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AULA 2 TECNOLOGIAS ASSISTIVAS Profª Simone Schemberg 2 INTRODUÇÃO Tecnologias assistivas e inclusão Caro aluno, iremos, nesta aula, refletir sobre o conceito de tecnologias assistivas e levantar alguns aspectos acerca do contexto educacional inclusivo, em que aquelas estão pautadas. Diante dessa temática, cabe considerar as questões de acessibilidade conforme um paradigma de inclusão, levando em conta o desenvolvimento cultural. Tais reflexões possibilitam compreender como as tecnologias assistivas são abordadas em um contexto inclusivo e qual seu papel social, o que é de extrema importância, sobretudo, para os profissionais ligados à educação, já que o contexto educacional deve privilegiar práticas inclusivas e de acessibilidade. Nesse mesmo sentido, é concebida uma outra visão, também, em torno da educação especial como modalidade de ensino, sendo que ela foi, por muitos anos, percebida com base em uma visão patológica e corretiva, diante do que os sujeitos deveriam adequar-se aos padrões estabelecidos socialmente ou estariam excluídos dos meios sociais. Por isso, compreender as novas concepções em torno da educação especial, da inclusão e da pessoa com deficiência é reconhecer a cultura como aspecto importante no desenvolvimento das práticas de inclusão e acessibilidade, pois os artefatos culturais são constituídos socialmente levando em conta a superação de obstáculos, além de questões relacionadas à informação e à comunicação. CONTEXTUALIZANDO Os avanços nos estudos e pesquisas acerca da aprendizagem e do desenvolvimento educacional, assim como na medicina, deram lugar a uma visão diferenciada sobre o sujeito e as relações sociais. Se analisarmos as concepções tradicionais de ensino, qual a visão que tínhamos de sujeito e aprendizagem? E de desenvolvimento? O contexto atual denota uma visão em que os sujeitos com deficiência ocupam um lugar social, da mesma forma que a sociedade deve dispor de recursos acessíveis que lhes possibilitem a igualdade de oportunidade. Então, se a sociedade, hoje, pressupõe acessibilidade e igualdade de direitos, como pode a escola afastar-se dessa visão? 3 A escola, portanto, também deve desvincular-se dos paradigmas padronizados acerca da própria aprendizagem e do desenvolvimento, além da concepção anterior sobre sujeito, agora considerando as suas potencialidades e não as suas limitações. É nesse sentido que as tecnologias assistivas têm um papel privilegiado no contexto atual, pois oferecem essa nova visão a respeito das então consideradas limitações, ou seja: apesar da limitação física ou biológica de algumas pessoas, os artefatos culturais podem possibilitar o desenvolvimento das suas potencialidades e consequentemente a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento. É assim que, ao vislumbrar os apontamentos do desenvolvimento cultural da teoria sociointeracionista, é possível entender ainda mais o valor das tecnologias assistivas, reconhecendo-se um outro viés da aprendizagem, que se dá com base na valorização das potencialidades dos sujeitos, distanciando-se de uma visão patológica, em que os fatores orgânicos determinam o seu desenvolvimento. Nesse sentido, diversos aspectos devem ser repensados, tanto socialmente, como educacionalmente, levando em conta a interação social como fator determinante para o desenvolvimento, considerando a aprendizagem significativa como ponto de partida. Ou seja, mudanças conceituais e atitudinais se fazem, já há algum tempo, necessárias! TEMA 1 – TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E O CONTEXTO INCLUSIVO Ao tratarmos do atual contexto inclusivo, os artefatos tecnológicos se mostram ferramentas de inclusão e de valorização das potencialidades das pessoas com deficiência. Vemos, por exemplo, que o campo da informática abre caminhos que até então eram inatingíveis. As possibilidades de acesso à informação, à comunicação e a formas de interação ganharam uma imensa dimensão, de forma que o que era impossível para as pessoas com deficiência tornou-se acessível. Como defendem Santos e Pequeno (2011, p. 79): “Na sociedade da informação, a acessibilidade ao conhecimento digital permite ao incluído digital maximizar o tempo e suas potencialidades.”, além de lhe possibilitar uma melhora na qualidade de vida e até mesmo um lugar social. Ao longo da história, socialmente e, por consequência, educacionalmente, as crianças com deficiência eram consideradas com base em fatores biológicos, já que a visão clínica era predominante. Ou seja, eram percebidas pela falta, pela falha, pela limitação, pela deficiência. Por isso, as práticas que norteavam a 4 educação eram pautadas nessa visão. Nesse aspecto, é importante retomarmos como era essa educação para que possamos compreender as justificativas do contexto inclusivo. 