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VIII CONGRESSO DE PROFESSORES DO ENSINO SUPERIOR DA REDE SINODAL 28 E 29 DE JUNHO DE 2019 FACULDADE IELUSC, JOINVILLE/SC ARTIGO CIENTÍFICO 1 A MATEMÁTICA E OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Autoras: Delci Heinle Klein Raquel Dilly Konrath RESUMO A Educação Infantil, a partir da LDB (1996) é considerada a primeira etapa da Educação Básica. Desse modo, integra a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), que preconiza que os educadores(as) devem organizar as experiências vivenciadas pelas crianças desta etapa a partir de diferentes campos. O eu, o outro e nós, Corpo, gestos e movimentos, Escuta, fala, pensamento e imaginação, Traços, sons, cores e formas e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações constuiem-se nos Campos de Experiências elencados pela BNCC. O presente texto tem o objetivo de mostrar como esses campos de experiências podem ser permeados pelo conhecimento matemático. Chama-se a atenção para o cuidado com a abordagem da matemática quando falamos em Educação Infantil, pois o objetivo, nesta etapa, não é desenvolver os conteúdos matemáticos e, sim, desenvolver o pensamento matemático [que transita nas unidades temáticas], ao nível das primeiras noções desse pensamento. Estas discussões estão fundamentadas em autores como LORENZATO (2011), FAYOL (2012), KAMII (1988), entre outros. A BNCC sinaliza para a construção de uma organização pedagógica por meio de vivências, como uma possibilidade que respeita as especificidades das crianças se expressarem através de diferentes linguagens, valorizando as suas capacidades de socialização, favorecendo a autonomia e a confiança. Para FOCHI (2015) o currículo constitui-se em vida cotidiana que encaminha para a experiência que busca sentido, que considera a dinâmica da sensibilidade do corpo, a observação, a imaginação, a ludicidade, a significatividade, a continuidade, o cuidado consigo e com o mundo e não para a perspectiva do seu resultado. Nesse contexto, o professor é ator central, aquele que escolhe e organiza as experiências com e para as crianças. NEGRINE (2002) defende a importância da formação do professor para atuar nessa nova organização pedagógica, de forma consistente e fortalecida em três pilares: formação teórica, pedagógica e pessoal. A inserção do lúdico na formação dos professores deve ser compreendida no sentido não apenas da sua instrumentalização ou aplicabilidade no processo de ensino e aprendizagem, mas no sentido mais abrangente que coincide com a finalidade da educação: a de promover uma educação integral, voltada ao desenvolvimento humano, da autonomia pessoal e ao aprender a conviver e a ser. A partir das vivências desenvolvidas com um grupo de professores (as) da Educação Infantil, pode- se afirmar que a experiência, a discussão conceitual da matemática e o estudo de cada Campo de Experiência, permitiu estabeler relações entre estes e que sim, as experiências com jogos, materiais em diferentes contextos matemáticos permeiam os Campos de Experiências da Educação Infantil e se configuram em potencial para a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento matemático das crianças. Isso se evidenciou pela prática oportunizada pela vivência concreta no âmbito do lúdico. PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil. Campos de Experiências. Matemática. Formação de professores ABSTRACT Early Childhood Education, as of LDB (1996) is considered the first stage of Basic Education. Thus, it integrates the National Curricular Common Base - BNCC (BRAZIL, 2017), which advocates that educators should organize the experiences experienced by children from this stage from different 2 fields. The self, the other and us, Body, gestures and movements, Listening, speech, thought and imagination, Traits, sounds, colors and forms and Spaces, times, quantities, relationships and transformations are included in the Fields of Experiences listed by the BNCC. The present text aims to show how these fields of experience can be permeated by mathematical knowledge. Attention is drawn to the approach to mathematics when we talk about Early Childhood Education, because the objective at this stage is not to develop mathematical contents but rather to develop mathematical thinking [which transits in thematic units], at the level of the first notions of this thought. These