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APOSTILA - PARTE 2 MEDICINA FELINA: 7 vidas de cuidados Veterinarius E.J. Módulo 5 - Análise Laboratorial “Aquele que depende totalmente do laboratório para fazer seu diagnóstico é provavelmente inexperiente; aquele que diz que não depende do laboratório é desinformado. Em ambos os casos, o paciente corre perigo.” (J.A. Halsted – Department of Biochemistry, Washington University School of Medicine) Estresse de coleta São muitos os desafios enfrentados pelo médico veterinário quando o paciente em questão é um felino, visto que um gato estressado pode influenciar no resultado da anamnese e dos exames laboratoriais. Além disso, muitas vezes o estresse se inicia antes da chegada à clínica. Dessa forma, é muito importante que o clínico esteja preparado para orientar os tutores a respeito do transporte e da preparação para a consulta. O ambiente da clínica também deve ser devidamente preparado para a recepção amigável dos felinos. O estresse pode desencadear anormalidades no exame físico (como taquicardia, bradicardia, aumento da frequência respiratória, dilatação das pupilas e hipertermia) e nos exames laboratoriais. Quando ocorre debatimento do paciente, pode-se desencadear hiperglicemia por estresse muito rapidamente, podendo alcançar valores de 613mg/d ℓ , que pode perdurar por 90 a 120 min e, inclusive, resultar em glicosúria (para tirar a dúvida se animal é ou não diabético, pode-se realizar o teste de frutosamina ou hemoglobina glicada – ambos nos fornecem o histórico da glicemia do animal). Também pode ser observada hipocalemia na bioquímica sanguínea, devido à liberação de epinefrina. Outras alterações que podem ser observadas no leucograma, em caso de estresse agudo, em virtude da liberação de epinefrina envolvem: leucocitose, neutrofilia, linfocitose e eosinofilia; em caso de estresse crônico, pela 95 ativação do eixo hipotálamo-pituitário-adrenal e liberação de cortisol, as principais alterações observadas são: leucocitose, neutrofilia, linfopenia e eosinopenia. No caso da liberação de epinefrina, na conhecida resposta de “luta ou fuga”, as alterações ocorrem devido ao fato de que os gatos possuem pool marginal maior que o pool circulante. Logo, com a liberação de epinefrina, ocorre demarginação dos leucócitos que estavam no pool marginal, indo para o pool circulante. Com isso, temos, mais comumente, os achados de leucocitose com neutrofilia e linfocitose. Já no caso do cortisol, os esteroides atuam induzindo a apoptose dos linfócitos, alterando seus padrões de recirculação e duplicando os neutrófilos circulantes. Segundo Thrall (2015), já foram observados gatos amedrontados, sem sinais clínicos relacionados, com valores de linfocitose de até 20000 células/ μℓ (VR: 1500-7000), justificado pela ativação do eixo hipotálamo-pituitário- adrenal. 96 COLETA DE AMOSTRAS DE SANGUE O médico veterinário que pretende oferecer um atendimento cat friendly deve ter bom conhecimento acerca do comportamento e das características da espécie de forma a proporcionar suporte médico que seja o menos estressante possível para o animal, levando em consideração que isso pode gerar diversas alterações nos exames laboratoriais. Por isso, no momento da consulta, já devem estar presentes na sala de atendimento todos os materiais que possam ser necessários na consulta, tais quais: agulhas/cateter/scalp, seringas, tubos de coleta, termômetro digital flexível, estetoscópio (se possível, pediátrico, por ser menor), máquina de tricotomia - a mais silenciosa possível, toalhas estéreis, glicosímetro, balança próxima à mesa de exames). Tipo de material e técnica de coleta 97 É importante manusear os animais com calma e delicadeza; Limite, o máximo possível, o número de pessoas presentes no ambiente; Uma música tranquila pode ter efeito calmante; As pessoas presentes no local devem ser orientadas a não manter contato visual direto e fixo com o gato. Para os exames que envolvem coleta de sangue, é útil verificar com o laboratório que irá realizar as análises o volume realmente necessário das amostras. Caso seja possível, pode-se coletar o material biológico em microtubos com EDTA (volume máximo de 0,5mL de sangue), sempre lembrando de homogeneizar a amostra adequadamente. Normalmente, as coletas de amostras em gatos exigem o mínimo de manuseio possível e o profissional deve assegurar que o paciente esteja o mais seguro e relaxado possível nesse momento. Caso o clínico considere necessário, pode permitir que o animal fique deitado ou enrolado sobre algum cobertor ou algo macio que tenha o cheiro de sua casa, para possibilitar um maior conforto ao gato. Alguns tutores gostam de estar presentes nesse momento e isso pode ser muito útil para o clínico, visto que o gato fica mais despreocupado e calmo na presença de seus tutores. Orientações para a coleta de sangue, segundo o Feline Advisory Bureau (FAB): Métodos para a coleta de sangue: COLETA DE SANGUE PELA VEIA CEFÁLICA (foto 1): 1) Com o gato em pé, ao lado direito do seu corpo, contorne o corpo do animal com seu braço e traga-o para perto de você, mantendo o cotovelo na altura das patas traseiras do gato; 2) Estenda seu braço direito e coloque 3 (três) dedos atrás do cotovelo do gato e com os dedos indicador e polegar, faça um garrote no animal, aplicando pressão com cuidado; 3) Mantenha a mão esquerda sob a mandíbula do animal, delicadamente, para evitar que ele morda ou se movimente; 98 4) Em algumas situações, o membro torácico esquerdo pode precisar ser contido, nesse caso, use um dos dedos da sua mão direita para a contenção; 5) Realize a coleta. Imagem: exemplificando como pode ser realizada a coleta através da veia cefálica Foto 1 COLETA DE SANGUE PELA VEIA JUGULAR – MÉTODO 1 (foto 2): 1) Com o corpo posicionado por trás do gato, segure os membros torácicos e o esterno com sua mão direita, inserindo um dedo entre os membros para não imprimir muita força, mantendo, com seu corpo, o corpo do gato sobre a mesa; 2) Usando a mão esquerda, levante, com cuidado, a mandíbula do gato para ter acesso à veia; 3) Faça carinho para distraí-lo e realize a coleta. Foto 2 COLETA DE SANGUE PELA VEIA JUGULAR – MÉTODO 2 (foto 3): Ideal para filhotes, animais muito medrosos e raças braquicefálicas. É ideal para ser realizado com a ajuda de um assistente. Imagem: exemplificando procedimento através da veia jugular 3) Durante toda a manobra, segure os membros torácicos do animal de maneira gentil e cuidadosa; 4) O assistente deve permanecer segurando o gato com a mão direita e, com o braço esquerdo, mantenha-o deitado sobre a mesa, contendo gentilmente a cabeça do animal; 5) O clínico deve usar o polegar para elevar a veia no sulco entre escápula e traqueia, sem aplicar pressão excessiva, e realizar a coleta. 99 1) Apoie o gato em uma toalha ou cobertor sobre a mesa, se possível, com cheiro de casa, para deixá- lo mais confortável e seguro; 2) Deite-o em decúbito ventral, de maneira suave e ágil; Foto 3Imagem: exemplificando procedimento através daveia jugular COLETA DE SANGUE PELA VEIA SAFENA MEDIAL (foto 4): Nesse método são necessárias 2 assistentes para a contenção, além do clínico para a coleta. 