. Não podemos desconsiderar o fato de que os salários da área não são os mais competitivos do mercado e os planos de carreira, bem como os de formação, nem sempre são satisfatórios. Por tudo isto, não é incomum encontrar docentes sobrecarregados, às vezes desmotivados, que para otimizar seu tempo ou facilitar seu trabalho, procuram “na internet” aulas prontas ou fórmulas de sucesso para uma aula “show”. UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 4 Estimado(a) acadêmico(a)! Você já ouviu ou leu sobre isso, mas é sempre bom reforçar: não existemfórmulas mágicas, e as aulas “show” só ocorrem se nos prepararmos e nos esforçarmos, buscando um caminho adequado para transformar o que aprendemos durante nossa trajetória acadêmica e profissional, em conteúdos acessíveis, de qualidade, aos nossos estudantes. É o que chamamos de elaboração didática a qual abordaremos mais adiante. Esse processo exige de nós reflexão, senso crítico, criatividade e conhecimentos dos meandros da sala de aula. Por isso, faz-se tão necessário estudar a metodologia e a didática, porque fundamentarão a prática docente fundamentos para trilhar os caminhos das elaborações e sermos, de fato, eficientes e eficazes como professores de língua e literatura. Para que possamos ser profissionais dessa área preparados e conscientes de nossa função, é importante que conheçamos um pouco da disciplina a qual escolhemos lecionar. 2.1 A DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: BREVE TRAJETÓRIA Todos sabemos, por nossas incursões nas aulas de História do Ensino Fundamental e Médio, que os portugueses foram nossos conquistadores e, desse modo, trouxeram, quando iniciaram o processo de colonização, sua cultura e, com ela, a língua portuguesa. No entanto, até o século XVIII o português não era exatamente a língua oficial: os jesuítas pregavam em latim; a predominância de indígenas trazia um emaranhado de línguas (com destaque para o tupi-guarani); além das línguas africanas, trazidas pelos escravos e que muito contribuíram para a constituição da língua que falamos e escrevemos na atualidade. Diante desse quadro, entendemos porque alguns estudiosos da língua, como o dicionarista e gramático Antonio Houaiss (1985), afirmam que nossa língua portuguesa é fruto da diversidade. A língua portuguesa, durante os dois primeiros séculos de nossa colonização não fazia parte do currículo. Ela servia apenas como um instrumento de alfabetização, para que depois, em ambientes de ensino mais “acadêmicos”, fosse utilizado o latim. Isso se devia a vários fatores, dentre os quais, como menciona Magda Soares (1998), o de que a língua não tinha muito “valor cultural”, não promovendo um intercambio social satisfatório. E, ainda, os poucos indivíduos que se escolarizavam pertenciam à elite, seguindo padrões educacionais vigentes nos quais o latim era a língua oficial para os estudos. Quando o Marquês de Pombal iniciou suas reformas, alterou também a dinâmica do ensino em Portugal e suas colônias. Em uma perspectiva clara de fortalecimento, obrigou o ensino de língua portuguesa nas escolas e seu uso, bem como proibiu o uso das demais línguas. Com a inclusão da língua portuguesa nos ambientes de ensino formal, o estudo da gramática foi incorporado aos conteúdos, ao lado da gramática latina e da retórica. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 5 Sebastião José de Carvalho, conhecido como Marquês de Pombal, realizou entre os anos de 1750 e 1777 uma série de reformas administrativas em Portugal com o intuito de modernizar o país e, ao mesmo tempo, fazer com que as colônias rendessem mais, aumentando seu processo de exploração. Dentre as várias medidas, podemos citar: restrição de poderes do Conselho Ultramarino; fim das Capitanias hereditárias; expulsão dos jesuítas do Brasil e proibição do uso de outras línguas, que não a portuguesa, no Brasil. É conveniente ressaltar que no período mencionado não havia uma disciplina de língua portuguesa, seu estudo ocorria nas aulas de retórica, poética e gramática. Somente no final do Império (séc. XIX), algumas reformas ocorridas no ensino estabeleceram a sua criação. Nela se incorporou a retórica e, nesta, os estudos da poética. Até este ponto da história da disciplina, percebe-se que ela se estruturava no ensino de gramática e retórica e voltava-se para um grupo seleto de estudantes, uma vez que as escolas eram apenas para os membros da elite, os “bem-nascidos”. Essa perspectiva se estendeu até a década de 40 do século XX, como afirmam Silva e Cyranka (2009, p. 274, grifos da autora): [...] a disciplina manteve a tradição da gramática e, a seu lado, da retórica e da poética. Manteve essa tradição porque continuava a ser a mesma a sua clientela, que se restringia àqueles pertencentes aos grupos da elite. Tem-se uma escola para alguns e um ensino de língua portuguesa que satisfaz seus interesses culturais. Os manuais didáticos da época apresentavam coletâneas de textos e bastante gramática, buscando preservar o “bom gosto literário” e o “purismo linguístico” dos letrados, com autores consagrados e modelos que deveriam ser imitados. Cabia ao professor, nesse contexto, utilizar os textos dos manuais, analisá-los e propor questões e exercícios aos alunos, aprofundando-se nos estudos da língua. Nas décadas de 50 e 60 do século XX, o ensino passa por grandes transformações, advindas, principalmente, da abertura das escolas para todas as classes sociais. Desse modo, o perfil do estudante foi transformado, havendo heterogeneidade de classes em sala de aula, de “línguas”, de níveis de saberes. Isso, no entanto, não significou uma mudança na forma de conceber o ensino da língua portuguesa. Ele seguiu sendo o estudo das normas, das regras gramaticais, da forma culta da língua, considerada a única correta e adequada. O aumento significativo do número de estudantes nas escolas exigiu também o aumento do número de professores. Em virtude da demanda e do tempo limitado para atendê-la, houve, no período, um maior recrutamento de docentes, porém, com exigências menores de qualificação. Com a mudança de perfil de discentes e docentes, também os materiais didáticos sofreram alterações. Se antes traziam os conteúdos e os professores elaboravam os exercícios, agora eles traziam os dois: “[...] ao lado de conhecimentos acerca da gramática e texto UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 6 para leitura, incluem-se exercícios. Tira-se, portanto, a responsabilidade de o professor elaborar seus exercícios, preparar as suas aulas”. (BARROS, 2008, p. 41). Nesse período percebeu-se uma depreciação da função do docente. Os salários diminuíram, o prestígio que antes esses profissionais possuíam foi consideravelmente reduzido, as salas ficaram lotadas e não havia recursos para ampliar os espaços ou para o incremento