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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Crislayne Gloss Marão Alfagali FERREIROS E FUNDIDORES DA ILAMBA. UMA HISTÓRIA SOCIAL DA FABRICAÇÃO DE FERRO E DA REAL FÁBRICA DE NOVA OEIRAS (ANGOLA, SEGUNDA METADE DO SÉC. XVIII). CAMPINAS 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 22 de maio de 2017, considerou a candidata Crislayne Gloss Marão Alfagali aprovada. Profa. Dra. Silvia Hunold Lara (orientadora) Profa. Dra. Lucilene Reginaldo Profa. Dra. Mariana Pinho Candido Prof. Dr. Robert Wayne Andrew Slenes Prof. Dr. Roquinaldo Ferreira A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna. Agradecimento Essa é uma das partes mais difíceis da tese, não há espaço para agradecer a todos que me ajudaram durante esses anos. A primeira pessoa a quem gostaria de expressar gratidão é minha orientadora, Silvia Lara, pelo apoio irrestrito, pela leitura atenta, pela paciência em corrigir de novo e de novo e por me instigar à reflexão com questões argutas. Por tudo isso e muito mais, devo à professora Silvia os méritos deste estudo. Em todas as instituições pelas quais passei contei com o auxílio generoso de historiadores e arquivistas. Em Lisboa, agradeço a orientação atenciosa e gentil do professor Luis Frederico Dias Antunes. No Instituto de Investigação Cientifica Tropical e no Arquivo Histórico Ultramarino, estou em dívida com todos os investigadores e funcionários que me ensinaram a ler os catálogos e com paciência buscavam as muitas caixas que eu solicitava. Nas pessoas de Carlos Almeida, Carlos Teixeira, Branca, Rosinha e Mário agradeço muito a solicitude com que me receberam. Na Biblioteca Nacional, em especial agradeço à gentileza da senhora Natália e à simpatia de Mafalda e Conceição, que sempre tinham café quente para aquecer e despertar em tardes longas e frias. O mesmo se passou em muitos outros arquivos e bibliotecas portugueses, espanhóis, no Centro de Estudos Africanos, em Leiden, Holanda, e na biblioteca do Royal Museum for Central Africa, em Tervuren, na Bélgica. Agradeço a cada funcionário e bibliotecário, sem seu trabalho e dedicação, não haveria história para contar. Em Angola, no Arquivo Histórico de Angola, sou imensamente grata à Alexandra Aparício, diretora do arquivo, e aos demais investigadores da instituição, como o doutor Honoré Mbunga. Especialmente, deixo meu agradecimento ao senhor Januário, com quem dividi a sala de estudos e que prontamente buscava os documentos que pedia. Todas as manhãs me encontrava com um grande sorriso e muita disposição para mais um dia de trabalho. Minha visita à Luanda teria sido completamente diferente sem a ajuda da professora Maria Conceição Neto, não há como agradecê-la por tudo o que fez por mim. Assim como não consigo expressar o que significou passar um fim de semana no Dondo, junto à família Galho, a Andelson André, Mama Mic e todos os amigos que fiz ali. Gentilmente me levaram para conhecer as ruínas de Nova Oeiras e as de outros sítios históricos da região. Não teria como fazer essa viagem sem a generosidade dessas pessoas. “Descobri que Luanda é grande, mama auê”, como canta Mathias Damásio. Na margem de lá deste rio chamado Atlântico, me senti em tantos aspectos na de cá, agradeço a todos que me acolheram, como o meu senhorio, senhor Anselmo e a colega de casa, a professora Linda. Encontrei pessoas que se tornaram muitos importantes para o desenvolvimento deste projeto em congressos e reuniões científicas. Agradeço à Mariana Candido pela generosidade intelectual, tanto em disponibilizar fontes, bibliografia e participar da qualificação e defesa desta tese, quanto em apoiar essa jovem e ansiosa pesquisadora. Sou grata também a Mariza Soares e Flávia Carvalho pelos apontamentos sobre a pesquisa e incentivo. No Rio de Janeiro, agradeço à professora Regina Wanderley que me ajudou na pesquisa junto ao IHGB e ao professor Roberto Guedes. Agradeço à arquiteta Katia Sartorelli Verissimo e sua equipe pela elaboração das maquetes que compõem esta tese. À Roquinaldo, Lucilene e Bob agradeço os apontamentos, sugestões e críticas quando do exame de defesa. Os amigos e professores do IFCH, na Unicamp, são incentivadores desde o mestrado e os agradeço por esse apoio. Obrigada, Flávia, pela disponibilidade em ajudar. As queridas Day, Raquel, Andréa, Leca e Dani tornaram esses anos muito mais leves e prazerosos, obrigada! Também sou grata pelos muitos cafés, conversas e apoio de Manu, Alisson, Rodrigo, Deivison e Tati. À minha irmã Débora e ao amado Guga, obrigada pela alegria e amor “mineirinhos” com que preenchem a minha vida. Também agradeço a Rogéria e Mari pela amizade e incentivo. Ao quarteto que mesmo de longe continuo integrando, Gi, Tati e Kelly, obrigada pela amizade. Agradeço também ao apoio de outros amigos de tempos de Ufop, professor Carlão, Fabiano, Fabrício, Dani e Denise. À minha família, agradeço a paciência, a compreensão, o amor e a companhia perene. Minha mãe, Teresa, meu pai, Edemar, e meu irmão, Marão. Agradeço à FAPESP pela bolsa de doutorado (processo nº 2013/12458-1) e pela bolsa de estágio e pesquisa no exterior (processo nº 2014/19445-5), sem a estrutura fornecida pela fundação não seria possível desenvolver esse projeto. Dedico esta tese a todos que de alguma forma colaboram para o seu desenvolvimento e conclusão. Resumo Esta tese analisa a instalação de uma fábrica de ferro na região da Ilamba, no interior de Angola, na segunda metade do século XVIII, e seus desdobramentos a partir do ponto de vista das sociedades africanas. As mudanças nas relações de trabalho foram as mais impactantes e acabaram por deslindar modos de exploração do trabalho dos Ambundos, para além da escravidão, impostos desde a conquista. O estudo das faces normativa e prática dessas transformações trazem para o centro da narrativa os representantes da elite política africana, que constantemente reivindicaram seu estatuto de vassalos para denunciar os abusos que eles e seus súditos sofriam. Outros aspectos das relações coloniais manifestos durante a construção da fundição de Nova Oeiras foram os conflitos em torno de minas e terras e o controle da fabricação e comercialização de objetos de ferro. Esses eram recursos naturais e utensílios que para os africanos detinham significados para além do econômico. Os ferreiros e fundidores da Ilamba produziam um ferro de alta qualidade em fornos baixos, com seus instrumentos rústicos. Sua trajetória, enquanto grupo de artesãos, foi o fio condutor da pesquisa, pois permitiu compreender as disputas, conflitos, costumes e tradições envolvendo tanto as estratégias do domínio colonial português, quanto as formas de resistência, a invenção de novas práticas, a elaboração de discursos articulados pelos africanos. Na redução da escala de análise, nota-se que as determinações locais tiveram peso tão ou mais significativo nas decisões tomadas na sede do Império que as ideias Ilustradas que marcaram o período. Os embates entre as personagens do sertão de Angola - moradores, sobas, os “filhos”, capitães-mores, ilamba, imbari, negociantes, pumbeiros, ferreiros e fundidores – guiaram as diretrizes governativas em Luanda e enfatizam as complexas redes hierárquicas das relações de domínio, no auge do trato de escravos. Por fim, baseada em uma leitura das fontes que privilegia o ponto de vista africano, a tese propõe uma nova interpretação sobre asnarrativas dos fracassos de Nova Oeiras, considerando que os Ambundos elaboraram estratégias bem-sucedidas para manter em seu poder os conhecimentos e os benefícios que a metalurgia conferia. Palavras-chave: Real Fábrica de Nova Oeiras – Angola – História – Séc. XVIII; Ferro; Metalurgia; Trabalho; Artesãos. Abstract This thesis analyzes the installation of an iron foundry in the region of Ilamba, in Angola hinterland, in the second half of the 18th century, and how it unfolded, from the point of view of African societies. The changes in labor relations were the most striking and ended up revealing exploitation modes of the work of the Ambundos, beyond slavery, imposed since the conquest. The study of the normative and practical sides of these transformations brings to the center of the narrative the representatives of the African political elite who constantly claimed their status as vassals to denounce the abuses they and their subjects suffered. Other aspects of the colonial relationships manifested during the construction of the Nova Oeiras foundry were the conflicts around mines and lands and the control of the manufacture and sale of iron objects. For the Africans, these natural resources and tools were meaningful beyond their economic value. The blacksmiths and smelters of Ilamba produced a high-quality iron, in the low furnaces, with their rustic implements. Their trajectory, as a group of artisans, was the guiding thread of the research, since it allowed to understand the disputes, conflicts, customs and traditions involving both the strategies of the Portuguese colonial dominion, as well as the forms of resistance, the invention of new practices, and the elaboration of discourses articulated by the Africans. By reducing the scale of the analysis, it is noticed that the local determinations had as much or more significant weight in the decisions taken at the seat of the Empire than the Illustrated ideas that marked the period. The clashes between the people of the sertão of Angola – residents, sobas, the “sons”, capitães-mores (“captain-major”), ilamba, imbari, traders, pumbeiros, smiths and smelters – oriented the governmental guidelines in Luanda and emphasized the complex hierarchical networks of dominance relationships at the height of the slave trade. Finally, based on a reading of the sources that privileges the African point of view, the thesis proposes a new interpretation of the narratives of the failures of Nova Oeiras, considering that the Ambundos have devised successful strategies to maintain in their power the knowledge and the benefits metallurgy conferred. Keywords: Real Fábrica de Nova Oeiras – Angola – History – 18th century; Iron; Metallurgy; Work; Artisans. Lista de figuras e mapas Figura 1 – Objetos de ferro. .................................................................................................... 