discussions are based on authors such as LORENZATO (2011), FAYOL (2012), KAMII (1988), among others. The BNCC signals to the construction of a pedagogical organization through experiences, as a possibility that respects the specificities of children express themselves through different languages, valuing their socialization capacities, favoring autonomy and trust. For FOCHI (2015) the curriculum is a daily life that leads to the experience that seeks meaning, which considers the dynamics of the body's sensitivity, observation, imagination, playfulness, meaningfulness, continuity, caring and with the world and not to the perspective of its outcome. In this context, the teacher is a central actor, the one who chooses and organizes the experiences with and for the children. NEGRINE (2002) argues for the importance of teacher training to act in this new pedagogical organization, consistently and strengthened in three pillars: theoretical, pedagogical and personal formation. The insertion of the playful in the training of teachers should be understood not only in its instrumentalisation or applicability in the teaching and learning process, but in the broader sense that coincides with the purpose of education: to promote integral education, personal autonomy and learning to live and to be. From the experiences developed with a group of teachers of Infant Education, it can be affirmed that the experience, the conceptual discussion of mathematics and the study of each Field of Experience, allowed to establish relations between these and yes, the experiences with games, materials in different mathematical contexts permeate the Fields of Experiences of Early Childhood Education and are potential for the learning and development of children's mathematical thinking. This was evidenced by the practice of the concrete experience in the field of play. KEY-WORDS: Child education. Fields of Experiences. Mathematics. Teacher training 3 INTRODUÇÃO A Educação Infantil, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº. 9394/96, se constituiu como primeira etapa da Educação Básica. Desde então, foram sendo implementadas diretrizesi que definem concepções de criança e de infância, instituições de Educação Infantil, proposta pedagógica e currículo e estabelecem a função sociopolítica e pedagógica das instituições de Educação Infantil. Recentemente, foi promulgada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz significativas mudanças em relação esta etapa da Educação Básica. A BNCC organiza as experiências que devem ser promovidas pelos(as) educadores(as) e vivenciadas pelas crianças a partir de diferentes campos. Tais experiências são permeadas por distintos saberes, dentre os quais, os da Matemática. Nessa perspectiva, a linguagem matemática é uma ferramenta que possibilita diferentes aprendizagens e desenvolvimento às crianças, nos, e através dos Campos de Experiências. O presente texto, cujo desenvolvimento é dividido em três partes, lança seu olhar sobre a relação da matemática com os Campos de Experiências na Educação Infantil. Através da vivência de atividades matemáticas variadas, um grupo de professores que atuam na educação infantil, analisaram quais campos de experiências são permeados por estas atividades, e de que maneira isso acontece. A primeira parte, apresenta as mudanças de concepção de infância nas últimas décadas e como essa mudança impacta as práticas pedagógicas na Educação Infantil, especialmente a partir da implementação da BNCC. Na segunda parte, a aprendizagem matemáticaé trazida como saber que permeia os Campos de Experiências. Pesquisas em Educação Matemática apontam que crianças pequenas “tem condições de desenvolver diferentes processos de pensamento matemático” (CARVALHO&BAIRRAL, 2012, p.10), o que torna necessário que o professor possibilite que ela construa as noções e conceitos matemáticos a partir de suas interações e experiências com o meio. Já na terceira parte, problematiza-se a formação do professor que atua na Educação Infantil, aquele que deve criar ambientes de aprendizagem (inclusive matemática), na configuração que permita às crianças serem autônomas e protagonistas de seu desenvolvimento, de suas descobertas e de suas aprendizagens. A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES E PERSPECTIVAS 4 As diferentes diretrizes e documentos nacionais da Educação Infantil vem nos apresentando