das escolas, deixando as condições de trabalho difíceis quando não precárias. Para “compensar” tais perdas, o profissional daquelas décadas passou a buscar formas de facilitar seu trabalho. Uma delas foi apoiar todo o processo ensino e aprendizagem no livro didático, usando-o, exclusivamente, sem complementar ou ampliar o que lá estava. A perda de prestígio do docente muda também o perfil dos ingressantes nos cursos de Letras. Boa parte deles passa a ser oriunda de classes pouco letradas, dominando com propriedade insatisfatória a escrita e a leitura. Assim, em suas práticas, apoia-se cada vez mais nos livros didáticos, chegando ao extremo de não conseguir dar suas aulas sem eles (GERALDI, 1996). Os anos 60 do século XX, trouxeram novas alterações ao quadro do ensino de língua portuguesa. Chegam ao Brasil os estudos linguísticos, e os cursos de Letras passam a trazer em suas matrizes curriculares a disciplina de Linguística, na época apoiada em uma visão estruturalista. Nela se questionava a prática ancorada apenas no estudo das regras gramaticais e, consequentemente, no livro didático, bem como procurava abordar a perspectiva das variantes linguísticas. As novas abordagens trazidas pelos estudos linguísticos serviram para mostrar diferenciados e desagradáveis aspectos da educação formal, principalmente na disciplina de Língua Portuguesa. A variante linguística utilizada por boa parte da população estudantil não era a mesma estudada em sala e nos livros didáticos, fazendo com que houvesse uma cisão entre a língua usada no cotidiano e a língua estudada nos bancos escolares. A abertura dasescolas para todas as classes; menor rigor na seleção de docentes em virtude da demanda; desvalorização do profissional; novo perfil dos ingressantes de Letras; os estudos linguísticos, entre outras questões, apontaram para uma crise na educação e ao início de um novo fenômeno: o fracasso escolar. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 7 FIGURA 1 – RETRATO DA CRISE EDUCACIONAL FONTE: DISPONÍVEL EM: <http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com. br/2012_05_01_archive.html>. Acesso em: 18 jun. 2015. Os dados alarmantes sobre a crise na educação e o fracasso escolar se verificaram predominantemente no ensino de Língua Portuguesa das redes de ensino fundamental e médio. Os alunos tinham graves deficiências na comunicação escrita, verificados pelos altos índices de repetência nas séries iniciais do ensino fundamental e no ensino médio, bem como em processos de seleção, vestibulares e concursos, por exemplo. Esse panorama chamou a atenção de intelectuais e estudiosos da área, aumentando o número de pesquisas sobre o fenômeno em questão. Lourenço Filho (2008), por exemplo, chegou a elaborar um teste que ficou bastante famoso, intitulado ABC. O exame consistia na aplicação de uma série de exercícios, de forma individual. Durante a aplicação do teste, que não deveria ser chamado como tal, o aluno deveria reproduzir figuras geométricas, associar palavras a imagens, reproduzir graficamente alguns gestos realizados pelo avaliador, repetir as palavras na sequência em que eram ouvidas, recontar a história, etc. Os resultados demonstravam qual era o nível de aprendizado em relação à língua e quais as maiores deficiências. UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 8 FIGURA 2 – FICHA PARA REGISTRO INDIVIDUAL DOS DADOS COLETADOS DURANTE APLICA- ÇÃO DO TESTE ABC FONTE: Lourenço Filho (2008, p. 121) Aluno Idade em meses Profissão do pai Filiação RESULTADO: TESTES A B C Cor Nacionalidade Data do exame N. M. = I 3 2 1 0 II III IV V VI VII VIII Obs.: Examinado por Já no início da década de 70, as reformas educacionais trazem a premissa de que a língua materna deve enfatizar a comunicação. Isso faz com que a disciplina passe a ser chamada de Comunicação e Expressão: [...] em decorrência da nova lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 5692/71), há uma mudança radical, resultante da intervenção feita pelo movimento militar de 1964. Essa nova lei reformula o ensino primário e o médio. A língua, nesse contexto, passa a ser considerada como instrumento de comunicação, concebida de tal forma que, sendo um código, alija o sujeito de um processo de interação, excluindo as tensões previsíveis em interações através da linguagem. Os objetivos, por seu turno, passam a ser pragmáticos e utilitários, segundo Soares (1996). O professor volta-se para desenvolver, no aluno, o comportamento como emissor e recebedor de mensagens. E até mesmo a disciplina, outrora nomeada Português, passa a Comunicação e Expressão. (BARROS, 2008, p. 42). Os anos 80 trouxeram novamente o nome Português (ou Língua Portuguesa) para a disciplina o que implicou um total redirecionamento desta. A concepção utilizada na década de 70 foi abandonada e uma visão apoiada nos estudos linguísticos, na pragmática, na análise do discurso, e a teoria da enunciação passou a fazer parte dessa remodelação. Os princípios da Sociolinguística TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 9 apoiaram a nova visão de língua, concebida como fato social. Deu-se mais valor às variantes linguísticas, combateu-se o chamado “preconceito linguístico” e se começou a valorizar registros que não apenas o culto ou normativo. Como vimos, os anos 80 foram muito importantes para lançar um novo olhar sobre a disciplina de Língua Portuguesa e o que se estuda nela, no entanto, percebe-se que no ambiente escolar os efeitos desses estudos chegaram em uma escala muito menor do que se poderia esperar. Os anos 90 do século XX, e esses primeiros anos do século XXI, têm demonstrado que, ainda há uma visão tradicionalista no ensino de Língua Portuguesa, apoiada na memorização de regras que pouco sentido fazem para os alunos, e há, também (insistindo em permanecer de pé) uma barreira que separa a língua usada pelo discente e aquela que ele estuda em sala, como se fossem dois elementos completamente diferentes e dissociados. Para compreendermos melhor esses contrapontos, vejamos como os estudos linguísticos contribuíram para a formação de um novo panorama educacional de língua e literatura. 