1) O gato deve ser colocado em decúbito lateral, com as pernas em direção ao médico veterinário; 2) Quando possível, deixe em posição anatômica os membros torácicos e a cabeça, visto que muitos gatos não gostam de ficar nesse decúbito; Imagem: exemplificando coleta através da veia safena. Foto 4 100 3) Os assistentes devem manter-se com o corpo próximo às costas do animal (para evitar o confronto direto); 4) Um dos assistentes deve usar a mão esquerda para conter a cabeça do gato de forma gentil e a mão direita para segurar os membros torácicos, mantendo o dedo indicador entre os membros; 5) O outro assistente deve segurar um membro pélvico com uma mão e, com a outra, estender o outro membro, realizando o garrote para o clínico, que realizará a coleta em seguida.Tubo para hemocultura – visando manter a assepsia na coleta; Tubo sem anticoagulante ou com ativador de coágulo (tubo de tampa vermelha comum e tubo de tampa amarela com gel separador de soro SST) – evitar transporte de anticoagulante para esse tubo, especialmente EDTA, a fim de evitar a contaminação e de reduzir o risco de quelação e de concentrações séricas falsamente diminuídas de Ca2+ e Mg2+. O potássio presente no anticoagulante EDTA pode elevar falsamente o valor de potássio da amostra; Tubo com anticoagulante (citrato de sódio): deve ser preenchido apenas depois do tubo sem anticoagulante para reduzir os riscos de contaminação da amostra com tromboplastina residual, que pode ser liberada durante a lesão induzida pela punção da veia e elevar falsamente o tempo de coagulação; Tubo com heparina; Tubo com EDTA; Tubo com oxalato-fluoreto. Tubos para coleta: É fundamental que o clínico saiba escolher os tubos apropriados para as amostras de sangue que serão analisadas. Na tabela abaixo (tabela 1), estão listados os tubos de coleta mais utilizados na clínica médica, de acordo com seus usos mais comuns e alguns comentários. Quando for necessário coletar uma amostra em diferentes tubos, deve-se seguir as diretrizes universais de ordem de preenchimento dos tubos, na seguinte ordem: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 101 Imagem: tipos de tubos para coleta de acordo com sua composição. Amarela: Gel separador com ativador de coágulo (sem anti-coagulante), para Bioquímica e Sorologia. Verde: Heparina, para Hemograma de aves e répteis. Cinza: Fluoreto de Sódio, para Glicose. Roxa: EDTA, para Hemograma. Vermelha: Ativador de coágulo (sem anti-coagulante), para Bioquímica e Sorologia. Azul: Citrato de Sódio, para TP e TTPA (Coagulação). Preta: Citrato de Sódio, para Taxa de Sedimentação. Tabela - adaptada: tubos comuns utilizados na coleta de sangue TIPO COR DA TAMPA TIPO DE AMOSTRA USO COMUM COMENTÁRIOS SST Amarela. Soro. Perfil bioquímico; provas sorológicas. Não é apropriado para determinar se o nível da medicação é terapêutico porque o gel interfere na recuperação do fármaco. Comum Vermelha. Soro. Perfil bioquímico; provas sorológicas; teste com medicamento; análise de líquido. Em geral, é necessário separar o soro das hemácias a fim de evitar a contaminação com produtos da degradação dessas hemácias. Após a centrifugação, o soro deve ser transferido para um tubo limpo de tampa vermelha. EDTA Rosa. Plasma ou sangue total. Provas hematológicas, por exemplo, hemograma, contagem de plaquetas, contagem de reticulócitos; PCR; Teste de Coombs; Tipagem sanguínea e reação cruzada; Análise de líquido. EDTA não é recomendado para algumas espécies de aves e répteis, como corvo e tartaruga terrestre ou marinha. Não permita que as amostras para PCR tenham contato com formalina ou seu vapor. 102 Citrato de sódio Azul-claro. Plasma ou sangue total. Coagulograma; por exemplo: TP, TPP, D-dímero, fibrinogênio, PDF. Para obter resultados acurados, é necessária uma razão sangue / anticoagulante de 1:19. Em tubo não preenchido por completo, ocorre efeito de diluição e, assim, tem-se tempo de coagulação falsamente prolongado. Em tubo preenchido em excesso, pode haver diluição do anticoagulante e formação prematura do coágulo, com consumo de fatores de coagulação; também pode ocasionar tempo de coagulação prolongado. Heparina de lítio Verde. Plasma ou sangue. Perfil bioquímico plasmático. Tubo com heparina sódica tem a mesma tampa e seu uso deve ser evitado na determinação de eletrólitos. Amostra de escolha para algumas espécies de aves ou répteis. Frascos para hemo cultura Tampa de várias cores; contém meio de cultura de suporte. Sangue total em meio de cultura. Hemocultura; cultura de líquido sinovial. Antes da venopunção para hemocultura é necessária rigorosa assepsia. Usar tubo/frasco pareados para cultura aeróbica e anaeróbica. É mais provável a detecção de infecção transmitida pelo sangue quando se utiliza maior volume de sangue. Tubo/frasco para hemocultura não deve ser refrigerado. Oxalato e Fluoreto de sódio Cinza. Plasma. Teste de tolerância à glicose. O fluoreto de sódio impede a metabolização de glicose pelas hemácias (glicólise). Disponível em: VADEN, Shelly L. et al. Exames laboratoriais e procedimentos diagnósticos em cães e gatos. 1. ed. São Paulo: Roca, 2013. p. 37, ISBN 978 85 412 0350 0.) COLETA DE AMOSTRAS DE URINA As mesmas instruções gerais quanto à coleta de sangue devem ser utilizadas, buscando minimizar ao máximo o estresse do gato. Método para coleta de urina: No caso de gatos, a urina, via de regra, deve ser coletada por cistocentese. O gato deve estar posicionado da forma confortável, sem estender os membros pélvicos. Nas fotos abaixo estão demonstradas algumas maneiras de se realizar a coleta de forma amigável. 103 Imagem: gato confortável no colo para coleta por cistocentese. Imagem: coleta por cistocentese em posição natural com mínima contenção. As amostras coletadas por cistocentese são as mais confiáveis para se avaliar o conteúdo da bexiga, desde que sejam tomados os devidos cuidados para que na amostra de urina aspirada não haja sangue por acidente. Caso a agulha de aspiração entre em contato com a parede da bexiga ou aspire células da mucosa, será possível notar células de transição no conteúdo da amostra. No momento da coleta, é importante que a aspiração seja interrompida antes do momento da retirada da agulha para que seja evitada a aspiração de células epiteliais e de sangue capilar. Tais amostras são as mais indicadas para a realização de cultura, podendo também ser úteis na localização de alterações que indiquem danos renais e/ou vesicais, originados no sistema geniturinário. Em alguns casos, pode ocorrer contaminação da amostra por conteúdo fecal, quando ocorre mal posicionamento da agulha, de forma que esta penetre no intestino antes de perfurar a bexiga. Isso pode ser evitado com coleta guiada por ultrassonografia ou através da imobilização da bexiga durante o procedimento. 104 Recipientes para coleta: Os resultados da urinálise podem ser alterados de acordo com a escolha do recipiente de coleta. O frasco indicado para armazenamento da amostra deve ser de plástico opaco, rígido, preferencialmente com tampa de rosca – de forma a minimizar o risco de vazamento durante o transporte – e estéril. A opacidade do frasco é importante para os casos de exames em que serão analisados componentes como bilirrubina, que pode sofrer interferência fotoquímica. A identificação dos frascos coletores deve ser realizada na lateral do recipiente para que não se perca a identificação com a retirada da tampa. Além disso, em relação às análises coletadas por cistocentese, a amostra também pode ser transportada na própria seringa coletora, desde que sejam tomados os devidos cuidados com a agulha, por questões de biosseguridade. Transporte e armazenamento da amostra: A urina deve ser analisada, preferencialmente, em até 2h após a coleta, para evitar alterações decorrentes de oxidação, precipitação de minerais, reações fotolíticas e/ou decorrentes do metabolismo bacteriano. À temperatura ambiente, a urina libera CO2, o que causa elevação do pH da amostra, tornando-se mais básica (alcalina). Em ambiente mais alcalino, a quantidade de cristais pode se alterar, de acordo com a concentração de minerais e da solubilidade desses cristais na urina. A alcalinidade da urina também pode gerar resultados falso positivos no teste da fita-reagente (em particular para proteína) e resultar na lise de eritrócitos, leucócitos e cilindros. Além disso, com o passar do tempo, pode ocorrer multiplicação das bactérias contaminantes, principalmente se a amostra não for refrigerada. A depender do tipo bacteriano presente na amostra, isso pode desencadear metabolização de cetonas ou glicose e modificar a concentração de tais substâncias na urina. Diante disso, recomenda-se a refrigeraçãoda amostra, a fim de preservar sua integridade. Existem também alguns conservantes que podem ser utilizados, mas geralmente estas substâncias influenciam negativamente as análises COLETA DE AMOSTRAS DE FEZES O exame de fezes é uma importante ferramenta para avaliar a função e a integridade intestinal, sendo também