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105 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Unidade II 5 FARMACOLOGIA DO SNC: TRANSTORNOS DE SONO E ANSIEDADE, EPILEPSIA 5.1 Transtornos de sono e ansiedade Quando se deseja conceituar os termos “sedativos” e “hipnóticos”, esbarra-se numa certa confusão quanto ao seu significado e à sua diferenciação, embora sejam fármacos que pertençam a classes utilizadas há muito tempo pela humanidade. O termo “hipnótico” deriva da palavra grega hypnós, que designa “sono”. Refere-se aos fármacos empregados na indução e manutenção do sono, não apresentando relação, teoricamente, com atividade ansiolítica ou calmante. O conceito de sedativo refere-se à capacidade que uma substância exibe em diminuir a agitação do paciente, acalmando-o. Porém, deve-se ressaltar que fármacos com atividade hipnótica podem ser empregados como sedativos e vice-versa, dependendo da dose administrada. Quanto ao termo “ansiolítico”, refere-se a um grupo bastante amplo de fármacos, que apresentam estruturas químicas diversas. São agentes empregados, como o próprio nome indica, para aliviar a ansiedade, a tensão e o estresse. Como, em muitos casos, também exibem propriedades calmantes, muitos autores se referem a eles como sedativos. São os fármacos mais empregados na terapêutica e, infelizmente, em boa parte dos casos, de forma inadequada. 5.2 Fármacos hipnóticos-sedativos Trata-se de uma classe de fármacos depressores gerais do SNC. Como sedativos, originam depressão leve, reduzindo a agitação e a tensão; produzem redução no estado de alerta e diminuição de resposta frente a estímulos, sem indução ao sono, acalmando o paciente. Como hipnóticos, levam ao sono. Já em doses elevadas, são empregados como indutores anestésicos em cirurgia geral para obter a ação de anestésicos basais. Ainda não é conhecido o exato limiar de diferenciação entre os efeitos hipnóticos e os sedativos. Sabe-se que isso ocorre pela diferenciação entre a dose e a via de administração utilizada. A tendência de prescrição desses fármacos tem-se acentuado nos últimos anos em todo o mundo, e esse aumento ocorre em grandes centros urbanos. Algumas hipóteses para isso são: aumento do nível de estresse gerado por carga excessiva de trabalho, expectativas individuais, descoberta de diagnósticos mais precisos para os distúrbios do sono etc. 106 Unidade II Esses fármacos são empregados como sedativos na tensão emocional, na ansiedade crônica e na hipertensão, e como potencializadores da ação de analgésicos, no controle de convulsões e na narcoanálise. Os hipnóticos são indicados para contornar os distúrbios do sono e empregados em técnicas anestésicas. As características ideais para que um fármaco seja considerado bom hipnótico ou sedativo são: • Ser seguro e eficiente em todas as idades. • Possuir efeito rápido. • Induzir ao sono normal, com duração satisfatória de efeito. • Ser isento de efeito residual (ressaca). • Não causar dependência e tolerância. • Não afetar os estágios de memória, bem como não causar depressão respiratória. • Possuir lipofilicidade adequada para atingir o SNC. • Atuar em receptor específico. • Não apresentar efeitos adversos graves. Pela análise dessas qualidades, fica bastante claro que os hipnóticos hoje disponíveis na terapêutica estão muito aquém dessas especificações. Os fármacos que são clinicamente empregados com essa finalidade pertencem à classe química dos benzodiazepínicos, dos barbitúricos e dos não benzodiazepínicos. Existem, no entanto, fármacos utilizados como hipnóticos ou sedativos pertencentes a outras classes terapêuticas, graças aos efeitos colaterais hipnóticos ou sedativos que apresentam. No Brasil, são comercializados como sedativos: os benzodiazepínicos (alprazolam, bromazepam, brotizolam, clordiazepóxido, cloxazolam, clonazepam, diazepam, lorazepam), os não benzodiazepínicos (zolpidem, zaleplona e zopiclona), os barbitúricos (amobarbital e pentobarbital), e, entre outros, podem ser citados o ácido gama-aminobutírico (GABA) e seus derivados, os valepotriatos, as associações, incluindo pimetixeno, sulpirida e até princípios naturais derivados do kava kava, maracujá, melissa e valeriana. Como hipnóticos, são encontrados os benzodiazepínicos (estazolam, flurazepam, midazolam, nitrazepam), os barbitúricos (pentobarbital) e os não benzodiazepínicos. Entre eles, cabe destacar as ciclopirrolonas (zopiclona, eszopiclona) e, entre os diversos, os derivados fenilimidazólicos (etomidato, zolpidem). 107 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Essa classe encerra fármacos de estrutura bastante variada. Porém, apresenta algumas propriedades físico-químicas em comum, como alta resistência à biotransformação, grupos polares que conferem certo caráter de hidrofilicidade em determinadas regiões da estrutura e coeficiente de partição octanol/água ao redor de 100. Observação Coeficiente de partição é uma propriedade físico-química que permite identificar a lipofilicidade ou hidrofilicidade de um fármaco. Quanto maior a partição, maior a tendência de o fármaco ser lipofílico. Existem ainda outros fármacos mais antigos que raramente são empregados como hipnóticos e sedativos, pois apresentam efeitos adversos acentuados, sendo utilizados apenas em casos extremos. Entre eles, podem ser citados a classe das piperidinodionas (glutetimida), os carbamatos de propanodiol (meprobamato), os alcoóis e aldeídos (tricloroetanol, cloral hidratado, paraldeído). Fármacos alternativos podem ser buscados nas classes dos antipsicóticos, dos antidepressivos tricíclicos e até de alguns anti-histamínicos H1. O mecanismo de ação da hipnose/sedação, devido à sua alta complexidade, não está completamente estabelecido. Entretanto, algumas observações importantes sobre essas substâncias merecem ser citadas: • Atuam em etapas polissinápticas. • Geralmente, aumentam a inibição pré-sináptica. • Apresentam seletividade e especificidade variadas, dependendo da região cerebral considerada. • Acentuam o efeito pré e às vezes pós-sináptico do GABA. O sono normal consiste, de forma resumida, em duas fases: uma caracterizada pelo eletroencefalograma (EEG), apresentando atividade sincronizada de alta-voltagem, mas com diminuição do tônus muscular e esquelético, conhecida pela sigla NREM (non-rapid eye movement); e outra conhecida como REM (do inglês, rapid eye movement), em que o EEG apresenta aumento de atividade, com movimentos rápidos e irregulares dos olhos, relaxamento muscular completo, podendo ocorrer sonhos. As duas fases alternam-se durante o período de sono, sendo cerca de 25% representado pelo sono REM. Essa alternância parece depender da influência do equilíbrio entre os neurotransmissores representados pela serotonina e pelas catecolaminas na formação reticular ascendente no SNC. O sono induzido pelos hipnóticos difere do natural, pois o período NREM é menor, o sono REM é suprimido e o tempo total do sono é aumentado. Com o uso crônico dos fármacos, os efeitos hipnóticos tendem a diminuir. Se o uso do fármaco é descontinuado bruscamente após 3 ou 4 semanas, a quantidade e a intensidade de sono REM aumentam em relação ao sono normal – isso é denominado de rebote REM. Muitos consideram que esse fato é resultante da dependência física e da reação de abstinência. 108 Unidade II Em decorrência dessas diferenças, o sono induzido pelos medicamentos não resulta em sensação de pleno descanso e bem-estar quando o paciente desperta. Os hipnóticos-sedativos não possuem estrutura característica. Uma grande variedade de compostos é utilizada com essa finalidade. Na tabela a seguir, encontram-se os hipnóticos-sedativos comercializados no Brasil. Tabela 6 – Hipnóticos-sedativos: agentes hipnóticos benzodiazepínicos (2) e não benzodiazepínicos (1) Fármaco Grupo farmacológico Tempo de meia-vida em horas Tempo para ação em minutos Dose em adultos (mg) Metabólitos ativos Amobarbital Barbitúrico 8-12 20-60 65-200 Não Pentobarbital Barbitúrico 15-48 10-15 100-200 Não Zolpidem1 Imidazopiridina1,5-2,5 20-30 5-10 Não Zaleplona1 Pirazoloprimidina 1,5-3 20 -30 10-20 Não Zopiclona1 Ciclopirrolona 4-6 20 -30 3,75-7,5 Sim Eszopiclona1 Ciclopirrolona 1-5 20 -30 3,75-7,5 Sim Triazolam2 BZD 0.5-2 20 -30 0,25-0,5 Não Midazolam2 BZD 1,5-2,5 30-90 7,5-15 Sim Estazolam2 BZD 10-24 15-30 1-2 Não Flunitrazepam2 BZD 10-20 20-30 0,5-1 Sim Flurazepam2 BZD 40-120 15–30 7,5-15 Não Diazepam2 BZD 20-40 20-30 5-10 Sim Oxazepam2 BZD 3-6 30-60 15-30 Não Quazepam2 BZD 15-40 25-45 7,5-15 Sim Nitrazepam2 BZD 25-35 20-40 5-10 Sim Alprazolam2 BZD 6-20 20-40 0,25-3 Sim Bromazepam2 BZD 10-12 30-40 3-6 Sim Clonazepam2 BZD 20-60 20-30 0,5-2 Sim 5.2.1 Barbitúricos Há algum tempo, os barbitúricos foram os fármacos mais empregados como hipnóticos e sedativos. Porém, pelos graves efeitos adversos que apresentam e com o aparecimento de fármacos novos, mais seguros e eficazes, hoje raramente são empregados com essa finalidade. Os barbitúricos são potentes depressores dos centros respiratórios medulares, provocam discrasias sanguíneas, são teratogênicos, e a dose terapêutica é muito próxima da tóxica. São frequentes os casos de envenenamentos acidentais ou com finalidades de suicídio ou homicídio. Apresentam como estrutura básica o anel barbitúrico e, dependendo dos substituintes presentes, são empregados com diferentes finalidades: ação anestésica, anticonvulsivante etc., como mostrado na figura adiante. 