uma nova concepção de educar e cuidar (nem tão nova assim), buscando romper com dois modelos de atendimento fortemente marcados na história da Educação Infantil: O que desconsidera o potencial educativo do atendimento em creche, centrado em rotinas de cuidado fí sico, higiene e alimentaça o e O que se orienta por pra ticas centradas em conteu dos fragmentados e na decisa o exclusiva do/a professora, antecipando conteu dos do Ensino Fundamental. Tais documentos enfatizam a “na o escolarizaça o” das crianças na Educaça o Infantil, mesmo quando elas tiverem o seu atendimento em escolas de Ensino Fundamental, ou seja, a importa ncia de respeitar as crianças em seu ní vel, com finalidades especí ficas e pro prias, garantindo-lhes uma proposta curricular tendo como eixo as brincadeiras e as interaço es, com experie ncias que emergem de seus pro prios questionamentos, de suas significaço es, investigaço es e observaço es. No entanto, considerar estas diferenças entre os dois níveis, não significa renunciar na Educação Infantil o compromisso pedagógico com a aprendizagem, com responsabilidade e seriedade e nem tampouco anular os conteúdos e ou conhecimentos específicos de cada área, previstos nas propostas curriculares das escolas. Significa adequar com qualidade a estrutura física e a proposta curricular pedagógica, organizando o tempo, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e os espaços das salas de referência e os da escola conforme as necessidades das crianças, em cada nível e faixa etária. O documento da BNCC/2017 (Base Nacional Comum Curricular) sustenta a necessidade da articulação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, mas apresenta uma perspectiva curricular diferenciada, traduzida na sua organização e estrutura. Organiza os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento considerando três subgrupos etários (que não podem ser tomados de forma rígida): Bebês (0-1 ano e seis meses), Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Nesta concepção e organização, compreende-se que a educação é um processo muito mais amplo do que o ensino, e de que nesta faixa eta ria a aprendizagem decorre de experie ncias, interaço es e brincadeiras e na o de atividades e propostas fragmentadas, ou seja, numa diferente abordagem de conhecimento e aprendizagem. 5 Desta forma a BNCC no que se refere à Educação Infantil, apresenta e defende o seu compromisso com a criança, como sujeito de direitos. Podemos elucidar este compromisso no documento, ao determinar que, Na primeira etapa da Educação Básica e de acordo com os eixos estruturantes da Educação Infantil (interações e brincadeira), devem ser assegurados seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento, para que as crianças tenham condições de aprender e se desenvolver (BRASIL, 2017). Evidencia-se a garantia de seis direitos de aprendizagem que consistem em: Conviver, Brincar, Explorar, Participar, Comunicar e Conhecer-se. Neste sentido, muda- se a perspectiva de aprendizagem e desenvolvimento, ou seja, a BNCC não se constitui num documento que prescreve o que deve ser ensinado, mas estabelece o que deve ser direito comum a todas as crianças em qualquer escola do país. OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Desde os pioneiros da Educação infantil, como Froebel (1782-1852), Montessori (1870-1952), Freinet (1896-1966) e Dewey (1859 – 1952), as relações entre ensino e aprendizagem são pensadas considerando-se a especificidades das crianças. Entre os autores considerados, é em Dewey que a importância da experiência das crianças se consolida. Ele esclarece que a compreensão sobre a experiência deve ser elaborada de modo que o contexto escolar resulte em estratégia a ser utilizadas pelos professores. Esta ideia ganhou força no cenário nacional no período da Escola Nova, em que se ensinava pela experiência. O documento da BNCC sai do convencional e organiza as experiências que devem ser promovidas pelos educadores e educadoras e vivenciadas pelas crianças a partir de diferentes campos (O eu, o outro e nós, Corpo, gestos e movimentos, Escuta, fala, pensamento e imaginação, Traços, sons, cores e formas e Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações). Experiências que estejam conectadas com a realidade e o contexto das crianças e com grande ênfase nas diferentes linguagens, práticas sociais e culturais, e não apenas em alguns