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CISTITE INTERSTICIAL FELINA (CIF) 1 1- PIOLA, N. X. 2- PINTO, L. J. C. 2 1- Discente do 8º semestre de Medicina Veterinária da Pontifícia Universitária 3 Católica (PUC - MINAS), Poços de Caldas/MG - Brasil. 4 2- Discente do 5º semestre de Medicina Veterinária do Centro Universitário São 5 Judas Tadeu (CSJT – Campus Unimonte), Santos/SP - Brasil. 6 Endereço para contato: nataliaxavierpiola@hotmail.com¹/ 7 cecattovet@gmail.com² 8 9 RESUMO 10 A Cistite Intersticial Felina é uma patologia psiconeuroendócrina, inflamatória e não 11 infecciosa que afeta a vesícula urinária, o sistema nervoso central e o eixo hipotalâmico-12 pituitário-adrenal, sendo aproximadamente 50 a 60% das Doenças do Trato Urinário 13 Inferior dos Felinos (DTUIF). A enfermidade provoca uma inflamação neurogênica 14 causada por uma diminuição de glicosaminoglicanos (GAGs) no uroepitélio vesical, o 15 que vai permitir o contato de toxinas da urina com nervos sensitivos, que vão ter um 16 estímulo contínuo resultando em um caráter crônico. A Cistite Intersticial Felina não 17 possui cura e o tratamento tem como objetivo reduzir a sintomatologia, sendo importante 18 conhecer a fisiopatogenia e as características psicológicas envolvidas, para assim chegar 19 a uma conduta assertiva na resolução da enfermidade. 20 Palavras-chave: Estresse, Felinos, Glicosaminoglicanos, Síndrome de Pandora. 21 22 ABSTRACT 23 Feline Interstitial Cystitis is a psychoneuroendocrine, inflammatory and non-infectious 24 pathology that affects the urinary vesicle, the central nervous system and the 25 hypothalamic-pituitary-adrenal axis, accounting for approximately 50 to 60% of Feline 26 Lower Urinary Tract Diseases. The disease causes neurogenic inflammation caused by a 27 decrease in glycosaminoglycans (GAGs) in the bladder uroepithelium, which will allow 28 the contact of urine toxins with sensory nerves, which will have a continuous stimulus 29 resulting in a chronic character. Feline Interstitial Cystitis does not have a cure and the 30 treatment aims to reduce the symptoms, it is important to know the physiopathogenesis 31 and the psychological characteristics involved, in order to reach an assertive approach in 32 solving the disease. 33 mailto:nataliaxavierpiola@hotmail.com mailto:nataliaxavierpiola@hotmail.com Keywords: Stress, Felines, Glycosaminoglycans, Pandora's Syndrome. 34 35 INTRODUÇÃO 36 A Cistite Intersticial Felina, comumente conhecida com Síndrome de Pandora, é 37 uma patologia psiconeuroendócrina, inflamatória e não infecciosa que afeta a vesícula 38 urinária, o sistema nervoso central e o eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal. O termo 39 Síndrome de Pandora foi sugerido por Buffington em 2011, fazendo referência à “Caixa 40 de Pandora”, que segundo a mitologia grega a caixa continha os males do mundo, sendo 41 guardada por Pandora que não deveria abri-la em nenhuma hipótese. Devido a 42 curiosidade, Pandora abriu a caixa deixando os males escaparem, restando apenas a 43 esperança. O autor afirma que a Síndrome de Pandora não se limita apenas nos problemas 44 urinários, como também envolve órgãos diversos, causando lesões inexplicáveis 45 (BUFFINGTON, 2012; TEIXEIRA et al., 2019). 46 Nelson e Couto (2010) em seu estudo relatou que a prevalência de Doenças do 47 Trato Urinário Inferior dos Felinos (DTUIF) é por volta de 4 e 10% nas clínicas 48 veterinárias e, dentre esses casos, aproximadamente 50 a 60% são de Cistite Intersticial 49 Felina (TEIXEIRA et al., 2019). 50 51 ETIOLOGIA 52 Os felinos (Felis catus) após serem domiciliados vivem em ambientes domiciliares, 53 em sua maioria com pouco enriquecimento ambiental, o que os torna mais suscetíveis ao 54 estresse e, consequentemente, leva a uma maior predisposição a desenvolver 55 enfermidades ocupacionais, ambientais e comportamentais (CARDOSO et al., 2021.) 