109 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Desse modo, pode-se classificar os barbitúricos em: fármacos de ação prolongada (são os mais hidrofílicos da série, empregados especialmente como anticonvulsivantes); de ação intermediária (em que existe equilíbrio entre a propriedade hidrofílica e lipofílica, antigamente empregados como ansiolíticos) e os de ação curta e ultra-curta (os mais lipofílicos da série, empregados como anestésicos gerais e raramente como hipnóticos e sedativos). Mecanismo de ação O mecanismo de ação dos barbitúricos como depressores do SNC é no mesmo sistema de receptor dos benzodiazepínicos, porém em sítios distintos. Os barbitúricos intensificam a interação do mediador endógeno depressor GABAA, por atuarem como antagonistas de mediadores endógenos estimulantes, que mantém o equilíbrio com o GABAA, principal mediador depressor. Esse receptor, localizado na membrana do neurônio, está contido na macromolécula que contém o canal ionóforo de cloreto, que, com a interação com o barbitúrico, mantém-se aberto, permitindo a entrada de cloreto para a membrana e interferindo na condução elétrica. Com isso, desencadeia mecanismos favoráveis para a interação do GABAA com o seu receptor, causando a depressão. Portanto, o barbitúrico apenas intensifica a atividade do GABAA. Ainda não são conhecidos, com segurança, os fatores endógenos que são antagonizados pelos barbitúricos. Receptor GABA Sítio barbitúricos Barbitúricos Etomidato Sítio anestésicos gerais Propofol Halotano Etanol Sítio GABA Sítio benzodiazepínico Benzodiazepínico Não benzodiazepínico Figura 35 Farmacocinética Os barbitúricos são bem absorvidos por via oral e têm ampla distribuição no organismo. Sua biotransformação ocorre via enzimas microssomais hepáticas, produzindo metabólitos inativos, e sua excreção se dá através da urina. 110 Unidade II Efeitos adversos Os efeitos adversos mais comuns são: sonolência, ressaca farmacológica, dependência, alterações cognitivas e, dependendo da dose, intoxicação e morte. O uso de álcool deve ser proibitivo, pois essa interação fármaco-álcool pode ser fatal ao paciente. 5.2.2 Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos, caracterizados pela estrutura 5-fenil-1,4-benzodiazepina-2-ona, constituem a classe de fármacos introduzidos na terapêutica pelo acaso. O primeiro elemento da série, o clordiazepóxido, foi um produto inesperado de síntese planejada por Sternbach nos anos de 1930 e reavaliado 20 anos depois, culminando com a sua introdução na terapêutica em 1960. Testes preliminares em animais mostraram efeitos miorrelaxantes e calmantes, em doses baixas. Esses resultados incentivaram estudos clínicos feitos em voluntários humanos para comprovar os efeitos tranquilizantes. Mais de 2.000 derivados benzodiazepínicos foram sintetizados. Os comercializados no Brasil estão arrolados na tabela “Hipnóticos-sedativos: agentes hipnóticos benzodiazepínicos (2) e não benzodiazepínicos (1)”. Nessa tabela, não se incluem as associações. Porém, diversas especialidades farmacêuticas que os contêm em associações com outros fármacos são comercializadas. Em princípio, essas associações são consideradas irracionais. Os benzodiazepínicos são empregados com frequência como hipnóticos e sedativos, substituindo os barbitúricos nessa função. São bastante seguros, e os envenenamentos são raros. Apresentam também propriedades ansiolítica, miorrelaxante, anticonvulsivante e anestésica. Não existe benzodiazepínico exclusivamente hipnótico ou sedativo, mas alguns são comercializados especificamente com essa finalidade, não havendo explicação para isso. Tal indicação está baseada em duas propriedades farmacocinéticas, que apresentam duração do tempo de ação e velocidade de aparecimento do efeito ou latência. A velocidade de aparecimento do efeito depende da via de administração. Pela via oral, existe a dependência da velocidade em que o fármaco se libera da forma de apresentação, velocidade de absorção e, finalmente, facilidade em atravessar a BHE. Entre os benzodiazepínicos indicados como hipnóticos ou sedativos, o flurazepam é o que tem início de ação mais rápido. Quando administrado por via endovenosa, a ação é sentida após 15 segundos a poucos minutos, dependendo da sensibilidade do paciente e da dose. Quanto à duração do tempo de ação, é bastante variável, pois depende da distribuição, da biotransformação e da eliminação do fármaco. No caso, e.g., do diazepam e clorazepato, que são biotransformados a nordiazepam (N-desmetildiazepam), o qual possui também propriedades sedativa e ansiolítica e cuja meia-vida é de cerca de 100 horas, a duração do tempo de ação desses dois fármacos é determinada pela distribuição. No caso do nitrazepam, que tem tempo de eliminação de 30 horas, podem aparecer sintomas do tipo ressaca e haver efeito cumulativo de doses. O contrário ocorre com o triazolam e o midazolam, que possuem tempo de ação curto, menos de 4 horas, comandado pelo tempo de eliminação apresentado. 111 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Comparados aos barbitúricos e mesmo aos outros sedativos, em termos terapêuticos, os benzodiazepínicos apresentam ações bastante semelhantes. A grande vantagem que mostram é sua segurança: a dose terapêutica do benzodiazepínico é muitas vezes menor do que a tóxica. Mecanismo de ação Assim como os barbitúricos, há uma interação entre os benzodiazepínicos e o complexo macromolecular da membrana que contém o receptor para o GABAA. O canal de cloreto é feito mediante diferentes subtipos de receptores, e sabe-se que o GABA possui cinco subunidades, ou seja, existem subtipos do mesmo receptor com os quais o fármaco pode interagir. Os benzodiazepínicos se ligam alostericamente nas subunidades α e γ, aumentando a frequência de abertura dos canais de cloro, sem, no entanto, aumentar o influxo e a duração de abertura desse canal. Embora ainda não se tenha provas decisivas, há hipóteses que relacionam as diferentes atividades exibidas pelos benzodiazepínicos: com a interação com os subtipos a1 (sedação), a2 e a3 (ansiolítica). Farmacocinética O uso destes fármacos está intimamente relacionado com a farmacocinética e as propriedades físico-químicas. Pode-se afirmar que são fármacos lipofílicos, e essa característica pode ser alterada em até 50 vezes, dependendo da polaridade e da eletronegatividade dos substituintes. Em sua maioria, os benzodiazepínicos são completamente absorvidos sem antes sofrer biotransformação. Excetua-se o clorazepato, que é descarboxilado no suco gástrico a nordazepam, para depois ser absorvido. O diazepamé rapidamente absorvido, atingindo o pico máximo em 1 hora nos adultos e em 15 a 30 minutos nas crianças. Já o clonazepam e o oxazepam apresentam absorção bastante lenta após a administração oral, levando várias horas para atingir seu pico de concentração plasmática. O alprazolam, o clordiazepóxido e o lorazepam possuem velocidades intermediárias de absorção. A injeção intramuscular de benzodiazepínicos tem absorção imprevisível, excetuando-se o lorazepam. A biotransformação dos principais benzodiazepínicos ocorre no fígado, através de enzimas microssomais. O conhecimento da biotransformação e da natureza dos metabólitos gerados é de fundamental importância em seu uso. Desse modo, o flurazepam, que tem meia-vida plasmática de 2-3 horas, dá origem ao metabólito N-desalquilflurazepam, que possui meia-vida de mais de 50 horas. Os benzodiazepínicos, em sua maioria, bem como os seus metabólitos, ligam-se com alta afinidade a proteínas (85-90%). Esse fator limita a utilização da diálise em casos de intoxicação. O volume aparente de distribuição, em média, situa-se entre 1 e 3 L/Kg de peso corporal. Aparentemente, os benzodiazepínicos não induzem de maneira significativa a síntese de enzimas microssômicas hepáticas. Assim, a administração prolongada, de maneira geral, não acelera a 112 Unidade II biotransformação de outras substâncias. Por outro lado, a cimetidina e os anticoncepcionais orais inibem a N-desalquilação e a 3-hidroxilação dos benzodiazepínicos. O etanol, a isoniazida e a fenitoína também o fazem, mas de maneira menos eficaz. Esses efeitos diminuem em pacientes idosos e naqueles que sofrem de doença hepática crônica. O hábito de fumar reduz a eficácia dos benzodiazepínicos administrados por via oral, e o uso do álcool prejudica a biotransformação, principalmente do diazepam e clordiazepóxido. Em contrapartida, a administração de outros depressores do SNC potencializa a ação dos benzodiazepínicos. Quando houver necessidade de uso em paralelo, deve-se ajustar a dose. A intoxicação, embora rara, é tratada com o flumazenil. Nesses casos, deve-se tomar cuidado, já que, se o paciente usa o fármaco por tempo prolongado, pode entrar em crise de abstinência O flumazenil também é empregado quando o benzodiazepínico é utilizado como anestésico, em procedimentos cirúrgicos rápidos, e se necessita despertar o paciente. Efeitos adversos O efeito adverso mais comum, ao ser alcançada a concentração plasmática adequada, é a sedação, que varia conforme o paciente, a idade e as condições gerais, comandadas por fatores farmacodinâmicos e farmacocinéticos. Ocorrem também lassidão, descoordenação motora, diminuição da velocidade de raciocínio, ataxia, redução das funções físicas e mentais, confusão, disartria, secura de boca e gosto amargo. A atividade mental é menos afetada que a física. Além disso, pode ocorrer aumento de peso corporal devido ao aumento do apetite. Daí serem consideradas irracionais as associações medicamentosas empregadas para o emagrecimento, que contém os benzodiazepínicos em sua formulação, com a finalidade de reduzir os efeitos dos estimulantes anfetamínicos nelas empregados. A ingestão com álcool deve ser levada em consideração, podendo ser extremamente grave, pela potencialização do efeito depressor. Outros efeitos mais raros são: fraqueza, cefaleia, visão turva, náusea, vômito, desconforto epigástrico e diarreia. Podem ainda aparecer dores nas juntas e no peito. O nitrazepam e o flurazepam podem ocasionar insônia na primeira semana de uso. Ocasionalmente, o flurazepam pode causar ansiedade, irritabilidade, taquicardia e sudorese, além de euforia e alucinações. Alguns pacientes podem exibir comportamentos bizarros, hostilidade e agressividade. Paranoia, depressão e tendência ao suicídio são eventos mais raros. Não devemos esquecer que alguns benzodiazepínicos atravessam a barreira placentária. Assim, recém-nascidos de mães dependentes do fármaco podem desenvolver crises de abstinência. Mães que necessitem utilizar o fármaco durante período de amamentação devem ter seus filhos observados quanto a possíveis efeitos relacionados ao fármaco. Apesar de todos os efeitos apontados, os benzodiazepínicos ainda são considerados fármacos com boa margem de segurança. Mesmo em doses maciças, são raramente fatais, a menos que sejam administrados com outros depressores do SNC, quando ocorre sinergismo de ação. Embora não causem problemas circulatórios ou respiratórios profundos, ainda que em doses tóxicas, doses terapêuticas podem comprometer a respiração de pacientes com doença respiratória obstrutiva. O flumazenil é o fármaco empregado como antagonista eficaz no tratamento de intoxicações especificamente causadas pelos benzodiazepínicos. 