parte do perfil laboratorial de rotina de animais que venham a apresentar sinais clínicos de doenças do trato gastrointestinal e infecções (virais, bacterianas, protozoárias ou parasitárias). A validade do exame de fezes, tal qual os demais exames, vai depender da maneira pela qual a amostra foi coletada e manuseada. Quando possível, é indicado que sejam coletadas fezes frescas para minimizar erros e problemas associados a amostras velhas, além de eliminar dúvidas acerca da origem e do armazenamento da amostra. Para análise de flotação ou de sedimentação fecal, são necessárias amostras mais volumosas (2 - 10g) para evitar resultados falso-negativos, sendo importante a defecação em áreas limpas de forma que a amostra seja imediatamente coletada e colocada em recipiente limpo e fechado (frasco com tampa de rosca), assim como adequadamente armazenada. Quando o objetivo for a pesquisa de sangue oculto ou o esfregaço direto de fezes, as amostras são menores e podem ser coletadas diretamente do reto com o auxílio de aplicador com extremidade de algodão levemente umedecido, com alça fecal ou mesmo com a ponta do dedo revestido por luva através do toque retal. Um método indicado para a identificação de bactérias e protozoários móveis (exemplo: trofozoítos de Giardia sp.) é a lavagem da ampola retal com solução salina, em que aplica-se de 6 a 12 mL no reto ou cólon, com o auxílio de um tubo de borracha vermelha 8F lubrificado ou de uma sonda uretral (tamanho maior que nº8) adaptada. A solução deve ser infundida e aspirada várias vezes até que seja obtido uma amostra semelhante a muco, que seja uma mistura de muco com material fecal (sendo esse último em menor quantidade). O material obtido pode ser utilizado em esfregaço direto ou armazenado em tubo de tampa vermelha estéril. Da mesma forma que os frascos de urina, os de fezes devem ser identificados pela lateral do recipiente para que a amostra não fique sem identificação ao ser destampada. 105 químicas e nenhuma delas é adequada a todas as exigências dos testes. O congelamento da amostra pode conservar seus componentes químicos (exemplo: catecolaminas), mas provoca lise celular. 106 Armazenamento da amostra: As análises devem ser realizadas tão rapidamente quanto possível, visto que as fezes podem sofrer alterações logo que são excretadas. Microrganismos e células de interesse são rapidamente deteriorados, dificultando sua identificação. Além disso, a flora bacteriana continua a se multiplicar, podendo ocasionar um supercrescimento de um tipo específico de bactéria ou mesmo de fungo. Manuseio da amostra: Absolutamente todas as amostras devem ser tratadas como materiais infectantes, pois nelas podem ser encontrados diversos microrganismos potencialmente patogênicos, além de vermes zoonóticos. Portanto, é estritamente necessária a utilização de luvas e a lavagem das mãos após a coleta das fezes. Caso o material vá ser coletado em casa, pelo tutor, é responsabilidade do médico veterinário dar as devidas orientações de biossegurança. Erros pré-analíticos Muitos são os fatores que podem desencadear erros no resultado dos exames laboratoriais e, consequentemente, afetar a interpretação das condições do paciente. Por isso, o clínico deve estar sempre atento quando o resultado não for compatível com o estado do paciente. Tais fatores podem ser classificados como erros pré-analíticos, analíticos e pós-analíticos. Segundo Andriolo (2018), 60 a 70% dos erros laboratoriais resultam de fatores pré-analíticos, que envolvem a preparação e a identificação do paciente, a requisição, a coleta, o transporte, o armazenamento da amostra e o preparo para análise. A causa mais comum de erros pré-analíticos é o manuseio inadequado da amostra, que gera alterações grosseiras (como hemólise, formação de coágulos, fibrina e agregados plaquetários) na amostra e, portanto, nos resultados. Amostras de felinos possuem uma maior facilidade em formar agregados plaquetários, influenciando a contagem de plaquetas e pode levar a uma falsa trombocitopenia. 107 Erros na coleta, como na escolha do vaso sanguíneo, seringa e agulhas inapropriadas; Erros na identificação da amostra, relacionando dados de um paciente a outro; Uso do anticoagulante errado; Contaminação inapropriada na amostra com anticoagulante (que pode ser evitada seguindo a ordem correta de preenchimento dos tubos, citada anteriormente); Proporção errada de anticoagulante em relação à amostra; Transferência traumática do sangue para os tubos de coleta, resultando em hemólise; Armazenamento inadequado da amostra antes da análise; Excesso de agitação ou de atrito durante o transporte; Amostra mal homogeneizada ou não homogeneizada para as mensurações hematológicas. Alguns dos erros pré-analíticos mais comuns são: O manuseio das amostras exige cuidados específicos que devem ser mantidos a fim de evitar a deterioração da amostra e de manter sua qualidade e tais cuidados podem variar a depender da análise que será realizada. Os laboratórios, em geral, fornecem aos seus clientes os procedimentos a serem adotados, os quais devem ser rigorosamente seguidos, para o envio correto. Os erros mais comuns acontecem quando as pessoas envolvidas no processo de coleta e de transporte não possuem os conhecimentos e/ou treinamento adequado para realizar tal atividade. Dessa forma, é importante que todos os envolvidos nessas tarefas sejam devidamente orientados e treinados para minimizar ao máximo a ocorrência desses erros. 108 ANOTAÇÕES FIV O vírus da imunodeficiência felina (FIV) é um retrovírus de fita simples. Assim como o FeLV (vírus da leucemia felina), o FIV atua produzindo a transcriptase reversa para catalisar a inserção do RNA viral no genoma do hospedeiro. A principal forma de transmissão é por meio da mordedura de um felino infectado, mas também pode ocorrer via transplacentária e pelo sêmen. O FIV é um vírus de distribuição cosmopolita e sua fase primária de infecção é caracterizada pela presença de febre discreta, neutropenia e linfadenopatia reativa generalizada. Após essa fase, ocorre um período de incubação latente, seguido do desenvolvimento de um estágio de imunodeficiência dos felinos infectados. 109 Módulo 6 - Doenças Doenças infecciosas É importante ressaltar que uma coinfecção com FeLV potencializa ambas as fases de infecção pelo FIV e que existe uma importante associação entre o vírus da imunodeficiência felina e as neoplasias malignas, que são causadas pelo efeito imunossupressor do vírus. Imagem: ensaio imunoadsorvente ligado a uma enzima (ELISA Para o diagnóstico, realiza-se o ensaio imunoadsorvente ligado a uma enzima (ELISA), porém, pode haver um resultado falso-positivo e, por isso, pode-se também realizar o RT-PCR para confirmação da infecção. FeLV O vírus da leucemia felina (FeLV) é um retrovírus que causa a imunodeficiência e predispõe o surgimento de doenças neoplásicas em felinos. O vírus pode ser transmitido pela saliva, pelas secreções nasais, por meio de relações sexuais, por via transplacentária, pelo leite e por transfusão sanguínea de um felino infectado, principalmente de assintomáticos. Felinos machos, não castrados, com acesso à rua e que possuem doenças imunossupressoras (como o FIV) são mais propensos à infecção. A exposição ao vírus não é sinônimo de infecção, uma vez que existe uma série de fatores que influenciam na manutenção da patogenia, como a idade, a cepa viral, o sistema imunológico do animal, o tempo de exposição e a carga viral. A sintomatologia clínica varia de acordo com a doença que o vírus desencadeia e comos órgãos atingidos, podendo causar sinais clínicos inespecíficos, como anorexia, depressão e perda de peso; ou sinais causados pelo próprio vírus, resultando no desenvolvimento de doenças degenerativas ou proliferativas, como linfoma e leucemia. Imagem: ensaio imunoadsorvente ligado a uma enzima (ELISA) O tratamento pode ser feito com a administração de interferons, que se mostram como uma opção promissora. Podem ser administrados agentes antivirais, como o inibidor da transcriptase reversa azidotimidina (AZT), porém esses fármacos possuem efeitos colaterais, podendo causar anemia. 