104 Figura 2 – Insígnias de poder em Angola. .............................................................................. 106 Figura 3 – Ferro para o tráfico de escravos. ............................................................................ 108 Figura 4 – Facas Flamengas .................................................................................................... 114 Figura 5 - Escopulo de ferro. ................................................................................................. 114 Figura 6 – O paredão e os muros planejados para represar o rio, 1770 c.a. ........................... 126 Figura 7 - Planta da Povoação de Nova Oeiras, 1770 c.a. ..................................................... 127 Figura 8 - Alçado da Planta Fundição de Fábrica de Fundição de Ferro em Oeiras, 1855. ... 131 Figuras 9 e 10: Plantas da Fundição de Fábrica de Fundição de Ferro em Oeiras, 1855 ....... 132 Figura 11: Planta esquemática dos prédios da fábrica de ferro ............................................... 135 Figuras 12 e 13: Interior da Casa da Máquina, engenho hidráulico, armazém. Representação do Açude, 1770 ....................................................................................................................... 136 Figura 14: Vista da Fábrica de Ferro em Oeiras, 1855 ........................................................... 137 Figuras 15 e 16: A fundição de ferro em Nova Oeiras, 1797.. ............................................... 225 Figura 17: Interior de uma Ferraria Hidráulica ....................................................................... 237 Figuras 18 e 19: Detalhes do interior da casa de fundição...................................................... 237 Figuras 20 e 21 As rodas d’água que moviam o malho (à esquerda) e os foles (à direita)... .. 238 Figura 22: Planta da Ferraria de Figueiró, c.a. 1624 ............................................................... 243 Figura 23: Placa de identificação do conjunto arquitetônico da fábrica de ferro, 1973 ......... 312 Figura 24: Placa de identificação do conjunto arquitetônico da fábrica de ferro (?). ............. 313 Mapa 1 – Carta dos Reinos de Loango, Kongo, Angola e Benguela, 1764. ............................. 33 Mapa 2 - Detalhe do interior do Reino de Angola, 1791 .......................................................... 50 Mapa 3 – A região da Ilamba, 1790 .......................................................................................... 83 Mapa 4 – Carta topográfica da província em que se localizava Nova Oeiras, 1769 c.a. ........ 121 Lista de tabelas e gráfico Tabela 1 - Moradores do reino de Angola, 1777. ..................................................................... 56 Tabela 2 - Escravos que trabalharam em Nova Oeiras, 1768-1772.. ...................................... 205 Gráfico 1 – Despesas com a fábrica (1766-1772).. ................................................................. 172 Lista de abreviaturas e siglas ACL - Academia das Ciências de Lisboa AHU – Arquivo Histórico Ultramarino AHA – Arquivo Histórico Nacional de Angola AHM - Arquivo Histórico Militar (Lisboa) AHTC - Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (Lisboa) AN – Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) ANTT - Arquivo Nacional Torre do Tombo (Lisboa) BMP - Biblioteca Municipal do Porto BNP - Biblioteca Nacional de Portugal IEB – Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro) GEAEM - Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar (Lisboa) SGL - Sociedade de Geografia de Lisboa Sumário Nota preliminar ....................................................................................................................... 13 Introdução................................................................................................................................ 15 1. Um triângulo descontínuo: o Reino de Angola no séc. XVIII ......................................... 30 1.1 Os Ambundos no Reino de Angola..................................................................................... 30 1.2 O esforço colonial de interiorização ................................................................................... 40 1.3 A população de Angola ....................................................................................................... 54 1.4 Vassalagem e tributos ......................................................................................................... 64 2. De Ilamba a Nova Oeiras.................................................................................................... 82 2.1 Minas e terras: usos e sentidos ............................................................................................82 2.2 Ferro e aço, em barra e obras ............................................................................................ 101 2.3 Nova Oeiras, “máquina” imaginada no sertão .................................................................. 116 2.4 As povoações civis ............................................................................................................ 139 3. O trabalho e os trabalhadores em Nova Oeiras ............................................................. 147 3.1 A regulamentação do trabalho .......................................................................................... 147 3.2 Disputas, resistências e as violências do sertão ................................................................ 174 3.3 Domínio, dependência e relações de trabalho ................................................................... 188 3.4 “Todos os que têm alguma luz do trabalho do ferro” ....................................................... 195 4. Ferreiros e Fundidores ..................................................................................................... 208 4.1 Jingangula, pulungus e tocadores de foles ....................................................................... 208 4.2 Da Biscaia ......................................................................................................................... 232 4.3 De Figueiró dos Vinhos .................................................................................................... 241 4.4 Desencontro de conhecimentos ......................................................................................... 245 5. Sucessos e fracassos ........................................................................................................... 252 5.1 “Trovoadas secas” ............................................................................................................. 252 5.2 Outras paisagens, mesmas questões .................................................................................. 264 5.3 Administração e ciência .................................................................................................... 276 5.4 Um projeto às avessas ....................................................................................................... 294 6. Palavras finais ................................................................................................................... 303 7. Fontes e bibliografia.......................................................................................................... 316 8. Glossário ............................................................................................................................ 338 9. Anexos ................................................................................................................................ 