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Ética e Humanização em Saúde Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Karina Camasmie Abe Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Ética, Cidadania e Direitos Humanos • O Que é Ética? • Moral e Ética; • Cidadania e Direitos Humanos; • Direitos Humanos Básicos; • Direitos da Cidadania; • Ética do Consumo; • Mudança de Paradigmas; • Individualismo e Ética Profissional; • Anexo I. • Compreender que os princípios de cidadania e os direitos humanos básicos ainda são violados sistematicamente no mundo inteiro; • Discutir como a sociedade contemporânea atua no cultivo – ou não – de relações éticas; • Refletir acerca das virtudes profissionais e do individualismo contemporâneo. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Ética, Cidadania e Direitos Humanos Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos O Que é Ética? “O homem é uma espécie de interseção entre dois mundos: o real e o ideal. Pela liberdade humana, os valores do mundo ideal podem atuar sobre o mundo real”. (NICOLAI HARTMANN) Em nosso dia a dia, encontramo-nos frequentemente diante de situações diversas nas quais somos levados a tomar decisões que dependem daquilo que consideramos bom, justo ou moralmente correto. Todas as vezes que isso ocorre, as decisões tomadas envolvem um julgamento moral da realidade, a partir do qual nos orienta- mos para decidir sobre algum assunto. Moral: é o conjunto de normas que orientam o comportamento humano, tendo como base os valores próprios a uma dada comunidade.Ex pl or Se o homem tem conhecimento que certas ações são boas ou más, justas ou injus- tas etc., então, podemos dizer que o homem age no mundo de acordo com valores. Esses valores dependem da forma como o homem vê o mundo que o rodeia, e a partir de então, age de acordo com as suas percepções, que são compartilha- das com outros homens em determinado momento. Explicando melhor sobre os valores que o homem toma como diretrizes para tomar as suas decisões, podemos refletir acerca de diversos aspectos como, por exemplo, o que é o bem e o que é o mal? O bem para um pode ser o mal para outros. O que é justo e o que não o é? O que é justo para um pode não ser para outros; em outras palavras, o homem é um ser moral, ou seja, que avalia a própria ação a partir de valores. Como as comunidades humanas são distintas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores também podem se diferenciar de uma comunidade para ou- tra, originando códigos morais diferentes. O homem, agindo de acordo com os valores correspondentes ao que se conhe- ce e o que é aceitável em seu meio de convivência, manifesta um comportamento ético ou toma atitudes éticas. Ética: do grego ethikos, “costume”, “comportamento”, é uma disciplina filosófica que visa refletir sobre os sistemas morais elaborados pelos homens, buscando compreender a funda- mentação das normas e interdições próprias a cada sistema moral. Ex pl or Assim, agir de forma ética é corresponder aos anseios daquilo que se espera do homem, com relação ao seu comportamento e às suas atitudes em meio ao seu círculo social. 8 9 Figura 1 Fonte: Getty Images Moral e Ética Embora nos deparemos muitas vezes com os termos ética e moral sendo em- pregados como sinônimos, torna-se importante distingui-los. Moral é o conjunto de normas e condutas reconhecidas como adequadas ao comportamento humano por dada comunidade. Moral estabelece princípios de vida capazes de orientar o homem para uma ação moralmente correta. Podemos dizer que tais princípios pertencem ao vasto campo da moral quanto à reflexão pautada em perguntas fundamentais, por exemplo: • Como posso agir da melhor maneira para ser justo? • Para guiar a minha vida adequadamente, quais valores devo escolher? • Existe uma hierarquia de valores que deve ser seguida? • Quais são as atitudes que devo praticar como pessoa e cidadão? Note que moral está relacionada à consciência da pessoa, quando esta se per- gunta o tempo todo sobre qual atitude tomar, ou quando reflete se determinada ação ocorreu de acordo com o que se aprendeu como certo ou apropriado. Cha- mamos a essa reflexão de consciência moral. Já quanto à ética, pode-se definir como um estudo sistematizado das diversas morais, no sentido de explicitar os seus pressupostos, ou seja, as concepções sobre o ser humano e/ou a existência humana que sustentam determinada moral. Desse modo, é possível dizer que a ética é uma disciplina teórica sobre uma prática huma- na, que é o comportamento moral. Porém, as reflexões éticas não ficam restritas à busca de conhecimento teórico sobre os valores humanos, cuja origem e de- senvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, filosófico, religioso etc. A ética tem, principalmente, preocupações práticas quando se orienta pelo desejo de unir o saber ao fazer. 