110 Como métodos de diagnóstico, o ELISA é a principal técnica utilizada para detectar o antígeno viral, podendo ser colhidas amostras de saliva e de soro, sendo o último o preferencial por gerar menos resultados falsos- positivos e falsos-negativos. Podem ser realizados exames adicionais, como hemograma e bioquímico. Os fármacos escolhidos para o tratamento são drogas antivirais, como zidovudina ou azidotimidina (AZT), os quais estão sendo estudados já que não conseguem eliminar completamente a viremia e possuem efeitos tóxicos para o paciente. Em alguns casos, com a administração de interferon pode ser utilizada a imunoterapia para amenizar os sinais clínicos. É importante ressaltar que a prevenção por meio da vacinação é essencial para felinos que têm acesso à rua e para aqueles que possuem convívio com outros felinos positivos para a FeLV. Criptococose Doenças fúngicas A criptococose é uma micose causada pelo fungo Cryptococcus, que possui formato arredondado a ovoide, parede fina e tecidos circundados por uma cápsula heteropolissacarídica que confere resistência. Imagem: felino apresentando deformidades características da criptococose. 111 112 Esporotricose Nos felinos, a criptococose costuma ser causada pelo Cryptococcus neoformans. A transmissão provavelmente ocorre pela inalação de células de levedura ou basidiósporos, que estão adaptados para estarem dispersos no ar. Após a inalação, esses patógenos têm a capacidade de adesão à mucosa nasal, causando rinite micótica; e também possuem a capacidade de se difundirem para os pulmões, causando infecção pulmonar. Mais raramente, pode ocorrer criptococose secundária a um ferimento na pele, culminando na disseminação até o sistema nervoso central. A sintomatologia dessa patologia depende da localização da infecção e inclui a apresentação de corrimento nasal, coriza, sibilação, espirros, deformidade e oclusão nasal, rinite e sinusite. Alguns métodos podem ser utilizados para o diagnóstico da enfermidade, como: cultura fúngica (a partir de tecido infectado), citologia (a partir de amostras obtidas por lavado, swab nasal, aspirado ou biópsia) e sorologia (a partir de soro, líquido cérebro espinhal ou vítreo); já em caso de acometimento ocular, a amostra deve ser obtida a partir do líquido vítreo ou sub-retiniano. O tratamento da criptococose é baseado na utilização de fármacos como anfotericina B, cetoconazol, itraconazol, fluconazol e 5-flucitosina, sendo a escolha da terapia a ser definida somente pelo médico veterinário. Além disso, em casos de granulomas fúngicos na nasofaringe ou na cavidade nasal, a retirada cirúrgica pode ser uma boa opção. Quando não há acometimento do sistema nervoso central e o tratamento é instituído, o prognóstico é bom. A esporotricose é uma micose sistêmica causada pelo fungo Sporothrix schenckii. Os felinos têm um importante papel epidemiológico na transmissão dessa doença zoonótica, uma vez que apresentam uma grande quantidade de células fúngicas nas lesões cutâneas. O Sporothrix é um fungo complexo que sobrevive no ambiente, principalmente na vegetação, em regiões de clima temperado e tropical úmido. A transmissão ocorre, em sua maioria, através da mordida ou da arranhadura de um indivíduo infectado. 113 Imagem: felino apresentando a sintomatologia clínica característica da esporotricose Existem três manifestações clínicas da doença em gatos: localizada cutânea, cutâneo linfática e multifocal disseminada, sendo esta a disseminação para tecidos e órgãos, principalmente para o fígado e pulmão. Os felinos desenvolvem nódulos subcutâneos, indolores e que liberam uma pequena quantidade de secreção. Essas lesões persistem, o que faz com que a doença persista no animal por meses. O principal sinal clínico é o aparecimento dos nódulos com alopecia e com crostas, não comumente havendo ulceração central. A doença pode ocasionalmente se disseminar e atingir os pulmões do felino, sendo raro o acometimento de ossos e de órgãos internos. É importante ressaltar que a imunossupressão aumenta a probabilidade de disseminação da doença. O diagnóstico da esporotricose pode ser feito através do exame físico, por citologia do aspirado de abscesso e/ou nódulos, por esfregaços por “imprint” de lesões cutâneas, por cultura fúngica e, ainda, por exame sorológico. O tratamento é feito com itraconazol, que pode ser administrado sozinho ou em combinação com a anfotericina B intralesional, uma vez que apresenta menos efeitos adversos quando comparado ao cetoconazol e ao iodeto sódico. O prognóstico é bom, porém o tratamento é longo e o manuseio de felinos infectados deve ser feito com muito cuidado, por tratar-se de uma zoonose, é necessário instruir o tutor a respeito de todas as medidas necessárias de prevenção. Além disso, deve-se monitorar as enzimas hepáticas do felino em tratamento com o itraconazol por meio de bioquímicas seriadas. Peritonite infecciosa felina (PIF) A Peritonite Infecciosa Felina é uma patologia que acomete felinos silvestres e domésticos e é causada por uma mutação do coronavírus causador da enterite felina. Em gatos, essa patologia é mais frequente em machos de todas as idades. É uma patologia caracterizada pelo acúmulo de líquidos piogranulomatosos, composto principalmente por macrófagos e por neutrófilos. Esse vírus tem preferência de instalação em células epiteliais da mucosa do trato respiratório superior e da orofaringe e possui um desenvolvimento rápido, o que leva o animal acometido ao desenvolvimento patológico e ao desenvolvimento de sinais clínicos compatíveis em um curto período de tempo. Entretanto, possui um período de incubação muito variável: em torno de alguns dias, semanas ou até meses. Sua transmissão ocorre por inoculação direta, por meio de mordeduras ou lambeduras de animais infectados, pelo contato direto ou pela via uterina, da mãe para os fetos. Alguns fatores podem tornar o animal mais suscetível à infecção por PIF, entre eles: comprometimento imunológico devido às patologias secundárias, estresse, susceptibilidade genética, número de indivíduos que convivem juntos e compartilhamento de alimentadores e bebedouros. Formas de transmissão A transmissão da PIF é dependente do contato de um animal saudável com um animal infectado ou do contato do saudável com as fezes do infectado, uma vez que o vírus se aloja no trato gastrointestinal dos felinos e pode ser liberado nas fezes. A transmissão via uterina também pode acontecer na PIF, fazendo com que filhotes de mães infectadas já nasçam portadores do vírus. 114 115 Imagens: abrigos de felinos são fontes potenciais para a transmissão do PIF e do Calicivírus. Sinais clínicos Um dos primeiros sinais é a febre, que culminará na redução do apetite e no emagrecimento do animal. Pode haver também a coloração amarelada das mucosas, marcada pela presença do pigmento da bilirrubina, circulante em altas concentrações no sangue do animal, além de disfunções abdominais devido ao acúmulo de líquidos na cavidade peritoneal e pleural. O grau de efusão para essas cavidades permite a diferenciação da PIF em duas, sendo elas: seca e úmida ou não efusiva e efusiva. Na classificação seca/não efusiva acontece a replicação viral perivascular local e uma reação tecidual piogranulomatosa, além de uma efusão moderada para as cavidades afetadas.