341 13 Nota preliminar Nesta tese, os vocábulos das línguas bantu que aparecem aportuguesados nas fontes setecentistas são grafados de acordo com a documentação, salvo títulos nobiliárquicos, rios e outros topônimos, que seguem a grafia em kimbundu e o kikongo. Procuro seguir a grafia angolana oficial e a ortografia oficialmente padronizada destas línguas, para os termos que encontramos os equivalentes1. Não foi possível transcrever com rigor vários títulos políticos, cargos, funções do século XVIII que utilizam palavras em kimbundu (essa é uma limitação da autora que não fala kimbundu). Quando foi possível reconhecer títulos políticos já traduzidos em outras obras historiográficas, transcrevo o nome tal como o documento cita e indico entre colchetes qual seria a tradução mais aproximada. Exemplo: chefado Cabanga Cambango (provavelmente Kabanga kya Mbangu, identificado como soba da Ilamba no Livro dos Baculamentos2). Todas as palavras em outra língua que não a portuguesa e que não forem topônimos, etnônimos e títulos nobiliárquicos, são grafadas em itálico. Algumas palavras, cujo significado é importante para a análise, são melhor explicadas no glossário anexo. A indicação no texto é um asterisco. Por exemplo: kimbari*. Infelizmente não é possível saber com certeza como os centro-africanos da região, que ficou conhecida como Reino de Angola, chamavam a si mesmos no século XVIII. A identidade Ambundo é uma construção colonial e poderia reunir pessoas de diferentes origens e filiações políticas. Com certeza, esse vocábulo não dá conta dessa diversidade. Para Virgílio Coelho, o melhor vocábulo seria Tumundongo, que designa as populações originárias do antigo reino do Ndongo. O autor prefere usar este termo a Mbundu, largamente utilizado na historiografia, porque o segundo etnônimo, apesar de usado desde o século XVI na forma aportuguesada Ambundo, não “é o que corresponde em nenhum dos contextos àquele que é sugerido pela autoconsciência destas populações”. Ambundu (plural de Mbundu) significa 1 A grafia atual da língua kimbundu baseia-se no seu alfabeto e respectivas regras de transcrição constantes na Resolução n. 3/87 de 23 de maio de 1987 do Conselho de Ministros da República de Angola. O alfabeto kimbundu é composto pelos seguintes caracteres: a, b, c, d, e, f, h, i, j, k, l, m, n, o, p, s, t, u, v, w, x, y, z. As regras de transcrição aplicam os seguintes fonemas: mb, mp, mv, mf, nd, ng, nj, nz, ny. “Segundo Lepsus, tanto o C como o Q correspondem a K; o GE e o GI correspondem a um som gutural (gue, gui); O átono do final das palavras deve ser representado por U; o S equivale foneticamente a ce/ci/ç e nunca Z”. José Delgado In: Antonio de Oliveira Cadornega, História das Guerras Angolanas (1680). Anotado e corrigido por José Matias Delgado. Lisboa: Agência-geral do Ultramar, 1972, v. III, p. 611 apud Aida Freudenthal, Selma Pantoja (ed.). Livro dos Baculamentos: que os sobas deste Reino de Angola pagam a Sua Majestade (1630). Luanda: Ministério da Cultura e Arquivo Nacional de Angola, 2013, p. 27. 2 Aida Freudenthal, Selma Pantoja (ed.). Livro dos Baculamentos, p. 50. 14 “negros” e seria uma elaboração de grupo étnico ou de povo “forjada pelos portugueses para designar um vasto conjunto de populações que falam a mesma língua, o Kimbundu”. O autor também considera que Kamundongo (singular de Tumundongo), por motivos desconhecidos, passou a ter uma conotação pejorativa em Angola. Coelho utiliza Kimbundu como substitutivo de Mbundu e usa o vocábulo para indicar comunidade, cultura, língua, gemealidade no espaço cultural, povos, sistema. Isso porque para a “designação da noção de povo ou comunidade é comum estas populações utilizarem o termo akwa”. No caso, Akwakimbundu, os Kimbundu, “populações – ou comunidade – que falam a língua kimbundu”3. Assumo que Ambundos não é o melhor termo para fazer referência aos centro- africanos do antigo Reino de Angola pois, sem dúvida, ele traz a perspectiva colonial. Portanto, ele carrega todas as consequências do olhar europeu sobre os africanos na época, é um termo preconceituoso, com objetivo de depreciar essas populações. Por outro lado, fazer uso de um etnônimo atual, seria incorrer no anacronismo, pois não podemos presumir que uma identidade étnico-linguística atual tenha sido a mesma reclamada pelos centro-africanos há séculos atrás. Portanto, ciente de que as identidades são construções históricas que se transformam ao logo do tempo, prefiro me ater ao nome Ambundo porque é o que os registros históricos utilizam. Nas línguas bantu o plural das palavras é na maioria das vezes formado pelo acréscimo de um prefixo (ex: kilamba, plural ilamba). No caso de Ambundo, por ser uma forma aportuguesada de Mbundu e porque quero enfatizar que se trata de uma construção colonial, seguirei o padrão português de pluralização ou inflexão de gênero (Ambundos, Ambunda). Ainda assim, reconheço que este assunto não é consensual e pode trazer muitosproblemas. Peço ao leitor que, ao ler o vocábulo Ambundos nesta tese, não o relacione ao Mbundu e à sua tradução “pretos” ou “escravos”, porque de forma nenhuma esta é a minha leitura. Ao ler Ambundo, leitor, compreenda que nosso conhecimento histórico sobre os centro-africanos ainda é limitado e, especialmente, que desconhecemos como chamavam a si próprios, no século XVIII. Feitas essas ressalvas, espero que, no decorrer do texto, possa evidenciar o ponto de vista dos centro-africanos a respeito da história que quero contar, ainda que recorra a um etnônimo criado por agentes coloniais. 3 Virgílio Coelho, Em busca de Kàbàsà. Uma tentativa de explicação da estrutura político-administrativa do reino de Ndòngò. Luanda, Kilombelombe, 2010, p. 203 e 204, nota 1, p. 364. 15 INTRODUÇÃO Pedro Manoel era um fundidor Ambundo do interior de Angola, no século XVIII. Seu ofício era complexo e desgastante, por isso contava com a ajuda de auxiliares e aprendizes, sempre acompanhado por dois “tocadores de foles”. Os ajudantes rasgavam serras de pedra em busca de minério de ferro, que era partido em pedaços pequenos para ser mais bem fundido. Esse era só o começo do trabalho: era preciso cortar lenha, preparar o carvão, construir o forno, recolher feixes de papiro, controlar meticulosamente o tanger dos foles, entre outras tarefas. Por meio de métodos específicos que misturavam conhecimentos práticos com saberes secretos, do mundo invisível, adquiridos pelos seus antepassados e aperfeiçoado durante muitas gerações, Pedro fabricava um ferro de excelente qualidade1. Qual era o segredo? Bem, essa é a pergunta que muitos estrangeiros de passagem por Angola se fizeram e que o governador Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho (1764- 1772) se empenhou, particularmente, em obter uma resposta. Pedro Manoel não era um raro fundidor na região, ao contrário, havia muitos fundidores e ferreiros dispersos por uma área rica em minério de ferro, nas proximidades de Luanda, chamada a Ilamba. Coutinho, seguindo as diretrizes das reformas pombalinas e ciente dos altos custos do ferro europeu, vislumbrou uma alternativa para suprir com aquele metal valioso não apenas Angola, mas também o Brasil e Portugal, e quem sabe conquistar novos mercados: construir uma fábrica de ferro. O empreendimento não seria modesto, idealizou uma fábrica para fundir a artilharia necessária a todo o império, não só de ferro, de bronze também. Em homenagem ao grande inspirador de seus projetos, o conde de Oeiras, a fábrica se chamou Nova Oeiras. O que Pedro Manoel, o fundidor, pensou de tudo isso? Essa é uma resposta difícil de encontrar nas fontes, seu nome e seu ofício são praticamente tudo que sabemos sobre ele. Porém, enquanto grupo de artífices, os ferreiros e fundidores, ele e seus companheiros 1 Certidão de José Francisco Pacheco, inspetor das obras da fábrica, sobre o estado da fábrica de ferro. São Paulo de Assunção de Luanda Luanda, 13 de março de 1773. AHU_CU_001, Cx. 52, D. 28. 16 deixaram algumas impressões sobre a fábrica de ferro, nas entrelinhas da documentação oficial. Na fábrica de ferro, muitos ferreiros e fundidores eram dependentes de chefados africanos dessa região. O ponto de vista dessas chefias está expresso de forma mais evidente nas fontes. Na estrutura hierárquica do Reino de Angola, os chefados africanos assumiam posições de destaque e eram eles que controlavam minas de ferro e a mão de obra de seus dependentes. De forma geral, a dependência do governador, que queria construir a fábrica, em relação aos sobas que enviariam os trabalhadores é um dos principais embates e pontos de discussão dessa tese. Em que termos ocorria essa parceria, em que condições, quais as consequências tanto para os chefes, quanto para seus súditos são questões que guiaram a escrita do presente texto; as indagações vão no sentido de compreender essa história do ponto de vista dos Ambundos: de gente como Pedro Manoel, os ferreiros e fundidores da Ilamba, dos chefados africanos, que tiveram de lidar com projetos e ações que lhes foram impostos pelos agentes coloniais. Em abril de 1765, o governador de Angola, Francisco de Sousa Coutinho deu início às pesquisas sobre a mineração do ferro no Reino de Angola que levaram à construção da Real Fábrica do Ferro de Nova Oeiras. A ideia inicial era estabelecer duas fábricas e, para tanto, seriam fundadas duas povoações civis para ampará-las com o cultivo alimentos e o fornecimento de trabalhadores. Na fábrica da Ilamba (região localizada entre os rios Kwanza e Mbengu) se exploraria o “ferro da terra”, ou seja, seria necessário abrir galerias subterrâneas para explorar o minério. Ela ficaria na povoação de Novo Belém e levaria o seu nome, junto ao rio Nzenza, que permitiria a condução do metal até a cidade de Luanda. A outra fábrica exploraria as serras de “ferro da pedra” que se localizam na confluência dos rios Lukala e Luinha (afluentes do rio Kwanza), na jurisdição de Massangano, junto à povoação de Nova Oeiras2. A documentação sobre a Fábrica de Novo Belém não é tão extensa quanto a que versa sobre a de Nova Oeiras, mas indica que ali foi produzido ferro sob a administração do intendente João Baines de 1765 a 1768. Não sendo possível explorar o ferro da terra, ou seja, 2 O rio Lukala é o maior afluente do rio Kwanza, atravessa as províncias do Uíge, Malanje e Kwanza Norte. O rio Luinha liga os municípios de Cazengo e Golungo Alto. Decidimos manter o vocábulo “fábrica” porque é o que encontramos na documentação setecentista, seu significado se restringe a esse período histórico, se aproximando ao vocábulo de Bluteau cuja definição é “a casa ou a oficina em que se fabricam alguns gêneros”. Portanto, não deve ser associado às grandes indústrias do Sistema Fabril. Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino, 10 v. Lisboa/ Coimbra: Colégio da Cia. de Jesus, 1712-1728, verbete “fábrica”. 