9 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Importante! Podemos dizer que: Ética é uma opção/escolha que vem de dentro – do indivíduo – para fora – a so- ciedade. A palavra ética deriva do grego ethos, que significa “jeito de ser, modo de ser e caráter”. Moral é uma opção/escolha de fora – da sociedade – para dentro – o indivíduo. A pala- vra moral é de origem latina e vem de morales, que tem como significado “tudo o que é relativo aos costumes, é um conjunto de regras que são aplicadas ao cotidiano”. As finalidades de ética e moral são parecidas: ambas contribuem para estabelecer as bases que guiam a conduta do homem e a forma de agir e de se comportar em uma sociedade. Ética é uma reflexão da moralidade, ajudando a responder perguntas do tipo: Eu quero ? Eu posso? Eu devo? Em Síntese Importante! A palavra transparência pode ajudar a compreender o que é ser ético ou ter um com- portamento ético, pois está relacionada ao que é de fato, ou seja, ao que é verdadeiro. Em outras palavras, ser verdadeiro consigo é ser ético, pois se agirmos assim conosco seremos de igual modo com outrem. É por isso que muitas vezes, principalmente no campo profissional, a palavra ética está relacionada à transparência, ao compromisso com a verdade, às ações justas e sinceras que tendem para o bem. Trocando ideias... Você já reparou que um número crescente de empresas vem criando o seu próprio código de conduta ética? Pois, a maior parte das organizações cria esse documento e o disponi- biliza aos seus colaboradores com o objetivode servir como um guia prático de conduta pessoal e profissional. Ex pl or Quando Aristóteles procurou fazer as suas análises sobre o homem, identificou três aspectos que controlam a sua ação: sensação, razão e desejo. Os animais não fazem escolhas, pois as suas ações são determinadas pelo pa- drão genético, portanto, são previsíveis. Já os humanos podem se desviar do deter- minismo que rege o mundo da natureza. As escolhas definem o caráter de um ser humano. Os seus vícios e as suas vir- tudes são manifestações de suas escolhas ao longo da vida, então norteadas pelo convívio em uma sociedade repleta de valores acumulados pela educação, religião, cultura etc. – que aqui chamaremos de valores morais. Marcha da Liberdade: http://bit.ly/2I08Jij Ex pl or 10 11 Aristóteles coloca esta questão: o que o homem deseja, de mais importante, realizar na vida?Ex pl or Não há dúvidas de que a maioria dos seres humanos está sempre em busca da felicidade. Queremos ser felizes, mesmo que essa felicidade seja vista por cada um de forma diferente. Para alguns ser feliz é ter saúde, para outros é a riqueza, felicidade plena pode ser o encontro de uma pessoa a quem se ama e é correspon- dido, enfim, esse estado é percebido e percorrido por cada um de nós de maneiras distintas. Dessa forma, muitos filósofos concluem que toda ação humana tem em vista a conquista da felicidade permanente – veja mais sobre esta discussão no Ma- terial Complementar desta Unidade. Cidadania e Direitos Humanos Inicialmente é importante lembrar que ser cidadão significa ter pleno acesso a todos os direitos individuais e sociais, políticos e econômicos que assegurem a dignidade do ser humano. Vale ressaltar que existe uma ligação bem estreita entre cidadania e direitos humanos. Mais do que em qualquer outra época de nossa história, atualmente é de suma importância a construção da cidadania e a prática dos direitos humanos em caráter de urgência. Exercer a cidadania implica uma série de atitudes que envolvem, primeiramente, o indivíduo, grupo em que está inserido, a comunidade e diversos outros segmentos da sociedade. O desafio atual é estimular constantemente cada pessoa a acreditar na possibilidade de uma sociedade mais justa e solidária, exercitando a consciência crítica, conhecendo a realidade e mudando o que precisa ser alterado com o obje- tivo de uma vida melhor. Figura 2 Fonte: Getty Images 11 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Quando mencionamos desenvolver uma consciência crítica, tratamos também da importância de saber analisar, com clareza, as situações que necessitam ser enfrentadas. A partir dessa atitude será possível encontrar a melhor direção em busca da transformação política, social, econômica e cultural. Significa se abrir às mudanças que ocorrem em velocidade cada vez mais acelerada e que devem ser assimiladas, pois toda mudança requer tempo de adaptação. Direitos Humanos Básicos O principal documento internacional sobre direitos humanos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Uni- das (ONU), em 1948. O principal direito descrito nesse documento e que serviu de essencial referência para todos os demais é o direito à vida. Todos os esforços devem ser direcionados para o aumento da expectativa de vida, evitando que a existência das pessoas seja abreviada em virtude de condições desumanas. O direito à vida, servindo como base para todos os demais direitos, ampliou a perspectiva de proteção e garantia de uma existência digna como, por exemplo, a educação, moradia, o direito ao trabalho, à informação, segurança, ao lazer e à cultura. Note que alguns se referem à individualidade das pessoas, os chamados direitos individuais e mencionados no Artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Figura 3 Fonte: Getty Images Entre os direitos individuais mais violados estão os que se referem à presunção de inocência, que prega o direito de uma pessoa não ser considerada culpada an- tes de a Justiça apurar os fatos com isenção; e a integridade física, ameaçada, por exemplo, pela prática de tortura. 