É marcada também pela inflamação das meninges encefálicas, do cérebro e da medula espinhal, causando, assim, comprometimentos neurológicos. Já na classificação úmida/efusiva, acontece a efusão intensa para as cavidades pleural e peritoneal de forma mais intensa, há presença de inflamação das serosas e dos tecidos viscerais de diversos órgãos, o que pode ocasionar perda e/ou comprometimento do funcionamento dos órgãos. Podem ocorrer ainda a inflamação de vasos sanguíneos, comprometendo o suprimento sanguíneo tecidual e levando a quadros variáveis de necrose. Diagnóstico O diagnóstico da PIF ocorre principalmente pela avaliação do histórico do animal; de seu modo de criação; dos sinais clínicos compatíveis com a patologia; dos hemogramas e da bioquímica sérica, acompanhado pela 116 presença de líquido peritoneal com aspecto amarelado e viscoso, que pode atingir um volume de até um litro. O hemograma do animal terá alterações características como anemia, leucocitose, linfopenia e trombocitopenia. Além disso, o diagnóstico por meio da titulação de anticorpos contra o coronavírus e a exclusão de doenças que possuem sinais clínicos semelhantes podem contribuir para a elaboração de um diagnóstico mais assertivo da PIF. Caso o animal venha a óbito, o processo de necropsia poderá ser feito e será verificado, sobretudo, a presença de um exsudato granular branco- acinzentado sobre as serosas, e, principalmente, sobre o baço e o fígado; além do conteúdo fluido, amarelado e viscoso depositado nas cavidades peritoneal e pleural. Tratamento e prevenção Não existe medicação específica para o tratamento de PIF. Sendo assim, pode ser realizada uma terapia suporte para auxiliar o sistema imune no combate e, consequentemente, minimizar as lesões causadas pelo coronavírus. O uso de medicamentos imunossupressores como Prednisolona e Ciclofosfamida são alternativas para se evitar respostas imunológicas exageradas que poderiam lesar ainda mais o tecido local. O uso de fluidoterapia e a remoção de líquidos efusivos também são medidas praticadas para garantir maior recuperação do animal. A vacinação se mostra muito pouco eficiente na indução da resposta imune nos felinos, principalmente, porque eles já podem estar acometidos ao receberem a vacina, tornando a prevenção ainda mais importante no combate a PIF. Entre as principais medidas preventivas estão: evitar dividir utensílios como bebedouros, caixinhas de areia e comedouros entre gatos da mesma casa; restringir o acesso do felino à rua e a outros felinos desconhecidos; Calicivírus O Calicivírus Felino é um vírus que possui o RNA como material genético, fazendo com que sua capacidade de mutação seja elevada e criando, assim, diferentes cepas com graus variados de patogenia. De modo geral, a patologia advinda da via de infecção oral é menos agressiva do que aquela por aerossol. Isso se deve ao local onde ocorrem as lesões, que são no trato respiratório superior e na cavidade oral dos felinos. Esse vírus acomete felinos de todas as idades, mas pode ser fatal em animais adultos devido ao fato de ser altamente virulento, sendo capaz de levar o animal a uma resposta imune sistêmica muita intensa. Em animais saudáveis, como o vírus é altamente virulento, sua eliminação demora cerca de 75 dias a partir do momento da infecção. A patologia advinda pode se comportar de forma aguda ou crônica no animal, evoluindo caso aconteça algum comprometimento do sistema imune do animal por algum fator exógeno ou endógeno. A patogênese da doença será dependente do manejo, do tratamento suporte e específico fornecidos ao animal acometido, do comportamento do sistema imune diante da infecção e do fato do animal ser vacinado ou não - de forma que os não vacinados ocupam um papel fundamental na transmissão e na evolução da patologia, pois servem de reservatório para o vírus, que poderá infectar animais vacinados, e estes podem ou não desenvolver os quadros da doença, porém, serão portadores pelo menos momentaneamente do vírus. 117 oferecer água e ração de boa qualidade e encorajar a prática de atividades físicas para que o sistema imunológico possa ser estimulado e venha a combater de forma mais efetiva uma possível infecção. Imagem: comedouros individuais e elevados devem ser preferenciais para evitar a transmissão de PIF entre felinos 118 Formas de transmissão As formas de transmissão do calicivírus são diversas e podem ocorrer através de fômites, como objetos contaminados, já que o vírus possui a capacidade de sobrevivência de até 28 dias em superfícies secas, em mesas de atendimento de clínicas e em contato com água e comida que tiveram contato com outro animal contaminado pelo vírus. Além disso, o contato de médicos veterinários, tratadores ou cuidadores com animais contaminados e saudáveis pode favorecer a transmissão do vírus. Assim, a forma de transmissão entre clínicas é comum, caso não ocorram os devidos cuidados no processo de higienização de mesas e de equipamentos e o uso de luvas descartáveis para o manuseio do animal. A transmissão por aerossóis é menos importante do que a transmissão via contato direto entre felinos ou indireto via tutores e médicos veterinários ou animais contaminados e saudáveis, já que a liberação por aerossóis não é capaz de atingir grandes distâncias, sendo limitada a um metro. A transmissão ocorre de forma muito acentuada em locais onde há uma densidade populacional felina elevada, como em abrigos, já que o fluxo de animais é intenso nesses locais. Isso aumenta a incidência do contato entre animais infectados com animais saudáveis de forma que, aliado à falta de cuidados quanto ao manejo dos felinos recém chegados, pode resultar em alta transmissão entre os felinos habitantes do local. Sinais clínicos Os sinais clínicos apresentados por animais infectados pelo calicivírus passaram por algumas modificações ao longo do tempo, justamente devido à capacidade de mutação elevada do vírus, que passou a ser chamado de calicivírus virulento sistêmico por sua gravidade e amplitude de sinais apresentados. Entre os principais sinais apresentados estão: secreções nasais e orais aumentadas e intensas, presença de úlceras orais, estomatites e pneumonia. 119 Esses sinais serão acompanhados, na maioria das vezes, por febre alta; formação de edemas em membros, na musculatura facial e no pulmão que levará, neste último caso, a uma dificuldade respiratória que pode ser ainda mais acentuada com a formação de trombos e de uma coagulação intravascular disseminada e sistêmica causada pela apoptose de células epiteliais de diversos vasos. Por consequência, há a possibilidade de ocorrerem quadros de necrose, principalmente em células do fígado, causando um quadro de acúmulo de bilirrubina, denominado de icterícia, devido à insuficiência hepática e à falha no processo de síntese proteica. Além disso, o pâncreas contribuirá para o quadro anoréxico do animal, já que poderá haver o comprometimento da produção dos hormônios insulina e glucagon (hormônios relacionados diretamente ao metabolismo energético celular). A queda de pelos na região das orelhas, próximo ao focinho e nos coxins também é uma manifestação marcante que pode acontecer em casos de infecção pelo calicivírus. Diagnóstico Alguns dos passos importantes para se chegar a um diagnóstico mais assertivo é o estudo dos hábitos de criação do animal, a investigação da existência de outros felinos infectados no mesmo lar ou vizinhanças, e a descoberta da origem do animal. Esses passos devem ser alinhados a sinais clínicos compatíveis, sendo possível partir de testes específicos para detecção do calicivírus. Entre os testes utilizados estão o PCR, para observação da presença do RNA nas amostras coletadas, que podem ser obtidas a partir de esfregaços na região da orofaringe ou de amostras de sangue com EDTA. Em casos de uma viremia mais avançada e persistente, o vírus pode ser encontrado nas fezes. Outratécnica utilizada é a imunohistoquímica, baseada no princípio da utilização de anticorpos específicos contra o antígeno do calicivírus, em que ocorre a reação antígeno-anticorpo que será demonstrada por meio da imunofluorescência. Essa técnica permite a averiguação do animal 120 infectado mesmo que ele ainda esteja em um estágio inicial do contágio e com baixa taxa de infecção. A cultura viral também pode ser feita, mas, devido à sua dificuldade de manipulação e do pouco sucesso na abordagem, é menos utilizada. Em animais que vierem a óbito, a necropsia pode ser feita em órgãos mais acometidos como língua, pulmões e rins; onde serão observadas lesões típicas, como a necrose de hepatócitos. Tratamento e prevenção Devido à alta capacidade patogênica do calicivírus, o mais recomendado é evitar ao máximo que o felino contraia o vírus. Para isso, medidas nos lares como a restrição do acesso do felino à rua e o uso de