17 “rasgar a terra”, em 1768, o governador mandou que as fábricas fossem unidas em Nova Oeiras, enviando todo o ferro ali produzido e todos os trabalhadores de Novo Belém para aquele local3. Os trabalhos acadêmicos sobre Angola no século XVIII, em algum momento se detêm na história da imponente fábrica de ferro cujas ruínas permanecem grandiosas até os nossos dias. Sobretudo aqueles que pesquisam a administração do governo de Francisco de Sousa Coutinho, conhecido como o “administrador filósofo”, analisam a fábrica como o símbolo dos projetos da conquista portuguesa de Angola e seu hinterland. Gastão de Sousa Dias, Ralph Delgado, Jofre Amaral e Antonio da Silva Rego são autores de obras que enaltecem a figura de Sousa Coutinho e para quem a fábrica de ferro era um exemplo da genialidade de seu governo e das potencialidades do colonialismo português. Escritas durante o Estado Novo, essas obras revelam seu comprometimento com a perspectiva colonial, justificando as ações dos agentes coloniais4. A historiografia tem renovado as interpretações sobre o governo de Sousa Coutinho e da fábrica de ferro, criticando a abordagem dos autores citados. Nas dissertações de Ana Madalena Trigo e Sousa, de Mônica Tovo Machado e na tese de Flávia de Carvalho encontramos referências documentais e estudos que se voltam para o ponto de vista africano dessa história5. A leitura desses trabalhos foi muito importante para compor a presente análise, embora eles tenham abordado tangencialmente a história de Nova Oeiras. 3 Gastão de Sousa Dias. D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em Angola. Lisboa: Editorial Cosmos, 1936, p. 39. 4 Gastão de Sousa Dias, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, AdministraçãoPombalina em Angola; Jofre Amaral Nogueira, Angola na época pombalina. O governo de Sousa Coutinho. Lisboa: [s. n.], 1960; Antonio da Silva Rego, “A Academia Portuguesa da História e o II centenário da fábrica de Ferro em Nova Oeiras, Angola”, In: Coletânea de Estudos em honra do prof. Dr. Damião Peres. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1974, p. 385-398; Ralph Delgado, “O Governo de Sousa Coutinho em Angola”. In: Stvdia, nº 6, 1960, p. 19-56, nº 7, 1961, p. 49-86, nº1 0, 1962. Ver também: Maria Teresa Amado Neves, “D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho: Aspecto moral da sua acção em Angola”. In: I Congresso de História da Expansão Portuguesa no Mundo. Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografia, 1938, p.120-150; A. Fuentes, “Dom Francisco Inocêncio de Souza Coutinho. Esboço de uma obra que se perdeu”, Boletim do Instituto de Angola, nº 4, 1954, p. 35-40; Marques do Funchal, O Conde Linhares. Lisboa: s/l, 1950. 5 Ana Madalena Trigo de Sousa, D. Francisco de Sousa Coutinho em Angola: Reinterpretação de um Governo 1764-1772. Dissertação (Mestrado em História). Funchal / Lisboa: Universidade de Nova Lisboa, 1996. É um trabalho de densa análise de fontes que não tem sido revisitado como merecia pela historiografia; Mônica Tovo Soares Machado, Angola No Período Pombalino: O Governo De Dom Francisco Inocêncio De Sousa Coutinho – 1764-1772. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras E Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1998; Maria Adelina de Figueiredo Batista Amorim, “A Real Fábrica de Ferro de Nova Oeiras. Angola, Séc. XVIII”. Clio, Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, v. 9, 2003, p. 189-216; Patrícia Bertolini Gonçalves, “Iluminismo e administração colonial. Angola vista por brasileiros no século XVIII”. VIª Jornada Setecentista; conferências e comunicações. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2006, p. 481-490; Ana Madalena Trigo de Sousa, “Uma tentativa de fomento industrial na Angola setecentista: a “Fábrica do Ferro” de Nova Oeiras (1766-2772)”. Africana Studia, n. 10, 2007, p. 291-308; Flávia Maria de Carvalho, Sobas e homens do rei: interiorização dos portugueses em Angola (séculos XVII e XVIII). Maceió: Edufal, 2015. Ver 18 Incontornáveis também são os estudos de Catarina Madeira Santos, em que a construção de Nova Oeiras é vista como parte do projeto de um “governo polido” para Angola, concepção diretamente relacionada à história das ideias e do Iluminismo que envolveu um esforço colonial para fazer de Angola, mais que uma feitoria, uma colônia de povoações civis. A autora interpreta a edificação da fábrica de Nova Oeiras como um “dispositivo de governo”, em outras palavras, “um conjunto heterogéneo que comporta discursos, instituições, arranjos arquitetônicos, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, propostas filosóficas, morais”. No final de sua narrativa das condições que possibilitaram instaurar um governo polido em Angola, a fábrica surge como um símbolo máximo desse esforço ilustrado6. Esta tese cita em muitos momentos essa historiografia, que se dedicou a compreender quais foram os projetos coloniais, as instituições criadas, os mecanismos de governo da administração portuguesa para o Reino de Angola setecentista. É importante ressaltar que encontramos nela o interesse em abordar como as populações africanas lidaram, na prática cotidiana, com essas imposições externas. Contudo, nossa proposta segue por outro caminho; o interesse é inverter o ponto de vista de análise e abordar o tema da fábrica de ferro a partir das determinações locais, das escolhas das lideranças africanas e, assim, analisar as tensões sociais e políticas envolvidas na instalação de um projeto desta monta nos sertões próximos de Luanda. Em outras palavras, por meio da análise de algumas fontes inéditas ou de documentos já conhecidos, mas analisados sob outra perspectiva e à luz do debate historiográfico atual, nosso ponto de partida não é o estado português, o governo, a cultura ilustrada, o cientificismo do século das Luzes; antes, nos interessam as relações sociais dos atores locais – os sobas, seus súditos, os ilamba, os imbari, os trabalhadores da fábrica, centro-africanos, europeus, luso-africanos, estrangeiros em suas relações com os funcionários régios, os negociantes, os sertanejos. Se, por um lado, temos vasta bibliografia sobre as experiências da elite administrativa, em contrapartida, ainda há muito o que fazer para conhecer melhor o que os centro-africanos pensavam, como agiam, resistiam, negociavam, se acomodavam e como refletiam sobre o que estava acontecendo com eles e com seu mundo. Ao focalizar o ponto de vista dos Ambundos e concentrar a análise nas dinâmicas internas a Angola, esta tese dialoga, necessariamente, com a bibliografia africanista. Para também: José Gentil Silva, “En Afrique portugaise: L'Angola au XVIIIe siècle”. Annales. Histoire, Sciences Sociales, 14e Année, n. 3, 1959, p. 571-580. 6 Catarina Madeira Santos, Um Governo “polido” para Angola : reconfigurar dispositivos de domínio (1750 c.1800), p. 21. 19 compreender a estrutura social e política do Ndongo, principal reino Ambundo, recorremos aos estudos clássicos que analisam proficuamente as características dos primeiros contatos entre portugueses e africanos, as resistências locais e seus desdobramentos durante a ocupação colonial. Jan Vansina e David Birmingham foram os pioneiros na mudança da perspectiva de análise sobre a história de Angola, a ênfase deixa de ser a ação missionária, a expansão “pacífica” portuguesa e recai sobre o ambiente sociopolítico dos Ambundos e o impacto da presença europeia sobre os mais variados aspectos da vida dos africanos. John Thornton é herdeiro desses estudos, nas suas pesquisas sobre a configuração política do Reino do Kongo, dos séculos XV até meados do XVIII, enfatizou as transformações internas daquele reino como determinantes de seu destino mais que as pressões externas da colonização ou do tráfico de escravos. Joseph Miller, na mesma direção, porém baseado na tradição oral Mbangala, traçou a história dos “Estados Mbundu” assentados na concentração do poder em linhagens matrilineares específicas e suas continuidades no decorrer do tempo. Beatrix Heintze é a autora que mais tem se dedicado à história de Angola nos séculos XVI e XVII, privilegiando a formação política e social do Ndongo e os contatos com os portugueses durante a expansão do domínio colonial. Por fim, Em Busca de Kábàsà, de Virgilio Correa, traz para o centro do debate os modos de vida e visão de mundo, traços étnicos, linguísticos e simbólicos próprios dos “Kimbundos”7. Como a fábrica de ferro foi construída no coração da Ilamba, região de longo contato com os portugueses, nos interessou conhecer a história da micro-politica dos chefados africanos e de suas alianças com o poder colonial. Foram fundamentais, aqui, os escritos de Jill Dias e Isabel de Castro Henrique, que informam sobre a história dos microcosmos políticos e sociais no interior da África, a formação de novas identidades ambíguas que ora colaboram e negociam, ora resistem e recusam a presença colonial. Apoiada nesses autores, pudemos avançar na reconstituição de aspectos da trajetória dos títulos políticos dos líderes 7 Dentre os estudos clássicos que analisaram a África Centro-Ocidental que enfatizaram a formação política dos estados africanos ver especialmente: Jan Vansina, Kingdoms of the Savanna. Madison: Wisconsin University Press, 1966; David Birmingham, Trade and conflict in Angola: the Mbundu and their neighbours under the influence of the Portuguese, 1483-1790. Oxford: Clarendon Press, 1966; Jan Vansina, How societiesare born: governance in West Central Africa before 1600. Charlottesville: University of Virginia Press, 2004; The Kingdom of Kongo: Civil War and Transition 1641-1718. Madison: University of Wisconsin Press, 1983; Joseph C. Miller, Poder político e parentesco: os antigos Estados Mbundu em Angola. Trad. Maria da Conceição Neto. Luanda: Arquivo Histórico Nacional de Angola, 1995; Beatriz Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII. Estudos sobre Fontes, Métodos e História. Luanda: Kilombelombe, 2007; Linda M. Heywood, John K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundations of the Americas, 1585–1660. New York: Cambridge University Press, 2007; Virgílio Coelho, Em busca de Kábàsà: Uma tentativa de explicação da estrutura político-administrativa do reino de Ndòngò. Luanda, Kilombelombe, 2010. 