56 A Síndrome de Pandora pode ocorrer após mudanças no ambiente e alterações 57 na rotina do felino ou tutor. Além disso, por ser de origem desértica o gato se adaptou à 58 uma baixa ingestão hídrica, o que é recomendado ser recompensado na dieta do animal, 59 contudo a maioria recebe alimentação seca comercial (CARDOSO et al., 2021). 60 61 EPIDEMIOLOGIA 62 A idade é um fator relevante para considerarmos ao pensar no diagnóstico de 63 cistite intersticial felina. Uma vez que gatos com meia-idade até 10 anos possuem maior 64 predisposição a apresentar a comorbidade denominada cistite intersticial/idiopática felina 65 correspondendo cerca de 60 a 70% dos casos (DORSCH et al., 2014). Por outro lado, 66 infecções do trato urinário nesta faixa etária corresponde menos de 2% se diferendo da 67 espécie canina que a cistite é a causa mais predominante nesta idade no caso de infecções 68 do trato urinário inferior. Enquanto gatos com idade superior a 10 anos a cistite intersticial 69 felina não se comporta de modo tão insidioso e irá corresponder a 5% dos casos. Em 70 contrapartida, 50% dos casos apresentaram infecção do trato urinário causadas por cistite 71 de origem bacteriana nesta idade. Importante ressaltar que a cistite intersticial felina e 72 plugs uretrais são consideravelmente os responsáveis mais comuns de doença do trato 73 urinário inferior em felinos de até 10 anos ou de felinos com 10 anos ou mais. Ao passo 74 que a incidência de infecções e neoplasias tende a aumentar conforme a idade (DORSCH 75 et al., 2014; LEKCHAROENSUK et al., 2011). 76 Não há uma predisposição em relação ao sexo dos felinos com doença intersticial 77 do trato urinário inferior não obstrutiva. Quando tratar-se de manifestações clínicas que 78 remetem a esta com o animal apresentando menos de 1 ano de idade é relevante a busca 79 detalhada por afecções envolvendo defeitos anatômicos congênitos (DORSCH et al., 80 2014). 81 82 FISIOPATOLOGIA DA CIF 83 O mecanismo do estresse pode ser estimulado por qualquer acontecimento que 84 não é familiar ao gato, trazendo consequências tanto no comportamento psicológico 85 quanto para todo o organismo (CARDOSO et al., 2021). 86 A Síndrome de Pandora é referida por Westropp e Buffington (2004) como uma 87 patologia que envolve alterações do sistema nervoso e endócrino, provocando uma 88 inflamação neurogênica causada por uma diminuição de glicosaminoglicanos (GAGs) no 89 uroepitálio vesical, o que vai permitir o contato de toxinas da urina com nervos sensitivos 90 (CARDOSO et al., 2021; TEIXEIRA et al., 2019). As substâncias tóxicas presentes na urina, 91 como os íons cálcio e potássio, ou o pH ácido estimulam os neurônios sensoriais presentes 92 no epitélio vesical, fazendo com que o impulso seja transmitido através da medula 93 espinhal e causando dor, esta que liberam substâncias P que potencializam a inflamação. 94 O caráter crônico da Cistite Intersticial Felina se dá por essa inflamação que tem como 95 resultado a vasodilatação intramural, edema de submucosa, aumento da permeabilidade 96 vascular e, principalmente, pela degranulação dos mastócitos que causa uma contínua e 97 intensificada estimulação dos neurônios sensoriais (TEIXEIRA et al., 2019). 98 A base que proporciona saúde mental e física dos animais é o bem-estar, o que 99 evidencia a importância de identificar estímulos e situações que podem estar 100 desencadeando estresse (CARDOSO et al., 2021), esta que é a principal etiologia da 101 inflamação do uroepitélio (TEIXEIRA et al., 2019). 