comedouros e bebedouros individuais, assim como as boas práticas nas clínicas, como a execução devida da higienização de mesas e de equipamentos entre atendimentos com hipoclorito de sódio 5% na diluição 1:3 e o uso de luvas descartáveis, devem ser seguidos. O isolamento de felinos doentes dos saudáveis é também uma medida válida para evitar a propagação da doença. A terapia aplicada visa dar suporte para o combate ao vírus e inclui fluidoterapia para evitar quadros de desidratação; uso de corticoides para evitar respostas imunológicas exageradas e prejudiciais; e a aplicação de medicação antiviral de modo a combater o vírus. Devido à alta capacidade de mutação desse vírus, a vacinação pode não ser a medida mais eficiente, já que a utilizada é baseada em cepas antigas e mais virulentas. Essa diversidade de cepas torna difícil a atualização do espectro da vacina de maneira que imunize o felino contra todas elas. Assim, mesmo os animais vacinados estão suscetíveis à infecção conforme as cepas adquirem capacidade de resistência aumentada devido à alteração de suas estruturas antigênicas. Herpesvírus felino O herpesvírus felino é um vírus que possui DNA como material genético e apresenta altas taxas de mutação. Os ambientes preferenciais deste vírus no corpo do animal são em regiões com temperatura próxima dos 37°C, sendo encontrado principalmente em células da mucosa nasal e na córnea, mas, dependendo do grau de infecção, pode atingir células neurais adjacentes ao gânglio do ramo trigêmio. Um ponto a ser considerado quanto ao herpesvírus felino é sobre a sua resistência e sobrevivência no organismo hospedeiro, este que será seu portador por toda a vida em caso de uma infecção prévia, mas que pode ter manifestações clínicas características em casos de baixa eficiência do sistema imunológico ou do uso de medicação imunossupressora. Formas de transmissão: O herpesvírus pode ser transmitido por fômites, ou seja, uma transmissão indireta por meio do manejo por humanos que tiveram contato com animais portadores do vírus, por meio do contato com mesas de atendimento em clínicas onde um felino portador foi consultado, mas que não passou pelas devidas desinfecções, e, também, por meio de recintos que possam ter sido o alojamento de algum felino contaminado em um curto espaço de tempo, tendo em vista que a sobrevivência desse vírus no ambiente é limitada. 121 Além de outros fatores de controle contra esses vírus, a vacinação contra o Herpesvírus felino e também contra o Calicivírus são essenciais e indispensáveis para evitar patologias mais graves nos felinos e a sua propagação para outros felinos.Imagem: felino sendo vacinado No entanto, a transmissão direta por meio de secreções nasais, orais e oculares de felinos infectados é a forma mais comum de transmissão de herpesvírus. O animal contaminado apresenta sinais clínicos em um período de aproximadamente 7 dias, o que persiste por até 14 dias, sendo este período o mais crítico para a transmissão para felinos saudáveis. Animais portadores, mas assintomáticos, transmitirão o vírus apenas em casos de reativação, determinada por fatores que comprometem o funcionamento adequado do sistema imune do animal em casos de baixa imunidade mediada por doenças, fatores nutricionais ou medicamentosos. A taxa de infecções agravadas em animais jovens, geralmente, é maior do que em adultos devido à resposta imune mais específica e mais intensa do sistema imune em casos de reinfecção nos adultos. Sinais clínicos Os sinais clínicos serão mais acentuados durante o período que o vírus estiver se multiplicando no animal, sendo inexistentes em portadores assintomáticos, o que compromete o diagnóstico da infecção. Em casos de reativações virais, os sinais clínicos são mais brandos e menos aparentes. Os principais sinais clínicos são de ordem respiratória e ocular, marcados por secreções nasais e oculares bastante intensas. Após o período de incubação, os primeiros sinais irão aparecer de acordo com a carga viral ativa, com a capacidade de reação do sistema imune e também com a susceptibilidade genética do animal infectado. De modo geral, os principais sinais são: espirros profundos e constantes; lesões no trato respiratório superior com possibilidade de evolução para um quadro de pneumonia, que pode vir acompanhado de uma infecção bacteriana secundária; e acúmulo de células inflamatórias e de material exsudativo nos alvéolos pulmonares, levando ao comprometimento da respiração. Lesões necrosantes na região da laringe, faringe e cavidade nasal também podem ser observadas nos felinos, dependendo da intensidade e duração da infecção viral. 122 123 Dentre os sinais clínicos oculares observa-se conjuntivite, acompanhada de edema e inchaço nas mucosas palpebrais, secreção ocular intensa que pode adquirir, dependendo da gravidade, uma coloração amarronzada, e hiperemia. Tais fatores podem contribuir para a instalação de uma infecção bacteriana secundária. Diagnóstico O diagnóstico da infecção por herpesvírus pode ser confirmado em conjunto pela observação dos sinais clínicos compatíveis com a patologia, análise do histórico do animal e da averiguação de possíveis situações em que o mesmo pode ter sido infectado. O exame citológico é uma opção, e pode ser obtido a partir de um raspado da córnea do felino, no qual será observada a presença de leucócitos e células plasmáticas. Pode ser feito também o teste lacrimal de Schirmer, que testará a composição aquosa da lágrima e irá detectar alterações decorrentes do herpesvírus. O isolamento a partir de um swab da orofaringe ou da conjuntiva do animal infectado também pode ser realizado, sendo acompanhado pela realização de técnicas de imunofluorescência para verificar a ocorrência de reações antígeno-anticorpo específicas, e também pela observação de inclusões proteicas na microscopia de células epiteliais do trato respiratório. A técnica de PCR também pode ser utilizada, principalmente em felinos adultos com lesões crônicas oculares. Durante o período em que o vírus se encontra latente no organismo, a sua detecção é incapacitada devido à falta de produção de proteínas virais. Tratamento e prevenção O tratamento contra herpesvírus será duradouro e persistente, e, além da medicação específica, será acompanhada por uma terapia suporte. Em geral, as afecções oculares e respiratórias são tratadas utilizando antibióticos profiláticos, a fim de evitar uma infecção bacteriana secundária, ou tratar alguma já existente. Antivirais que abrangem herpesvírus em seu espectro também podem ser utilizados para auxiliar no combate. 124 Medicamentos com propriedades imunossupressoras, como no caso de corticosteroides, também serão utilizados para evitar reações inflamatórias acentuadas e lesivas ao tecido local, no entanto seu uso e dosagem deve ser analisado, já que as propriedades imunossupressoras podem comprometer o combate ao vírus. Em caso de acometimento ocular, podem ser utilizados colírios com propriedades anti inflamatóriase lacrimomiméticas, a fim de se restabelecer a lubrificação ocular adequada, produção lacrimal e o reflexo de piscar normal. A vacinação é uma medida preventiva extremamente necessária para o controle de infecções por herpesvírus e deve ser feita em filhotes com aproximadamente 9 semanas de vida, com reforço anual. Além disso, o uso de comedouros e bebedouros individuais, a limpeza adequada dos fômites e equipamentos em clínicas, a prática de limitação da saída do lar pelo felino e a alimentação e fornecimento de água de qualidade são medidas auxiliares para evitar a instalação do vírus no organismo. Doenças dermatológicas Granuloma eosinofílico felino O granuloma eosinofílico felino é uma enfermidade comumente encontrada nos gatos caracterizada por um processo inflamatório cutâneo e/ou da mucosa oral, normalmente relacionado com hipersensibilidade primária. Causas A causa do granuloma eosinofílico felino é ainda desconhecida. Porém, tem‐se a hipótese de ser uma reação alérgica, sendo, nesse caso, normalmente relacionada com hipersensibilidade primária a uma picada de pulga, a um alimento ou a atopia. Há também a possibilidade de ocorrência devido a uma predisposição genética. Estudos mostram que os desencadeadores de eventos primários nessa doença são o recrutamento de eosinófilos bem como sua desgranulação. Dessa forma, as lesões decorrem da infiltração e da desgranulação maciça de eosinófilos. Sinais clínicos O complexo granuloma eosinofílico felino inclui a úlcera indolente, a placa eosinofílica e o granuloma linear, mas não foi estabelecido se essas doenças estão relacionadas. Úlceras indolentes são encontradas no lábio ou na mucosa oral dos gatos de meia‐idade. Já as placas eosinofílicas geralmente ocorrem na pele no aspecto medial dos membros pélvicos e do abdome ventral. O granuloma linear é geralmente encontrado no aspecto dos membros pélvicos de gatos jovens, mas pode também ocorrer na língua, no palato e na mucosa oral. O envolvimento oral grave de uma úlcera ou placa eosinofílica normalmente produz disfagia, halitose e/ou anorexia. Gatos com granulomas eosinofílicos na boca podem ter lesões cutâneas concomitantes. Além disso, esses animais também podem apresentar eritema e alopecia. 