20 linhageiros, principalmente, nessa região que no século XVIII compõe o sertão próximo da cidade de Luanda8. Outro ponto importante da tese é a análise dos mecanismos de exploração local do trabalho de africanos. Para isso, foi preciso compreender as mudanças nas relações de trabalho ao longo do tempo e como a iniciativa colonial regulamentou a prestação de serviços dos dependentes dos chefes linhageiros. Partimos do pressuposto de que os modos de estabelecer o domínio colonial estão necessariamente relacionados às formas de controle do trabalho dos africanos. Esse tema não é abordado pela historiografia que tratou das relações firmadas pelos tratados de vassalagem entre portugueses e africanos9, e constitui mais uma contribuição oferecida por essa tese. Um estudo singular sobre o trabalho de centro-africanos e que reflete sobre a legislação do trabalho é a dissertação de Elaine Ribeiro dos Santos, sobre os trabalhadores na expedição de Henrique Dias de Carvalho (1884-1888). A autora reconstrói a experiência de carregadores, guias e intérpretes a partir da obra do militar português, demarcando suas práticas cotidianas e estratégias de resistências junto ao comando da expedição e às autoridades africanas10. A produção acadêmica sobre o trabalho africano na África, livre, obrigatório, compelido, penal se concentra na segunda metade do século XIX e no século XX11. Ao mesmo tempo, a historiografia sobre a sociedade angolana, em períodos anteriores, dedica-se majoritariamente à análise do tráfico de escravos. Embora julguemos o tráfico um elemento fulcral da história de Angola, o presente estudo é uma contribuição à história social do trabalho africano no século XVIII. Evidentemente, há diversas conexões com o tráfico negreiro, mas o objetivo, aqui, é discutir como se formaram as fronteiras entre as diferentes 8 Entre outros: Jill Dias, “Changing patterns on power in the Luanda hinterland, the impact of trade and colonization on the Mbundu ca. 1845-1920”. Paudema, 32, 1986, p. 285-318; Jill Dias, “O Kabuku Kambilu (c. 1850-1900). Uma identidade política ambígua”. In: Actas do Seminário Encontro de povos e culturas em Angola. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997, p. 15-52; Isabel de Castro Henriques, Percursos da Modernidade em Angola: dinâmicas comerciais e transformações sociais no século XIX. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1997. 9Beatriz Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII, 2007; Catarina Madeira Santos, “’Escrever o poder’. Os autos de vassalagem e a vulgarização da escrita entre os africanos: o caso dos Ndembu em Angola (séculos XVII- XX)”. International symposium Angola onthe Move: Transport Routes, Communication, and History, Berlin, 24- 26 September 2003; Flávia Maria de Carvalho, Sobas e homens do rei, 2015. 10 Elaine Ribeiro dos Santos, Barganhando sobrevivências: os trabalhadores centro-africanos na expedição de Henrique de Carvalho (1884-1888). Dissertação (Mestrado em História). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010. 11 Entre outros: Adriano Parreira e Dale T. Graden, “África em debate: uma herança identitária - o trabalho forçado”. In: Africana Studia, n. 5, 2010, p. 135-168; Jeremy Ball, “Relatos de investigação sobre o trabalho forçado em Angola na era colonial”. In: Actas do II Encontro Internacional de História de Angola. v. II. Luanda: Arquivo Nacional de Angola; Ministério da Cultura, 2015, p. 79-110. 21 modalidades de trabalho que coexistiram no sertão centro-africano, em especial na fábrica de Nova Oeiras. Um debate historiográfico central é o que se detém sobre o impacto do tráfico transatlântico de escravos nas sociedades africanas. Há historiadores que defendem que nem o tráfico, nem o fim do comércio tiveram repercussões profundas na história do continente. David Eltis, por exemplo, assume essa perspectiva principalmente no que se refere ao peso demográfico do tráfico, afirmando que para Ashanti, do ponto de vista de estimativas populacionais, o tráfico pode nunca ter sido importante. Para Thornton, é errôneo imaginar que os europeus impuseram o tráfico aos mercadores e líderes políticos africanos, uma vez que, eles “não sofreram pessoalmente as perdas de grande escala e mantiveram suas transações”. Esses e outros autores estavam combatendo a ideia de um África eterna, de sociedades que só sofreriam mudanças significativas face à estímulos externos12. Outros estudiosos foram além da pesquisa demográfica e analisam os impactos da economia atlântica nas mudanças da própria escravidão interna, no continente13. Para Angola, muitos autores relacionam o tráfico transatlântico com transformações prementes seja na guerra, na expansão colonial, nas redes de endividamento criadas pelo trato de escravos, nas transformações na estrutura política Ambunda, entre outros fatores14. Nesta tese, percebemos como o tráfico de escravos é fator estruturante das sociedades que se envolveram na construção de Nova Oeiras. Ademais, analisamos o século XVIII, período auge do tráfico de escravos e em que o contato com os europeus e o comércio de cativos eram de longa data, sobretudo na Zona Atlântica, no hinterland de Luanda. 12 David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. New York: Oxford University Press, I987, p. 77; John Thornton, A África e os Africanos na formação do mundo atlântico, 1400- 1800, p. 122-125, 152. Entre outros, ver também: J. D. Fage, “Slavery and the Slave Trade in the Context of West African History”. The Journal of African History, 10(3), 1969, p. 393-404; Philip Curtin, Economic Change in Precolonial Africa: Senegambia in the Era of Slave Trade. Madison: University of Wisconsin Press, 2 v., 1975. 13 Paul Lovejoy, Transformations in slavery: a history of slavery in Africa [1983]. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; Patrick Manning, “Contours of Slavery and Social Change in Africa”. The American Historical Review, 88(4), 1983, p. 835-857; Frederick Cooper, Plantation Slavery on the East Cost of Africa. Portsmouth: Heinemann, 1997; Para um debate anterior, discutindo questões demográficas e sociais, ver: Walter Rodney, How Europe Underdeveloped Africa. Londres: Bogle-L’Ouverture Publications, 1972; Joseph Inikori, Forced migrations: The impact of the export slave trade on African Societies. London: Holmes and Meier, 1982. 14 Entre outros estudos: Jill Dias, “Changing patterns on power in the Luanda hinterland, the impact of trade and colonization on the Mbundu ca. 1845-1920”, 1986; Isabel de Castro Henriques, Percursos da Modernidade em Angola, 1997; Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII. Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda: Kilombelombe, 2007; José Curto, “Un buttin illégitime: razias d’esclaves et relations luso-africanes das la région des fleuves Kwanza et Kwango em 1850”. In: Isabel de Castro Henriques, Louis Sala-Mollins (ed.). Déraison, Esclavage, et Droit: les fondements idéologiques et juridiquesde la Traite Négrière et de l’Esclavage. Paris: Unesco, 2002; Roquinaldo Ferreira, Transforming Atlantic Slaving. Trade, Warfare and Territorial Control in Angola, 1650-1800. Tese (Doutorado) - University of California, Los Angeles, 2003; Beatriz Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII, 2007. 22 No que tange aos circuitos do comércio de cativos e a história das relações entre o trato na África e seus links com o tráfico transatlântico, Way of death é referência indispensável15. Entre aqueles que se dedicam à história social no Reino de Angola, destaco, em especial, os estudos recentes de Roquinaldo Ferreira, sobre as conexões entre Angola e Brasil, e de Mariana Candido, primeiro estudo exaustivo sobre a história de Benguela, com ênfase na cultura e na sociedade africanas. O tráfico de escravos continua a ser um problema central nestes estudos, mas eles diferem de outras abordagens porque seus autores pretendem contribuir com uma análise qualitativa, buscando traçar as trajetórias de vida daqueles que se envolveram no tráfico e compreender os mecanismos de escravização, as formas de resistência e as consequências do tráfico de acordo com as experiências dos africanos e seus descendentes. Como herdeiros de estudos precedentes, destacam o papel das “pessoas que construíram esses lugares [Benguela e Luanda] e o[s] inseriram na economia global”16. Esta tese dialoga mais de perto com essa historiografia que parte da perspectiva da história social, inscrita na expressão inglesa: the history from below. A história “vista de baixo” reuniu historiadores que ampliaram os limites da disciplina ao se voltarem para a história das experiências de homens e mulheres das classes subalternas. Uma abordagem dos processos históricos negligenciada nas narrativas clássicas que privilegiaram os grandes acontecimentos e as personagens ilustres, ou ainda, que não foi considerada nas análises estruturalistas dos historiadores marxistas. Este movimento historiográfico, que tem como principais representantes Edward Thompson e Eric Hobsbawm é tributário do estudo pioneiro de George Rudé, A multidão na história (1961), sobre os movimentos populares na França e Inglaterra (1730-1848), especificamente greves, motins, rebeliões, insurreições e revoluções17. Seguindo essa tradição teórica, Thompson se debruçou sobre a História do Trabalho para além das temáticas das instituições, sindicatos, grandes lideranças, e se ocupou sobretudo da cultura dos operários, seus costumes, valores, modos de vida, suas experiências. 