3 OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS E SUA INFLUÊNCIA NO ENSINO DE LINGUA E LITERATURA É preciso que lembremos um pouquinho da história para compreendermos o impacto que os estudos linguísticos causaram no ensino de língua portuguesa no Brasil. Embora a linguística como ciência seja considerada nova, os estudos sobre a língua e seu funcionamento já remontam da antiguidade. Hindus, gregos, romanos, entre tantos outros, já se dedicavam a tentar explicar como suas línguas se estruturavam. Os estudos de Saussure foram uma verdadeira revolução para a compreensão da língua e seu funcionamento. Seu “Curso de Linguística Geral” fez com que se definisse pouco a pouco o papel do linguista: estudar e descrever a realidade linguística atual. Também definiu que todas as manifestações da linguagem humana (não importando época ou sociedade) comporiam a matéria deste estudo. Igualmente, apontou que caberia à Linguística: a) fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do possível, as línguas-mães de cada família; b) procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da história; c) delimitar-se e definir-se a si própria. (SAUSSURE, 1974, p. 13). O linguista, com o firme propósito de abrir caminho desta área na ciência, deixou claro que os estudos deveriam primar pelo rigor e pela sistematização. Seu foco seria identificar em que consiste e como funciona a língua, estabelecendo UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 10 relações “[...] tanto com a inteligência como com o comportamento humano ou os fundamentos da cultura”. (SAUSSURE, 1974, p. 32). Em decorrência das ideias de Saussure, surgiu uma gama de estudiosos que procuravam avançar com os estudos sobre a(s) língua(s). Benveniste (1988) com sua perspectiva de que língua e sociedade são inseparáveis e, portanto, fatores de ordem sociocultural devem ser levados em consideração ao se estudar a língua; Bakhtin (1986) com sua teoria da enunciação, afirmando que a palavra vem carregada de significações, a ela atribuída em outros momentos de uso; o caráter ideológico da linguagem e a ideia de que o ato da fala é sobretudo um ato social, são alguns exemplos de que as ideias iniciais de Saussure geraram frutos. Os estudos levaram às ramificações da linguística, surgindo a linguística geral (ou teórica), voltada para os estudos da língua como um sistema; a psicolinguística, a qual dedica-se a estudar os processos psicológicos em torno da produção da linguagem verbal, ou seja, como o indivíduo adquire, desenvolve, aprende e utiliza a linguagem; e a sociolinguística, dedicada ao estudo da relação entre comportamento social, formação e aprendizagem da linguagem. Ainda se pode incluir nessa classificação a Linguística aplicada, dedicada ao estudo das formas de ensinar a língua, a qual nos interessa de modo particular, justamente por tratar-se de parte do que estamos estudando neste caderno. Em um primeiro momento, chegaram ao Brasil os estudos linguísticos de linha estruturalista, baseados nas teorias desenvolvidas por Saussure; posteriormente vieram os de linhagerativa, apoiados nos estudos de Noam Chomsky; e, ainda, se podem mencionar os estudos da linha funcionalista, sociointeracionista, etc. Todas estas perspectivas podem ser revistas em seu caderno de Estudos de Linguística aplicada à Língua Portuguesa. Releia o Caderno de Estudos sobre Linguística aplicada à Língua Portuguesa para facilitar a compreensão das ideias abordadas neste subitem. UNI Nos últimos 30 anos, surgiu uma ampla literatura na qual se discutiu o modo como vinha se processando o ensino de língua materna no Brasil. Havia nestes trabalhos a preocupação de não apenas criticar as práticas de ensino de língua portuguesa presentes na escola, mas sobretudo apontar questões de nível conceitual e metodológico na direção de uma nova forma de se conceber o ensino da leitura e da escrita. Já na década de 1980 alguns trabalhos das áreas da Linguística TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 11 e da Psicolinguística passaram a questionar a noção de ensino- aprendizagem de língua escrita que concebia a língua apenas como código e, dessa forma, entendia a leitura apenas como decodificação e a escrita somente como produção grafomotriz. A linguagem deixava de ser encarada, pelo menos teoricamente, como mero conteúdo escolar e passa a ser entendida como processo de interlocução. Nesta perspectiva, a língua é entendida enquanto produto da atividade constitutiva da linguagem, ou seja, ela se constitui na própria interação entre os indivíduos. Passou-se, assim, a prescrever que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção textual (SANTOS, 2002, p. 30-31). Vale lembrar que antes dos anos 60, no Brasil, a língua era estudada por dois grupos de “cientistas”: os filólogos e os gramáticos. Os primeiros estudavam a origem e evolução histórica da língua, mergulhando em textos antigos procurando entender como a língua era apresentada neles; os segundos, as normas que regiam – e regem – a língua atualmente falada e escrita. Levavam (levam) em consideração que havia normas rígidas para o bem falar e o bem escrever e estas deviam ser seguidas sempre. Então, a partir da década de 60, começam no Brasil os estudos linguísticos, como já vimos no subitem anterior ao fazermos um breve panorama da disciplina de língua portuguesa no Brasil. Esses estudos foram os responsáveis por modificar a ideia de língua que vinha sendo utilizada e ensinada nas escolas: [...] a língua não se confunde com as frases que as pessoas usam, nem com o comportamento verbal que observamos no dia a dia; é, ao contrário, uma abstração, um conhecimento socializado que todos os falantes de uma comunidade compartilham, uma espécie de código que os habilita a se comunicarem entre si. Há uma estrutura linguística a revelar sempre que as pessoas se comunicam através da linguagem, e isso vale para as grandes línguas de cultura e para as línguas politicamente menos importantes (por exemplo as que são faladas nas sociedades primitivas), para os comportamentos linguísticos que seguem o padrão culto e para aqueles que a sociedade discrimina como incultos ou vulgares. (ILARI, 2009, p. 6). Assim, a Linguística trouxe ao ambiente escolar a perspectiva de que a língua é algo vivo e dinâmico, com variações decorrentes de questões sociais, econômicas, regionais, etc. Isso também fez com que houvesse a necessidade de repensar a forma de se ensinar a língua portuguesa na escola, uma vez que muitos dos conceitos aplicados àquele ambiente, bem como as práticas de ensino da língua, foram severamente questionadas pellos linguistas contemporâneos. De todas as práticas escolares, a que foi mais questionada, no contexto criado pela Linguística, foi a velha prática do ensino gramatical. Entre outras coisas, lembrou-se que os verdadeiros objetos linguísticos com que lidamos no do dia a dia são sempre textos, nunca sentenças isoladas, e observou-se (com razão) que as gramáticas têm muito pouco a dizer sobre esses objetos; mostrou-se que os gramáticos descrevem uma língua sem existência real; e apareceram vários livros UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 12 que, desde o título, caracterizavam o ensino gramatical como uma forma de opressão ou minimizavam seu interesse pedagógico: um título de intenções polêmicas, como o do livro de Celso Luft, Língua e liberdade seria absolutamente impensável algumas décadas antes. (ILARI, 2009, p. 8). Ao se conceber a produção da língua, em