12 13 Todo esse conjunto de direitos de que tratamos diz respeito às obrigações da so- ciedade para com o Estado e vice-versa, tendo, em conjunto, a enorme responsabi- lidade de oferecer as condições necessárias para que cada indivíduo possa usufruir de seus direitos humanos. É uma espécie de contrato. Direitos da Cidadania Organizados na Tabela a seguir, apresentamos alguns direitos do cidadão: Tabela 1 Igualdade É o princípio-base de toda e qualquer constituição democrática, cujo propósito é valorizar o cidadão. Na Constituição Brasileira (1988) não é diferente, e o direito à igualdade é tema prioritário logo em seu Artigo 5º: [...] todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. Direito à família A Constituição Federal de 1988 deu grande contribuição para aperfeiçoar as relações familiares e redimensionar o conceito de família. Igualmente no concubinato, além do casamento civil, são gerados direitos e deveres para o casal – deveres de consideração e respeito mútuos; direito à alimentação, partilha de bens e heranças. Direitos da criança e do adolescente O Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990) asseguram às crianças e aos adolescentes brasileiros todos os direitos e deveres inerentes à pessoa humana, especialmente as oportunidades e facilidades para que se desenvolvam física, mental, moral, espiritual e socialmente. A mulher e o direito É no âmbito do trabalho que se constata uma das mais conhecidas formas de discriminação de gênero: embora a população feminina no Brasil seja maioria (51%), a mulher trabalha mais e recebe salários, em média, 40% menores que os homens com a mesma qualificação, nível de instrução e atuação em setores de atividades equivalentes. Direito do consumidor De acordo com o Artigo 5º, Inciso XXXII, cabe ao Estado promover a defesa do consumidor. Para cumprir tal função, criou-se a Lei n.º 8.078, de 1990, que instituiu o chamado Código de Defesa do Consumidor. Esse documento é um importante conjunto de regras que protegem o cidadão no ato da compra de produtos e serviços. Direito das pessoas com deficiência A ONU estima que uma em cada dez pessoas apresenta algum tipo de deficiência, possuindo limitações funcionais permanentes, parciais, temporárias, totais, congênitas ou adquiridas. Os indivíduos portadores de deficiências auditiva, física, mental, visual ou múltipla necessitam de reabilitação por meio de terapias e serviços que envolvem atividades médicas, pedagógicas e sociais necessárias à sua plena integração na sociedade. Como todo cidadão, o portador de deficiências tem direito a levar uma vida normal, com igual acesso à educação, saúde, informação, ao trabalho e lazer. Infelizmente, nem sempre isso ocorre devido à falta de oportunidades iguais no trabalho e à inadequação dos bens e serviços coletivos, tornando esses direitos, apesar de garantidos pela Constituição, quase sempre passíveis de desrespeito. Direito dos idosos O idoso não pode sofrer qualquer forma de negligência, discriminação, violação, crueldade ou agressão. Independentemente de ter contribuído com a seguridade social, toda pessoa acima de 60 anos de idade tem direito à assistência social pública sempre que desta necessitar. O voto facultativo, o acesso gratuito nos transportes coletivos e a isenção de imposto de renda na aposentadoria ou pensão paga pela Previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são alguns dos direitos básicos assegurados ao idoso pela Constituição Federal de 1988. Direito à saúde Com o objetivo de garantir o direito do cidadão brasileiroà saúde, considerada uma das questões sociais prioritárias do País, a Constituição Federal de 1988 criou o Sistema Único de Saúde (SUS), que integra todas as ações dos serviços públicos federais, estaduais e municipais de saúde. Além do atendimento gratuito oferecido pelo SUS, o cidadão pode ter acesso à assistência médica de duas outras formas: · Recorrendo ao serviço particular de profissionais de hospitais, laboratórios, clínicas e consultórios médicos; · Aderindo a um plano, convênio ou seguro de saúde privado, pago diretamente pelo interessado, pela família ou empresa em que trabalha. 13 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Ética do Consumo Qual é a causa do mal? Todo esse problema atormentou os filósofos, e suas tentativas de resolvê-lo nunca tiveram muito sucesso. O mal parece pertencer àquelas coisas sobre as quais até os homens mais cultos e in- ventivos não podem saber quase nada. (HANNAH ARENDT) O filósofo Aristóteles já afirmava que tudo que o homem precisava para ter uma vida confortável já fora descoberto ou inventado e, estando realizado, materialmen- te, restaria somente dedicar-se à elevação do espírito. Porém, Aristóteles apontava também para o momento em que o homem sentiria insatisfação absoluta assim que tivesse conquistado todos os bens materiais que desejasse. Em meados do século XX, os economistas se mostraram preocupados com a possibilidade de chegar o dia em que as famílias seriam proprietárias de todos os bens disponíveis no mercado, colocando, assim, o sistema capitalista predominante em colapso. Como se vê na atualidade, é praticamente impossível o ser humano sentir-se plenamente satisfeito, o que