113 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Lembrete Atente-se para o que foi exposto sobre barbitúricos e benzodiazepínicos em relação à interação fármaco-alimento: ambos (fármacos e álcool) diminuem drasticamente a atividade cerebral, podendo levar ao coma e à morte. 5.2.3 Fármacos não benzodiazepínicos Os fármacos zolpidem e zaleplona, apesar de não terem estrutura de benzodiazepínico, têm grande afinidade pelo mesmo receptor cerebral, o GABAA no subtipo ω-1. Sofrem biotransformação hepática, promovendo a formação de metabólitos oxidados inativos. O zolpidem tem excreção de 60% por via urinária e 40% por via fecal; já a zaleplona tem como via de excreção principal a urina. Os efeitos adversos principais são: distúrbios gastrintestinais, cefaleia, tontura, pesadelos e agitação. A zopiclona e a eszopiclona têm efeitos similares aos fármacos citados; a diferença se dá na ligação aos receptores ω-1 e ω-2. A absorção desses fármacos é rápida, e sua biotransformação hepática ocorre via reações de oxidação e desmetilação. A excreção ocorre principalmente na urina, e seus efeitos adversos incluem: cefaleia, gosto amargo, edema periférico e xerostomia. 5.3 Fármacos ansiolíticos 5.3.1 Ansiedade Os ansiolíticos ou tensiolíticos são fármacos utilizados no combate aos sintomas causados pela ansiedade e por tensões em geral. Atualmente, essa disfunção do SNC é uma das mais frequentes na clínica médica. Parece, em sua grande parte, ser causada pelo próprio homem. A competição em todos os sentidos dentro da comunidade cria uma estrutura social que pode aniquilar o homem tanto do ponto de vista físico quanto mental. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) conceitua ansiedade como uma tensão, uma apreensão, um desconforto, que se origina de perigo interno ou externo iminente, podendo ser uma resposta ao estresse ou ao estímulo ambiental. Muitas vezes, ocorre sem causa aparente. A ansiedade, dentro de certos limites, é considerada normal, não necessitando de tratamento, pois se trata de um mecanismo de defesa criado pelo organismo frente às agressões externas. Todavia, quando o quadro tende a se prolongar ou aprofundar, interferindo no desempenho normal do indivíduo, torna-se necessária a sua avaliação clínica e, eventualmente, a instituição de algum tipo de tratamento, químico ou psicológico. Muitas vezes, a ansiedade está associada a certos tipos de patologia, como hipertensão, asma, hipertireoidismo ou câncer, podendo causar desconforto grave ao paciente. Nesses casos, o tratamento coadjuvante constitui um grande alívio para o doente. 114 Unidade II Hoje em dia, levando-se em consideração a frequência, os transtornos mentais situam-se no mesmo nível das doenças cardiovasculares, incluindo a hipertensão. Desses transtornos, a ansiedade é o problema mais comum. A incidência é maior na população ativa, atingida em sua vida pessoal e profissional. Entretanto, torna-se cada vez mais frequente a observação de casos de ansiedade em pediatria: as causas principais estão associadas ao ritmo de vida imposto às crianças, bem como a problemas de ordem familiar, sobretudo os relacionados com a separação dos pais. Muitas vezes, o quadro clínico se agrava porque o problema não é identificado e opaciente não procura a ajuda especializada. A rigor, o termo “ansiedade” engloba uma série de quadros clínicos, que apresentam prognósticos diferentes e terapêuticas específicas. Assim, antes da instituição de qualquer tipo de tratamento, é importante que seja feita a identificação cuidadosa dos principais sintomas que o paciente apresenta e, quando possível, relacioná-los à possível causa externa, para o estabelecimento do diagnóstico. Em alguns casos, é mais importante o tratamento psicológico do que o químico. Os quadros clínicos da ansiedade podem ser classificados em: • Reação de ajustamento com humor ansioso. • Transtorno de pânico. • Transtorno de pânico com agorafobia. • Agorafobia sem ataques de pânico. • Fobia social. • Fobias específicas. • Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). • Transtorno de ansiedade generalizado. • Transtorno de estresse pós-traumático. A reação de ajustamento com humor ansioso apresenta sintomas oriundos de evento vital estressante, comum na vida cotidiana das pessoas. O quadro clínico, em geral, é breve e não requer tratamento. O transtorno de pânico é um ataque súbito, incontrolável e inexplicável de medo, sensação de terror, normalmente acompanhado de manifestações autonômicas intensas (dispneia, palpitação, vertigem, sudorese das extremidades, sensação de asfixia, desconforto precordial). O transtorno de pânico com agorafobia caracteriza-se pelo ataque de pânico acompanhado da esquiva de situações sociais diversas. 115 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA A agorafobia sem ataques de pânico é um sintoma secundário, associado a outras patologias. A fobia social caracteriza-se pela fuga de situação que exponha o paciente ao público, interferindo, assim, na sua vida social. Fobias específicas, nas quais o pânico é limitado a certas situações determinadas, caracterizam-se pelo medo irracional de certas atividades ou objetos. O medo é demasiadamente desproporcional às ameaças reais. O TOC caracteriza-se pelo pensamento ou por imagens consideradas sem sentido ou repugnantes e rituais ansiosos (compulsões), nos quais determinadas ações são realizadas de maneira repetitiva, sem qualquer finalidade (como lavar as mãos ou pentear os cabelos com frequência, arrancar cabelos e não pisar nas emendas do piso). O transtorno de ansiedade generalizado apresenta sintomas semelhantes aos da reação de ajustamento. É, porém, crônico e profundo. O transtorno de estresse pós-traumático é um quadro ansioso crônico ligado a alguma situação extremamente adversa, violenta, ocorrida com o paciente (como tortura, estupro e sequestro). Nessa classificação da ansiedade, podem ser incluídos os estados mistos depressivo-ansiosos, em que há associação das duas disfunções mentais. A sobreposição de sintomas depressivos e ansiosos dificulta o diagnóstico dessa comorbidade, que é uma das mais frequentes, chegando a atingir até 70% dos pacientes com disfunção mental. A ansiedade, qualquer que seja o fator desencadeante, apresenta como agente etiológico o desequilíbrio entre os mediadores estimulantes e os depressores centrais. Entretanto, não se conhecem ainda todos os fatores envolvidos, bem como as estruturas e os mecanismos de ação ao nível de receptor, existindo apenas indicações quanto a determinados tipos compreendidos. Os estudos nesse setor são muito intensos. Assim, os fármacos disponíveis no arsenal terapêutico não são curativos, mas meramente paliativos, atenuando o quadro de desequilíbrio do paciente. Classificação dos fármacos ansiolíticos Os fármacos disponíveis no arsenal terapêutico contra a ansiedade podem ser classificados em: • Benzodiazepínicos. • Agonistas parciais do receptor 5HT A. • Barbitúricos. • Diversos. 116 Unidade II 5.3.1.1 Benzodiazepínicos Pela sua alta eficácia e relativa segurança, os benzodiazepínicos ainda são considerados os principais ansiolíticos, muito embora outros fármacos tenham sido recentemente introduzidos na terapêutica com essa finalidade. Propriedades farmacológicas Os protótipos desta classe são o diazepam e o clordiazepóxido. Seus efeitos resultam de ações sobre o SNC. Os efeitos principais, além da diminuição da ansiedade, incluem sedação, hipnose, relaxamento muscular e propriedades anticonvulsivantes (clonazepam, clorazepato e diazepam são usados clinicamente com esse objetivo). Quanto ao uso clínico, são considerados fármacos de escolha no tratamento da ansiedade. Além disso, podem ser úteis como miorrelaxantes, anticonvulsivantes, pré-anestésicos e anestésicos propriamente ditos. A escolha dos diferentes benzodiazepínicos disponíveis deve ser feita após o diagnóstico da disfunção, bem como após a avaliação das condições físicas do paciente. Com o uso crônico, aparece a tolerância em relação aos efeitos adversos e aos terapêuticos. No caso do diazepam, a tolerância frente aos efeitos terapêuticos pode aparecer após cerca de 22 semanas de uso. Abuso e dependência Os casos de abuso e dependência correlacionados ao uso tanto terapêutico quanto irracional são numerosos. A dependência pode aparecer com o uso em doses terapêuticas, em geral, por tempo prolongado, e também com o uso em doses mais elevadas. Os sintomas relacionados à abstinência incluem: ansiedade, agitação, irritabilidade, insônia, cefaleia, tremores, tontura, anorexia, náusea, vômito, diarreia, fraqueza, fotofobia, despersonalização e depressão. Esses sintomas podem surgir até uma semana após a retirada do medicamento – depende da meia-vida, da conversão em metabólitos ativos e das respectivas meias-vidas. Muitas vezes, a retirada de fármacos com meia-vida longa não acarreta o aparecimento dos sintomas de abstinência; em outras, com a utilização de fármacos com tempo de ação curto, chega-se a observar sintomas de ansiedade entre as doses. Nesses casos, existe a tendência em aumentar a dose, visto que surge a dificuldade de interromper a medicação. Não