qualquer instância, oral ou escrita, verbal ou não verbal, como um texto, reforçou-se o caráter social da língua, a necessidade de entender como funcionam os meandros da linguagem e a perspectiva de que o contexto é a chave para o seu entendimento. Boa parte desses fundamentos tem origem nos estudos sociolinguísticos. É claro que houve – e ainda há - relutância em levar essa nova visão para a sala de aula. Hoje há acaloradas discussões entre gramáticos e linguistas, e os professores, nem sempre muito convictos de seus posicionamentos, transitam entre a normatização, ensinando as regras gramaticais descontextualizadas; e os estudos linguísticos, procurando evidenciar as variantes linguísticas, a língua culta como uma variante e um ensino mais focado no uso da língua. A linguística, ajudou a repensar a alfabetização, a produção de textos e a leitura, atividades primordiais nas aulas de Língua Portuguesa (ILARI, 2009), trazendo inovações para o ensino desta área. Além disso, ao pensar a língua sob a forma de texto, aproximou a realidade da sala de aula, fazendo com que se passasse a trabalhar os textos diários, a discutir a língua falada e suas variações, a estudar as propriedades que um bom texto deve ter, etc. A partir da Linguística, foi possível vislumbrar novas perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa na intenção de que se incorporasse, na prática dos professores, uma concepção interativa de linguagem, de valorização do sujeito do discurso e da heterogeneidade linguística dos sujeitos das classes populares. Entretanto, estudos realizados da década de 90 até os dias atuais vêm demonstrando que a realidade do ensino de língua não sofreu grandes alterações, salvo, é claro, raras exceções. (SILVA; CYRANKA, 2009, p. 282). Ao trazer para a escola a perspectiva de que a língua se efetiva em textos, e com isso os estudos derivados de uma Linguística de Textos ou Linguística Textual, também se desenvolveu a ideia de que o ato de ler não pode ser considerado como mero efeito de codificar e decodificar signos, mas supõe uma prática de letramento, como veremos a seguir. A Linguística textual é uma vertente alemã da análise do discurso, de base francesa. Ela trabalha especificamente com os processos de construção textual, por meio dos quais os sujeitos criam sentido e interagem durante o ato comunicativo. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 13 4 CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO VERSUS LETRAMENTO Como o ensino de língua esteve durante muito tempo pautado em decorar regras e aplicá-las em frases descontextualizadas ou, tendo como modelo textos literários que em virtude da escrita artística e das licenças poéticas nem sempre eram os mais adequados porque distavam da língua “usual”, quando se pensava em alfabetização, aprendizagem de língua, escrita e leitura, pois, tinha-se em mente a perspectiva do decodificar e do codificar. Hoje, após vários questionamentos sobre essa forma de estrutura a alfabetização, fala-se muito em letramento. Mas o que cada um desses termos significa e quais as relações com o ensino de língua? Até metade do século XX, ao se falar de alfabetização, situação tipicamente escolar e de relação direta com o ensino da língua, associava-se à ideia de que envolvia o desenvolvimento das habilidades de “codificar” e “decodificar”. Muitas crianças chegaram ao final do 1º ou 2º ano sabendo associar letras esílabas, juntando-as para formar palavras e pequenas frases, mas não tinham muita noção do que significavam ou como utilizá-las em seus textos. As cartilhas (material muito utilizado na década de 70 e início da década de 80) tão conhecidas por todos nós, estavam elaboradas com a finalidade de que memorizássemos letras, sílabas, palavras e frases soltas. Método que, aliás, passou a ser duramente criticado a partir dos anos 80 do século XX. Observe o exemplo que colocamos aqui: FIGURA 3 - CARTILHA DE FRANCISCO VIANA (1945) FONTE: Disponível em: < http://www.espacoeducar.net/2009/02/historia-das-cartilhas- -de-alfabetizacao.html>. Acesso em: 26 jun. 2015. UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 14 Pelo método de alfabetização adotado no Brasil durante boa parte do século XX, a criança aprendia as letras e sílabas de maneira isolada, fazendo associações pouco condizentes com o uso real da língua. Assim, seguindo apenas a lógica de aprender primeiro as vogais e depois as consoantes, associava com algumas palavras isoladas ou frases como “Eva vê a uva” para memorizar as letras e as sílabas. Resumindo, ensinava-se a codificar e decodificar com o uso de cartilhas, como é possível verificar na Figura 3. Como afirma Colello ([200-]): Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera sistematização do “B + A = BA”, isto é, como a aquisição de um código fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para produzir/interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto. O processo de codificação/decodificação gerou o chamado “analfabetismo funcional”: sabia-se reconhecer as palavras e frases isoladamente, mas não se sabia utilizar a escrita nos diferentes contextos. No início, o conceito associava-se apenas àqueles que não dominavam a escrita, depois ampliou-se para abarcar aqueles que tinham pouca escolarização e, portanto, um domínio precário da escrita e da leitura (ALBUQUERQUE, 2007). A partir dos anos 80 do século XX, viu-se surgir um novo termo associado à alfabetização, ampliado para as instâncias seguintes de ensino: o letramento. O termo, como já deve ser de seu conhecimento, é uma versão para o português do inglês literacy, significando, originalmente, condição daquele que aprende a ler e escrever. Alfabetização e letramento andam juntos quando se pensa em ensino/ aprendizagem de língua. Sob um ponto de vista mais amplo, alguém pode ser analfabeto, mas não iletrado, ou seja, embora não domine o sistema alfabético, insere-se tranquilamente na sociedade produzindo e interpretando textos, integra-se a uma cultura letrada. Sabe produzir textos adequados para cada situação comunicativa da qual faz parte, na qual interage. No mundo em que nos inserimos hoje, saber ler e escrever é mais do que codificar ou decodificar signos linguísticos, é ler o mundo, é usar a leitura e a escrita em sua função social. Vale lembrar que estamos utilizando a perspectiva ideológica de que a língua se manifesta sob a forma de texto, conforme mencionamos nos itens anteriores. Isso também sugere que há quem seja alfabetizado, mas não letrado, posto que não consegue produzir, ler e interpretar textos nos diferenciados contextos em que surgem, não se inserindo, portanto, em uma cultura letrada. Ou seja, há quem saiba decifrar a língua oral e escrita, mas não consegue entender seu significado dentro do contexto comunicativo, não analisa, não interpreta, não consegue fazer inferências. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 15 Desse modo, “a palavra letramento, que hoje é de circulação corrente, refere-se não à mera capacidade de representar os sons na escrita, mas sim às formas de inserção na sociedade a que o indivíduo se habilita pelo fato de utilizar de maneira competente a escrita” (ILARI, 2009, p. 17). Letrar, portanto, é dominar a língua, especialmente a escrita, adequando seu uso aos diferentes contextos e situações comunicativas. Isso significa saber não apenas as estruturas relativas à própria língua, mas as questões que envolvem seu uso, os aspectos históricos, culturais, sociais que a constituem como tal. Marcuschi (2001, p. 21), expõe que letramento “[...] é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de práticas, ou seja, ‘letramentos’ [...] Distribui-se em graus de domínios que vão de um patamar mínimo a um máximo”. Assim, ao utilizar a expressão “graus de domínio”, o autor demonstra que há níveis de letramento. Sendo a escola o lugar do letramento por excelência, quanto maior o grau de escolarização do indivíduo, maior o seu letramento. No entanto, é importante destacar que o grau de letramento será de fato medido pela facilidade com que o indivíduo conseguirá lidar com os diferentes e variados contextos de escrita e leitura, não tanto pelos diplomas que possa apresentar. A visão desenvolvida por Marcuschi (2001) também se faz presente nos materiais elaborados para a formação continuada de docentes pela Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação. Neles, letramento é definido como: [...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita. Como são muito variados os usos sociais da escrita e as competências a eles associadas (de ler um bilhete simples a escrever um romance), é frequente levar em consideração níveis de letramento (dos mais elementares aos mais complexos). Tendo em vista as diferentes funções (para se distrair, para se informar e se posicionar, por exemplo) e as formas pelas quais as pessoas têm acesso à língua escrita – com ampla autonomia, com ajuda do professor ou da professora, ou mesmo por meio de alguém que escreve, por exemplo, cartas ditadas por analfabetos –, a literatura a respeito assume ainda a existência de tipos de letramento ou de letramentos, no plural. (BATISTA et al., 2007, p.11). Assim, o letramento é visto como uma forma de inserção do indivíduo na cultura escrita, ocorrendo a partir do momento em que este se vê envolvido com as produções da cultura escrita. Por isso, a escola é um espaço tão importante para este processo, uma vez que seguindo a perspectiva vigente de alfabetização de ensino de língua, o aluno está exposto aos mais variados gêneros textuais, trabalhando com eles, refletindo sobre eles e sendo conduzido a produzi-los eficientemente. UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 16 Como cabe à escola “alfabetizar letrando” e garantir, como pregam os documentos oficiais, o domínio pleno da língua, é importante saber um pouco sobre o ensino da língua, nosso próximo item. 5 ENSINO DE LÍNGUA ATENCAO Como dedicaremos na Unidade 2 um espaço para estudar o ensino da língua portuguesa e literatura no ensino fundamental e médio, neste subitem traremos algumas questões mais gerais sobre o ensino de língua em si, iniciando com uma reflexão sobre ele. Sempre é bom recordar alguns princípios norteadores de nossas estratégias de atuação. Um deles é o de que o processo de ensino/aprendizagem não ocorre apenas nos ambientes escolares. Ele tanto pode acontecer em ambientes informais quanto ambientes formais de ensino. Os ambientes informais de ensino estão por toda parte. Qualquer lugar, qualquer contexto em que ocorra construção de conhecimento é visto como um ambienteinformal de ensino. Assim, uma visita ao sítio de um parente, no qual se aprenda como cultivar determinada planta; um passeio na praia, observando os aspectos geográficos; um encontro entre amigos, trocando ideias e se divertindo, a realização de alguma atividade doméstica pela primeira vez, são todos momentos em que a aprendizagem se efetua. Já os ambientes formais de ensino são aqueles institucionalizados para este fim, são, portanto, os ambientes escolares. Será nas escolas, espaços legitimados de educação formal, que as relações de ensino e aprendizagem se sistematizarão, requerendo abordagens de cunho filosófico e científico. Durante muito tempo (de Platão ao início do século XX), o ensino formal era resumido pelas palavras transmissão/recepção. O professor era aquele que tinha o domínio dos conteúdos e os transmitia aos alunos, que eram vistos como receptores passivos. Nesse processo, os conteúdos e a forma como estes eram apresentados não podiam ser questionados, bem como o aluno deveria assimilar o que era passado em sala de aula, apenas reproduzindo o que havia “aprendido”. Os currículos traziam disciplinas que seguiam uma sequência de conteúdos compartimentados, isolados entre si e das demais disciplinas, sem que sequer fosse mencionada a possibilidade de interdisciplinaridade. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 17 5 ENSINO DE LÍNGUA FIGURA 4 – A DIVISÃO DO ENSINO FONTE: Disponível em: <http://curriculoescolarodesafio.blogspot.com.br/>. Acesso em: 25 jun. 2015. Quem frequentou a escola na década de 70 e início dos anos 80 do século XX, certamente se recordará que era comum “decorar” os conteúdos para reproduzi- los, o mais fielmente possível, nas provas, porque essa era a garantia de sucesso e aprovação. Muitas vezes repetia-se o conteúdo sem ao menos entender o porquê de seu estudo ou como aplicá-lo nos contextos reais. A chave para o “sucesso” era repetir o que estava nos livros didáticos ou o que o professor havia dito em sala. No que tangia ao ensino de Língua Portuguesa, era comum decorar as regras gramaticais, já que não se falavam dos estudos linguísticos e as transformações por eles trazidas ao estudo da língua. As regras eram estudadas em frases descontextualizadas e preparadas para atender às exigências da gramática. Isso fazia com que muitas das expressões comumente utilizadas fossem consideradas “erros” ou ignoradas na educação formal. “Por um longo tempo o ensino de Português centrou-se nas regras gramaticais que normatizam a variedade linguística padrão, apresentadas nas gramáticas tradicionais, como modelo do bom uso da língua” (SUASSUNA, 2006, p. 227). A literatura servia para o momento de leitura, para o estudo das regras gramaticais e para que se decorassem nomes de autores, datas e características das chamadas “escolas literárias”. Desse modo, durante décadas, o ensino de língua e literatura em nossas escolas se fundamentou em parâmetros tradicionais. A leitura e a escrita, sob este prisma, se pautavam em um processo de