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ENSAIO SOBRE DESCENTRALIZAÇÃO Andressa Vieira Silva INTRODUÇÃO A partir dos artigos “A crise da federação no Brasil”, de Rui de Brito Affonso, “O debate sobre a descentralização de políticas públicas: um balanço bibliográfico”, de Maria do Carmo Lessa Guimarães, e “Em busca de uma teoria de descentralização”, de Paulo Reis Vieira, este ensaio analisa o conceito de descentralização para diferentes campos, sua relação com outras características dos Estados e com o federalismo, e como ela se apresenta no Brasil. REFERENCIAL TEÓRICO O fenômeno da descentralização vem sendo estudado há muito tempo. Existem registros sobre o tema na literatura clássica e o interesse acerca desse fenômeno se mantém na atualidade já que é um assunto polêmico e que pode ser abordado de diferentes formas e sob distintas vertentes. De acordo com Guimarães (2002), para as ciências políticas, a descentralização contribui para a autonomia dos entes locais e, dessa forma, com o aprofundamento da democracia. Na disciplina de ciências econômicas, a autora (2002, p. 2) considera o fenômeno como uma “transferência de responsabilidades das atividades econômicas públicas para o setor privado”. Já para a sociologia, a descentralização promove a cidadania através do “empowerment” da sociedade. A administração pública a vê como uma divisão do poder de decisão que se dá mediante o fenômeno da desconcentração, a transferência da responsabilidade administrativa de alguns serviços públicos do governo federal para os governos estadual e municipal. Na revisão literária sobre descentralização feita pela autora (2002), foi dado destaque aos campos da ciência política e da administração pública e, a partir disso, foram identificadas duas vertentes: a dimensão administrativa e a dimensão social e política. Na dimensão administrativa, é considerada a transferência de recursos financeiros e de competências para os entes regionais e locais. Na dimensão social e política, temos uma linha de estudo que considera a descentralização como uma estratégia que tem por objetivo aumentar a participação social nas políticas públicas, desde a sua formulação até o seu controle; em outra linha, ela é considerada um fenômeno político que diz respeito à distribuição territorial do poder do Estado. De acordo com Guimarães (2002, p. 4), esse pensamento é compartilhado pelo autor clássico Smith que considera a descentralização como “uma condição necessária para o desenvolvimento social, econômico e político dos Estados Modernos”. Além disso, essa corrente entende que tal fenômeno pode ser usado como estratégia de reação aos governos autoritários e, também, como base das reformas de Estado. Na última linha analisada, discute-se a relação dos conceitos de descentralização e federalismo. Conforme Affonso (1994), o termo “federalismo” é confundido com o conceito de “descentralização” devido à forma como nosso país se constituiu. Diferentemente dos Estados Unidos que surgiram a partir da união de estados e municípios, em um movimento centrípeto (de fora pra dentro), a federação brasileira teve origem na fragmentação de um Estado unitário em um movimento centrífugo (de dentro pra fora). Além disso, o processo de redemocratização pelo qual nosso país passou é confundido com o de descentralização política e fiscal. Para Affonso (1994), o Brasil vive em uma crise federativa que, no início dos anos 90, foi marcada por movimentos separatistas, entretanto é agravada pela globalização da economia mundial, pela prolongada crise econômica do nosso país e pelas extremas disparidades intra e inter-regionais que enfrentamos. Affonso (1994) cita e analisa três características da crise federativa que enfrentamos: a horizontalização das disputas, a generalização e a descentralização. Essa horizontalização é percebida nas disputas por receitas tributárias que, antes da Constituição de 1988 (CF/88), ocorriam entre os governos estaduais e municipais contra o governo federal e, após a CF/88, passaram a acontecer também entre estados e entre municípios. Com a recessão, a inflação e a sonegação, tornou-se muito difícil arrecadar tributos e, nesse contexto, surge a guerra fiscal que acontece quando os estados competem pela instalação de uma indústria, de uma grande montadora de veículos na sua região e para atrair essa empresa oferecem diversos benefícios, como menores alíquotas de ICMS, e outros incentivos. A generalização é marcada pela expansão da crise para outras áreas do Estado como, por exemplo, para o setor produtivo, para o setor financeiro, no nível político e no plano cultural e ideológico. E a outra característica da crise que foi considerada é a descentralização das receitas tributárias, que iniciou com a crise econômica e a com a abertura política pós regime militar. Com essa abertura política, estabeleceu-se uma contradição já que foi dada uma maior liberdade política e, por outro lado, os governos estaduais e municipais ficaram mais dependentes do governo federal. De acordo com um estudo feito por Affonso (1994), de 1986 a 1991, houve uma redução das receitas arrecadadas pela União e de suas receitas disponíveis, enquanto para os estados e municípios, houve um aumento dessas receitas. Um