ficou ainda esclarecido se, nesses casos, os sintomas estão relacionados à tolerância ou à abstinência. O alprazolam e o lorazepam são os que mais apresentam esse quadro clínico. Alguns médicos sugerem a substituição por fármacos de ação prolongada, em que cada miligrama deles pode ser substituído por um de clonazepam. Antagonista benzodiazepínico O primeiro elemento desta classe resultou da pesquisa de substâncias com alta afinidade pelo receptor benzodiazepínico. O intuito inicial era identificar, isolar e caracterizar o receptor benzodiazepínico. Esse 117 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA derivado, mais tarde denominado flumazenil (introduzido no Brasil com o nome de Lanexat®), mostrou possuir propriedades antagonistas bastante acentuadas. O flumazenil possui tropismo central, mostrando suave atividade anticonvulsivante, e não induz à sonolência ou ao relaxamento muscular. Não causa efeitos adversos graves quando usado em doses terapêuticas. Por outro lado, apresenta a propriedade de bloquear drasticamente os efeitos dos benzodiazepínicos, mas não dos demais depressores do SNC (barbitúricos, carbamatos, etanol, gabamiméticos, opioides). Por isso, pode ser empregado como agente diagnóstico diferencial em caso de intoxicação em que não se conhece a natureza do agente causador. O flumazenil reverte de maneira eficiente, mediante doses diminutas, intoxicações graves causadas por benzodiazepínicos. O flumazenil é indicado na anestesiologia, no encerramento da anestesia geral promovida por benzodiazepínico. Neutraliza efeitos dos benzodiazepínicos em processos diagnósticos, terapêuticos e na superdose; é empregado como diagnóstico diferencial no coma neurológico por ingestão medicamentosa; tem suave atividade anticonvulsivante; é rapidamente absorvido pela via oral; atinge pico plasmático de 225 mcg/mL a 113 mcg/mL, 20 a 90 minutos após a administração; é rapidamente metabolizado no fígado e, após 1/6 da dose, alcança a circulação sistêmica. Quando se deseja ação rápida, usa-se a via intravenosa. Uma dose de 10 a 20 mcg/mL reverte de maneiraeficaz os efeitos produzidos pelos benzodiazepínicos. A meia-vida de eliminação é de 49-58 minutos, e 40% do fármaco liga-se a proteínas plasmáticas. O flumazenil é considerado um fármaco seguro; entretanto, sua administração deve ser cuidadosa. O despertar rápido em pacientes com doenças cardiorrespiratórias pode ser perigoso, podendo haver incidência de ansiedade e agitação. Em pacientes dependentes de benzodiazepínicos, pode causar síndrome de abstinência. Os efeitos adversos mais comuns incluem: vômito, náusea, lacrimejamento e desconforto geral. 5.3.1.2 Antagonistas da serotonina (receptor 5-HT1A) São considerados como ansiolíticos de segunda geração. O primeiro membro desta classe que foi introduzido no mercado brasileiro é a buspirona ou S-[4-[4-(2-pirimidinil)-1-piperazinil]butil]- azaspiro[4,5]decano-7,9-diona. Foi sintetizada em 1972 por Wuet et al., e sua ação ansiolítica foi observada por Goldberg e Finnerty em 1979. Foi introduzida no Brasil em 1989 e hoje é comercializada com os nomes Ansienon®, Ansitec®, Buspanil® e Buspar®. São agonistas parciais dos receptores de serotonina, em especial o 5-HT1A. Lembrete Cabe ressaltar a importância de ter claras as diferenças entre agonista, antagonista e agonista parcial, pois a potência, a eficácia e os efeitos adversos dos ansiolíticos estão diretamente relacionados a esses termos. 118 Unidade II Propriedades farmacológicas A buspirona apresenta propriedades ansiolíticas comparáveis às do diazepam. Em doses terapêuticas, não causa sedação nem relaxamento muscular. Também não exerce atividade anticonvulsivante nem hipnótico-sedativa. Parece não dispor de potencial de abuso e não leva à dependência física e psíquica. Não altera os reflexos, não sofrendo interação significativa com o álcool. Não possui antídoto específico. Em casos de intoxicação, cujos sintomas são náusea, vômito, tontura, sonolência, miose e distúrbios gástricos, são procedimentos recomendados a lavagem gástrica e o tratamento sintomático. Farmacocinética Quando administrada pela via oral, a absorção da buspirona é rápida e completa. Por via intravenosa, atinge rapidamente o cérebro. O pico máximo é atingido após 60-90 minutos da administração. Cerca de 95% estão ligados às proteínas plasmáticas. Seu volume de distribuição é de 5,3 L/Kg, sua meia-vida é de 2,1-2,7 horas, e é eliminada do plasma à razão de 2-3,5 L/h/Kg. Em 24 horas, de 29% a 63% da dose é excretada pela urina e 18% a 38% pelas fezes. É biotransformada mediante a hidroxilação e a ruptura da cadeia pirimidilpiperazínica, originando a 5-hidroxibuspirona e glicuronídeos (inativos) e a 1-(2-pirimidinil)-piperazina, que possui 20% da atividade da buspirona. Os principais efeitos adversos exibidos são sonolência, tontura (em nível mais baixo daquele exibido pelos benzodiazepínicos), cefaleia, náusea e fadiga. Nervosismo, obnubilação, diarreia, secura de boca e taquicardia são eventos mais raros. Em doses elevadas, pode causar disforia. A administração em paralelo com os inibidores da MAO acarreta um aumento da pressão arterial. Pode deslocar a digoxina ligada a proteínas plasmáticas. 5.3.1.3 Barbitúricos São depressores não seletivos do SNC. Há algumas décadas, eram fármacos amplamente utilizados como hipnóticos, sedativos, ansiolíticos e anticonvulsivantes. Sua administração causa graves problemas, e apresentam facilidade em desenvolver tolerância, dependência física e sintomas de abstinência graves. Quando empregados de forma inadequada, podem ser fatais, causando falência respiratória e cardiovascular. Muitos suicídios e homicídios foram cometidos com o seu uso. São potentes indutores de enzimas hepáticas, como o citocromo P450, provocando interferências acentuadas na ação de outros fármacos e gerando, muitas vezes, graves problemas. Podem precipitar ataques agudos de porfiria em indivíduos sensíveis. Atualmente, no Brasil, não são encontradas especialidades farmacêuticas que os contenha com a finalidade unicamente ansiolítica, pois existem medicamentos mais seguros e eficazes. Suas principais indicações na atualidade são como anestésicos gerais e como anticonvulsivantes. Existe no comércio uma 119 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA especialidade contendo pentobarbital (Hypnol®) utilizada como hipnótico. Mesmo assim, os especialistas tendem, na medida do possível, a substituí-los por outros fármacos mais seguros. São reservados para os casos resistentes. 5.3.1.4 Diversos Estudos controlados comprovaram a eficácia dos betabloqueadores como ansiolíticos. Em situações específicas, alguns, como o propranolol, podem reduzir os sintomas autonômicos associados a fobias específicas, pelo bloqueio periférico dos sintomas beta-adrenérgicos mediados. Podem ser considerados como auxiliares no tratamento de alguns tipos de ansiedade e em estresse agudo. Não causam dependência, mas o efeito betabloqueador pode produzir uma série de efeitos adversos que devem ser criteriosamente avaliados. Estão também disponíveis no comércio nacional especialidades que contêm princípios ativos naturais com a finalidade ansiolítica, obtidos da melissa, do kava-kava e, principalmente, do maracujá. Nesse caso, foram isolados e identificados princípios ativos que, apesar de não apresentarem estrutura semelhante aos benzodiazepínicos, atuam no mesmo receptor, exercendo efeito calmante. Vários outros fármacos que atuam no SNC foram empregados como ansiolíticos no Brasil. Entretanto, hoje são considerados obsoletos, embora alguns ainda continuem a ser comercializados em outros países e possam ser úteis em casos refratários ao tratamento com a medicação recomendada. Entre eles, pode-se citar a classe dos carbamatos de propanodiol, cujo protótipo é o meprobamato. Ainda podem ser citados os fármacos não barbitúricos, mas com ação semelhante, como a clormezanona. A não utilização desses fármacos na moderna psiquiatria deve-se ao fato de causarem graves efeitos adversos e intoxicações quando utilizados como ansiolíticos. Outros fármacos pertencentes a outras classes terapêuticas podem ser empregados como auxiliares. Entre os anti-histamínicos, a hidroxizina é a mais indicada. Estudos posteriores indicaram que ela não era propriamente ansiolítica, já que, na dose recomendada para essa finalidade, produzia sedação acentuada. É empregada como medicação pré-anestésica, pois, além da propriedade sedativa, é antiemética e anticolinérgica. Com a introdução da buspirona e o consequente estudo do mecanismo de ação, confirmou-se a interferência da serotonina na ansiedade. Esta é outra classe de fármacos que atualmente suscita grande interesse. Por outro lado, é inegável a importância dos estudos que procuram dentro dos princípios ativos naturais novos elementos ansiolíticos. Não resta a menor dúvida que, enquanto o homem não se conformar com uma vida tranquila, sem buscar objetivos, muitas vezes quase impossíveis de serem atingidos, as tensões continuarão a interferir em seu desempenho, e, portanto, o campo que se vislumbra na área de ansiolíticos continuará a ser imenso. 