codificação/decodificação, no qual as UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 18 questões sobre o papel do leitor, o contexto do discurso, as inferências, ficavam à margem, ou, simplesmente, não existiam. Também no caso do ensino de literatura, somente se podia levar para sala de aula “os clássicos”. Isso fez com que crianças na faixa dos 10, 11 anos tivessem que se deparar, sem muita preparação, com os textos de José de Alencar ou Machado de Assis, cuja linguagem era de difícil compreensão e os quais passaram a odiar. Portanto, o ensino de Língua Portuguesa priorizou o ensino da Gramática Normativa, enfatizando a estrutura, e em atividades com um fim em si mesmas, sem uma conexão com a realidade de uso. Centrando-se em atividades de análise e classificação dos termos e regras impostos pela gramática, deixava de lado ou em 2º plano outras competências linguísticas. Nessa perspectiva, a própria ideia de texto enfatizava a produção escrita como pretexto para analisar os elementos impostos pela gramática (KLEIMAN, 2008). Não podemos negar que alguns desses ranços chegaram ao início do século XXI e ainda encontramos professores que insistem em fazer seus alunos decorarem regras que não compreendem e não conseguem aplicar ao discurso diário, bem como classificações literárias que não dão conta de todas as obras ou autores. No entanto, muitos estudos trouxeram significativas contribuições para que essa visão fosse alterada, ainda que não completamente abandonada nos ambientes escolares ou pelos livros didáticos. A mudança de paradigmas no ensino da língua e literatura exigiu também uma reformulação na concepção de professor de língua. De mero transmissor de conteúdos, passa-se a ter “[...] a necessidade de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade”. (FREITAS, 2002, p. 139). As leis educacionais brasileiras também foram adaptando-se aos novos tempos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/96) exigiu que os professores do ensino fundamental tivessem formação superior, ou seja, para atuar nas series iniciais ou finais do ensino fundamental não se poderia ter apenas o que era, até então, chamado como curso de Magistério (formação de ensino médio), mas ter curso de ensino superior (Pedagogia, Letras, Superior em Magistério, etc.). Isso demonstrou uma preocupação governamental na formação do profissional atuante no ensino, especializando-o, e incluindo a formação continuada como um dos itens básicos de seu processo de constante atualização. Mas, o que precisamos para ser bons professores da disciplina de Língua Portuguesa? Que elementos subsidiam o ensino de língua para impulsioná-los ao patamar desejado nos documentos oficiais e nos projetos pedagógicos das escolas em que atuamos? Comecemos por refletir sobre os conhecimentos que temos e como transpô-los para a sala de aula. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 19 5.1 ELABORAÇÃO DIDÁTICA E CONHECIMENTO TEÓRICO Já sabemos pelo que estamos estudando nesta disciplina e nas disciplinas anteriores a esta em nosso curso, que a sala de aula é um espaço de complexidades. Há nela um conjunto de fatores heterogêneos que obrigam o professor a permanecer em estado constante de reflexão e redirecionamento de práticas para que o processo ensino e aprendizagem se efetive adequadamente e atinja os objetivos propostos durante a fase de planejamento. Já não se pode mais pensar em um professor que viva da “didática do improviso”, seguindo a filosofia de Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar...”. A expressão “na hora eu vejo” não cabe mais na postura de um docente consciente de seu papel e das funções que exerce em sala de aula. Por isso, o profissional da educação, especificamente o de Língua Portuguesa, precisa nortear-se por dois paradigmas, como afirma Liberali (2004): uma dimensão crítico-reflexiva, promovendo um constante pensar e repensar de seu fazer pedagógico; uma dimensão de planejamento, visto como etapa primordial que antecede a entrada do professor em sala de aula e não como elemento engessador ou burocrático. Não precisamos ir muito longe em nossas reflexões, pense que boa parte das ações realizadas diariamente são fruto de um planejamento, da reunião de alguns conceitos associados à procedimentos que nos levam à execução segura da ação. Vamos observar um exemplo bem prático: nossas férias estão chegando e decidimos que uma parte delas será dedicada para viajar. O que fazemos a partir disso? PLANEJAMOS! Colhemos informações com colegas, amigos, familiares sobre a que lugar ir, vemos qual o melhor meio de chegar lá, qual rota seguir, que pontos turísticos visitar, onde e oque comer, onde nos hospedar, quanto podemos gastar, etc. Ou seja, reunimos uma série de saberes e competências e os organizamos para chegar ao resultado esperado. Esse é um procedimento padrão em nossas vidas, portanto, levá-lo para o nosso profissional não é uma tarefa difícil. A questão aqui, então, talvez seja quais saberes e competências necessitamos reunir para ser o professor de Língua Portuguesa que desejamos. Pereira (2010, p. 247), afirma que são necessários: 1. Conhecimento teórico do objeto de ensino-aprendizagem. A respeito disso é bom deixar claro que todo professor de língua portuguesa deve, necessariamente, ser proficiente em leitura e escrita, saber ler/ interpretar diferentes textos, identificar os sentidos implícitos nos enunciados, saber avaliar criticamente a natureza de uma dada obra, discutir sobre um texto acadêmico, enfim, exercer os seus diferentes papéis de leitor. O mesmo deve ser dito em relação às práticas de escrita. Não podemos conceber alguém que esteja à frente de orientar, desenvolver e analisar a produção de textos de alunos e não domine as práticas sociais de escrita. 2. Conhecimento didático que implica o domínio de uma metodologia que permita desenvolver eficientemente suas atividades de ensino. 3. O desenvolvimento de metodologias requer planejamento sistemático, decorrente de conteúdos trabalhados, dos objetivos elencados e do conhecimento das capacidades de aprendizagem dos alunos. UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 20 4. Sistematização das atividades de planejamento: plano de curso, plano de aula, elaboração de projetos nos quais a pesquisa ocupa um lugar central. 5. Definição de critérios de avaliação tendo em vista os diferentes conteúdos do programa. 6. Diversificação de atividades e procedimentos, em conformidade com as diferentes competências e conteúdos explorados. 