1.1 Um olhar sobre o histórico da Inclusão Antes de retratarmos o contexto histórico que antecede a atual época de inclusão é importante definirmos esse termo. Apesar de muito se falar, algumas pessoas acreditam que a inclusão está relacionada a tipos de serviço ou, ainda, à área das deficiências. De fato, esta se situa no campo da inclusão; porém, o conceito é bem mais amplo. O termo inclusão está relacionado a um paradigma. Mas, ora, o que é um paradigma, termo tão usado no meio educacional? Certamente você já se deparou com afirmações sobre as mudanças nos paradigmas; ou ainda sobre rever paradigmas e assim por diante. O que é então um paradigma? O termo vem do grego parádeigma, que significa modelo, representação de um padrão a ser seguido. Segundo o dicionário Houaiss, paradigma diz respeito a “um exemplo que serve como modelo. [...] Conjunto dos termos substituíveis entre si numa mesma posição da estrutura a que pertencem.”. Para Kuhn (1997, p. 13), paradigmas são “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Ou seja, os paradigmas são determinados por estudos científicos, por pesquisas e por mudanças conceituais geradas por esses estudos. É nesse sentido que temos com a inclusão uma mudança de paradigmas, ou seja, uma mudança de conceitos e concepções que foram influenciados por pesquisas nas mais diversas áreas, como da medicina, da educação, da linguística, da neurociência. Mas, quais eram os paradigmas que antecederam a inclusão? Até o século XVI, tinha-se como foco um padrão de sujeito, de forma que aqueles que apresentavam alguma diferença eram excluídos socialmente. Consequentemente, no campo educacional, certas pessoas não tinham direito de acesso à educação e ao ensino, como era o caso das pessoas com deficiência. Predominou até então a exclusão total das pessoas com deficiência da sociedada, sendo elas condenadas ao extermínio, por isso trata-se de um período também conhecido como período do extermínio. Até que se chegasse à fase da 5 segregação ou institucionalização, por parte de instituições filantrópicas e assistencialistas ligadas à igreja católica. Na fase da institucionalização, já ao longo do século XIX, surgem instituições especializadas para surdos, cegos e deficientes mentais (intelectuais). No âmbito educacional, são utilizados nessa fase termos como pedagogia dos anormais, pedagogia teratológica, pedagogia curativa ou terapêutica, pedagogia da assistência social, pedagogia emendativa, denotando as concepções que predominavam (Silva, 2009). Precedendo a segregação, no século XIX um outro olhar sobre as pessoas com deficiência começa a predominar, o da normalização, o que no campo educacional abriu espaço para a integração. Devido aos avanços nos estudos da área médica, sobretudo da neurociência e da psicologia, o olhar de medicalização começa adar espaço para um ponto de vista mais educacional e de distribuição de direitos sociais. Normalizar, então, estava atribuído a: reconhecer às pessoas com deficiência os mesmos direitos dos outros cidadãos do mesmo grupo etário, em aceitá-los de acordo com a sua especificidade própria, proporcionando-lhes serviços da comunidade que contribuíssem para desenvolver as suas possibilidades, de modo a que os seus comportamentos se aproximassem dos modelos considerados “normais”. (Silva, 2009, p. 139) Educacionalmente, a integração visou inserir os alunos com deficiência no contexto escolar de forma que pudessem se adequar aos padrões sociais, se normalizar. De acordo com Mantoan (2003), esse processo oportuniza ao aluno transitar entre ensino regular e especial, por escolas e classes especiais, salas de recursos, classes hospitalares, com uma inserção parcial. No entanto, nem todos os alunos são considerados aptos a serem inseridos no ensino regular, já que não cabia à escola adequar-se às suas especificidades, tanto estrutural quanto pedagogicamente; pelo contrário, o aluno é quem deveria adequar-se. Diferentemente, o paradigma da inclusão pressupõe a adequação social das instituições às dificuldades e necessidades específicas de cada sujeito, sendo que a escola também deve adequar-se a esse novo modo de conceber a educação. Assim, o século XX se vê diante de uma quebra de paradigmas, já que o foco passa a ser o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos, levando em conta as suas diferenças. Assim: A inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades 6 de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. (Mantoan, 2003, p. 16) Perceba, na Figura 1, o lugar concebido às