conhecimentos ou conteúdos acadêmicos. Por isso, torna-se impossível disciplinar os campos de experiências em áreas do conhecimento, pois se conectam e se articulam tendo como foco as experiências e não 6 mais as atividades, ou seja, todas as áreas estão presentes e contempladas em todos os campos. Compreende-se, de acordo com Barbosa e Richter (2015, p.192) que A organização curricular por Campos de Experiência Educativa possibilita aos professores constituírem uma compreensão mais atualizada e complexa das áreas de conhecimento e das disciplinas acadêmicas, pois favorecem a visibilidade das inter-relações entre elas. Essa nova organização, numa versão mais aberta, também nos possibilita maior oportunidade de criar e incluir as especificidades e as particularidades de cada contexto institucional, rompendo com a padronização, a universalização e a naturalização de alguns conceitos e ideias de ser criança e viver a infância. De acordo com Barbosa e Richter (2015, p.193), Os Campos de Experiência, apesar de apresentarem uma visão geral, indicam um modo de conceber a organização das aprendizagens e sua vinculação com a experiência vivida das crianças, algo que em nossa realidade educacional ainda e uma grande novidade. Nesta compreensa o, o texto da BNCC tambe m enfatiza a importa ncia da organizaça o de espaços e experie ncias que ofereçam a s crianças oportunidades de interaça o e descobertas; acesso a jogos e materiais diversificados, geradores de enredos para as exploraço es, para as produço es e para as brincadeiras infantis e a gesta o do tempo, proporcionando uma jornada que lhes de tempo necessa rio para viverem suas experie ncias cotidianas, valorizando especialmente as oportunidades de estabelecer relaço es de cuidados de si e dos outros, nas interaço es e brincadeiras Configura na sua organização e concepção a ideia de uma criança ativa, participativa, autônoma, curiosa e pesquisadora e que aprende por meio das interações e brincadeiras, o que implica num/a educador/a criativo, capaz de desafiar e despertar a curiosidade da criança, tirando o foco nos conteúdos e nas atividades para dar espaço às experiências, através da exploração, criação, jogos e brincadeiras. A postura de um/a educador/a mais criativo, inventivo e que invista numa proposta mais lúdica e interativa também implica numa revisão e reflexão sobre os currículos de formação dos/as educadores, pois uma Base que assegura experiências educativas por meio das brincadeiras e interações requer educadores e educadoras quegostem e concebam a brincadeira e as interações como uma importante possibilidade de aprendizagem. 7 A MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL É comum naturalizar, em nosso meio, que os conhecimentos matemáticos se restrijam a números. No entanto, os números representam apenas uma das cinco unidades temáticas propostas pela BNCC, que traz ainda a álgebra, as grandezas e medidas, a geometria e a probabilidade e estatística. O fato dos números perpassarem todas as unidades temáticas, parece que lhes dá um certo status, uma importância maior, sobretudo, no senso comum. É preciso ter cuidado com a abordagem da matemática quando falamos em Educação Infantil. O objetivo, nesta etapa, não é desenvolver os conteúdos matemáticos e, sim, desenvolver o pensamento matemático [que transita nas unidades temáticas], ao nível das primeiras noções desse pensamento. Assim, as contagens, a manipulação de materiais, as construções com blocos, a exploração dos espaços internos e externos à escola, etc, associadas à linguagem matemática favorecem as primeiras aprendizagens matemáticas das crianças, na escola. Muitos são os estudos sobre a construção do número pela criançaii. Jean Piaget (1896-1980) ensina que o conceito de número, cujo desenvolvimento começa na Educação Infantil, dá-se pela “abstração reflexiva, à medida que a criança vai elaboração relações sobre/entre os objetos” (KAMII, 1988,p.19) e resulta da coordenação das operações mentais de classificação, seriação e conservação. O número, entendido como “uma invariante abstrata, independente das configurações sob as quais ele se manifesta” (FAYOL, 2012, p.7-8), se funda em relações lógicas. Assim, todas as experiências desenvolvidas na Educação Infantil que favoreça o raciocínio lógico, corrobora para a construção do número pela criança. Experiências com quantidades/quantificação [muito/pouco/mais/menos/igual/quantos], são noções vinculadas à construção do número pela criança. No entanto, é preciso compreender que experiências com sequências, empilhamentos, ordenações, formações de grupos, entre outras, são igualmente importantes para esta construção. Segundo o Referencial Curricular Gaúcho, o desenvolvimento do pensamento numérico “implica o conhecimento de maneiras de quantificar atributos de objetos e de julgar e interpretar argumentos baseados em quantidades (RCG, 2018, p.42). Já o desenvolvimento do pensamento geométrico, segundo Piaget, segue uma evolução, começando com “a percepção de objetos por meio da imagem visual; depois ela consegue pegar o que vê […]; em seguida, ela consegue deslocar-se por entre objetos […] nessa percepção tanto ela como o objeto fazem parte do ambiente espacial […] 8 finalmente perceber-se como um objeto a mais no espaço” (LORENZATO, 2011, p.43). Em cada uma dessa fases, a noção de espaço da criança é ampliado. Desse modo, as experiências em espaços abertos, com maquetes, labirintos, caixas, rolos, espelhos, escadas, entre outras, devem ser proporcionadas às crianças. As noções de localização e posição, exploradas através da linguagem matemática [na frente, em cima, ao lado, atrás,longe, perto, etc] O desenvolvimento do senso de medida pode ser promovido através de variadas experiências, pois o conceito de medida é abrangente, podendo referir-se a noções de distância, superfície, espaço, massa, movimento, calor e duração. Assim, há uma riqueza de possibilidades a serem exploradas, através da linguagem matemática [cheio, vazio, quente, frio alto, baixo, largo, rápido, devagar, longe, perto, dia, noite, etc] em experiências com potes, caixas, areia, água, brincadeiras, jogos, entre outros. FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL Ao refletirmos sobre a formação dos professores e professoras, constamos que segundo Placco (et al, 2006, p.23-24), “a aprendizagem do adulto professor se dá primordialmente, no grupo, no confronto e no aprofundamento de ideias, pela escollha individual e comprometida com o evento a ser conhecido”, ou seja, “decorre de uma construção grupal, mas é singular e envolve escolha deliberada”. E de acordo com a referida autora essa aprendizagem se dá “em várias dimensões: cognitiva, afetiva, social, sensível, cultural, ética etc”. Ao considerar o vínculo existente na aprendizagem entre as diferentes dimensões, também reconhecemos a necessidade de pensar na formação desse profissional de forma “inteira”, contemplando os aspectos relacionados às emoções, intelecto e o corpo. Ao trazer a importância da formação dos professores envolvidos com o lúdico, Negrine (2002, p.87) aponta a necessidade de se pensar na formação desse profissional de “forma consistente e genérica em três pilares: formação teórica, formação pedagógica e formação pessoal”. De acordo com o autor, quanto maior e mais aprofundado for a nossa formação teórica, melhor será a nossa compreensão para poder potencializar e qualificar as opotunidades de aprendizagem e desenvolvimento a partir do lúdico. Isso significa que a formação e o conhecimento teórico são imprescindíveis para a docência, porém ainda não nos garantem uma boa prática pedagógica. Por isso, para complementar a formação teórica se faz necessário uma formação pedagógica que deve, segundo Negrine (2002, p.87-88): 9 [...] oportunizar uma vivência concreta no âmbito do lúdico, ou seja, uma formação que complementa a formação teórica, onde se constrói pela vivência e não apenas pela consciência. Se possível em diferentes contextos, com crianças, adolescentes e adultos. Isto significa que dê sustentáculo a toda reflexão teórica. Assim, poderíamos dizer que, quanto maiores forem as nossas possibilidades e oportunidades de formação lúdica, maiores condições teríamos em compreendê-las como oportunidades de aprendizagem, pois, É importante entender que a capacidade de brincar não é inata, ela se constrói, nasce, se desenvolve. Isso quer dizer que ela também pode definhar e morrer se não tiver condições propícias para o desenvolvimento (FORTUNA, 2012, p. 26). A necessidade de condições favoráveis para o desenvolvimento do lúdico na docência também é trazida no Manual de orientação pedagógica: Brinquedos e brincadeiras nas creches (2012, p. 4), onde se reforça a ideia de que a introdução de brinquedos e brincadeiras na proposta curricular