resulta em uma economia de mercado a pleno vapor, disponibilizando imensa variedade de produtos e serviços para um consumo que se renova e se descarta em uma velocidade nunca antes imaginada. A ideia da realização frequentemente esteve ligada à satisfação material. Tal satisfação, no cenário das economias de mercado, reduz-se, de maneira geral, ao consumo de bens materiais, ou para proporcionar mais lazer, ou ainda para osten- tar um poder de aparência e status social. Por conta dos meios de comunicação de massa, essa dinâmica social é ainda mais reforçada. A obsessão pelo vencer − que é a mesma pelo poder − é uma das principais características das sociedades modernas. Esse consumismo egocêntrico dita a regra – pois acaba tendo maiores chances de alcançar essa “felicidade de fachada” quem for mais rápido, forte e esperto. No mundo individualista atual, a ética pode facilmente se transformar em “o que não prejudica ninguém está okay”, ou “o que os outros conseguem fazer impune- mente deve estar certo”, ou mesmo “se ninguém souber, está tudo bem”. Já notou como é cada vez mais comum as pessoas aceitarem normalmente que alguns atletas usem drogas – anabolizantes – para aumentar a performance? Se não estão pre- judicando ninguém – além de si – que mal há? Para muita gente também não há nada de errado em receber seguro-desemprego e trabalhar ao mesmo tempo: “não é o governo que paga por isso?” Ou “o que há de errado em contratar um engenheiro só para assinar um projeto? Todo mundo faz isso e sai tão mais barato, então qual é o problema?”. Ex pl or Mesmo que aceitássemos como válido esse estilo de vida, já pensou como se- ria a vivência das pessoas em nossa sociedade? É que para a maioria da popula- ção, a possibilidade de vencer é uma ilusão construída e incentivada pela própria 14 15 sociedade de consumo. Essa expectativa criada esconde um fato fundamental: o “paraíso dos vencedores” não tem lugar para todos, somente para uma minoria. Bem, mas será que esses “vencedores” encontram verdadeiramente a sua rea- lização no consumismo, ou apenas se submetem a uma angústia? Não seria, nos países ricos, essa a principal causa dos desajustes sociais? No universo empresarial, o objetivo do lucro a qualquer custo para sobreviver em um mercado extremamente competitivo é que as considerações éticas são as primeiras a perder o valor, pois, infelizmente, nem sempre a conduta ética pode ser a melhor para os negócios. Por isso, é necessário repensar os nossos hábitos consumistas e a sustentabilidade de uma sociedade baseada no consumo, onde profissionais são tratados como objetos, assim como os próprios pacientes. Mudança de Paradigmas Essa visão individualista que provoca atitudes compulsoriamente competitivas fez com que a ética voltasse a ser discutida na área da Educação – nas aulas de Filosofia e Sociologia certamente. Nos cursos universitários voltados à área de Negócios, por exemplo, discorrer sobre ética se tornou cada vez mais frequente e urgente. Percebe-se uma preocupação no mundo todo em discutir questões de interesse ge- ral, que requer a participação de todos e uma visão global de cooperação. As inúmeras conferências internacionais sobre ecologia, fome e direitos humanos são exemplos sig- nificativos da necessidade de mudança ética em todos os campos da vida social. São prioritárias as necessidades de alterações que nos conduzam a uma nova visão de mundo e, de certa forma, já ocorrem. Atualmente, por exemplo, as exi- gências do cidadão não recaem apenas sobre produtos ou serviços de qualidade, mas são também de natureza ética; ou seja, ao comprar um automóvel, alimento, computador, uma peça de roupa ou um serviço financeiro, procura-se saber se aquela empresa recolhe os seus impostos, se oferece remuneração justa aos seus empregados, se não polui o meio ambiente, se é leal com a concorrência, se atende às eventuais reclamações de sua clientela e participa de forma positiva de sua co- munidade. Muitas pessoas – em especial jovens – estão dispostas a contribuir com boas causas e começam a optar por empresas não apenas voltadas à produção e ao lucro, mas que também estejam preocupadas com a solução de problemas mais amplos, tais como a preservação do meio ambiente e o bem-estar social. Individualismo e Ética Profissional Ocorrem sérios problemas quando o ser humano coloca em primeiro lugar os interesses próprios. Por conta disso, a consciência de grupo tem surgido e ocupado espaço importante dentro das grandes organizações. Para que não haja choque no 15 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos quadro interno das empresas de todos os portes, a maioria vem desenvolvendo o seu próprio código de conduta ética. Como já vimos, a conduta do ser humano pode tender ao egoísmo, mas para os interesses de uma classe, de toda sociedade é necessário que se acomode às normas, porque estas devem estar apoiadas em princípios de virtude. Como as atitudes virtuosas podem garantir o bem comum, a ética tem sido o caminho justo e adequado para o benefício geral. Assim, algumas virtudes profissionais passaram a ser extremamente observa- das e valorizadas dentro do quadro funcional de uma empresa, tal como veremos a seguir. Virtudes Profissionais Sabemos dos