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Agrometeorologia 1. INTRODUÇÃO A agricultura é a atividade econômica mais dependente das condições climáticas. Os elementos meteorológicos afetam não só os processos metabólicos das plantas, diretamente relacionados à produção vegetal, como também as mais diversas atividades no campo. De acordo com Petr (1990) e Fageria (1992), citados por Hoogenboom (2000), ao redor de 80% da variabilidade da produção agrícola no mundo devem-se à variabilidade das condições meteorológicas durante o ciclo de cultivo, especialmente para as culturas de sequeiro, já que os agricultores não podem exercer nenhum controle sobre tais fenômenos naturais. Além de influenciar o crescimento, o desenvolvimento e a produtividade das culturas, o clima afeta também a relação das plantas com microorganismos, insetos, fungos e bactérias, favorecendo ou não a ocorrência de pragas e doenças, o que demanda medidas de controle adequadas. Muitas práticas agrícolas de campo, como o preparo do solo, a semeadura, a adubação, a irrigação, as pulverizações, a colheita, dentre outras, dependem também de condições específicas de tempo e de umidade no solo, para que possam ser realizadas de forma eficiente (PEREIRA et al., 2002). Dada a grande importância do clima para a produção agrícola, o uso de informações meteorológicas e climáticas é fundamental para que a agricultura se torne uma atividade sustentável (SIVAKUMAR et al., 2000). Nesse contexto, a agrometeorologia, ciência interdisciplinar que estuda a influência do tempo e do clima na produção de alimentos, fibras e energia, assume papel estratégico no entendimento e na solução dos problemas enfrentados pela agricultura (MAVI E TUPPER, 2004). A preocupação crescente com o aumento da população mundial, com a degradação dos recursos naturais e com a sustentabilidade da agricultura tem exigido esforços no desenvolvimento de estratégias e práticas adequadas de uso do solo, a partir do melhor entendimento das relações entre a agricultura e o clima. Nesse sentido, o desenvolvimento de ferramentas que auxiliem o planejamento e o processo de tomadas de decisão, que resulte em menores impactos ambientais e no aumento da resiliência da agricultura, tem sido um dos objetivos das instituições governamentais ligadas à agricultura, ao ambiente e aos recursos naturais. O conhecimento das relações entre as condições físicas do ambiente, em especial, solo e atmosfera, e as diversas espécies cultivadas permite a obtenção de informações mais precisas acerca da influência do tempo e do clima no crescimento, no desenvolvimento e na produtividade das culturas. De modo geral, as principais variáveis meteorológicas que afetam o crescimento, o desenvolvimento e a produtividade das culturas são chuva, temperatura do ar e radiação solar (HOOGENBOOM, 2000), havendo ainda a influência do fotoperíodo, da umidade do ar e do solo, da velocidade e da direção do vento (PEREIRA et al., 2002; MAVI E TUPPER, 2004). A radiação solar provê a energia necessária aos processos associados à fotossíntese, afetando assim a produção de carboidratos e, consequentemente, o crescimento da biomassa das plantas. A fotossíntese responde também à temperatura do ar, que afeta a taxa das reações metabólicas das plantas, regulando o crescimento e o desenvolvimento vegetal. Temperaturas crescentes induzem ao aumento da taxa de fotossíntese, invertendo-se, porém, a relação, sob temperaturas muito elevadas. A temperatura também afeta uma série de outros processos nas plantas, como a respiração de manutenção, a transpiração, o repouso vegetativo, a duração das fases fenológicas das culturas, a indução ao florescimento, o conteúdo de óleo em grãos, a taxa de germinação de sementes, etc. (PEREIRA et al., 2002, MAVI E TUPPER, 2004). Tantas interferências tornam a temperatura a principal variável meteorológica a ser considerada nos zoneamentos agroclimáticos, juntamente com a chuva (CAMARGO et al., 1974, 1977). Diretamente, a chuva não afeta nenhum dos processos metabólicos das plantas. Contudo, ela age indiretamente, afetando tanto o crescimento quanto o desenvolvimento das culturas (HOOGENBOOM, 2000), além da disponibilidade hídrica dos solos que, por sua vez, influencia a absorção de água pelas raízes e o status hídrico das culturas. Em períodos de poucas chuvas, a seca induz as plantas ao fechamento de seus estômatos, fixando menos CO2, afetando negativamente a fotossíntese. Por outro lado, períodos com chuvas excessivas levam à redução da oxigenação dos solos, diminuindo a atividade radicular e a absorção de água e nutrientes pelas plantas. Tanto as secas quanto o encharcamento dos solos levam à redução da produtividade das culturas. O fotoperíodo é uma variável do ambiente que interfere tanto no crescimento quanto no desenvolvimento das culturas. No contexto do crescimento, o fotoperíodo corresponde ao tempo em que as plantas realizam o processo da fotossíntese. Assim, nas maiores latitudes, onde o fotoperíodo é mais longo durante a estação de cultivo, a produtividade é maior, já que a fotossíntese ocorre por mais tempo. Além deste efeito quantitativo, algumas culturas têm seu desenvolvimento afetado pelo fotoperíodo, sendo, por isso, consideradas plantas fotossensíveis. Um exemplo clássico é a soja, que só atinge a fase reprodutiva caso o fotoperíodo crítico seja atingido. O vento é outra variável que afeta indiretamente as culturas. Sua influência pode ser positiva ou negativa, dependendo de sua velocidade. De acordo com Pereira et