5.4 Anticonvulsivantes Os episódios convulsivos são conhecidos há muito tempo pela humanidade. Existem escritos no código de Hamurabi datados de 2080 a.C., em que são reconhecidos os sintomas característicos dessa disfunção do SNC. 120 Unidade II A palavra “epilepsia” origina-se do grego e pode ser traduzida como “atacado”. Esse termo foi empregado pela primeira vez por Hipócrates, na monografia intitulada On the sacred disease, datada cerca de 400 a.C. Na obra, o autor desmistifica a etiologia do mal, explicado anteriormente como sendo oriundo da interferência de espíritos diabólicos. Na oportunidade, reconhece-o como uma disfunção originada no cérebro, recomenda dieta especial para o seu controle e já distingue as formas distintas do mal. Jackson, no século XIX, elaborou a primeira descrição científica dessa disfunção: o início da convulsão caracterizava-se pelo aparecimento de descarga elétrica intensae anormal, em determinada região do cérebro, que em nossos dias pode ser evidenciada por meio da eletrencefalografia. Não se conhecem de forma precisa os agentes etiológicos dessa disfunção; sabe-se que pode ser transmitida por hereditariedade. Traumatismos na cabeça provocados por acidentes podem originá-la, e mesmo um simples tapa na cabeça de uma criança sensível pode ser fator predisponente à convulsão. Os ataques epilépticos podem ser classificados em dois grupos: a forma idiopática (ou verdadeira, de origem desconhecida) e a forma sintomática ou orgânica (que pode ser desencadeada através de traumatismos diversos, utilização de drogas, infecções do SNC, tumores, intoxicações, manobras inadequadas durante a gravidez ou parto e distúrbios de metabolismo). Todos os processos convulsivos originam-se no cérebro. Os neurônios são células que, ao serem sensibilizadas, respondem gerando potencial de ação elétrico, que vai ser transmitido às suas vizinhas. Quando o grau de excitação é elevado, como acontece nos casos dessas disfunções, podem ocorrer focos de descargas elétricas anormais, que, ao serem propagadas, geram os diferentes tipos de convulsão, norteada pela intensidade da descarga elétrica e pelo local em que ocorre. Alguns acreditam que a epilepsia é uma forma única de doença e que todos os seus tipos têm causa idêntica. Porém, a maioria aceita que os diferentes tipos de convulsão são disfunções que se originam em locais diferentes do cérebro, associadas com causas químicas e funcionais, que também são diferenciadas. A epilepsia pode ser definida como um sintoma complexo, caracterizado por aberrações recorrentes paroxísmicas da função cerebral, geralmente breves e autolimitadas, segundo o Symposium on Evaluation of Drug Therapy in Neurologic and Sensory Disease. Os ataques epilépticos afetam cerca de 1% da população mundial, e a maior parte (cerca de 75%-90%) é aliviada mediante o uso de anticonvulsivantes. Os pacientes, geralmente, quando tratados de forma adequada, têm vida normal, desempenhando diferentes atividades, algo que antes da introdução de fármacos específicos era impossível. Nos primórdios da humanidade, como o mal era encarado como oriundo de poderes sobrenaturais, o tratamento era baseado no uso da magia ou mesmo no ostracismo dos pacientes, aplicando-se medidas de restrição social, na maior parte das vezes, de forma desumana. Com o reconhecimento da sua origem, o controle foi realizado pelo emprego de outras alternativas, menos obtusas. 121 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA As primeiras substâncias químicas utilizadas foram os sais de bromo, por Locock, em 1857. São substâncias muito tóxicas, pois o bromo tem a capacidade de se acumular nas gorduras do organismo, provocando o bromismo (efeitos gastrintestinais e neurológicos graves). O grande avanço no tratamento da epilepsia foi dado com a síntese do ácido barbitúrico e de seus derivados, por Adolf von Baeyer, no início do século XIX, que permitiu o desenvolvimento de outras classes terapêuticas interessantes. Assim, a fenitoína foi introduzida por Merritt e Putnam, em 1938, como resultado da modificação isostérica realizada no anel barbitúrico. Seguiram-se as introduções da trimetadiona, em 1944, por Spielman; da primidona, em 1949, por Bogue e Carrington; do agente tricíclico carbamazepina, em 1960, por Schindler; dos benzodiazepínicos, em 1965, por Sternbach; dos valproatos, em 1978, por observação ao acaso; e dos derivados do GABA, nos anos de 1980. Apesar de o arsenal terapêutico dispor de vários fármacos anticonvulsivantes, eles não são curativos, apenas aliviam os pacientes de seus sintomas, pois ainda não se conhecem todos os fatores que desencadeiam o processo. Atualmente, existem tentativas de classificar os diferentes tipos de acesso, já que o sucesso do tratamento, que é diferenciado, depende em muito do reconhecimento de qual tipo acomete o paciente. Dessa forma, a Commission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy propôs uma classificação genérica, descrita na figura a seguir. Convulsivo Não convulsivo EME Generalizado EME Parcial Ausência Ausência atípica Secundariamente generalizado Crise parcial secundariamente generalizada Tônico EME convulsivo sutil Mioclônico Clônico Tônico-clônico Primariamente generalizado Atônica Evolução de EME convulsivo parcialmente tratado Simples Motor, sensorial, autonômico, psíquico Complexo Clinicamente semelhante ao EME não convulsivo Figura 36 – Classificação dos acessos convulsivos Nos acessos parciais, a descarga neuronal origina-se em área específica cortical. Quando a consciência não é afetada, aparece o acesso parcial simples. Quando há o comprometimento da consciência, desencadeia-se o acesso complexo parcial, geralmente envolvendo os dois hemisférios cerebrais. Os acessos parciais são mais frequentes na velhice, mas podem aparecer em qualquer idade. De forma geral, são desencadeados mediante lesões localizadas no cérebro, como tumores, infecções e traumas. Normalmente, o acesso começa por um dos lados do corpo, uma mão, um pé, ou um lado da face, muitas vezes sem a perda da consciência. Outros podem se estender à outra metade do corpo. Em adultos, pode haver a passagem rápida para o outro lado do corpo, muitas vezes precedido de aura. Esses tipos de acesso 122 Unidade II respondem de forma razoável ao tratamento com fármacos, empregando-se a carbamazepina, a fenitoína, o fenobarbital, a primidona e os valproatos. Recentemente, foram incluídas a gabapentina e a lamotrigina. Nos acessos convulsivos generalizados, o início parece ocorrer nos dois hemisférios. Nesse caso, a consciência é perdida desde o início e ocorrem mudanças motoras, em geral, seguidas de descargas autonômicas. As causas são desconhecidas; na maior parte das vezes, são atribuídas a lesões difusas, fatores genéticos e distúrbios metabólicos ou tóxicos. Pode aparecer em qualquer idade. As ausências respondem satisfatoriamente aos anticonvulsivantes, em especial às oxazolidinonas, às succinimidas, aos valproatos, ao clonazepam e à lamotrigina. Os acessos mioclônicos geralmente respondem bem ao clonazepam e aos valproatos. Os acessos clônicos podem durar mais de 60 segundos, afetando em especial as crianças. Os acessos tônicos também ocorrem mais em crianças. Já os acessos tônico-clônicos (grande mal) são menos frequentes em crianças. Caracterizam-se por contrações tônicas de toda a musculatura, que acabam provocando a queda do paciente, muitas vezes com consequências funestas. Esses acessos respondem de forma satisfatória aos barbitúricos, às hidantoínas e à carbamazepina. Nos processos atônicos, ocorre a diminuição repentina do tônus muscular em determinados locais, causando a queda da cabeça e dos membros, podendo haver projeção do corpo para frente, em queda. Esses ataques podem ser bastante breves. É importante que o clínico identifique qual o tipo de acesso presente, pois os fármacos não atuam sobre todas as formas, existindo o que se pode chamar de espectro de ação anticonvulsivante, com limites relativamente determinados. 5.4.1 Fármacos anticonvulsivantes São depressores seletivos do SNC. Os agentes anticonvulsivantes são empregados para prevenir e controlar os episódios epilépticos. O fármaco ideal deve atingir esses objetivos na dose eficaz, sem causar sedação ou outras manifestações sobre o SNC. Deve ser bem tolerado, ativo nos diversos tipos de acesso e destituído de efeitos adversos. Por via oral, deve exibir eficácia durante longos períodos e, sob forma injetável, contornar rapidamente o status epilepticus. Não deve permitir o aparecimento de tolerância nem dependência. Deve ser eficaz em todas as idades. As características apresentadas são muito importantes, pois o fármaco deverá ser administrado durante longos períodos e, muitas vezes, por toda a vida do paciente. Infelizmente, ainda não existe um anticonvulsivante que atinja todos esses objetivospara que possa ser considerado ideal. Classificação Os agentes anticonvulsivantes podem ser encontrados nas seguintes classes: • Derivados barbitúricos: barbexaclona, fenobarbital, mefobarbital, metarbital primidona (desoxibarbitúrico). 123 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA • Hidantoínas: fenitoína. • Benzodiazepínicos: clonazepam, diazepam, clobazam, clorazepato de potássio, lorazepam, nitrazepam. • Análogos do GABA: gabapentina, vigabatrina. • Oxazolidinonas: trimetadiona, parametadiona. • Suximidas: fensuximida, metsuximida, etosuximida. • Iminostilbenos: carbamazepina, oxcarbazepina. • Diversos: ácido valproico, lamotrigina, topiramato, zonisamida. A introdução desses agentes anticonvulsivantes na terapêutica, em ordem cronológica, pode ser vista na figura a seguir. 1850 0 15 30 5 20 35 10 25 40 1890 1930 19701870 1910 Ano de introdução N úm er o de f ár m ac os a nt ie pi lé tic os 1950 MefobarbitalFenobarbital Borax Brometo Fenitoina Acetazolamida Trimetadiona Mefenitoína Parametadiona Corticosteroides/ACTH Fenacemida Fensuximida Primidona Metosuximida Etotoina Etossuximida Progabida Vigabatrina Zonisamida Lamotrigina Oxcarbazepina Felbamato Gabapentina Topiramato Tiagabina Levetiracetam Pregabalina Estiripentol Rufinamida Lacosamida Eslicarbazepina Perampanel Clordiazepóxido Sultiame Diazepam Carbamazepina Valproato Clonazepam Clobazam 1990 2010 Primeira geração Segunda geração Terceira geração Figura 37 Nem todos os agentes aqui classificados são comercializados no Brasil. Aqueles que estão disponíveis em nosso arsenal terapêutico são apresentados no quadro a seguir. 