deveres que cabem a cada profissional, em qualquer área de tra- balho, e que devem ser cumpridos da melhor maneira possível; porém, além dos deveres, os quais são obrigatórios, devem ser levadas em conta as qualidades pes- soais que também concorrem para o enriquecimento de sua atuação profissional, algumas das quais facilitando o exercício da profissão. As qualidades profissionais poderão, obviamente, ser adquiridas com esforço e boa vontade, o que aumentaria o mérito do profissional que, no decorrer de sua atividade, conseguir incorporá-las à sua personalidade, procurando vivenciá-las ao lado dos deveres profissionais. Figura 4 Fonte: Getty Images Podemos considerar como virtudes fundamentais, tomando como base de racio- cínio o ambiente empresarial e mercado de trabalho, a lealdade, responsabilidade e iniciativa, todas imprescindíveis para a formação de recursos humanos. Um profis- sional que almeja uma carreira de sucesso pode depender dessas virtudes. 16 17 Igualmente, outras qualidades podem ser consideradas importantesno exercício de uma profissão, por exemplo: • Honestidade: atrair para si a confiança do outro, sendo verdadeiro; • Sigilo: uma informação sigilosa é algo que nos é confiada e cuja preservação de silêncio é obrigatória; • Competência: sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de forma adequada e persistente a um trabalho ou a uma profissão; • Prudência: todo trabalho, para ser executado, exige segurança e deve ser bem analisado, de modo que a prudência é indispensável nos casos de decisões sérias e graves; • Coragem: ajuda a reagir às críticas, a não ter medo de defender a verdade e justiça; • Perseverança: todo trabalho está sujeito a incompreensões, insucessos e fra- cassos que devem ser superados. O profissional deve, então, prosseguir em seu ofício, sem entregar-se a decepções ou mágoas; • Compreensão: qualidade que facilita a aproximação e o diálogo, imprescindí- veis no relacionamento profissional; • Humildade: representa a autoanálise que todo profissional deve praticar em função de sua atividade profissional, a fim de reconhecer melhor as próprias limitações, buscando a colaboração de outros profissionais mais capazes, se tiver essa necessidade, dispor-se a aprender coisas novas, em uma busca cons- tante de aperfeiçoamento; • Imparcialidade: destina-se a se contrapor aos preconceitos, a defender os ver- dadeiros valores sociais e éticos, assumindo principalmente uma posição justa nas situações que terá de enfrentar. Para ser justo é necessário ser imparcial – logo, a justiça depende da imparcialidade; • Otimismo: diante dos desafios que encontrará, o profissional necessita e deve acreditar na capacidade de realização, no poder do desenvolvimento, enfren- tando os desafios com energia e bom humor. É claro que existem outras virtudes que aqui não foram mencionadas, porém, foram apresentadas algumas das principais. Valorize-as, dissemine-as e as coloque em prática. Precisamos de uma sociedade que valorize os princípios e as virtudes, pois assim teremos uma vida digna e deixaremos um bom legado para as próximas gerações. Agir ou não de maneira virtuosa dependerá da deliberação de quem o faz. 17 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Anexo I Material Extracomplementar O texto a seguir servirá como material extracomplementar ao aprofundamento no conhecimento sobre o que consideramos um comportamento ético e como re- fletir sobre as melhores condutas de vida e como tomar as decisões corretamente. Ética em Aristóteles Para o pensamento aristotélico, a busca pela felicidade é parte fundamental da reflexão sobre ética. Partindo-se do pensamento desse filósofo, é importante frisar que um único dia de calor não constitui o verão. As vicissitudes de uma vida contemplativa, pelo menos no sentido da ética aristotélica, não podem ser encontradas em uma contemplação meramente passiva dos fatos da vida. Em outras palavras, seria de pouca ou nenhu- ma ajuda se ficássemos presos aos conceitos abstratos sobre o que é a felicidade caso não fizéssemos nada para colocar isso em prática. O homem é feliz se vive bem e age bem. Para Aristóteles (1984a), a felicidade está ligada à “boa vida e boa ação”. Como resultado, o pensador estagirita não hesitou em identificar felicidade com virtude. É também um aspecto importante nessa correlação felicidade/virtude a melhor aproximação daquilo que o autor sugere como boa ação ou ação virtuosa. A felicida- de não deve ser percebida apenas como um estado de ânimo, pois, se assim o fosse, poderia ser considerado feliz aquele que se dedica firmemente aos prazeres mais imediatos ou, ainda, seria consideravelmente feliz aquele que outrora fora coberto de honrarias. Pois bem, se viver a vida nas festas – “baladas”, como diríamos atual- mente –, ou depender da fama – ser popular de alguma maneira, tal como ter muitos “seguidores” em redes sociais – não são, para o critério aristotélico, indicadores de felicidade; então como alcançá-la? Agir ou não de maneira virtuosa dependerá da deliberação de quem age. Dito de outro modo, para o filósofo estagirita, a ética trata das ações que dependem da escolha de quem age. Contudo, não basta a ação por si, em uma espécie de voluntarismo, até