7. Conhecimento da dinâmica das relações interpessoais presentes em sala de aula. Se observamos atentamente, veremos que boa parte do que é exposto por Pereira (2010) encontra-se no campo teórico. No entanto, essas questões teóricas forçam uma prática como resposta, deixando claro que nosso fazer docente se estrutura em um binômio teoria-prática indissociável. Em termos muito tangíveis, o professor deve também proporcionar um ambiente em que haja a interação, em que os alunos possam expor suas ideias, façam perguntas, contestem, formulem hipóteses. Também é importante que, em virtude de ampla gama de conteúdos, haja diversificação de atividades, permitindo, assim, o desenvolvimento das variadas habilidades e competências. Apoiar-se apenas na exposição não é mais uma opção para o professor de Língua Portuguesa. Todos os elementos apontados não são levados diretamente à sala de aula. Eles constituem a perspectiva teórica que subsidia a prática docente. Por isso, esses são saberes que o professor de Língua Portuguesa precisará mobilizar para planejar e executar suas ações profissionais. Essa mobilização é o que se chama de elaboração didática, pois o professor não pode levar exatamente o que aprendeu em seu curso de Letras ou seus cursos de formação continuada, por exemplo, para o contexto de sala. Ele tratará de refletir sobre eles, relacioná-los com outros materiais e saberes, fazendo seleções e traduções que sejam condizentes com o grupo de alunos com o qual trabalhará. Por isso, o planejamento é um item vital para o professor de Língua Portuguesa e, claro, professores das demais áreas. É importante abrirmos uma espécie de parênteses para expor que, talvez, ao invés do termo elaboração didática, você tenha ouvido falar em “transposição didática”, por isso cabe um esclarecimento. O termo “transposições didáticas” foi cunhado por Chevallard (1991) e significa, grosso modo, o saber que se transforma em objeto de ensino. Sua definição dá ao processo um caráter mais operacional: tomamos o conhecimento científico – na teoria de Chevallard (1991) apenas o científico conta nesse processo – e o convertemos em outro conhecimento mais didático, de melhor compreensão para o público a que se destina (nossos alunos, por exemplo). Já o termo “elaboração didática” foi apresentado por Haltè (1998) e significa uma reflexão surgida da relação entre os mais variados saberes (científicos, documentais, empíricos, sociais, ambientais, etc.), portanto, também da interação entre professor aluno. Desse modo, os saberes que chegam à sala de aula são fruto de um processo de reflexão, seleção, interação e não apenas a transposição. TÓPICO 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA 21 Rodrigues (2008, p. 172-173) sintetiza o processo de elaboração didática em 6 etapas: 1º - Busca de conhecimento de referência sobre o gênero do discurso: essa busca, cujo objetivo é dar sustentação teórica para o professor, pode vir de fontes diversas [...]. 2º - Seleção de textos (verbais orais e escritos ou em outro material semiótico): o objetivo é compor um pequeno banco de dados para o trabalho com leitura em sala de aula. [...]. 3º - Prática de leitura do texto como enunciado: o objetivo é colocar o aluno na posição de interlocutor do enunciado do gênero em foco. [...] 4º - Prática de leitura-estudo do texto e do gênero: essa prática analítica de leitura (prática de análise linguística 1) é feita a partir dos textos do banco de dados, ou seja, de textos não redigidos pelo aluno. A atividade é realizada por meio de um determinado conjunto de textos, selecionados na etapa de busca de textos do gênero (2º passo), em que são exploradas as duas dimensões constitutivas do gênero e do enunciado: a dimensão social e a dimensão verbal (ou multimodal). [...]. 5º - Prática de produção textual: nessa etapa, o objetivo é, à medida do possível, colocar o aluno em uma situação de interação o mais próximo possível da do gênero em questão, isto é, o aluno é instado a assumir a autoria do gênero e a construir o seu projeto discursivo, levando em conta as condições do gênero e o interlocutor do seu enunciado. [...] 6º - Prática de revisão e reescritura de textos: a revisão, via prática de análise linguística 2, toma como parâmetro a prática de análise linguística 1 e a atividade de produção textual proposta. O que foi explorado nessas atividades serve agora de baliza para a prática de revisão e reescritura do texto do aluno. Em termos práticos, como a elaboração didática funciona? Observe o seguinte exemplo: Você concluiu seu curso de Letras. Nele teve as disciplinas de Linguística nas quais tomou conhecimento do funcionamento da língua como um sistema, das variantes linguísticas, do texto como base comunicacional, dos gêneros textuais, etc. Teve também disciplinas de Língua Portuguesa nas quais aprofundou os conhecimentos sobre a estrutura da língua, as questões referentes à leitura e produção de textos, etc. Além disso, frequentou disciplinas voltadas para a educação, aprendendo sobre as teorias de aprendizagem, as várias concepções e abordagens de ensino, os instrumentos legais que regem a educação e os documentos que a dimensionam. Você também atua em uma escola, participando das reuniões pedagógicas, das formações continuadas e conhece o projeto pedagógico de lá. Agora, está planejando uma aula para uma turma de 8º ano na qual abordará os gêneros textuais biografia e autobiografia. Como você preparará esta aula? É possível que seu planejamento fique mais ou menos assim: UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 22 Conteúdo Objetivos Metodologia Avaliação Duração Gênero textual: Biografia e autobiografia Reconhecer as características dos gêneros textuais, biografia e autobiografia. Utilizar os recursos necessários para a elaboração destes gêneros. Apresentações em grupo das biografias escolhidas. Debate Vídeo com biografia de uma personalidade conhecida do grupo. Elaboraçãode uma autobiografia 3 a 4 aulas Perceba que traçamos um plano de aula bastante rudimentar, não abordando outros aspectos que poderiam integrar a aula, como, por exemplo, observar os recursos de coesão e coerência necessários à elaboração deste gênero textual, a exposição didática como produção oral e todas as habilidades e competências necessárias para fazê-la adequadamente, bem como outras questões que certamente surgiriam em um planejamento. O que queremos demonstrar é que para montar este breve plano, você precisou mobilizar todos os conhecimentos que enumeramos antes do quadro, confrontá-los, integrá-los. Precisou conectar seus conhecimentos sobre texto, gêneros textuais, coesão e coerência, abordagem construtivista da aprendizagem, as diretrizes contidas nos PCN, nos documentos estaduais e municipais de ensino, na proposta pedagógica da escola e nos recursos disponíveis para que sua aula realmente atinja o objetivo proposto. Esses saberes foram elaborados e deles se concretizou um plano que pode ser aplicado à sua turma e trazer os resultados desejados. Isso é elaboração didática. Como ficou evidente, o professor de Língua Portuguesa tem uma grande responsabilidade: ensinar o indivíduo a utilizar de forma eficiente e eficaz sua língua, de forma a inserir-se na sociedade exercendo seu papel de cidadão. Para que saibamos a dimensão exata dessa responsabilidade, veremos, no próximo tópico, algumas abordagens sobre a aprendizagem e o que pregam os documentos oficiais direcionados para o ensino da língua e da literatura. 