124 Unidade II Quadro 16 – Anticonvulsivantes comercializados no Brasil Fármaco Nome comercial Gabapentina Gamibetal® Ácido valproico Depakene® Carbamazepina Tegretol®® Barbexaclona Maliasin® Clonazepam Rivotril® Diazepam Valium® Divalproato de sódio Depakote® Fenitoína Hidantal® Fenobarbital Gardenal® Lamotrigina Neurium® Levetiracetam Keppra® Oxcarbazepina Trileptal® Primidona Primidona® Topiramato Topiramax® Valproato de sódio Valpakine® Vigabatrina Sabril® 5.4.1.1 Derivados barbitúricos Os fármacos desta classe, que atuam como anticonvulsivantes, caracterizam-se por serem menos lipofílicos e apresentarem efeitos prolongados. Essas características são comandadas pela presença de substituintes adequados em sua estrutura. Não existe ainda uma explicação para o fato além do tempo de ação: assim, os de efeito prolongado e menos lipofílicos são anticonvulsivantes; os de efeito ultra-curto e curto, mais lipofílicos e de ação curta são empregados como anestésicos gerais; e os de efeito intermediário são usados como ansiolíticos e hipnótico-sedativos. São potentes depressores do SNC, podendo provocar depressão nos centros respiratórios centrais. Muitos suicídios e homicídios foram cometidos com o seu uso. Em altas doses, paradoxalmente, podem causar convulsões. São poucos os derivados empregados na atualidade. No Brasil, só encontramos especialidades contendo fenobarbital e primidona, que é um desoxibarbitúrico, e barbexaclona, que é um aduto molecular. O fenobarbital (ácido 5-etil-5-fenilbarbitúrico) é o representante mais importante dessa classe, sendo eficaz na maioria dos acessos. A dose usual varia de 1 mg/kg a 5 mg/kg ao dia, atingindo pico após 1 a 3 horas. A concentração terapêutica plasmática varia de 10 mcg/mL a 40 mcg/mL. A meia-vida plasmática é bastante prolongada (3 a 6 dias), produzindo concentração bastante estável. Entre os vários efeitos adversos, destaca-se o efeito sedativo, que, entretanto, vai diminuindo com o uso. De início, é metabolizado mediante hidroxilação ao ácido 5-p-hidroxifenil-5-etil-barbitúrico, inativo, que é excretado através de conjugação glicurônica e sulfúrica pela urina. Os derivados barbitúricos são um potente indutor de enzimas hepáticas, alterando o metabolismo da maior parte dos fármacos que são metabolizados na fração microssomal. Se houver a necessidade de 125 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA administração conjunta, esses fármacos, quando não puderem ser substituídos, deverão ter suas doses ajustadas. Assim, o ácido ascórbico apresenta aumento da excreção através da urina. Têm efeitos diminuídos os adrenocorticoides, anticoagulantes cumarínicos ou indandiônicos anticoncepcionais orais, os antidepressivos tricíclicos, a carbamazepina, a ciclosporina, a dacarbazina, o ergocalciferol, os digitálicos, a griseofulvina, a levotiroxina, o paracetamol e a quinidina. Por outro lado, intensificam-se os efeitos depressores dos alcaloides da Rauwolfia. O uso crônico de barbitúrico, antes da administração de anestésicos gerais halogenados, pode provocar hepatotoxicidade, pois há o aumento da biotransformação. O fármaco atua de forma imprevisível sobre a biotransformação de hidantoínas; aumenta a atividade leucopênica da ciclofosfamida; pode reduzir a concentração sérica da disopiramida, tornando-a ineficaz; reduz a meia-vida da doxiciclina; pode diminuir o efeito dos estrogênios sistêmicos e diminui a absorção da griseofulvina. O ácido valproico e derivados diminuem a biotransformação dos barbitúricos, resultando em aumento na concentração sanguínea e consequente efeito depressor. Portanto, a administração, em paralelo, dessa classe de fármacos com outras classes de anticonvulsivantes e de outros fármacos, em geral, deverá ser avaliada. Mecanismo de ação O mecanismo de ação dos barbitúricos está relacionado ao GABA, embora os estudos sejam em número menor e os resultados não sejam tão conclusivos como no caso dos benzodiazepínicos. Os barbitúricos agem como antagonistas de mediadores estimulantes endógenos que trabalham em equilíbrio com o GABA, mediador depressor do SNC. Ao interagir com o receptor desses mediadores estimulantes, o barbitúrico provoca abertura do canal de cloreto, permitindo a passagem desse íon através da membrana, alterando o potencial elétrico. Essa abertura impede o acesso do mediador estimulante endógeno ao seu receptor e induz a reação entre o GABA e seu receptor. À semelhança com os benzodiazepínicos, o barbitúrico não tem atividade depressora intrínseca, apenas facilita a reação do GABA com o respectivo receptor. A prova disso é que, se ocorrer depleção do mediador endógeno depressor, GABA, não haverá a depressão. A primidona é o 2-desoxifenobarbital. Possui espectro de ação e efeitos adversos diferentes do fenobarbital. É metabolizada pelas oxidases microssômicas hepáticas, resultando em feniletilmalondiamida e fenobarbital. Essas oxidases podem ser induzidas por fenitoína e carbamazepina. Apresenta meia-vida plasmática de 14 horas e, caso seja administrada com outros anticonvulsivantes, esta será de seis horas e meia. A dose diária é de 8 mg/kg a 20 mg/kg, e o pico plasmático é de 2 a 4 horas. A aplicação é limitada pelos efeitos sedativos produzidos. É indicada para o controle de acessos generalizados, com potência inferior à do fenobarbital. Quanto ao mecanismo de ação da primidona, apesar da semelhança estrutural, sabe-se que ela não age como os barbitúricos. Embora os dados disponíveis não sejam conclusivos, existem indícios de que seja no mesmo local de ação das hidantoínas e da carbamazepina, que atuam sobre os canais de sódio. Dessa atividade resulta a alteração na passagem do impulso elétrico e, como consequência, o impedimento da transmissão e espalhamento do impulso elétrico anormal, responsável pelo aparecimento do estado epiléptico. 126 Unidade II Ao interagirem com estruturas do canal ionóforo, esses fármacos promovem seu fechamento, impedindo a passagem do Na+ extracelular para o interior da célula, causando interferência no impulso elétrico. Outro derivado barbitúrico é a barbexaclona. Do ponto de vista químico, corresponde ao etilfenilbarbiturato de 1,1-cicloexil-2-(metilamino)propano. É indicada no tratamento e na prevenção de acessos convulsivos tônico-clônicos parciais ou generalizados. Como reações adversas,apresenta estados de irritação e inquietação. Pode ocorrer perda de peso, e, em pessoas mais sensíveis e em superdose, podem aparecer alucinações. Nos casos de obnubilação, ataxia, nistagmo, vertigem e vômito, a dose deverá ser reduzida. As hidantoínas, outra classe derivada de barbitúricos, cujo fármaco comercializado no Brasil é a fenitoína (5,5-difenil-2,4-imidazolidinadiona), é a mais ativa das hidantoínas. A maior atividade está relacionada com a presença de dois grupos fenila na posição 5, ao contrário do que acontece no caso dos barbitúricos. É mais eficaz no controle dos acessos tônico-clonico, clônico e tônico. Também tem emprego amplo nos acessos parciais, não sendo utilizada nas ausências. A fenitoína não apresenta os efeitos sedativos mostrados pelos barbitúricos. A meia-vida depois de administração oral é de 24 horas, com pico em torno de 4 a 8 horas. É biotransformada hepaticamente a 5-(p-hidroxifenil)-5-fenilidantoína, metabólito sem atividade, conjugado com ácidos glicurônicos e excretado pela urina. Outros produtos metabólicos são formados através da hidroxilação em um ou ambos grupos fenila, nas posições orto e para. A absorção da fenitoína está limitada à baixa solubilidade de sua forma não ionizada nos fluidos gastrintestinais, que não é linear, dependendo de sua passagem do estômago para o duodeno, onde o fármaco está principalmente na forma ionizada, sendo solúvel no sangue e no fluido intestinal. No sangue, armazena-se nas gorduras, ligando-se a fosfolipídios e proteínas plasmáticas, diminuindo a quantidade de fármaco livre que tem acesso aos tecidos. Seu provável mecanismo de ação é o bloqueio dos canais de Na+ voltagem dependente, assim como de outros antiepiléticos, conforme ilustrado a seguir. Intracelular Na + Na+Na+ Carbamazepina oxazepina fenitoína Ácido valproico lamotrigina Figura 38 127 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA As suximidas foram introduzidas em 1951, produto de modificação molecular das oxazolidinodionas. Como representantes, podem ser citadas a etosuximida, a fensuximida e a metsuximida. São úteis no tratamento das ausências e causam tontura, ataxia, disfunções hepática e renal. Possuem espectro de ação mais amplo do que a trimetadiona. Podem ser empregadas em associações, e o mecanismo de ação não está estabelecido. Acredita-se que estimulem o processo inibitório mediado por neurotransmissores. Existem estudos que apontam um mecanismo de ação semelhante ao da trimetadiona. 5.4.1.2 Benzodiazepínicos São fármacos cuja utilização mais frequente é como ansiolítico e hipnótico-sedativo. Porém, também apresentam atividade anticonvulsivante, sendo empregados com maior frequência no Brasil, com essa finalidade, o clonazepam e o diazepam. De maneira geral, são fármacos que apresentam efeitos adversos mais suaves que os demais anticonvulsivantes, sendo os preferidos nos casos em que exibem atividade. O diazepam, por via intravenosa, é o fármaco de escolha para o tratamento de status epilepticus. Na forma oral, é menos eficiente, pois a tolerância se desenvolve de forma rápida. Apesar de na dose terapêutica a concentração plasmática diminuir após cerca de 4 horas da tomada, ele e especialmente seus metabólitos são encontrados na urina, por onde ocorre a eliminação 14 dias após a administração. Um dos inconvenientes que apresenta, que é comum aos barbitúricos, é a sedação que provoca. O clonazepam, embora apresente efeitos colaterais consideráveis, tais como tontura, ataxia, letargia, fadiga, sonolência e, quando administrado pela via intravenosa, possível efeito depressor cardiorrespiratório, é empregado no controle de acessos acinéticos, mioclônicos e ausências; porém, sempre como alternativa para a succinimida ou o próprio diazepam. Outros benzodiazepínicos podem ser empregados como alternativa de tratamento de convulsões, como o clobazam, o clorazepato de potássio, o lorazepam e o nitrazepam. 