porque um animal age e reage a estímulos, ataca a presa ou foge do predador, e isso pode ser avaliado como a realização de uma das funções daquele determinado animal; pode-se, quiçá, mencionar este ou aquele animal como exímio predador; porém, no caso do homem, está presente o “princípio racional”, e este deve ser o guia para as suas ações na busca pela felicidade: “A vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade até ele. A vida virtuosa é aquela em que a vontade se deixa guiar pela razão” (CHAUÍ, 2003, p. 313). Você certamente está percebendo os diferentes ingredientes presentes nessa re- ceita de pensamento: i) a ética trata das ações que dependem de nossas escolhas; ii) a finalidade dessas escolhas está em buscar a felicidade; iii) como o homem é um ser 18 19 dotado de racionalidade, o que diferencia as nossas escolhas das ações dos animais, por exemplo, é o fato de tais escolhas poderem ser guiadas pela razão. Então, poderíamos concluir que está tudo devidamente no lugar e que as pessoas são felizes, assim como isso é uma decorrência própria da natureza humana! Bom, isso seria uma conclusão apressada, dado que o entendimento filosófico requer certo cuidado nos detalhes. Se agir em busca da felicidade depende de nossa escolha, então significa – por mais incrível que possa parecer – que podemos muito bem escolher o caminho que leva para longe da felicidade! Exatamente por sermos a causa de nossas ações – pelo menos daquelas sobre as quais podemos deliberar –, há um componente de indeterminação. Podemos es- colher em uma direção ou em outra, podemos nos omitir ou tomar a iniciativa de determinada atitude. Em todos esses cenários não há decorrência automática que nos conduza a uma ação mais apropriada. Como vimos, algumas formas de se levar a vida não trazem felicidade duradoura, ou por dependerem de coisas efêmeras, ou ainda por dependerem de terceiros. Para o sábio estagirita, a felicidade também está articulada com a ideia de autossuficiência, pois sendo própria ao homem, dependeria unicamente deste – e não de terceiros – e deveria ser duradoura – e não algo passageiro. Assim, os ingredientes começam a se misturar, as escolhas boas ou ruins podem nos aproximar ou afastar da felicidade. Essa forma de realização, que podemos al- cançar potencialmente, não está dada e, portanto, deve ser buscada, construída mediante a racionalidade de nossas ações. É na prática, na forma do agir em relação às outras pessoas, que se pode ser avaliado como justo ou injusto, bom ou mau. Uma passagem de Aristóteles (1984b) que exemplifica bem o espírito de sua ética é quando afirma ser “[...] possível errar de muitos modos, mas só há um modo de acertar”. Imaginemos um exercício para disparar uma flecha no centro do alvo determinado. A área de acerto – o centro – é bem menor do que todo o restante do alvo. O ponto de acerto pode ser um só, mas os lugares do alvo que são considerados erros são inúmeros. Não se trata de algo completamente preciso – Aristóteles reconhecera a dificulda- de de maior precisão nesses casos – mas, sem dúvida, é um parâmetro interessante – o meio-termo. Importante! No entendimento de Aristóteles, as coisas no mundo parecem funcionar melhor quan- do estão em harmonia, esta que é expressa pelo equilíbrio. O excesso pode ser tão prejudicial quanto a ausência. Alguém que come de maneira descontrolada, muito mais do que parece ser o necessário para saciar a sua fome, pode passar mal, ter fortes dores de estômago – e como ensinam os nutricionistas contemporâneos, isso pode acarretar problemas de saúde a longo prazo. Por outro lado, alimentar-se de forma insuficiente também é um risco para a saúde – a curto e longoprazos. Trocando ideias... 19 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Para a ética aristotélica, o uso da razão como guia para as ações aumenta as chances de se obter melhor resultado do ponto de vista dos fins. Se a ação possui uma finalidade, a mais virtuosa será a ação que atingir tal finalidade. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à maneira como guardamos ou gastamos os nossos recursos financeiros, na maneira como lidamos com amigos ou com co- legas de trabalho, enfim, nas diferentes faces das relações consigo e com outrem. Ao comentarem a teoria aristotélica do justo-meio – como também é conhecida a ética aristotélica –, diferentes autores fazem um resumo como exemplificação. Para fins didáticos, adaptamos algumas características, vejamos: Tabela 2 Vício por excesso Virtude Vício por ausência Temerário Corajoso Covarde Esbanjador Generoso Avarento Precipitado Proativo Omisso Muito mais do que apenas decorarmos longas listas de palavras sobre o que é virtude, ausência ou excesso, a ética de Aristóteles é um convite à prática, não apenas no sentido do agir, mas também no de se aperfeiçoar, exercitar-se. É o exer- cício da racionalidade na deliberação de nossas ações que ajudará na construção de disposições de caráter cada vez mais virtuosas. O meio-termo na moral sempre será um meio-termo relativo a nós. Então, quando e como saberemos se atingimos o meio ou se as nossas ações estão em desequilíbrio, pendendo para o excesso ou para a ausência? A solução aristotélica aponta para se forçar