23 Neste primeiro tópico da Unidade 1 vimos: • Quando o Brasil se constituiu como uma colônia de Portugal não havia o estudo da língua portuguesa porque se falavam muitas línguas no país (indígenas, latim, africanas). • O Marquês de Pombal instituiu a obrigatoriedade da Língua Portuguesa, proibindo o uso das demais, e obrigou o seu ensino, incorporado às aulas de retórica e poética. • Somente no final do século XIX surge a disciplina de língua portuguesa. • Nas décadas de 50 e 60 do século XX houve o processo de democratização do ensino, abrindo as portas das escolas para todas as classes sociais. Como consequência: o Aumentou o número de alunos em sala; o Houve a contratação de mais professores, porém com menos exigência de qualificação; o Foi preciso lidar com a heterogeneidade em sala de aula. • Na década de 60 do século XX a disciplina de Linguística é incorporada nos cursos de Letras. • O perfil dos ingressantes nos cursos de letras, nessa mesma década, muda, trazendo pessoas de meios não letrados ou pouco letrados para o ambiente acadêmico universitário. • A década de 70 do século XX presenciou a crise educacional e o fracasso escolar, decorrentes dos eventos ocorridos nas duas décadas anteriores, e visíveis sobretudo na língua portuguesa, já que os alunos tinham grandes dificuldades de expressar-se de forma oral ou escrita. • Na década de 80, há uma mudança nos paradigmas do ensino de língua portuguesa em virtude da incorporação das visões linguísticas. Dentre elas: o a língua é um sistema; o a língua é algo vivo, dinâmico e, portanto, mutável; o a linguagem é um ato social que se efetiva sob a forma de textos. • O final do século XIX e início do século XX têm aprimorado o ensino que associa alfabetização a letramento, entendendo o letramento como a forma de inserção na sociedade pelo uso competente da leitura e da escrita. • O professor de Língua Portuguesa precisa lidar com a heterogeneidade que se estende das questões sociais às questões linguísticas em sala de aula. • O professor deve ser capaz de fazer o processo de elaboração didática: integrar saberes e refletir sobre eles, permitindo que haja a didatização dos saberes. RESUMO DO TÓPICO 1 24 1 Observe a imagem que segue: AUTOATIVIDADE FONTE: Disponível em: <http://dani-alfabetizacaodivertida.blogspot.com. br/2013/03/atividades-diagnosticas-para-1-e-2-ano.html>. Acesso em: 26 jun. 2015. Essas atividades foram elaboradas para alfabetizar letrando, ou seja, visam também à formação letrada. Explique que aspectos presentes nas atividades evidenciam o letramento. 2 Observe o seguinte plano de aula, disponibilizado pelo MEC no Portal do professor. Ele é uma sugestão para trabalhar o assunto gênero textual: história em quadrinhos, no Ensino Fundamental, séries iniciais (3º ano).. 25 26 Fonte: Disponível em: < http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000016801. PDF>. Acesso em: 26 jun. 2015 Como vimos um subitem sobre elaboração didática, reflita um pouco e explique quais saberes poderiam ser mobilizados para gerar o plano de aula acima. Isto é, o que um professor, para poder elaborar esta aula, precisaria saber e de onde viriam estes conhecimentos. 27 TÓPICO 2 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS DO ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste segundo tópico, relembraremos algumas teorias de ensino- aprendizagem que, ao longo do tempo, deixaram marcas no ensino de língua portuguesa e literatura que temos hoje. Essas teorias, sob muitos aspectos, são responsáveis pelo que se ensina na atualidade, em língua e literatura, quer no que tange às questões teóricas, quer no que diz respeito às questões práticas. Assim, faremos uma breve incursão pela teoria inatista; pela teoria comportamentalista; pela teoria interacionista, desmembrada, de certa forma, em construtivista e sociointeracionista; pela afetividade de Wallon e na visão educacional que Ferreiro e Teberosky deram às teorias piagetianas. Por fim, abordaremos os documentos legais, os Parâmetros Curriculares Nacionais, pois é neles que estão os pressupostos teórico-metodológicos que apoiam o ensino de língua portuguesa e literatura, encontrados nas bases do ensino fundamental e médio brasileiro. 2 OS PARADIGMAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO DE LÍNGUA E LITERATURA No último século, a educação passou por várias transformações, todas oriundas do desenvolvimento de teorias sobre o ensino e a aprendizagem. Em um primeiro momento, deu-se destaque apenas para os fatores internos nessas teorias, como o fez a teoria inatista; na sequência, a ênfase esteve nos fatores externos, destacados pela teoria comportamentalista; e hoje destaca-se a influência de fatores internos e externos para o processo de ensino-aprendizagem, contida na teoria interacionista. Destacaremos, neste Caderno de estudos, a título de organização de informações, as mais relevantes para a compreensão da evolução do processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. ATENCAO Releia o caderno de estudos de Psicologia da Educação e da Aprendizagem, lá certamente haverá informações mais aprofundadas sobre as teorias de ensino- aprendizagem. 28 UNIDADE 1 | OS FUNDAMENTOS DO ENSINO DA L. P. E LITERATURA E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 2.1 TEORIA INATISTA DA APRENDIZAGEM Uma concepção já bastante questionada e, aparentemente, em desuso – embora haja resquícios na visão de educação de alguns professores – é a teoria do Inatismo, a qual remonta da Grécia Antiga, encontrando em Platão (Séc. IV a.C.) um defensor. Nela, o indivíduo já nasce com todos os conhecimentos. O que faz, ao longo de sua vida, é refletir e racionalizar para que os conhecimentos que nos são inatos se desenvolvam. Sob este ponto de vista, as questões hereditárias e a maturação são os elementos responsáveis pelo processo de aprendizagem, descartando a experiência social e as questões relativas ao ensino. A teoria inatista defendia a tese de que são os fatores genéticos/biológicos que estimulam o desenvolvimento do conhecimento. Segundo essa corrente, o meio social seria apenas o facilitador ou o limitador da evolução cognitiva do indivíduo, não tendo responsabilidade ou influência no processo de maturação dos conhecimentos. Por isso, essa é uma visão de educação “de dentro para fora”. Vale ressaltar que essa visão valoriza as qualidades, os potenciais e
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