5.4.1.3 Derivados do GABA Após a comprovação do envolvimento do GABA como mediador no mecanismo de ação dos benzodiazepínicos e barbitúricos, o emprego do GABA como fármaco foi avaliado e, assim, introduzido na terapêutica com a finalidade discutível de ser avivador da memória. Outras atividades ficaram prejudicadas pelos problemas de absorção apresentados. Para contornar os problemas de solubilidade, foram desenvolvidos alguns derivados, que se mostraram úteis não só como ansiolíticos e miorrelaxantes, mas também como anticonvulsivantes, que é o caso da gabapentina e da vigabatrina. Apesar de serem estruturalmente relacionadas, atuam em pontos distintos do mecanismo mediado pelo GABA. A gabapentina é útil no controle de diversos tipos de acesso, tanto nos parciais quanto nos tônico-clônicos generalizados, e apresenta boa tolerância. Podem ser citados como efeitos adversos mais comuns: sonolência, fadiga, tontura e cefaleia. Seu mecanismo de ação está relacionado com a 128 Unidade II capacidade de estimular a terminação gabaérgica a liberar uma quantidade maior do mediador, talvez estimulando sua biossíntese. A vigabatrina (gama-vinilGABA) é um inibidor irreversível da GABA-transaminase, responsável pelo catabolismo do GABA, e este é seu mecanismo de ação presumível. É utilizada nos casos de epilepsia que não respondem aos tratamentos clássicos, especialmente nos episódios parciais. A atividade farmacológica é exercida pelo enantiômero S(+). Entretanto, é comercializada, por questões econômicas, na forma racêmica. 5.4.1.4 Iminoestilbenos A esta classe pertencem a carbamazepina e a oxcarbazepina, sendo indicadas nos episódios psicomotores e no grande mal. A eficácia da carbamazepina é comparável à do fenobarbital e da fenitoína, mas com menor incidência de efeitos adversos (sedação suave, diplopia, irritação gástrica). Mais raramente, pode provocar depressão da medula óssea e dano hematológico. A dose usual é de 4 mg/kg a 30 mg/kg. Possui meia-vida de 8 a 20 horas (tratamento crônico) e pico após 2 a 6 horas. Tem grande afinidade pelas proteínas plasmáticas, ligando-se de maneira acentuada. O mecanismo de ação dessa classe não está elucidado. Sabe-se que impede o espalhamento da descarga elétrica anormal, provavelmente pela sua capacidade de inibir os canais de sódio e de potássio, no mesmo local de ação da fenitoína. Deprime a transmissão sináptica no sistema reticular ascendente, no tálamo e no sistema límbico. Aumenta os níveis cerebrais de acetilcolina e diminui os de colina. A oxcarbazepina foi recentemente introduzida no Brasil, e seus efeitos terapêuticos são similares aos da carbamazepina, sendo melhor aceita pelo paciente. Mecanismo de ação Ocorre, como mecanismo de ação, o bloqueio dos canais de sódio, como na figura anterior. 5.4.1.5 Diversos O ácido valproico e os derivados tiveram a atividade anticonvulsivante descoberta por acaso, quando empregados como adjuvantes em preparações farmacêuticas. São considerados fármacos de primeira escolha no tratamento de episódios típicos de ausência. Também são eficazes no controle do grande mal. A dose inicial é de 10 mg/dia, dividida, e a manutenção é feita com 60 mg/kg. A meia-vida é de 8 a 12 horas, e o pico plasmático ocorre entre ½ a 2 horas. Apresentam poucos efeitos adversos, sendo a irritação gastrintestinal o mais frequente. Não se observou tolerância quanto ao efeito terapêutico. A eficácia terapêutica elevada é explicada pela somatória dos vários mecanismos de ação que exibem. Assim, um dos mecanismos de ação está associado à sua capacidade de elevar os níveis de GABA, pois inibe a GABA-transaminase. Atua sobre a permeabilidade das membranas, facilitando a liberação do mediador, e causa inibição na condutância delas, pois atua sobre os canais de sódio e de cálcio. Essa ação direta sobre os canais ionóforos é mostrada a seguir. 129 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Ca++ Ca++ Trimetadiona Dimetadina Ácido valproico Succinimida Ca++ Figura 39 O topiramato foi recentemente introduzido na terapêutica. Trata-sede um derivado da frutose que mostrou eficácia nos acessos parciais em adultos. Atua nos canais de sódio e intensifica a ação pós-sináptica do GABA. A lamotrigina foi introduzida recentemente no arsenal terapêutico brasileiro. Foi resultado da observação de que certos quimioterápicos antagonistas do ácido fólico interferem nas atividades cerebrais (caso da pirimetamina). Mediante modificações estruturais, chegou-se à lamotrigina, que apresenta atividade anticonvulsivante por mecanismos que não envolvem a participação do ácido fólico. Provavelmente, sua atividade resulta da redução da liberação de mediadores excitatórios, que é o caso do glutamato, pelas terminações pré-sinápticas. A lamotrigina atua inibindo os canais de sódio, interferindo na condução elétrica. É indicada nos acessos tônico-clônicos generalizados, refratários aos outros anticonvulsivantes. Sua eficácia é modesta, pois reduz de 25% a 30% a frequência dos episódios. Possui absorção intestinal rápida e não possui efeito de primeira passagem; seu pico de concentração sérica é de 2,5 horas, e liga-se em 55% às proteínas plasmáticas com volume de distribuição de 0,92 L/Kg a 1,22 L/Kg. Sua biotransformação é hepática através da UDP-glicuronil transferase; sua excreção é urinária, e o tempo de meia-vida é de 24-45 horas, mas pode aumentar para 70 horas, caso seja associada a valproato. O mais recente fármaco introduzido na terapêutica no Brasil é o levetiracetam, sendo eficaz no tratamento das crises parciais como monoterapia. Tem absorção rápida por via oral e biodisponibilidade próxima de 100%. A concentração máxima é atingida 1,3 hora após sua ingestão, com picos de concentração máxima de 31-43 mcg/mL. Dados de distribuição do fármaco pelo organismo ainda não estão elucidados, assim como os metabólitos formados em sua biotransformação, que ocorre no fígado. A via urinária é a principal forma de excreção, e seu tempo de meia-vida é de 7 horas. Principais drogas antiepilépticas utilizadas na clínica, mecanismos de ação e indicações De forma ideal, o tratamento deverá principiar com a monoterapia. Via de regra, para minimizar os efeitos adversos, a introdução do fármaco deverá ser feita em doses menores que a terapêutica e aumentada lentamente até atingir a concentração eficaz. 130 Unidade II O fármaco só será introduzido em sua dosagem terapêutica eficaz nos casos de emergência ou quando o risco envolvido for grande o suficiente para suportar os efeitos adversos decorrentes. Ao atingir a dose ideal, o tratamento é mantido até o aparecimento da tolerância, evento comum nesse tipo de terapia e que depende também da sensibilidade do paciente. Nessa ocasião, a dose do fármaco deverá ser aumentada até atingir novamente o efeito desejado. Esse procedimento é repetido quantas vezes forem necessárias até atingir a dose máxima permitida. A partir desse momento, o fármaco deverá ser substituído. Entretanto, a substituição não poderá ser feita de forma imediata, pois isso poderá desencadear acesso epileptiforme. Assim, enquanto vai se reduzindo a dose do fármaco que promoveu a tolerância, em paralelo, vai se introduzindo o novo fármaco em doses baixas: enquanto um vai sendo retirado aos poucos, o outro vai sendo introduzido lentamente, até que haja a retirada completa de um e o outro esteja agindo em sua dose usual. O ciclo se repete quando for desenvolvida nova tolerância. Na maioria dos casos, a monoterapia não é suficiente para controlar a disfunção. Nestes, utilizam-se associações de fármacos, podendo também aparecer a tolerância. Para substituir um ou ambos os fármacos da associação, deve-se empregar a substituição em paralelo, lenta, como descrito anteriormente. Quadro 17 Fármaco Efeitos adversos Mecanismo de ação Indicação clínica Barbitúricos (fenobarbital) Depressão, acidose respiratória, hipertensão, bradicardia, hipotermia, erupção, sonolência, letargia, ataxia Modulação alostérica de GABAA Convulsões tônico-clônica generalizadas e parciais Benzodiazepínicos (diazepam) Sedação, tolerância Aumento da ação de GABA Ausência, Convulsões parciais e febris Carbamazepina Sedação, ataxia, retenção hídrica, pode haver reações de hipersensibilidade Bloqueio de Canais Na+ voltagem dependente Convulsões tônico-clônicas generalizadas, parciais e na epilepsia do lobo temporal Etosuximida Náusea e anorexia Bloqueio de Canais de Ca+2 voltagem dependente (tipo T) Convulsões parciais e crises de ausência Felbamato Vsão dupla, tontura, náuseas, dor de cabeça, exantema e leucopenia Bloqueio de Canais Na+ voltagem dependente e bloqueio de canais de Ca+2 voltagem dependente (tipo T) Convulsões parciais e generalizadas Gabapentina Sedação leve, náuseas, efeitos no comportamento, distúrbios de movimento, ganho de peso Agonismo GABAérgico Convulsões parciais Hidantoína (fenitoína) Sedação e anemia megaloblástica Bloqueio de canais Na+ voltagem dependente Convulsões tônico-clônicas generalizadas e parciais 131 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Fármaco Efeitos adversos Mecanismo de ação Indicação clínica Lamotrigina Efeitos rash, diplopia, sedação, síndrome de Stevie Johnson, necrólise epidérmica tóxica Bloqueio de canais Na+ voltagem dependente e bloqueio indireto da liberação de glutamato Coadjuvante para convulsões parciais em adultos, síndrome de Lenox-Gastaud, epilepsia generalizada Leviracetam - Desconhecido Convulsões parciais e generalizadas Oxicarbazepina Sonolência, fadiga, cefaleia, tontura, ataxia e vômito Desconhecido Convulsões parciais Primidona Anemia megaloblástica, interações farmacológicas por indução enzimática Metabolização a barbituratos Convulsões parciais e generalizadas Topiramato Alterações do pensamento, dificuldade de encontrar as palavras, perda de peso, parestesia, nefrotilíase Bloqueio de canais de Na+ voltagem dependentes e antagonismo do receptor do glutamato Coadjuvante no tratamento de crises parciais em adultos e crianças, epilepsia generalizada Tiagabina Nervosismo, tonteiras, perda de peso Inibição seletiva da recaptação de GABA Coadjuvante em crises parciais de adultos Valproatos Hepatotoxicidade, perda de peso, malformações fetais Interfere com a excitação medida pelo glutamato e bloqueio de canais de Na+ voltagem dependentes Epilepsias generalizadas idiopáticas, mioclônicas e crises de ausência Vigabatrina Sedação, náuseas, ganho de peso, depressão, psicoses, diminuição do campo visual Aumento dos níveis de GABA pela GABA transaminase Crises parciais e generalizadas Adaptado de: Goodman e Gilman (2005, p. 584). 