a buscar a direção contrária aos extremos, pois ali reside o erro. Quanto ao acerto “no centro do alvo”, apenas a prática acumulada poderá fornecer a destreza, ou melhor, a astúcia necessária. Noção do Dever Uma ação pode ser realizada de diferentes maneiras, mas deve-se escolher uma, correto? A ação deve ser executada de forma específica, o que deixa de lado todas as outras. O que faria esse determinado caminho – linha de ação – ser melhor do que os outros? Qual é o critério? Uma ética que se atenha a um princípio previamente estabelecido pode não se curvar diante de uma situação inesperada, mesmo que os resultados não sejam favo- ráveis ao agente. Esse tipo de ética em que o princípio vem em primeiro lugar é for- temente identificada com o pensamento kantiano – do qual trataremos mais adiante. O filósofo Kant (1724-1804) é, sem dúvida, um dos pensadores mais importan- tes do século XVIII – talvez o mais importante. Para esse filósofo, nascido em Königsberg – antigo território prussiano –, toda ação que se pretenda pautada pela ética, que seja legitimamente moral, é uma ação 20 21 segundo o dever. Para compreender a ideia kantiana de dever, podemos começar pelo que não é, neste caso, ação por interesse. Aqui não se trata de ideia de interesse no sentido “de estar voltado para algo”, mas a discussão é sobre a motivação da ação. Por exemplo, se auxiliamos um conhecido considerando que ficará “nos deven- do um favor”, guiamos a nossa ação como uma espécie de investimento; na verda- de, um “empréstimo de solidariedade” – não estamos nos referindo propriamente a dinheiro –, o qual poderemos “resgatar” quando for conveniente. Em alguns casos, o egoísta espera receber o “empréstimo da boa ação” acrescido de “juros”. Para o pensamento kantiano, esse tipo de conduta não tem nada de ético, afinal, o que deveria ser o motivo da ação é uma causa, a priori, puramente racional, nada que seja derivado dos desejos, da cobiça, do lucro, da fama ou de quaisquer outras motivações externas à razão. Como assim motivações puramente racionais? O pensamento kantiano admite que somos pressionados pelas necessidades na- turais. O corpo humano tem necessidades que são físicas, biológicas e químicas, das quais não podemos escapar. Basta lembrar de que todo ser humano necessita dormir! Não é uma necessidade que possa simplesmente ser colocada de lado – sim, estudante, há casos de pessoas que sofrem de insônia, mas isso indica apenas que têm dificuldades para dormir, não é o mesmo que nunca dormir, mesmo porque em casos assim o indivíduo adoece. Mesma condição se estende ao ato de comer ou beber. No entanto, algumas necessidades são parcialmente suprimidas – optar por fazer uma refeição mais cedo ou mais tarde – e outros impulsos podem ser ou não contidos, dependendo da escolha do agente – em um momento de desagrado, dirigir ou não palavras ofensivas para a outra pessoa. Para o filósofo de Königsberg, a nossa vontade – que guia as nossas ações – deve se identificar com aquilo que o próprio definiu como boa vontade. Eis um ponto que merece redobrada atenção: apenas será boa vontade pela sua forma de querer, um querer em si. O que o filósofo estava tentando nos passar? Que esse “querer” deve seguir a si – e não influências, motivos, desejos ou outros estímulos externos. De onde vem um “querer em si”? Para Kant, o ser humano é dotado de vontade – mas atenção! Aqui é uma concepção da vontade que não cor- responde à do senso comum, que muitas vezes equivale vontade com desejo, por exemplo: “o menino está com vontade (quer) de mais sorvete de chocolate”, ou: “a menina tem vontade (gostaria ou deseja) de uma boneca nova”. Segundo Kant (2007, p. 93, grifo nosso), a “[...] vontade é uma espécie de causalidade dos seres vivos, enquanto seres racionais”. Em outras palavras, uma motivação derivada da razão, cuja liberdade seria uma propriedade dessa. Assim, a fonte de uma boa vontade estaria em nossa vontade racional, que segun- do Kant é universal. Essa universalidade diz respeito a todos os seres racionais. Agir por boa vontade também é agir segundo o dever – lei moral – formado pela nossa razão. 21 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Mas, afinal, qual é o parâmetro? Qual é a regra? Partindo, então, da fórmula kantiana, o que temos é uma espécie de “teste de universalidade”, em que não está previamente estabelecido que essa ação em particular seja boa ou ruim, mas devemos refletir sobre a sua coerência racional, seguindo a ideia da universalidade. Se é possível fazer com os outros e os outros também podem fazer conosco e entre os quais, independentemente de circunstân- cias que beneficiassem essa ou aquela pessoa, então é uma ação de acordo com a vontade racional, ou seja, atende a um imperativo da razão – portanto, um impe- rativo categórico, porque busca uma coerência universal e assume a forma de um dever (lembre-se de que, como acabamos de mencionar, a mentira não atende a esse critério porque não poderia ser elevada a um padrão corriqueiro de conduta, não podendo ser aceita como lei universal da razão). A ideia de uma lei universal, aplicada como sugere Kant, tem derivações inte- ressantes apontadas pelo próprio filósofo, quando atentamos para a maneira