15Joseph C. Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830. Madison: University of Wisconsin Press, 1988. 16 Roquinaldo Ferreira, Cross-Cultural exchange in the Atlantic World. Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade. New York: Cambridge University Press, 2012; Mariana P. Candido, An African Slaving Port and the Atlantic World. Benguela and Its Hinterland. Nova York: Cambridge University Press, 2013, p. 24;.No Brasil, os programas de pós-graduação têm incentivado (sobretudo após a lei nº 10.639 que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino) o estudo da cultura e das sociedades africanas. O tema da Angola setecentista tem sido revisitado e importantes contribuições surgiram recentemente como o livro de Flávia Maria de Carvalho, Sobas e Homens do Rei: relações de poder e escravidão em Angola (séculos XVII e XVIII). Maceió: EDUFAL, 2015. Ingrid de Oliveira, Textos militares e mercês numa Angola que se pretendia reformada: Um estudo de caso dos autores Elias Alexandre da Silva Correa e Paulo Martins Pinheiro de Lacerda. Tese (Doutorado em História), Niterói: Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, 2015. 17 George Rudé, A multidão na história: estudo dos movimentos populares na França e Inglaterra, 1730-1748. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 23 O conceito de experiência para Thompson “é indispensável ao historiador, já que compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento”. De forma mais clara, para este autor, “a experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo”18. Como nosso enfoque é a história do trabalho, esse é um recorte teórico basilar e que também tem sido empregado por africanistas que reconstroem as trajetórias de trabalhadores africanos nos séculos XIX e XX19. Ademais, essa tese compartilha da perspectiva afrocêntrica, na medida em que traz para o centro da narrativa o papel dos africanos na história, ao mesmo tempo em que quer ser mais que uma alternativa às versões eurocêntricas sobre a história da África e dos africanos. Como explicitou o historiador Ki-Zerbo, o objetivo não é “construir uma história- revanche, que relançaria a história colonialista como um bumerangue contra seus autores, mas de mudar as perspectivas e ressuscitar imagens esquecidas ou perdidas”20. Por isso pretendemos colocar a agência dos Ambundos e seus descendentes em relevo, porque entendemos que é somente na análise das redes de sociabilidade que estabeleceram com portugueses, outros europeus, outros africanos, que conseguimos apreender suas experiências, sua visão de mundo, suas escolhas. Essa é uma história das tensões entre os interesses das muitas personagens que circulam pelos sertões de Angola no Setecentos, identificando relações de domínio, estratégias de resistência, acomodação, negociação. Por isso, é preciso deixar de lado as construções binárias “colonizador/colonizado, ocidente/não-ocidente e dominação/resistência”. Mesmo considerando que tais dualidades possam ser “mecanismos úteis para iniciar o estudo de questões de poder”, elas acabam por limitar “a pesquisa sobre a 18 E. P. Thompson, A miséria da teoria ou um planetário de erros. Uma crítica ao pensamento de Althusser. Trad, de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 15 e 16. Nas palavras de Jim Sharpe: “Thompson, assim, identificou não apenas o problema geral de reconstruir a experiência das pessoas comuns. Ele também enfatizou a necessidade de tentar entender as pessoas no passado, tanto quanto for possível ao historiador moderno, à luz de suas próprias experiências e de suas próprias reações a essa experiência”. Jim Sharpe, “History from below”. In: Peter Burke (ed). New Perspectives on Historical Writing. The Pennsylvania State University Press, 1992, p. 26. 19 Frederick Cooper, “Work, Class and Empire: An African Historian's Retrospective on E. P. Thompson”. Social History, v. 20, n. 2, 1995, p. 235-241. 20 Joseph Ki- Zerbo, Introdução, In: Joseph Ki- Zerbo (ed). História geral da África I: metodologia e pré- história da África. 2° ed. revista. Brasília: UNESCO, 2010, p. XXXV. Sobre a perspectiva afrocêntrica, ver: Paulo Fernando Moraes de Faria, “Afrocentrismo: entre uma contranarrativa histórica universalista e o relativismo cultural”. Afro-Ásia, n. 29/30, 2003, p. 340 ; Mohamed Mbodj, “Le point de vue de Mohamed Mbodj”. Politique Africaine, n. 79, 2000/3, p. 167 e 168 ; Steven Feierman, “African histories and the dissolution of world history”. In: R. H Bates; V. Y. Mudimbe; J. O’Barr (ed.). Africa and the disciplines: the contributions of research in Africa to the Social Sciences and Humanities. Chicago: University of Chicago Press, 1993, p. 186. 24 forma exata pela qual o poder é difundido e as formas como esse poder é engajado, contestado, desviado e apropriado”21. Por fim, o interesse particular na história da fábrica de ferro não tem por objetivoescrever uma história monográfica. Antes consideramos importante o jogo entre as escalas de análise proposto pela metodologia que ficou conhecida como micro-história. Com a possibilidade de variar a escala e assim construir o macro pelo micro, consideramos a reconstituição de elementos das histórias dos sobas, trabalhadores, funcionários régios que conviveram em Nova Oeiras como um recurso metodológico fundamental para alcançar nossos objetivos22. Por meio delas será possível lançar novas interpretações sobre a história social dos Ambundos. Para alcançar tais objetivos teóricos, foi preciso ler as fontes com um novo olhar e enfrentar uma dificuldade comum a todos os pesquisadores que querem, por meio de documentos administrativos coloniais, identificar as vozes dos que se pretendiam subjugados. Achille Mbembe discorre sobre a distribuição do olhar em um contexto colonial, descrevendo o europeu que observa o africano: “um certo modo de distribuição do olhar acaba por criar o seu objeto, por fixá-lo e por destruí-lo ou, ainda, por restituí-lo ao mundo, mas sob o signo da desfiguração ou, pelo menos, de um ‘outro eu’, um eu objeto, ou ainda um eu-à-parte. Determinado modo de olhar tem de fato o poder de bloquear a aparição do terceiro e a sua inclusão na esfera do humano”23. A perspectiva das autoridades portuguesas que redigiram grande parte dos documentos que selecionamos negligenciou a descrição e a participação do “terceiro”, do outro africano como um sujeito histórico passível da mesma complexidade dos europeus e, por isso mesmo dotado de uma visão de mundo, conhecimentos, cultura e linguagem igualmente multifacetados. Ainda que a voz dos africanos não assuma o protagonismo no momento da produção desses documentos, acreditamos em poder localizar neles aspectos de suas experiências. Suas vozes se fazem presente mesmo que como indícios esparsos - frases, pequenas observações, resumos de suas ideias e falas. Na reunião destas pistas, com o cruzamento sistemático da documentação, é possível conhecer a perspectiva africana desta história. Carlo Ginzburg comenta essa natureza dialógica das fontes, ao tratar dos processos inquisitoriais. Se o diálogo se inscreve na premissa de que nos documentos as 21 Frederick Cooper, “Conflito e conexão: repensando a História Colonial da África”. Anos 90, v. 15, n. 27, 2008, p. 23. 22 Paul-André Rosental, “Construir o ‘macro’ pelo ‘micro’: Fredrik Barth e a ‘microstoria’”, In: Jacques Revel (org.). Jogos de escalas, 1998, p. 151-172. 23 Achille Mbembe, A crítica da razão negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, p. 191 25 “diferentes personagens são vistas como forças conflitantes”, nem sempre é fácil detectar as vozes distintas que estão expressas nas fontes históricas. Por vezes o historiador é tentado a observar “por sobre os ombros” do inquisidor, “seguindo as suas pegadas”, deixando-se levar pela percepção de um juiz, esquecendo-se que este é apenas uma das vozes contraditórias do processo24. Assim como Ginzburg, ao procedermos a análise das nossas fontes, temos de resistir à interpretação colonial sobre os africanos, aos juízos de valor, aos filtros das autoridades portuguesas e nos esforçar para entender o ponto de vista africano ali inscrito. Stuart Schwartz adensa essa reflexão ao lembrar que as narrativas construídas por colonizadores e colonizados têm uma via de mão dupla. Para este autor, todo conhecimento colonial foi fundamentado nos encontros culturais, nas etnografias implícitas. Com isso, Schwartz quer dizer que dos dois lados dos encontros comerciais, militares e/ou plenamente coloniais, os “membros de cada sociedade mantinham ideias, frequentemente não enunciadas, de si próprios e dos ‘outros’, e das coisas que lhes davam tais identidades”, um conhecimento que não precisava ser articulado, mas que permeava os modos como as pessoas pensavam e agiam. De forma geral, nas zonas de contato entre culturas diferentes ocorreram continuamente transformações nessas formas de percepção de si e do outro em uma “tensão dinâmica entre compreensões e expectativas prévias e novas observações e experiências”25. Esses conhecimentos tácitos se propagaram por meio de tratados, crônicas, memórias, instruções, cartas, leis, enfim uma variada tipologia de documentos que informam os pressupostos de uma cultura em relação à outra (mutuamente), ora reforçando estereótipos, ora reafirmando instrumentos de dominação e resistência. Na análise das fontes, consideramos importante atentar para as múltiplas vozes que as constituem, e assim analisar os pontos de vista e as estratégias dos variados súditos da Coroa portuguesa e de africanos que não estavam sob seu domínio, no contexto da colonização. Essas breves observações teórico-metodológicas são suficientes para indicar um dos procedimentos analíticos importantes adotados na pesquisa que sustenta essa tese, pois utilizamos uma documentação que é, essencialmente, oficial. Aparentemente, as séries de fragmentos oficiais oferecem apenas a perspectiva metropolitana ou de seus agentes coloniais. No entanto, resistindo a olhar sobre os ombros dos que produziram esses documentos, realizando uma leitura cuidadosa de seus elementos, como nos informa a bibliografia, é possível observar muitos aspectos sobre como os centro-africanos resistiram ao projeto de 24 Carlo Ginzburg, “O inquisidor como antropólogo”, Revista Brasileira de História, v.1, n.21, São Paulo: ANPUH/Marco Zero, p. 6-10. 