6 FARMACOLOGIA DO SNC: ESQUIZOFRENIA E OUTROS TRANSTORNOS PSICÓTICOS, PARKINSON E ALZHEIMER 6.1 Antipsicóticos Também chamados de neurolépticos, ataráxicos e impropriamente de tranquilizantes maiores, os antipsicóticos são usados no controle das psicoses profundas, sobretudo da esquizofrenia. As psicoses, que se caracterizam por alterar a compreensão da realidade, a habilidade no pensar correto e prejudicar o comportamento estão entre os distúrbios psiquiátricos mais graves que podem acometer o homem. Essas disfunções mentais agregam ainda as falsas crenças ou ilusões e as sensações sensoriais anormais ou alucinações. Todos os fatores etiológicos não estão suficientemente determinados. Alguns são conhecidos, mas não são os únicos. Existem indicativas de causas genéticas, anomalias durante o desenvolvimento fetal e interferências ambientais. As síndromes psicóticas incluem a esquizofrenia, as psicoses breves, as disfunções ilusivas, bem como os aspectos psicóticos que aparecem nas alterações de humor, comuns na mania e na depressão. 132 Unidade II Os custos sociais e pessoais dessas disfunções são bastante altos; vão além da terapêutica e da hospitalização, atingindo a produtividade do indivíduo. Entre as psicoses, a que mais chama a atenção é a esquizofrenia, que afeta cerca de 1% da população mundial. Os fármacos ora disponíveis restabelecem 25% dospacientes tratados, por períodos não menores que 5 anos; outros 65% apresentam problemas recorrentes durante vários anos. O índice de suicídio atinge 15% dos pacientes. O conceito moderno de esquizofrenia (termo introduzido por Eugen Bleuter, em 1911, que significa cisão, schism) foi emitido pelo médico alemão Emil Kraepelin: a demência precoce (como ele a chamava) caracteriza-se por ser uma disfunção mental grave e crônica, sem causa externa, que, acometendo pacientes jovens e sadios, leva-os à deterioração mental. Os principais sintomas clínicos observados, especialmente em pacientes entre os 15 e 45 anos de idade, são classificados em: positivos, que incluem alucinação, disfunção dos pensamentos, com discurso desorganizado, e catatonia; negativos, representados pelo desequilíbrio afetivo, pela incapacidade da fala e pela perda de objetivos; cognitivos, que dizem respeito à atenção, à memória e às funções executivas; e de humor, com aparecimento de disforia, desesperança e tendência ao suicídio. O fenômeno está mais relacionado com anomalias psíquicas do que físicas. Na época de sua identificação, já se distinguiam os casos crônicos, caracterizados pela deterioração mental, como catatonia e inércia mental, dos casos periódicos de mania e melancolia, hoje classificados como disfunções afetivas. A paranoia é vista como entidade separada, caracterizada pelas desilusões, pela decepção, e não pelas alucinações de curso crônico, não tendo caráter deteriorativo. Os conceitos foram sendo alterados desde Sigmund Freud (1855-1939), Meyer (1866-1950), Menninger (1945), até os nossos dias. Hoje, existem órgãos como a American Psychiatric Association (DSM-IV) e a OMS (CID-10) que tendem a diferenciar as psicoses, seus sintomas clínicos e respectivos diagnósticos. Embora a associação entre esquizofrenia e hereditariedade tenha sido estabelecida e inúmeros estudos tenham sido feitos para determinar os genes que expressem essa disfunção, nada de conclusivo foi obtido. Fatores ambientais, como dano cerebral durante a vida pré-natal e perinatal, também foram relatados, bem como o aumento no número de casos em que as mães estiveram expostas a epidemias de influenza, especialmente no segundo trimestre de gravidez. Outro fator associado está relacionado com mães que não se alimentaram adequadamente durante a gravidez. Em estudo recente, verificou-se a interferência na incompatibilidade do fator Rh. Fatores neuroanatômicos também podem ser identificados, envolvendo o córtex pré-frontal e estruturas do lobo médio temporal. Recentemente, verificou-se o aumento do volume ventricular e a diminuição do tamanho do cérebro em esquizofrênicos, mediante uso de técnicas computadorizadas e imagens com ressonância magnética. Essas técnicas permitiram verificar que as estruturas mais comprometidas são o sistema límbico, o tálamo, o córtex pré-frontal e temporal, apresentando mudanças na densidade celular, no tipo, no tamanho e na orientação. Muito importante foi a observação do envolvimento de neurotransmissores nas diferentes disfunções mentais: alterações na biossíntese, liberação, além da capacidade que diferentes neurotransmissores têm em atuar sobre o mesmo receptor, interferindo na resposta tida como normal. 133 INTRODUÇÃO À FARMACOLOGIA Recentemente, estudos reconheceram a função dos neurotransmissores envolvidos na esquizofrenia, como a norepinefrina, a serotonina, o glutamato, o GABA, a acetilcolina e os neuropeptídeos (opiáceos do receptor sigma e colecistoquininas), e muitos agentes novos estão sendo planejados sobre esse reconhecimento. Porém, aquele que apresenta mais dados experimentais é a dopamina. Acredita-se que haja uma predisposição genética que induz a transmissão dopaminérgica excessiva, desencadeando os sintomas característicos da psicose. Na década de 1960, Snyder e outros estudiosos verificaram a interferência desse mediador. Naquela oportunidade, propuseram a hipótese do aparecimento da disfunção, baseada em alguns dados experimentais, que é aceita até hoje. A figura a seguir apresenta o mecanismo aventado para o aparecimento da esquizofrenia. Via mesolímbica Síntomas positivos NA VTA Figura 40 É feita uma comparação entre duas terminações noradrenérgicas: uma considerada normal e outra alterada. Na primeira, verifica-se que ocorre a biossíntese de norepinefrina, a partir da dopamina. Esta fica armazenada em grânulos até a chegada de impulso nervoso. Há a descarga de norepinefrina, que atua sobre os respectivos receptores, sendo metabolizada na fenda sináptica ou recapturada pela terminação nervosa, desempenhando sua função normal. Na terminação alterada, a conversão de dopamina em norepinefrina, por algum defeito, não é completa. Dessa forma, a terminação armazena norepinefrina e dopamina. Ao chegar o impulso elétrico, há a liberação tanto de norepinefrina, que segue o caminho normal, quanto de dopamina. Esse mediador, no local indevido, ao ser liberado, interage com receptores ali presentes, acarretando os sintomas característicos da disfunção. Por outro lado, a dopamina, ao ser metabolizada na fenda sináptica, produz a 6-OH, dopamina que agride a membrana da terminação nervosa, acentuando ainda mais os sintomas. Esse mecanismo explica os efeitos terapêuticos dos antipsicóticos clássicos, ou seja, aqueles que atuam como antagonistas da dopamina; entretanto, atacam apenas uma parte do problema, já que, sendo específicos, não atuam sobre os outros mediadores envolvidos. De maneira geral, os fármacos tratam pacientes com disfunções psicóticas de pensamento e comportamento, não só acalmando-os, mas aliviando-os dos sintomas de sua doença. Como são diversos os fatores que desencadeiam essas disfunções, ainda não estabelecidos, e os fármacos ora disponíveis não são curativos. 134 Unidade II Todos possuem efeitos adversos decorrentes da capacidade de interagir com outros receptores do organismo. Porém, são fármacos que, geralmente, não provocam superdosagem fatal nem induzem dependência física ou psíquica. Devem ser usados com cautela em paralelo com outros depressores do SNC. A procura de meios para controlar pacientes psicóticos gravemente transtornados é muito antiga. Como não se conhecia nada eficaz, a maneira de manuseá-los era restringi-los do convívio social, o que agravava ainda mais o seu estado geral. Os primeiros tratamentos foram introduzidos por volta de 1930, utilizando diversas formas de choque. Foram empregadas, sucessivamente, a terapia do choque insulínico (1933), a convulsão induzida pelo pentilenotetrazol (1934) e a terapia eletroconvulsiva (1937). São técnicas pouco seguras, desconfortáveis e, via de regra, não surtem o efeito desejado. Foi só na década de 1950 que surgiram os fármacos verdadeiramente antipsicóticos, com estrutura definida, representados pela reserpina e pela clorpromazina. A reserpina, alcaloide indólico, é extraída das raízes da Rauwolfia serpentina. O extrato dessa droga era empregado há muito tempo pela medicina folclórica hindu como calmante. Em 1931, Sem e Boss relataram sua utilidade no controle de pacientes psicóticos. Em 1952, foi isolado o princípio ativo principal – reserpina –, cuja estrutura foi determinada em 1954 e usada na clínica, no mesmo ano, por Kline. Hoje, devido ao aparecimento de fármacos mais seguros, a reserpina é usada apenas em casos rebeldes de hipertensão e em psicoses refratárias a outros tratamentos. A clorpromazina foi introduzida por acaso na terapêutica. Resultou de uma série de modificações moleculares de derivados fenotiazínicos anti-helmínticos, que originaram inicialmente a prometazina, antagonista H1, com leve atividade sedativa, e, depois, a clorpromazina, com atividade acentuada como depressora do SNC, comprovada por Delay e colaboradores no início dos anos 1950. Após isso, várias modificações moleculares usando esses agentes tricíclicos resultaram em novos fármacos. Em 1957, foi introduzida uma nova classe de agentes, as butirofenonas,
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