102 103 SINAIS CLÍNICOS 104 Temos as manifestações clínicas da cistite intersticial felina semelhantes à da 105 doença do trato urinário inferior felino (DTUIF). Sendo assim, inclui sintomas 106 ocasionados pela infamação da bexiga e uretra. Polaciúria, disúria, estrangúria, periúria, 107 hematúria e obstrução uretralpodendo ser completa ou incompleta são sinais 108 característicos. Já a despeito das obstruções uretrais temos a incapacidade de urinar ou 109 estrangúria/disúria, lambedura excessiva em região perineal, pênis e prepúcio congestos, 110 vocalização, sintomas de uremia pós-renal, enfatizando êmese, diarreia, desidratação, 111 letargia, fraqueza, hipotermia, bradicardia, distúrbios eletrolíticos e fraqueza 112 (CAMOZZI; JUNIOR, 2015). 113 Por meio do exame físico é possível achar como sinais mais habituais da CIF, 114 aumento da frequência respiratória, pulso periférico fraco, bradicardia ou taquicardia, 115 hipotermia ou hipertermia. Na palpação abdominal a vesícula urinária apresenta-se 116 repleta (CAMOZZI; JUNIOR, 2015). 117 118 DIAGNÓSTICO 119 Por tratar se de um diagnóstico de exclusão é necessário realizar o diagnóstico 120 diferencial para outras doenças de DTUIF como por exemplo, urolitíases, neoplasia e 121 divertículo vesicouracais (CRIVELLENI, 2015). 122 A despeito dos exames complementares, esses devem serem feitos após a 123 estabilização do quadro do paciente. Engloba exames como: coleta de urina para a 124 realização de cultura e antibiograma além da avaliação do sedimento, radiografia simples 125 e contrastada em região de trato urinário (urografia excretora e uretrocistografia 126 retrógrada), uroendoscopia (uretroscopia e cistoscopia) e ultrassonografia (CAMOZZI; 127 JUNIOR, 2015). 128 Quando houver obstrução é de utilização viável e indicada avaliar a glicemia, 129 eletrólitos (cálcio iônico, sódio, cloreto, fósforo e potássio), hemogasometria e pressão 130 arterial (CAMOZZI; JUNIOR, 2015). 131 Sobre os parâmetros bioquímicos e hematológicos, esses não fornecem 132 informações relevantes (CAMOZZI; JUNIOR, 2015; CRIVELLENI, 2015). São 133 realizados quando há a suspeita de uma doença concomitante como o caso por exemplo 134 de uma doença renal crônica ou quando o clínico nota a necessidade de avaliar o estado 135 geral do paciente em situações de obstrução uretral (CAMOZZI; JUNIOR, 2015). 136 Na urinálise pode ser possível a presença de cristalúria e piúria (em torno de 5 a 137 10 leucócitos/cpa) sem a existência de bactérias e a urucultura negativa. Nos exames de 138 imagem nota-se petéquias na submucosa quando o paciente for submetido a uma 139 cistoscopia e na radiografia e ultrassonografia mostrará a parede da vesicular urinária 140 espessada. Já na histopatologia, temos está como pouco convincente e inespecífica 141 (CRIVELLENI, 2015). 142 É evidente a imprescindibilidade do médico veterinário compreender o 143 comportamento do gato doméstico, para que seja possível diferenciar os problemas de 144 origem comportamental juntamente com seus distúrbios clínicos, daqueles de origem 145 orgânica (CARDOSO et al., 2021). 146 147 TRATAMENTO 148 Quando tivermos um quadro de doença idiopática do trato urinário inferior 149 (DITUI) sem obstrução uretral temos a resolução do caso com ou sem a presença de um 150 tratamento terapêutico em torno de 5 a 10 dias. Agora, quando esta apresentar obstrução 151 uretral por mais que possa ser autolimitante a depender da causa, requer maior atenção. 152 Pois, é passível de graves alterações hidroeletrolíticas (CAMOZZI; JUNIOR, 2015). 153 Entretanto, por mais que a resolução de doenças do trato urinário inferior de 154 felinos não obstrutivos possam ser espontâneos num intervalo de quatro a sete dias 155 (FORRESTER; ROUDEBUSH, 2007) o tratamento é indicado pensando justamente que 156 a angústia do animal pode gerar piora do caso por eventos que altere o comportamento. 