fator que contribuiu para essa redução foi o aumento dos gastos vinculados da União, enquanto os outros governos detinham maior liberdade na aplicação de seus recursos. Esses efeitos foram ocasionados pela reforma liberal e pela falta de novas formas de regulação. Para Affonso (1994), o maior desafio que enfrentamos no Brasil é o de descentralizar uma federação com tamanha desigualdade inter-regional mantendo sua articulação e a coesão econômica, social e cultural. O autor (1994) ainda evidencia as posturas distintas adotadas por autores com relação ao melhor uso da descentralização. Alguns acreditam que esse instrumento seria o ideal para um projeto de desenvolvimento em grandes territórios já que ocorreria a redistribuição de recursos favorecendo as maiorias, outros pensam que esse processo não equilibraria o desenvolvimento das regiões e que quem faria a alocação dos recursos seria o mercado. No entanto, países que experimentaram esse processo analisaram seus efeitos e não observaram avanços no atraso socioeconômico ou na consolidação da democracia em países de Terceiro Mundo como o Brasil. De acordo com Vieira (2012), os efeitos da descentralização são diferentes, pois ela depende do contexto nacional de cada país. O autor (2012, p. 49) diz que “existem correlações significativas entre a descentralização, tratada como variável dependente, e aquelas outras variáveis, isoladas ou em seu conjunto, tratadas como variáveis dependentes”. A partir disso, ele fez uma análise da influência dessas variáveis sob a descentralização considerando-as em cinco categorias: geográficas, histórias, demográficas, econômicas, e culturais ou ecológicas. Na categoria geográfica, observou-se que quanto maior a extensão territorial do país, maior a descentralização, e que quanto maior o número de unidades de governo local, a descentralização também será maior. Para as variáveis históricas, o autor (2012) concluiu que a idade do país tem relação proporcional ao seu grau de descentralização, e não encontrou relação significativa entre descentralização e federações, regimes democráticos e países de composição étnica heterogênea. Considerando as variáveis demográficas, apenas a urbanização apresentou uma relação significativa com a descentralização; a população e a densidade demográfica, que possui relação inversamente proporcional à descentralização, não demonstraram correlação significativa. Destaca-se que a variável urbanização se correlaciona com a dos canais de comunicação a qual foi identificada por esse estudo como a que melhor corresponde à realidade quando se pensa em descentralização. Na categoriaeconômica, o Produto Nacional Bruto (PNB) demonstrou uma relação significativa com o fenômeno da descentralização. Para as variáveis ecológicas, a percentagem de gastos públicos não apresentou correlação significativa; os países mais industrializados demonstraram-se mais descentralizados, e os países com maior desenvolvimento dos meios de comunicação também se apresentaram mais descentralizados. De acordo com a tabela dos graus de centralização de 45 países organizada por Vieira (2012), observamos que os países mais desenvolvidos, mais industrializados e com maior PIB são os mais descentralizados. No final da lista, como menos descentralizados, estão os países menos desenvolvidos e com menor PIB. O Brasil possui 33 graus de descentralização ficando na 21ª posição no ranking feito pelo autor. Em nosso país, temos alguns tipos de descentralização como a descentralização administrativa e a descentralização política. Esse último tipo é a divisão do poder e da autonomia em estados e municípios. Já a administrativa é classificada em descentralização por serviços que corresponde à administração indireta, em descentralização por colaboração que são as empresas concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços públicos, e em descentralização territorial que seria a divisão em territórios. Ainda podemos citar as descentralizações ao terceiro setor e a descentralização na área da saúde que, conforme Guimarães (2002), a partir da CF/88 e da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, passou a responsabilidade pela gestão local do sistema para os municípios. CONCLUSÃO Diante desse estudo, percebemos a presença da descentralização no nosso país desde a forma como nosso Estado está dividido, até mesmo na distribuição do poder e das competências entre seus entes e seus órgãos. Além disso, fica claro que a descentralização em países de grandes territórios como o nosso é importante, pois facilita o controle e favorece a eficiência dos serviços públicos. REFERÊNCIAS AFFONSO, Rui de Brito. A crise da federação no Brasil. In: Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 321-337, 1994. GUIMARÃES, Maria do Carmo Lessa. O debate sobre a descentralização de políticas públicas: um balanço bibliográfico. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/osoc/v9n23/03.pdf. VIEIRA, Paulo Reis. Em busca de uma teoria de descentralização. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro 46(5): 1409-425, set./out. 2012. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7149. http://www.scielo.br/pdf/osoc/v9n23/03.pdf
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