pessoas com deficiência por cada paradigma: Crédito: Zerbor/Shutterstock. Assim, o paradigma da inclusão pressupõe a igualdade de oportunidades para todos, sem distinção; a acessibilidade e o respeito às diferenças, de modo que os novos conceitos acerca da diversidade são reflexos de mudanças no modo de perceber o outro, das diferentes formas de ser e estar no mundo, enfim, das diversidades entre as pessoas. As tecnologias assistivas colaboram para que esse processo se concretize. TEMA 2 – TECNOLOGIAS ASSISTIVAS: CONCEITOS E OBJETIVOS 2.1 Conceitos Com base nos estudos socioculturais ou sociointeracionistas, a limitação dá lugar às potencialidades; a falha dá lugar à compensação; a deficiência dá lugar à valorização das diferenças. Por meio dos artefatos social e culturalmente constituídos, bem como das mediações culturalmente estabelecidas é possível anular o foco sobre as limitações. As tecnologias assistivas surgem para facilitar e possibilitar a acessibilidade e o desenvolvimento das pessoas com deficiência, abrindo-lhes novos caminhos para que ocorram sua aprendizagem, seu acesso a informações e à comunicação e sua efetiva inserção social. O conceito de tecnologias assistivas refere-se a: 7 toda e qualquer ferramenta, recurso ou estratégia e processo desenvolvido e utilizado com a finalidade de proporcionar maior independência e autonomia à pessoa com deficiência. (Unesco, 2007, p. 29) toda e qualquer ferramenta, recurso ou estratégia e processo desenvolvido e utilizado com a finalidade de proporcionar maior independência e autonomia à pessoa com deficiência. (Unesco, 2007, p. 29) Já o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) define tecnologias assistivas como: Tecnologias que reduzam ou eliminem as limitações decorrentes das deficiências física, mental, visual e/ou auditiva, a fim de colaborar para a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência e dos idosos. (MCTI citado por Poker; Navega; Petitto, 2012, p. 25) Alguns documentos brasileiros focam as tecnologias assistivas (TA) para aplicação de conhecimentos relacionados a técnicas, procedimentos, metodologias e recursos específicos, permitindo, sobretudo, a ampliação ou a obtenção de habilidades que permitam realizar e participar de atividades (Brasil, 2009). Ou seja, elas são “uma área multidisciplinar de conhecimento na qual se desenvolvem estudos, produtos e pesquisas, visando promover a qualidade de vida e a inclusão social” (Santarosa, 2010, p. 290). Tais produtos podem ser: dispositivos, equipamentos, instrumentos, tecnologias e softwares. No Decreto n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004 (Brasil, 2004), assim as TA são definidas: produtos, instrumentos e equipamentos ou tecnologias da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida. (Brasil, 2004) Observe as Figuras 2 e 3 e relacione suas imagens a esses conceitos. Figura 2 – Grupo de imagens que se relacionam com o conceito de produtos e serviços de tecnologia assistiva 8 Créditos: Olesia Bilkei; UfaBizPhoto; Mezzotint; Pataporn Kuanui/Shutterstock. Figura 3 – O conceito de tecnologia assistiva: compreende de uma simples bengala a um sistema complexo de computador. Créditos: Lorelyn Medina; Konstantin Shaleev/Shutterstock. 2.2 Objetivos Então, dado que o principal objetivo das TA é proporcionar qualidade de vida e inclusão social às pessoas com deficiência, temos pois o quadro explicitado pelas Figuras 4, 5 e 6. 9 Figura 4 – O que querem e do que precisam as pessoas com deficiência (PCD) Figura 5 – A mudança nas concepções Figura 6 – Novamente, há uma mudança de foco Convém diferenciar as tecnologias assistivas e seus objetivos das demais tecnologias, sobretudo no contexto educacional. Para isso, Bersch (2017, p. 12) nos fornece alguns esclarecimentos: 10 Um aluno com deficiência física nos membros inferiores e que faz uso de cadeira de rodas, utilizará o computador com o mesmo objetivo que seus colegas: pesquisar na web, construir textos, tabular informações, organizar suas apresentações etc. O computador é para este aluno, como para seus colegas, uma ferramenta tecnológica aplicada no contexto educacional e, neste caso, não se trata de Tecnologia Assistiva. Qualquer aluno, tendo ou não deficiência ao utilizar um software educacional está se beneficiando da tecnologia para o aprendizado. (...) Quando então a tecnologia pode ser considerada Assistiva no contexto educacional? Quando ela é utilizada por um aluno com deficiência e tem por objetivo romper barreiras sensoriais, motoras ou cognitivas que limitam/impedem seu acesso às informações ou limitam/impedem o registro e expressão sobre os conhecimentos adquiridos por ele; quando favorecem