157 Como exemplo temos: lambeduras e mordeduras excessivas levando ao auto 158 traumatismos da região perineal, perda do hábito da utilização da liteira e 159 consequentemente ocasionar em uma obstrução uretral (CAMOZZI; RECHE, 2015). 160 Visando a redução do estresse, é abrangido uma manutenção do bem-estar 161 pensando nas particularidades da espécie felina, como tornar o ambiente mais 162 enriquecido, instigante e menos previsível, possibilitando que o animal expresse 163 comportamentos como o de caça (CARDOSO et al., 2021). Segundo Gunn-Moore (2008), 164 as principais formas de reduzir a gravidade da sintomatologia é através da redução do 165 estresse, alteração da dieta e a terapêutica farmacológica, visto que o autor relata em seu 166 estudo que a Cistite Intersticial Felina não possui cura (TEIXEIRA et al., 2019). 167 Há estudos que relatam que a urina da maior parte dos felinos com Síndrome de 168 Pandora é estéril e, por não ter presença de bactérias, não é necessário a administração de 169 antimicrobianos, o que evidencia o contexto de uso racional de antibióticos para que não 170 desenvolva uma resistência bacteriana (CARDOSO et al., 2021). 171 172 CONSIDERAÇÕES FINAIS 173 A Cistite Intersticial Felina, devido possuir caráter psiconeuroendócrino, é uma 174 enfermidade sem cura em que o tratamento possui como objetivo reduzir a 175 sintomatologia. Sendo assim, é necessário desde o momento de o diagnóstico 176 conscientizar o tutor, que deve estar ciente da importância do enriquecimento ambiental 177 e de como o estresse e mudanças de rotina podem desencadear diversas alterações no 178 organismo dos felinos. 179 O tratamento pode ser através do enriquecimento ambiental, visando a melhor da 180 qualidade de vida do gato, entretanto em alguns casos pode ser necessário terapia 181 medicamentosa, tornando importante conhecer a fisiopatogenia e as características 182 psicológicas envolvidas na Síndrome de Pandora, para assim chegar a uma conduta 183 assertiva na resolução da enfermidade. 184 185 REFERÊNCIAS 186 BUFFINGTON, C. A. T. Síndrome de Pandora: reconsiderando nuestro enfoque a la 187 cistitis idiopática en gatos. Veterinary Medicine, Cidade do México, v. 6, n. 6, p. 5-13, 188 jun/jul. 2012. 189 CARDOSO, L.; S.; B. LARA, B.; P. DIAS, A T.; P. SILVA, L.; F. CLEFF, M.; B. 190 Understanding the consequences of an assertive diagnosis of Pandora's syndrome 191 and the veterinarian's responsibility. Brazilian Journal of Animal and Environmental 192 Research, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 564-570 jan./mar. 2021 DOI 10.34188/bjaerv4n1-048 193 CRIVELLENTI, L. Z. Nefrologia e urologia. In: BORIN-CRIVELLENTI, S.; 194 CRIVELLENTI, L. Z. Casos de rotina em medicina veterinária de pequenos animais. 195 ed. 2. São Paulo – SP: MedVet, 2015. Cap. 11, p. 419-421. 196 DORSCH, R.; REMER, C.; SAUTER-LOUIS, C.; HARTMANN, K. Feline lower 197 urinary tract disease in a german cat population. Tierärztl Prax. 2014; 42(K):231-9. 198 DRU FORRESTER, S.; ROUDEBUSH, P. Evidence-based management of feline 199 lower urinary tract disease. Vet Clin Small Anim. 2007; 37:533-58. 200 LEKCHAROENSUK, C.; OSBORNE, C. A.; LULICH, J. P. Epidemiology study of 201 risk fac-tors for lower urinary tract diseases in cats. JAVMA. 2001; 218(9):1429-35. 202 RECHE Jr., A.; CAMOZZI, R. B. Doença do Trato Urinário Inferior dos felinos/ Cistite 203 Intersticial. In: JERICO, M. M; ANDRADE, J. P; KOGIKA, M. M. Tratado de Medicina 204 Interna de cães e gatos. 1. Ed. Rio de Janeiro: Roca, vol. 2, p. 1483-1492, 2015. 205 TEIXEIRA, K. C.; VIEIRA, M. Z.; TORRES, M. L. M. Síndrome de Pandora: aspectos 206 psiconeuroendócrinos. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia 207 do CRMV-SP / Journal of Continuing Education in Animal Science of CRMV-SP. São Paulo: 208 Conselho Regional de Medicina Veterinária, v. 17, n. 1, p. 16-19, 2019. 209 210 211 212 213 214 215