depende de condições prévias, e de que uma delas é o “desenvolvimento da dimensão brincalhona da professora”. Negrine (2002) ainda nos traz e apresenta um terceiro pilar na formação, que ele chama de “formação pessoal”. Na concepção do autor esta “abordagem é a experimentação de uma formação pela via corporal”. O foco desse pilar estaria no objetivo de desenvolver nos professores uma maior disponibilidade corporal, possibilitando uma melhor compreensão de suas próprias limitações, além de ofrecer subsídios para a reflexão sobre as mesmas. Essa formação proporciona o autoconhecimento do educador. Esse pilar de formação permite que os professores desenvolvam a dimensão lúdica pela via corporal, de forma mais livre. Se concretiza através do desenvolvimento de diferentes vivências e dinâmicas lúdicas. Assim, é fundamntal que os professores tenham espaços e momentos para revisar o acontecido, refletir e falar de si, de suas emoções, facilidades, resistências, sensações de desconforto, conforto, prazer ou desprazer depois de cada experiência ou vivência de jogo. A palavra jogo é utilizada pelo referido autor “para expressar o brincar, criando um clima de permissividade, de criatividade e de interação” (2002, p. 90). Nessa perspectiva, o adulto professor (a) também voltam a brincar, interagir. No entanto, “não se torna criança como se costuma dizer, mas vivencia sensações de prazer que desbloqueiam suas resistências” (NEGRINE, 2002, p.91). 10 A partir dessa concepção, o jogo funciona como estratégia de desenvolvimento e formação daindividualidade dos professores, conhecendo-se a si próprios e aos outros em suas relações recíprocas. Ao argumentar em defesa desse modelo de formação, não se coloca em questão a necessidade e a importância da formação teórica e pedagógica, muito pelo contrário, se intensifica e se reforça a ideia da formação ampla e consistente, em todas as dimensões. Reforçando essa teoria salientamos que ao reccorrer às propriedades formativas do jogo nos cursos de formação de professores investimos numa maneira de vivificar a relação entre professores e crianças, que é hoje compreendida como uma das competências essenciais a ser desenvolvida e construída no processo de ensino e aprendizagem. Cabe ainda salientar que a inserção do lúdico na formação dosprofessores deve ser compreendida no sentido não apenas da sua instrumentalização ou aplicabilidade no processo de ensino e aprendizagem, mas no sentido mais abrangente que coincide com a finalidade da educação: a de promover uma educação integral, voltada ao desenvolvimento humano, da autonomia pessoal e ao aprender a conviver e a ser. Ao abordarmos a importância da formação de educadores e educadores na perspectiva da BNCC, é que nos propomos a relatar algumas experiências vivenciadas na formação de professoras no Curso de Especialização em Educação Infantil – Interfaces com BNCC e Neurociências, e apresentar algumas possibilidades de contextualizar a Matemática presente nos diferentes Campos de Experiências na Educação Infantil. Contextualizar e interrelacionar a área da matemática, sem perder as especificidades e importância desta área do conhecimento a partir dos bebês por meio das brincadeiras, jogos e interações, constituindo-se numa proposta educativa significativa e contextualizada como determinam os documentos legais, numa dimensão lúdica tanto para as crianças quanto para as educadoras em formação. Foram realizadas diversas vivências com as professoras, com o objetivo de promover a experiência com a matemática, como jogos [das cores, pares auditivos pares táteis, gude, boliche, dominó, quantidade escondida], problemas [ovos, pipa, sanduíches]e interação com materiais [cusinaire, blocos lógicos, sequências geométricas, flash de placas de pontos, posições relativas dos objetos], e posteriormente avaliadas quanto ao conhecimento matemático e ao(s) Campo(s) de Experiência (s) permeado(s) pela experiência ou vice-versa. Diferentes cores representavam cada Campo de Experiência, conforme a legenda. A figura abaixo mostra o resultado da atividade. 