seu acesso e participação ativa e autônoma em projetos pedagógicos; quando possibilitam a manipulação de objetos de estudos; quando percebemos que sem este recurso tecnológico a participação ativa do aluno no desafio de aprendizagem seria restrito ou inexistente. (...) No campo educacional, por vezes, pode haver uma distinção sutil entre TA e tecnologia educacional e para tirar dúvidas a respeito disso sugiro que se façam três perguntas: • O recurso está sendo utilizado por um aluno que enfrenta alguma barreira em função de sua deficiência (sensorial, motora ou intelectual) e este recurso/estratégia o auxilia na superação desta barreira? • O recurso está apoiando o aluno na realização de uma tarefa e proporcionando a ele a participação autônoma no desafio educacional, visando sempre chegar ao objetivo educacional proposto? • Sem este recurso o aluno estaria em desvantagem ou excluído de participação? Tendo respostas afirmativas para as três questões, eu ouso chamar a ferramenta utilizada pelo aluno de Tecnologia Assistiva, mesmo quando ela também se refere à tecnologia educacional comum. Podemos afirmar então que a tecnologiaeducacional comum nem sempre será assistiva, mas também poderá exercer a função assistiva quando favorecer de forma significativa a participação do aluno com deficiência no desempenho de uma tarefa escolar proposta a ele. Dizemos que é tecnologia assistiva quando percebemos que retirando o apoio dado pelo recurso, o aluno fica dificuldades de realizar a tarefa e está excluído da participação. (Bersch, 2017, p. 12) Assim como já defendia Vygotsky (1989), ao tratar da defectologia, o termo que o autor utiliza, compensação, pode se dar com base no uso dos artefatos culturais produzidos pelo homem. Nesse caso, as TA podem ser percebidas como elementos possibilitadores do desenvolvimento humano, de modo que oportunizam a aprendizagem das pessoas por vias diferenciadas, ou seja, pelo seu desenvolvimento cultural. TEMA 3 – O DESENVOLVIMENTO CULTURAL Contrapondo-se à ideia de que somente os fatores orgânicos são determinantes para o desenvolvimento das pessoas, a concepção sociocultural ou sociointeracionista, defendida por Vygotsky (1989, 1997, 2011), concebe a 11 cultura como fator a ser considerado quando se fala em desenvolvimento e aprendizagem. Nesse aspecto, em seus estudos sobre a defectologia, o autor refere os caminhos diretos e indiretos para a aquisição de conceitos e a constituição das funções psicológicas superiores1. O caminho direto está relacionado ao desenvolvimento natural, ou seja, àquele esperado pelo meio. Já o caminho indireto aparece quando surgem obstáculos para se chegar a um resultado de forma natural e com isso se usam instrumentos, o que ele chama de compensação. Num processo de aprendizagem, podemos ver essa diferença na explanação que acompanha a Figura 7, que mostra uma criança realizando uma conta de matemática e utilizando as mãos como instrumento. A criança começa a recorrer a caminhos indiretos quando, pelo caminho direto, a resposta é dificultada, ou seja, quando as necessidades de adaptação que se colocam diante da criança excedem suas possibilidades, quando, por meio da resposta natural, ela não consegue dar conta da tarefa em questão. (Vygotsky, 2011, p. 865) Figura 7 – Uma criança utiliza suas mãos para realizar uma conta de matemática Crédito: Flamingo Images/Shutterstock. Nesse sentido, ao tratarmos de uma criança com deficiência, o desenvolvimento natural se debate com alguns obstáculos ocasionados por questões orgânicas, de modo que novos processos e outros caminhos deverão ser acessados (Figura 8). Sempre e em todas as circunstâncias, o desenvolvimento complicado pela deficiência, constitui um processo criador (orgânico e psicológico) de construção e reconstrução da personalidade da criança, sobre a base da reorganização de todas as funções de readaptação, da formação de 1 Funções psicológicas superiores são “aquelas funções mentais que caracterizam o comportamento consciente do homem: memória, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, imaginação, capacidade de planejar, estabelecer relações, ação intencional, desenvolvimento da vontade, elaboração conceitual, uso da linguagem, representação simbólica das ações propositadas, raciocínio dedutivo, pensamento abstrato.” (Maior; Wanderley, 2016, p. 2). 