como devemos tratar os outros. Em palavras kantianas: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e si- multaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (KANT, 2007, p. 69). Podemos – devido a uma grande necessidade – fazer uma promessa sabendo que não a cumpriremos? (KANT, 2007, p. 31) Assim: • Quais são as consequências desse tipo de conduta? • Seria moralmente aceitável? Ex pl or Ora, como a ideia é realizar ações que se tornem leis universais, sem dúvida uti- lizar as pessoas como meios para atingir outros fins não pode ser considerado um princípio eticamente válido. Você já deve ter ouvido a seguinte expressão: “Aque- la pessoa tem segundas intenções”. É justamente o caso que aqui examinamos; considerar “as outras pessoas como meios” significa tratá-las como “pontes” para alcançar outros interesses, seja como o bajulador que elogia ou se mostra simpá- tico a alguém em posição de poder – para obter vantagem futura –, seja, como já foi mencionado, como aquele que, em falsa solidariedade, auxilia o próximo com vistas a obter também alguma vantagem no futuro. Tanto em um caso como no outro não háverdadeiro respeito pela dignidade da humanidade do outro indivíduo e, portanto, não poderiam ser elevados à condição de lei universal. A ação teria que ser possível de ser executada por todos não quando convém a cada um, mas por todos o tempo todo! Esse é o critério! Achou confuso? Imagine o exemplo da mentira: podemos imaginá-la como uma ação que seja universal? Não se trata de tolerar este ou aquele mentiroso, que quando lhe convém mente para o seu próximo – seja para obter lucro, seja para se sobressair socialmente etc. A per- gunta seria: poderíamos viver em uma sociedade em que todos mintam? O médico mente ao paciente, que mente ao advogado, que mente ao juiz, que mente ao réu, 22 23 que mente à família e assim infinitamente. A própria comunicação mínima neces- sária para o convívio e a organização da sociedade se tornaria inviável. A maioria das doutrinas éticas ligadas à Filosofia coloca a razão como a ferra- menta que julgará as nossas ações. Em nenhum momento esses modelos raciona- listas validarão ou condenarão uma linha de ação unicamente com base em uma tradição ou em um critério religioso, por exemplo. O corrupto não é imoral porque roubar é pecado, mas porque desviar recursos públicos, subornar ou receber subor- no são atos que não conseguem ser elevados à condição de lei universal – pois esse indivíduo obtém vantagem prejudicando terceiros. Pelo mesmo motivo é imoral uma ação que diminui a felicidade geral e contribui para o aumento da infelicidade – basta pensarmos em todos os não beneficiados daqueles serviços públicos que deixam de existir por faltar dinheiro de impostos para implementá-los, exatamente porque o valor fora roubado – e, finalmente, almejar recursos que não são de sua propriedade e que ferem as leis vigentes e afastam o corrupto da conduta virtuosa, “afogando-o” no vício da cobiça. Dessa maneira, entendemos que a ética é uma disciplina viva. Inúmeras escolas de pensamento se debruçam sobre o tema, obtendo resultados diversos em muitos pontos e semelhantes entre si; o importante ao filósofo é estar sempre aberto à reflexão sobre o tema, de modo a contribuir para um debate sobre as constantes melhorias das formas de se viver. 23 UNIDADE Ética, Cidadania e Direitos Humanos Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Princípios de ética biomédica BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Princípios de ética biomédica. [S.l.]: Loyola, 2002. Ética na empresa CAMARGO, M. Ética na empresa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. Ética dos maiores mestres através da História PEGORARO, O. Ética dos maiores mestres através da História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. Vídeos O Lucro da Ética https://youtu.be/zOXLgu-hJL0 Provocações sobre ética https://youtu.be/QnlIt0DEUwg Leitura Ética e prática profissional em saúde http://bit.ly/38924Nl Ética: origens e distinção da moral http://bit.ly/2T5s5sC Ética a Nicômaco http://bit.ly/2T88GHC 24 25 Referências AGUILAR, F. J. A ética nas empresas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. ALENCASTRO, M. A importância da ética na formação de recursos humanos. São Paulo, 1997. (No prelo). ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro I. Trad. Leonell Vallandro. São Paulo: Victor Civita, 1984a. (Col. Os Pensadores). Disponível em: <https://abdet.com.br/ site/wp-content/uploads/2014/12/%C3%89tica-a-Nic%C3%B4maco.pdf>. Aces- so em: 20 fev. 2020. ________. Ética a Nicômaco. Livro II. Trad. Leonell Vallandro. São Paulo: Victor Civita, 1984b. (Col. Os Pensadores). Disponível em: <https://abdet.com.br/site/ wp-content/uploads/2014/12/%C3%89tica-a-Nic%C3%B4maco.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2020. ARRUDA ARANHA, M. L. de; PIRES MARTINS, M. H. Filosofando: introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007. MILL, J. S. Utilitarismo. Trad. Pedro Galvão. Porto, Portugal: Porto, 2005. PESSANHA, J. A. M. Vida e obra de Aristóteles: tópicos dos argumentos sofís- ticos. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 25
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