25 Stuart Schwartz, Implicit understandings: observing, reporting and reflecting on the encounters between Europeans and other peoples in the early Modern Era, Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 2 e 3. 26 implantação de Nova Oeiras. Assim, além da visão da metrópole e de autoridades portuguesas sobre a fábrica de ferro, seus trabalhadores, os conhecimentos da fundição de ferro, essa documentação também permite conhecer, em uma leitura a contrapelo, muitos aspectos dos mundos do trabalho e das experiências africanas naquele contexto específico. Em sua maioria, as fontes aqui utilizadas são parte da correspondência entre o governo de Luanda e as autoridades do ultramar português, mais precisamente cartas e ofícios trocados entre o governador do Reino de Angola Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e os Secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1760-1769) e Martinho de Mello e Castro (1770-1795). Esta documentação está dispersa em arquivos no Brasil, Portugal e Angola26. Parte complementar e primordial deste conjunto de documentos é a correspondência - as cartas, bandos e portarias do governo de Angola – trocada entre o governador, os capitães-mores e os intendentes das reais fábricas do ferro, no interior de Angola. Este segundo conjunto foi coligido na visita ao Arquivo Histórico Nacional de Angola e se mostrou essencial para colhermos informações mais localizadas e específicas sobre o cotidiano da organização do trabalho no hinterland de Luanda. Boa parte dessa documentação já é conhecida pelos historiadores, porém o objetivo de reconstituir a história da fábrica de ferro “vista de baixo” exigiu que fizéssemos novas perguntas para essas fontes. Afinal, como disse Hobsbawm “não existe material algum até que nossas perguntas o tenham revelado”27. Além do trabalho junto a fontes textuais, é preciso considerar os registros visuais, as plantas, desenhos e mapas da região, povoação de Nova Oeiras, da fábrica de ferro e dos modos de produção e transformação do metal. Estas imagens - algumas inéditas - mostram a formação da povoação, as dimensões do edifício da fábrica, trazem a descrição em pormenor dos engenhos e ferramentas nas notas do naturalista José Álvares Maciel (emfins do século XVIII). 26 Estes documentos foram selecionados em um primeiro momento nos arquivos brasileiros: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sobretudo no PADAB (Projeto Acervo Digital Angola-Brasil), no Arquivo Nacional e na Fundação Biblioteca Nacional. Na segunda etapa, em Portugal, buscamos por estas fontes e pela bibliografia especializada no Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca Nacional de Portugal, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Sociedade de Geografia de Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, Arquivo Histórico Militar, Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, Biblioteca da Ajuda, Museu Nacional de Arqueologia, Museu Nacional de Etnologia, Biblioteca Municipal do Porto e Arquivo da Universidade de Coimbra. Como mestres biscainhos foram contratados para trabalhar em Nova Oeiras, visitamos alguns acervos na Espanha principalmente em busca de mais informações sobre as técnicas de fundição e forja do ferro: a Biblioteca Nacional da Espanha, o Arquivo Nacional da Espanha e o Arquivo Geral das Índias. 27 Eric Hobsbawm, “A história de baixo para cima”, In: Sobre história: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 215-232. 27 O texto está dividido em cinco capítulos: os dois primeiros apresentam características gerais de Angola no século XVIII e os restantes tratam de temáticas que considero mais relevantes. O primeiro capítulo oferece um panorama geográfico e demográfico, no século XVIII, de uma parte do antigo Reino do Ndongo que foi chamada de Reino de Angola e sua conquista pelos portugueses. Visa apresentar as tensões entre as autoridades centro-africanas e os agentes coloniais na segunda metade do Setecentos, quando há um esforço de interiorização colonial – expresso no projeto da fábrica de ferro. Segue-se a isso uma análise ao longo do tempo dos autos de vassalagem firmados entre os portugueses e os sobas, sob o ponto de vista das relações de trabalho. Descrever e problematizar como a região das minas de ferro dos Ambundos se tornou a Nova Oeiras de Sousa Coutinho é o tema do segundo capítulo. Primeiramente, analiso a relação dos africanos com as minas de ferro, como parte do território sagrado de seus ancestrais, já que tinham modos particulares de promover exploração dos minérios. Em seguida, mostro como a busca por metais foi uma característica importante da colonização portuguesa que, portanto, não mediu esforços para controlar as minas e explorá-las. São duas maneiras divergentes de ver o mesmo recurso natural e, como veremos, isso levou a embates e concessões. Há um longo conflito pelas terras onde as fábricas foram construídas; abordamos os interesses dos diferentes indivíduos que participam desse embate, procurando apontar os mecanismos que usam para legitimar a posse de terras. Nesta seção também trato do projeto colonial, da formação da povoação de Nova Oeiras, das várias fábricas que serviram de experiência para chegar ao projeto final e, por fim, da construção do edifício da fábrica. No terceiro capítulo, investigo a história do trabalho e dos trabalhadores em Nova Oeiras – africanos, biscainhos, portugueses, franceses, brasílicos. A ênfase recai na prática do recrutamento de trabalhadores africanos para as fundições de ferro. Delimitei, assim, as sobreposições e discrepâncias entre as diferentes formas de emprego desta mão de obra, uma vez que na fábrica coexistiram trabalho escravo, livre, obrigatório e penal. Ao investigar o que estava determinado nos acordos formais entre as chefias africanas e os portugueses, acompanho o processo que se tornou uma tradição supostamente local de legitimar alianças políticas – enviar trabalhadores a um soberano como tributo – em uma prática recorrente na administração colonial. Em uma escala de análise mais reduzida, focalizo os aspectos da vida cotidiana na fábrica, da divisão e do processo do trabalho. Este ajuste na objetiva permite mostrar a complexidade desta trama - o tecido social em detalhe - e revelar as estratégias dos soberanos africanos para manter sob seu domínio uma atividade milenar - a fundição e o comércio do ferro. Este é um capítulo sobre tensões entre diversos sujeitos, já em um 28 momento mais enraizado do cotidiano das relações de trabalho: governador, moradores, capitães-mores, sobas, ilamba, imbari entram em conflito repetidas vezes pelo domínio e controle do trabalho dos Ambundos vassalos. Aqui, meu diálogo com a historiografia da história social enraizada em contextos específicos é mais pungente, sobretudo no que diz respeito à precariedade que a situação colonial impôs aos vassalos Ambundos, os principais alvos da captura, do sequestro e da escravização ilegal. Ademais, tratei das técnicas de fundição e forja do ferro empregadas em Nova Oeiras pelos Ambundos – assunto do quarto capítulo. Destaco os significados do ofício de ferreiro para os centro-africanos - para quem essa ocupação tinha uma conotação mágico- religiosa. Recorro, para isso, às memórias que o degredado da inconfidência mineira José Álvares Maciel produziu entre 1795-1797, nas quais retrata detalhadamente suas experiências na fundição de ferro nessa região. Fora isso, trago para a tese a história da técnica de outros ferreiros que ali trabalharam, principalmente, portugueses e biscainhos. É um capítulo sobre como os trabalhadores, mais que fornecer sua força de trabalho para edificar Nova Oeiras, produziram conhecimentos imprescindíveis para o desenvolvimento da metalurgia. No quinto e último capítulo, comparo as versões da história da fábrica e da produção de ferro em Angola. Neste ponto, acompanho as razões do fracasso de Nova Oeiras, principalmente da inadequação técnica, já que os padrões de conhecimentos distintos (europeus, africanos, luso americanos) não conseguiram se adaptar ao interior de Angola no século XVIII, ou melhor, não foram capazes de criar uma forma de produção que maximizasse os recursos naturais e humanos. As ligações entre as conquistas portuguesas na América Portuguesa e no Reino de Angola eram intensas, sobretudo no século XVIII. Isto fica evidente nesta interlocução entre “sujeitos” dos dois lados do Atlântico e, no caso da elaboração e planejamento de fábricas de ferro nestas localidades, se observa também na correspondência entre Francisco de Sousa Coutinho e o governador de São Paulo, o morgado de Mateus. Tendo em vista estas questões, comparo duas experiências de exploração do ferro: a Fábrica de Nova Oeiras e a fábrica que seria os primórdios do que no século XIX se tornou a Fábrica de Ferro de Ipanema, no morro da Araçoiaba, em São Paulo. Por fim, toco no incontornável assunto do fracasso da fábrica de Nova Oeiras. Se existe algum consenso na historiografia é que a iniciativa fracassou - e as explicações para isso são muitas: a mudança de governador teria interrompido o projeto ilustrado de Sousa Coutinho; as minas de ferro não seriam produtivas o bastante para a fabricação em grandes quantidades; o clima do sertão levou à morte os mestres europeus para ali enviados, ficando o empreendimento sem trabalhadores especializados, entre outras. 