11 O painel construído nos permite visualizar que, ao menos dois Campos de Experiências estão associados às vivências matemáticas proporcionadas, e, em grande parte destas, todos os campos são permeados, o que reafirma a não compartimentalização dos mesmos. Quadro 1: Painel de Atividades (Fonte: Arquivo das autoras) CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar na matemática, no contexto da Educação Infantil é possibilitar que a criança construa noções e conceitos matemáticos de maneira livre, através o brincar, do expressar-se. O desenvolvimento de aprendizagens matemáticas são possíveis “a partir da atividade lúdica e da exploração ativa, da interpretação do mundo à medida que a sua curiosidade é instigada, de forma que valorize suas potencialidades e, a partir disso, desenvolva suas linguagens” (AZEVEDO&PASSOS, 2012, p.69). Cabe ao professor (a) perceber que é possível explorar a aprendizagem matemática nos diversos espaços da instituição, e ter um olhar atento e intencional sobre as noções e conceitos que quer que 12 as crianças desenvolvam. Para isso, é preciso que o professor (a) tenha uma formação matemática que lhe permita identificar quais situações do cotidiano podem ser exploradas matematicamente, bem como, a partir de que materiais, brinquedos, brincadeira e jogos isso poderá ser efetivado. Através das atividades matemáticas desenvolvidas, proporcionou-se ao grupo de professores a vivência, a discussão conceitual da matemática e sua inserção nos Campos de Experiências organizados pela BNCC. Ao acreditar neste ambiente de aprendizagem, entendemos que os (as) professores (as) em atuação “não podem ensinar aquilo que não sabem” (MENGALI&NACARATO, 2012, p.85)Após cada vivência, os professores tiveram a possibilidade e oportunidade para tentar compreender o sentido e a importância da experiência para o seu desenvolvimento e a sua formação pessoal e profissional, e que por isso, deve ser entendida como formação em processo, que se constrói na revisão e na reflexão sobre o conhecimento e a vivência pessoal prática. REFERÊNCIAS BARBOSA, Maria Carmem Silveira, RICHTER, Sandra Regina Simonis. Campos de Experiência: uma possibilidade para interrogar o currículo.In: FINCO, Daniela, BARBOSA, Maria Carmen Silveira, FARIA, Ana Lúcia Goulart (organizadoras). Campos de experiências na escola da infância: contribuições italianas para inventar um currículo de educação infantil brasileiro / – Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015, p. 185- 198. FAYOL, Michel. Numeramento e aquisição das competências matemáticas. Tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. FOCHI, Paulo Sérgio. Ludicidade, continuidade e significatividade nos campos de experiências.In: FINCO, Daniela, BARBOSA, Maria Carmen Silveira, FARIA, Ana Lúcia Goulart (organizadoras). Campos de experiências na escola da infância: contribuições italianas para inventar um currículo de educação infantil brasileiro / – Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015, p. 221-232. FORTUNA, Tânia Ramos. A importância de brincar na infância. In: HORN, Cláudia Inês... [et al.]. Pedagogia do Brincar. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 13- 44. KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. 9ª ed. Campinas: Papirus, 1988. LORENZATO, Sérgio. Educação Infantil e percepção matemática. 3ª ed. Campinas: Autores Associados., 2011. MENEGALI, Brenda e NACARATO, Adair. A problematização na formação docente possibilitando a problematização na sala de aula da Educação Infantil: uma análise 13 de um caso de ensino. In: CARVALHO, Mercedes e BAIRRAL, Marcelo (Org). Matemática e Educação Infantil: investigações e possibilidades de práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. NEGRINE, Airton. Brinquedoteca: Teoria e prática. In: SANTOS, Santa Marli Pires (Org.). Brinquedoteca: o lúdico em diferentes contextos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 83-92. PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza e SOUZA, Vera Lucia Trevisan. Grupo e autoria: Aprendizagem do adulto professor. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza e SOUZA, Vera Lucia Trevisan (Org.). Aprendizagem do adulto professor. São Paulo: Loyola, 2006, p. 11-24. SMOLE, Kátia Stocco, DINIZ, Maria Ignez e CÂNDIDO, Patrícia. Resolução de Problemas. Coleção Matemática 0 a 6, v.2, Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. i Em 1999, foram elaboradas, pelo Conselho Nacional de Educação as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI - Resolução CEB Nº 1/1999) revisadas, posteriormente, pela Resolução CNE/CEB nº. 05/2009. ii KAMII (1988), FAYOL (2012), GELLMANN&GALISTEL (1978).
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