12 novos processos, quer dizer, supereestruturadores, substituidores e equilibradores, originados pela deficiência, e do surgimento de novas vias de acesso para o desenvolvimento. (Vygotsky, 1989, p. 7) Figura 8 – Cena de criança com deficiência em situação de aprendizagem Crédito: Oksana Kuzmina/Shutterstock. Os artefatos culturais, então, serão cruciais para o caminho indireto da aprendizagem, de modo que as ferramentas disponibilizadas podem ser grandes aliadas num processo de ensino-aprendizagem eficiente e responsável, no contexto de uma educação inclusiva, em que todos podem ter acesso a diferentes formas de aprender e ao conhecimento e consequentemente ao desenvolvimento de suas funções superiores, fazendo uso das mais variadas estratégias. Além disso, todos os envolvidos desempenham o papel de mediadores em relação à aprendizagem. Outro conceito a ser reconhecido na teoria de Vygotsky e que também colabora para essa questão é a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que diz respeito à distância entre a zona de desenvolvimento real (aquela em que a criança se encontra) e a zona de desenvolvimento potencial (aquela a que a criança pode chegar). Assim, entre o que a criança já sabe e o que ela pode vir a saber existe um espaço, que é justamente onde ocorre/deve ocorrer a mediação. E é nesse espaço que os recursos tecnológicos, principalmente as tecnologias assistivas, assim como as ações do professor ou de outro adulto, irão ser determinantes. A zona de desenvolvimento proximal pode então ser atingida e levar ao desenvolvimento das funções superiores da criança, com base no conhecimento e na aprendizagem, na mediação, na interação e nas relações com instrumentos significativos. Ou seja, quanto mais houver mediação, interação e uso de ferramentas e instrumentos mediados, maior será o desenvolvimento das potencialidades dos sujeitos. Então, esses conceitos que embasam a teoria sociocultural são de extrema importância para o desenvolvimento das funções superiores (Figura 9). 13 Figura 9 – O funcionamento da chamada Lei da Compensação Compreender esses conceitos é fundamental para o reconhecimento da educação inclusiva e da cultura como fatores que podem alterar as formas de desenvolvimento dos indivíduos, que, sem essa interferência, seriam limitados, já que são os artefatos e os recursos desenvolvidos culturalmente pelo homem que compensam e anulam a limitação, possibilitando-lhes atingir níveis que, sem tais mecanismos, seriam impossíveis de serem alcançados (Figura 10). Figura 10 – Capa de um dos livros de Vygotsky Lev Semionovitch Vygotski (1896-1934) desenvolveu estudos acerca da defectologia entre os anos de 1924 a 1934. A obra da Figura 10 é uma coletânea de textos em que o autor aborda questões sobre as deficiências, destacando a 14 mediação, a interação social e o desenvolvimento cultural. Busca então a compreensão da deficiência com base em uma visão qualitativa, referindo a compensação por meio de artefatos culturais no desenvolvimento das potencialidades. Por isso sua obra é tão importante na área da educação especial e na compreensão das fundamentações do contexto inclusivo. Para saber mais, consulte Vygotsky (2011). TEMA 4 – ACESSIBILIDADE Os pressupostos de uma sociedade inclusiva demandam o implemento de mudanças, tanto no âmbito físico quanto em relação a atitudes. Socialmente, muitas mudanças têm ocorrido a fim de incluir as pessoas com deficiência nos diversos contextos, de forma a garantir seus direitos e cidadania. Nesse sentido, o direito à acessibilidade estabeleceu-se com diversas leis e decretos. Como o Decreto n. 5.296/2004, que a ela se refere como sendo a Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (Brasil, 2004) Assim, o uso das tecnologias assistivas está também relacionado ao conceito de acessibilidade, já que diz respeito à: Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes, da informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações abertas ao público, de uso público ou privadas de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (Brasil, 2015, p. 9) Podemos citar como exemplosas rampas de acesso para as pessoas que fazem uso de cadeira de rodas e os banheiros adaptados, que fazem parte da nossa realidade em diversos locais públicos. A acessibilidade decorre do fato de que, por longo tempo, nossa sociedade esteve pautada em padrões nos quais as diferenças não eram levadas em consideração, o que gera a existência de diversas barreiras para que a inclusão se efetive e para que todos, sem distinção, tenham acesso aos bens e locais comuns. Tais barreiras dizem respeito a: “Qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação.” 15 (Brasil, 2004). Essas barreiras não dizem respeito somente a aspectos físicos ou estruturais, mas também a concepções, conceitos e maneiras de perceber a pessoa com deficiência. Vejamos algumas barreiras físicas que dizem respeito a questões estruturais que impedem a acessibilidade, de acordo com o Decreto n. 5.296/2004 (Brasil, 2004): • Urbanismo: relacionadas às condições das vias públicas e, nos espaços de uso público e privado, ao mobiliário urbano. • Edifícios: relacionadas a áreas internas e entornos de edificações públicas e de uso comum. • Transportes: às condições dos veículos e transportes públicos. • Comunicação e informações: obstáculos referentes ao acesso à informação e à expressão por meio dos sistemas comunicacionais. Observe ao conjunto de imagens da Figura 11, relacionando-as e notando as diferenças entre elas. Figura 11 – Diferenças entre espaços inacessíveis e aqueles acessíveis, respectivamente, em via (se com escadas ou rampas de acesso), banheiro ou transporte públicos ID: 16 Créditos: Grischa Georgiew; Som Taste; Francesco Losenno; A2l; Martin Bowra; Vereshchagin Dmitry/Shutterstock Como você percebeu na Figura 11, para as barreiras físicas há ajustes e adaptações que as superam e possibilitam a acessibilidade. No entanto, são as barreiras atitudinais que exigem mudança nos conceitos e no modo de perceber o outro. Esse é um dos maiores desafios, levando em conta os conceitos e os padrões preestabelecidos em nossa sociedade. Assim, as barreiras atitudinais são aquelas decorrentes de ações e atitudes em relação ao outro: concepções preconcebidas. É preciso romper, antes de tudo, com os rótulos e sobretudo com a visão sobre as limitações, dado que cada sujeito é único e que as suas potencialidades devem ser valorizadas. FINALIZANDO Sintetizando nossa unidade: • O paradigma da inclusão pressupõe a adequação social às dificuldades e necessidades específicas de cada sujeito, demandando mudanças estruturais e atitudinais. • No contexto da inclusão, a escola, assim como a sociedade em geral, deve adaptar-se às diferenças promovendo a acessibilidade de forma que todos possam ter acesso à vida em sociedade, com direitos igualitários, acesso à educação, à informação e à cultura. • As tecnologias assistivas visam facilitar e possibilitar a acessibilidade e o desenvolvimento das pessoas com deficiência, abrindo novos caminhos para que ocorram a aprendizagem, o acesso a informações e à comunicação e a efetiva inserção social. São artefatos que permitem o desenvolvimento de habilidades e capacidades, superando-se as limitações orgânicas. 17 • A cultura desempenha um papel muito importante no desenvolvimento dos indivíduos, levando em conta os caminhos indiretos de aprendizagem que são acessados por meio da tecnologia. Não obstante, a interação social e a mediação são fatores determinantes naquele desenvolvimento. “Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.”, nos diz Radabaugh (1993). Saiba mais Texto de abordagem teórica VYGOTSKY, L. S. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Tradução de Denise Regina Saler, Marta Kohl de Oliveira e Priscila Nascimento Marques. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n4/a12v37n4.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018. Texto de abordagem prática BERSCH, R. Introdução à tecnologia assistiva. Assistiva Tecnologia e Educação, Porto Alegre, 2017. Disponível em: <http://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2021. Saiba mais Para saber mais a respeito dos aspectos legais em torno das tecnologias assistivas e da garantia de acessibilidade, leia o Decreto n. 5.296/2004 (Brasil, 2004). 18 REFERÊNCIAS BERSCH, R. Introdução à tecnologia assistiva. Assistiva Tecnologia e Educação, Porto Alegre, 2017. Disponível em: <http://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2018. BRASIL. Decreto n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis n. 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas. Diário Oficial da União, Brasília, p. 5, 3 dez. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em: 18 jun. 2018. _____. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas. Tecnologia assistiva. Brasília: Corde, 2009. _____. Estatuto da pessoa com deficiência. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015. HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 3.0. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss; Objetiva, 2009. 1 CD-ROM. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. MAIOR, C. D. S.; WANDERLEY, J. L. A teoria vygotskyana das funções psíquicas superiores e sua influência no contexto escolar inclusivo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 2., 2016, Campina Grande. Anais... Campina Grande: Cinted, 2016. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/revistas/cintedi/trabalhos/TRABALHO_EV060_MD 1_SA12_ID2646_13102016173601.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2018. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. 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