125 Imagem: Granuloma Eosinofílico Felino, é observado um região linear espessada com alopecia e eritema na região caudal do membro posterior. Imagem: granuloma eosinofílico circular no membro posterior. Imagem: granulomas múltiplos coalescentes no palato duro de um gato adulto. 126 Imagem: granulomas coalescentes se desenvolveram na língua ao longo de várias semanas. Imagem: pequeno granuloma eosinofÍlico focal na língua de um gato adulto. Imagem: granuloma do queixo, é possível observar animal com a Síndrome do Lábio Gordo, caracterizada pela tumefação rígida do queixo. DIficilmente essas lesões incomodam o gato. Imagem: placa eosinofílica, intensamente pruriginosa, comum nas doenças alérgicas de felinos. Diagnóstico Normalmente, é baseado no histórico do animal, nos sinais clínicos e na exclusão de outros diferenciais, como o granuloma bacteriano ou fúngico e neoplasias. Na citologia, observam‐se eosinófilos, porém, neutrófilos e bactérias podem predominar no caso de infecção secundária. 127 Pode ser feito exame histopatológico da pele com achado de granuloma nodular a difuso constituído de eosinófilos, histiócitos e células gigantes multinucleadas com focos de degeneração de colágeno. Como também, pode ser feito um hemograma com presença de eosinofilia. Tratamento Lesões cutâneas em gatos com menos de um ano de idade podem se curar espontaneamente. Altas doses de terapia com corticosteroides (prednisolona oral) muitas vezes controlam essas lesões. Após a cura clínica, deve‐se reduzir gradativamente, em dias alternados, a dose oral de corticosteroides até a menor dose possível. Clorambucil ou ciclosporina podem ser úteis em casos resistentes. A antibioticoterapia é, por vezes, benéfica (especialmente nos casos mais discretos). Outros tratamentos que podem ser eficazes em alguns gatos incluem extirpação cirúrgica, tratamento a laser e radioterapia. Para casos refratários ao tratamento com prednisolona ou acetato de metilprednisolona, os glicocorticoides alternativos incluem: Triamcinolona (dose de indução), 0,8 mg/kg/24h via oral e Dexametasona (dose de indução), 0,4 mg/kg/24h via oral. Após a cura das lesões, deve- se reduzir gradativamente, a cada 2 a 3 dias, a dose de triamcinolona ou dexametasona para a menor dose possível. Acne felina A Acne Felina, também chamada de acne do queixo ou furunculose do queixo, é considerada um distúrbio folicular que pode aparecer em forma de comedões assintomáticos dispersos até furunculose intensa do queixo, sendo esse um diagnóstico clínico. Causas O início rápido de acne no queixo pode ser causado por infecção bacteriana e dermatofitose, sendo essa última capaz de se desenvolver em uma população estável de gatos de estimação. 128 Sinais clínicos Prurido facial é um sinal clínico comum em gatos com muitas doenças. Dessa forma, ao esfregar repetidamente a face do animal, há uma perda de pelos e tamponamento de glândulas sebáceas ou comedões. No caso de infecção secundária das lesões podem ocorrer pápulas, pústulas e, raramente, furunculose e celulite. Em casos graves, a pele atingida pode apresentar edema, espessamento, cisto ou cicatriz. Diagnóstico Normalmente, baseia‐se no histórico, nos sinais clínicos observados e na exclusão de outros diferenciais, como demodicose, dermatofitose, dermatite por Malassezia e complexo granuloma eosinofílico (se edematoso). Raspados de pele e pêlos arrancados devem ser examinados para a procura de demodicose, de ceratose, de tamponamento e de dilatação folicular. O diagnóstico envolve citologia da pele para pesquisar proliferações de bactérias e de leveduras. Não há necessidade de biópsia cutânea para o diagnóstico ou como parte de avaliação diagnóstica, porém, pode ser útil em casos refratários. Quando há infecção bacteriana secundária, pode‐se constatar perifoliculite, foliculite, furunculose e/ou celulite. Tratamento Para o tratamento tópico, a lavagem da região facial com xampu antibacteriano e antifúngico pode ser útil. Além disso, higienização com água morna associada à terapia antimicrobiana sistêmica com mínimo de duração de 2 a 3 semanas também pode ser eficaz. Há também a opção de uso de pomadas tópicas, porém, os felinos podem lamber essa solução, retirando‐a da face e causando ruptura dos folículos pilosos da derme, consequentemente, agravando a doença. Ademais, existem relatos de que alguns gatos respondem bem à ciclosporina. Pode‐se lavar a área atingida com peróxido de benzoíla, ácido salicílico ou xampu contendo etil‐lactato; em intervalos de 1 a 2 dias, até a cura das lesões. Dentre os medicamentos tópicos alternativos utilizados a cada 1 dia, ou conforme necessário, incluem: unguento ou creme de mupirocina, gel de peróxido de benzoíla 2,5%, creme ou loção de tretinoína 0,01 a 0,025%, gel de metronidazol 0,75% e produtos tópicos contendo clindamicina, eritromicina ou tetraciclina. Já para o tratamento sistêmico, o uso de isotretinoína pode ser eficaz em casos refratários, sendo administrado 2mg/kg ou 10 mg/gato via oral (VO) em intervalos de 24 horas até a cura das lesões, que ocorre em aproximadamente 30 dias. Em seguida, mantém-se a mesma dose a cada 2 a 3 dias para controle das lesões. 129 Imagem: acne do queixo. Esta é uma apresentação clássica com comedões e resquícios pretos. Imagem: acne felina com presença de eritema, hiperpigmentação e comedões. Foi realizada tricotomia no local para melhor visualização. Endocrinopatias ENDOCRINOLOGIA A endocrinologia é o ramo da medicina veterinária que estuda o funcionamento das glândulas e dos órgãos endócrinos, assim como a ação dos seus produtos de secreção e dos hormônios nos tecidos e órgãos-alvo,associados às manifestações clínicas observadas em endocrinopatias. DIABETES MELITO O diabetes melito (DM) se caracteriza pela hiperglicemia a partir da ausência ou redução da síntese de insulina, da menor receptividade ou resistência à insulina e da incapacidade da insulina em realizar seus efeitos metabólicos de forma adequada. Em resumo, para a maioria dos órgãos é necessário que a insulina (produzida pelas células β do pâncreas) se ligue aos seus receptores na periferia celular, o que garante o transporte da glicose para o interior das células por meio das proteínas transportadoras de glicose, em especial o GLUT4, responsável pela captação de glicose mediada pela insulina. Na falta de insulina ou ainda na resistência a ela, a glicose não entra nas células, o que leva à hiperglicemia. O DM tipo 1 é raro em felinos e está associado à ausência de insulina a partir da destruição imunomediada das células β pancreáticas, ou, ainda, à insuficiência pancreática exócrina. O DM tipo 2 ocorre de forma predominante em felinos, está associado a resistência à insulina, à deposição de amiloide (fibrilas proteicas) nas ilhotas pancreáticas e à redução das células β. A amilina é o principal componente do amiloide em gatos diabéticos, sendo armazenado nos grânulos de secreção das células β e secretado juntamente com a insulina, ou seja, os fatores que estimulam a secreção de insulina também elevam a secreção de amilina. 