al. (2002), em velocidades baixas a moderadas, o vento contribui para a renovação do suprimento de CO2 e para a manutenção da transpiração das plantas. No entanto, em velocidades excessivas, o vento é responsável pelo aumento demasiado da transpiração das plantas, levando ao fechamento dos estômatos, à redução do número de folhas e da área foliar, resultando em queda brusca da fotossíntese. Além disso, ventos intensos provocam danos mecânicos nas plantas, como acamamento, queda de folhas e quebra de galhos e troncos. Finalmente, a umidade do ar é outra variável que atua de diversas formas indiretas sobre as culturas, afetando, inclusive, o poder evaporante do ar e condicionando a transpiração. Ambientes muito secos levam ao aumento excessivo da transpiração, na maioria das plantas. Em outros casos, podem provocar danos indiretos resultantes de desordens fisiológicas. Além destes aspectos, a umidade do ar é muito importante na interação entre as plantas e os microorganismos, especialmente fungos e bactérias, causadores de doenças. Em condições de alta umidade, onde a duração do período de molhamento foliar é mais prolongada, há o favorecimento da ocorrência de doenças que afetam o desempenho das culturas, reduzindo a quantidade e a qualidade dos produtos agrícolas (SENTELHAS, 2004). Na realidade, a interação entre os elementos meteorológicos e a cultura pode ser complexa, resultando em uma variedade de reações biológicas e de condições ambientais em constante mudança. Além disso, a diversidade de espécies cultivadas comercialmente no Brasil é muito grande, ultrapassando uma centena. Considerando-se apenas as 30 culturas de maior importância econômica, ainda assim chega-se a uma lista tão diversa que vai da cebola à cana-de-açúcar, dentre os cultivos temporários, e do sisal ao café, dentre os perenes. Ademais, as informações importantes para uma cultura não o são, necessariamente, para outra. Enquanto a temperatura é crítica para a definição do comprimento e da espessura das fibras em formação na maçã do algodoeiro, a deficiência hídrica é particularmente importante para o arroz de sequeiro, durante a formação e a emissão da panícula, enquanto o fotoperíodo é fator determinante para o início da fase reprodutiva da soja. Além destes, existem vários outros exemplos. Por isso, o entendimento das particularidades de cadacultura e das condições do ambiente físico é fundamental para um sistema de produção mais eficiente e sustentável (SIVAKUMAR et al. 2000).Esforços nesse sentido vêm sendo feitos há alguns anos. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), por meio de sua Divisão de Agrometeorologia, publicou, em 1982, o Guia de Práticas Agrometeorológicas (GAMP - Guide for Agricultural Meteorological Practices), com capítulos referentes à influência dos elementos meteorológicos em diferentes culturas agrícolas de interesse mundial. Esse guia foi reeditado recentemente, encontrando-se disponível na internet (WMO, 2009). Outra publicação que reúne informações gerais sobre a agrometeorologia de diferentes culturas é o Boletim de Irrigação e Drenagem, nº. 33, da FAO, intitulado “Efeito da Água no Rendimento das Culturas” (DOORENBOS E KASSAM, 1994). Nesse boletim constam informações gerais sobre os requerimentos térmicos e hídricos de 26 diferentes culturas, sendo uma das principais fontes de informação para o planejamento agrícola e para métodos de estimativa da produtividade. No Brasil, não existem, até o momento, publicações que reúnam informações agrometeorológicas sobre as diversas culturas de interesse nacional. Informações agrometeorológicas são aquelas que consideram os dados meteorológicos associados aos requerimentos dos cultivos, com o objetivo de estimar os respectivos impactos sobre as culturas e as práticas agrícolas, tanto no âmbito do planejamento quanto da tomada de decisão. Por isso, segundo Rijks e Baradas (2000), os Serviços Nacionais de Meteorologia têm muito a contribuir com a economia nacional, por meio da divulgação e do uso eficiente de tais informações. As informações agrometeorológicas, de acordo com Mavi e Tupper (2004), podem ser empregadas de diferentes maneiras na agricultura. Primeiramente, tais informações podem ser utilizadas para o planejamento dos cultivos (componente estratégica), tanto na escala macroclimática quanto topoclimática. Além disso, essas informações podem ser empregadas no processo de tomada de decisão, quanto ao melhor momento para a execução de diferentes práticas agrícolas (componente tática). Finalmente, as informações agrometeorológicas também podem permitir aos sistemas agrícolas adquirir maior capacidade para enfrentar condições meteorológicas adversas, tornando-os mais resilientes. Nesse contexto, as informações, quando associadas aos avanços nas áreas de agrometeorologia, climatologia, meteorologia, sensoriamento remoto, geoprocessamento e informática, têm melhorado substancialmente a possibilidade dos agricultores ajustarem suas atividades às variabilidades e mudanças do clima, levando à redução dos riscos na agricultura. No entanto, ainda há muito a ser feito para facilitar a adoção deste conhecimento e difundir sua aplicação prática na produção agrícola. (Referência: Informações para uma Agricultura Sustentável. Paulo Cesar Sentelhas; José Eduardo Boffino de Almeida Monteiro. Agrometeorologia dos cultivos : o fator meteorológico na produção agrícola / organizador José Eduardo B. A Monteiro. - Brasília, DF: INMET, 2009. 530 p.)
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