29 Contudo, o fracasso é uma versão da história contada a partir do ponto de vista dos planos coloniais. Se invertermos a ótica, como propomos aqui, e passarmos à versão dos africanos, a conclusão pode ser diferente. A produção de ferro em Nova Oeiras pelos ferreiros, fundidores e tocadores de fole africanos com seus pequenos foles e fornos foi constante no século XVIII, mesmo depois do governo de Sousa Coutinho. Além disso, desde fins do XVIII até quando temos notícia, em meados do século XIX, os trabalhadores locais venderam suas barras de ferro à Fazenda Real. Portanto, podemosdizer que os centro- africanos foram bem-sucedido sem continuar a minerar o ferro à sua maneira, não se submeteram aos planos e conhecimentos coloniais. Nas fugas dos trabalhadores, na sua recusa em aprender as técnicas estrangeiras, nas estratégias dos sobas de ora colaborar, ora boicotar o projeto colonial, os africanos conseguiram preservar ao longo tempo seu domínio sobre a exploração do ferro. Por isso, consideramos que os planos de Sousa Coutinho para a fábrica de ferro fracassaram principalmente porque não encontraram colaboração permanente nas elites e nos trabalhadores africanos; o governo de Luanda fracassou em convencê-los do sucesso do empreendimento. Não queremos dizer com isso que a construção e o recrutamento para o trabalho na fábrica não causaram um impacto profundo nos sobados ao seu redor. Ao contrário, o que afirmamos é que a violência do trabalho na fábrica e dos maus-tratos e “pancadas” dos seus funcionários e a desagregação política e social das povoações africanas provocada pela deserção constante de homens que não queriam ser mandados para o trabalho na fábrica não foram suficientes para conter as resistências ao domínio colonial. 30 CAPÍTULO 1 UM TRIÂNGULO DESCONTÍNUO: O REINO DE ANGOLA NO SÉC. XVIII 1.1 Os Ambundos no Reino de Angola A República de Angola de hoje é muito diferente do que no século XVIII os portugueses chamaram de o “Reino de Angola e suas conquistas”, “conquista de Angola” ou, simplesmente, “Angola”. No último quartel do século XVIII, essa era uma área delimitada pela presença portuguesa na África Centro Ocidental que se localizava, segundo o governador Francisco de Sousa Coutinho (1764-1772), na latitude 8º48’que corresponde a uma das coordenadas geográficas atuais da cidade de Luanda (vila fundada em 1576 que foi elevada a foros de cidade em 1605). “Angola fica situada na altura de 8 graus e 48 minutos; e como ou pelo interesse que os antigos fizeram no sertão ou pela maior dificuldade das Costas ficou logo no princípio muito apartada na Costa, quase como o vértice de um triângulo de que os lados são o interior do país; por esta causa cinco léguas ao norte da Costa e dez ao sul já são terras que não reconhecem a El Rei Nosso Senhor”1. 1 Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, “Memórias do Reino de Angola e suas conquistas, escritas em Lisboa nos anos de 1773 e 1775”. BMP, Códice 437, documento 10. Antonio Parreira traz as seguintes medidas: 1 légua francesa = 3 milhas; 1 légua (1641) = 1 milha espanhola; 1 légua italiana = 3 milhas = cerca de 1250 m. Segundo Joaquim Monteiro, em “Um viagem redonda da carreira da Índia (1597-1598)”, uma légua portuguesa correspondia a 5920 m. Se considerarmos esse valor, significa que a soberania do rei de Portugal não era reconhecida à aproximadamente 29 km ao norte e 59 km ao sul da Costa de Luanda. Isso mostra o limitado traçado geográfico da influência portuguesa. Contudo, é preciso estar atento para “as diferenças dos valores dados para a mesma distância, quando calculada em dias ou jornadas, podem estar relacionadas com os diferentes ritmos de marcha, com as condições atmosféricas, o estado dos caminhos, com o peso transportado, e, em muitos casos, podem ser consequência de erros de estimativa e até de impressão ou escrita. (...) Os africanos no Kongo determinavam a distância das terras não por milhas ou espaço tal, mas em jornadas de homens carregados ou ligeiros”. Adriano Parreira, Economia e sociedade em Angola na época da Rainha Jinga (século XVII). Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 23 e 24. Joaquim Rebelo Vaz Monteiro, Uma viagem redonda da carreira da Índia (1597-1598). Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1985, p. 463. 31 Esta citação faz referência ao domínio restrito do território africano pelos portugueses. Os limites deste domínio teriam a forma de um triângulo descontínuo, seu vértice afastado na Costa representaria o porto, a fortaleza e a cidade de Luanda, seus lados seriam “o interior do país”, e outros vértices possivelmente eram o presídio de Encoge ao norte e de Pungo Andongo no sul. Assim, a conquista de Angola era uma pequena porção da África Centro-Ocidental que reconhecia o senhorio do rei de Portugal, cercada por domínios outros, que não estavam submetidos à jurisdição portuguesa. Isto porque ao norte e ao sul, reinos africanos resistiram à conquista europeia. Eles eram geralmente chamados de “potentados” nas fontes portuguesas e, ao longo do tempo, estabeleceram acordos políticos para intermediar relações comerciais com os estrangeiros, sobretudo no que se refere ao tráfico de escravos2. Contudo, a resistência à ocupação colonial não se fazia sentir apenas nas bordas descontínuas deste triângulo; ao contrário, o interior do Reino de Angola era formado por algumas unidades administrativas portuguesas, cercadas por banzas, sobados, ou seja, por unidades politicamente autônomas africanas, que haviam firmado acordos de vassalagem com o rei de Portugal. A própria toponímia dos sertões de Luanda era puramente africana, a povoação e fábrica de Nova Oeiras destoam do conjunto. Essa tensão geopolítica é uma das marcas mais expressivas da fragilidade territorial e política da presença europeia na região. Para Sousa Coutinho, o limitado recorte geográfico do Reino de Angola era a causa das fugas dos escravos da cidade de Luanda, que não perdiam a oportunidade de se deslocarem para a província de Kisama, imediatamente ao sul desta cidade (essa região só foi subjugada por Portugal no século XIX), para se livrarem da escravidão3. Ao Norte, além de potentados, havia concorrência do tráfico com comerciantes ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses que não se intimidavam com a fragilidade do domínio português: “já no ano de 1680 se mandavam respeitar as feitorias holandesas nas terras do príncipe do Sonho”, disse Sousa Coutinho. O mani Sonho ou conde do Sonho, como era conhecido entre os portugueses, era o governante de uma província do Reino do Kongo com uma localização 2 Sousa Coutinho não cita o Reino de Benguela, ao sul do Kwanza, como um vértice deste triângulo porque desde 1612 este reino foi declarado independente com governador próprio. Contudo, após a expulsão dos holandeses em 1648, Benguela passou a ser governada por um capitão-mor indicado pelo governador de Angola. Somente em 1779 governadores voltaram a ser nomeados. Há de ressaltar que não eram reinos apartados, pelo contrário, as relações comerciais e políticas entre esses reinos se tornaram ainda mais fortes no século XVIII. Sobre o Reino de Benguela ver: Mariana P. Candido, An African Slaving Port and the Atlantic World. Benguela and its hinterland. New York: Cambridge University Press, 2013. 3 Desde o século XVII, a Kisama se tornou destino de escravos em fuga. B. Heintze lembra que muitas vezes essa referência às fugas para a região nos textos dos governadores era na verdade uma forma de justificar expedições militares junto à chefia para obter escravos. Beatriz Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII. Estudos sobre Fontes, Métodos e História. Luanda: Kilombelombe, 2007, p. 524. Joseph C. Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830. Madison: University of Wisconsin Press, 1988, p. 385. 32 chave para o tráfico de escravos que frequentemente comerciava com outros europeus, minando os planos de monopólio dos portugueses4. Em termos gerais, circunscreviam o Reino de Angola, no século XVIII, ao sul do Kwanza a província de Kisama e a leste do rio Kwango, o Império Lunda. A oeste do Kwanza, reinavam os potentados de Kasanje, do Holo e de Nzinga-Matamba. Ao norte do rio Ndande, o Reino do Kongo, os Ndembu5 e os potentados Musulu, Sonho, junto ao rio Mbrije. Na região do Reino
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