130 Imagem: esquema representativo do Diabetes melito tipo 1 Imagem: esquema representativo do Diabetes melito tipo 2 A resistência à insulina ocasiona um aumento crônico na secreção de insulina e também de amilina (co-secretada com a insulina pelas células β), que se agrega e é depositada nas ilhotas pancreáticas como amiloide, destruindo as células por sua ação citotóxica. Em quadros de deposição progressiva de amiloide, ocorre a degradação progressiva das células das ilhotas pancreáticas, que causa o DM. A gravidade de destruição das ilhotas pancreáticas e da destruição das células β determinam se o animal possui diabetes melito dependente de insulina (DMDI) ou não dependente de insulina (DMNDI). Em quadros de destruição total das ilhotas, o animal possui DMDI, sendo necessário o tratamento com insulina pelo restante de sua vida. Já em casos de destruição parcial das ilhotas, pode-se ou não observar diabetes clinicamente evidente e o tratamento com insulina pode ou não ser necessário para controle da glicemia. 131 Imagem: amiloidose pancreática em corte histológico de pâncreas felino. As setas indicam o infiltrado de amiloide no tecido pancreático Imagem: degeneração vacuolar grave de células das ilhotas. As manifestações clássicas do DM são conhecidas como “quatro P”: poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. Quando se ultrapassa o limiar de reabsorção renal (cerca de 300 mg/dℓ), a glicose é eliminada na urina (glicosúria), o que gera uma perda osmótica da água nos rins, ou seja, uma diurese osmótica que se manifestará como poliúria. Como consequência da poliúria, o animal apresenta aumento do consumo de água compensatório, o que é denominada polidipsia compensatória, que nem sempre é suficiente para reparar a perda urinária, levando o animal a uma desidratação. Além disso, as células do centro da saciedade dependem de insulina para realização da absorção da glicose, ou seja, na falta de insulina, a glicose não adentra no interior celular e, por isso, não há inibição do centro da fome; o que aumenta o apetite e resulta em polifagia. Apesar disso, o animal possui perda de peso devido à quebra de músculos e de proteínas, pois o organismo gera substratos para a gliconeogênese a partir destes componentes. Durante a gliconeogênese são gerados corpos cetônicos que podem causar náuseas, o que torna o animal inapetente. No entanto, o felino diabético pode não apresentar os sinais clássicos mencionados acima, tendo como principal manifestação clínica uma alteração locomotora decorrente de neuropatia diabética. Nesses casos, o animal possui fraqueza nos membros pélvicos, ataxia ou postura plantígrada (apoio dos membros pélvicos pelos tarsos). Imagem: postura plantígrada em gato com neuropatia diabética severa O DM ocorre predominantemente em gatos machos castrados e pode ser identificado em gatos de qualquer idade, mas a maioria dos casos diagnosticados ocorrem em gatos acima dos 9 anos de idade. O diagnóstico se baseia na identificação dos sinais clínicos, na hiperglicemia persistente e na glicosúria, sendo necessário diferenciá-lo da hiperglicemia induzida pelo estresse, um problema comum nos gatos que pode levar à glicosúria em alguns casos. Para isso, o animal pode ser encaminhado para casa, de modo que o nível de glicose na urina seja avaliado em um ambiente rotineiro e não estressante, ou pode-se avaliar os níveis de frutosamina sérica e/ou hemoglobina glicada, que sugere uma hiperglicemia sustentada quando em altas concentrações no soro, não sendo influenciadas por aumentos transitórios na concentração sanguínea de glicose. No entanto, alguns fatores podem influenciar nos resultados encontrados: quadros de hipoalbuminemia e hipoproteinemia, por exemplo, podem reduzir os níveis de frutosamina sérica obtidos. Além disso, a meia vida da hemoglobina glicada está relacionada à duração das hemácias no sangue, o que equivale a cerca de dois meses em felinos, e, por consequência, um aumento da hemoglobina glicada indicam uma hiperglicemia durante um a dois meses anteriores. 132 Uma medida adicional para auxílio no diagnóstico é a mensuração plasmática de β-hidroxibutirato, pois cetonomias significativas (altos valores de β-hidroxibutirato) são comuns em gatos diabéticos e incomuns na hiperglicemia de estresse, que não é associada à cetose severa. Para tratamento, deve-se utilizar insulina a fim de estimular o uso de glicose periférica e reduzir a produção de glicose hepática, além de reduzir a glicotoxicidade às células pancreáticas e prevenir a deposição de amiloides nas ilhotas pancreáticas. A insulina pode ser administrada por via intravenosa, intramuscular ou subcutânea e, dentre as variedades utilizadas, estão a insulina suína lenta (Caninsulin ®), a recombinante PZI humana (disponível somente nos EUA) e os análogos de insulina de longa ação (glargina e detemir) que mimetizam a secreção pancreática constante de insulina entre as refeições. O manejo dietético também é de extrema importância para pacientes diabéticos. Quando possuem o peso ideal, os gatos podem ser alimentados à vontade (de acordo com a recomendação de ingestão calórica diária recomendada para o animal), enquanto que, gatos obesos devem possuir restrição calórica e dietética, recebendo a quantidade adequada de alimento subdividida ao longo do dia. A realização de exercícios também estimula o gasto energético e aprimora o controle glicêmico, pois a glicose é utilizada pela célula da fibra muscular de forma independente da insulina. A atividade física pode ser estimulada por meio de brinquedos (por exemplo, ratinhos e bolas), assim como pela fisioterapia, que vem se destacando como terapia alternativa no controle da obesidade. Além disso, há hipoglicemiantes orais que possuem ação pancreática, estimulando a secreção de insulina pelas células β (sulfonilureias como a glipizida); e ação extra pancreática, aumentando a sensibilidade dos tecidos à insulina (metformina, tiazolidinedionas) ou retardando a absorção intestinal de glicose pós-prandial (inibidores da α-glicosidase). 133 HIPERTIREOIDISMO O hipertireoidismo é uma doença crônica provocada pela produção e secreção em excesso dos hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) pela glândula tireóide. Essa enfermidade acomete principalmente gatos idosos e geriátricos, principalmente na faixa etária de 4 a 22 anos de idade, com média de 12 anos. A alteração é causada principalmente pelo adenoma benigno da tireoide ou pela hiperplasia adenomatosa em um ou ambos os lobos da tireoide,enquanto que, o carcinoma da tireoide é relativamente raro. Sua fisiopatologia envolve uma subpopulação de células foliculares que passam a se multiplicar de forma autônoma, mantendo seu crescimento e produção hormonal, ainda que não haja estimulação pelo TSH hipofisário. Portanto, as células hiperplásicas adenomatosas da tireoide possuem um crescimento autônomo além da habilidade de funcionar e secretar hormônios tireóideos autonomamente. Imagem: adenoma funcional no lobo tireoidiano esquerdo de um gato Os hormônios tireóideos são responsáveis pela regulação de processos metabólicos, por isso, um aumento no teor de tais hormônios promove perda de peso, polifagia, poliúria, polidipsia e fraqueza muscular, sinais clássicos de hipertireoidismo. Isso ocorre devido à taxa metabólica basal acelerada e à maior sensibilidade às catecolaminas, ocasionada pelo maior número de receptores beta adrenérgicos na superfície celular e pelo aumento de afinidade a esses. 134 Ademais, devido à interação com o sistema nervoso central, maiores níveis de hormônios tireóideos ocasionam aumento do direcionamento simpático e tem como consequência hiperatividade, deambulação ou irritabilidade, vocalização, taquicardia e possível tremor; outros sinais característicos do hipertireoidismo. Grande volume fecal, padrão respiratório ofegante, vômito, crescimento rápido das unhas, alopecia, flexão ventral de pescoço, sopros sistólicos, arritmias e insuficiência cardíaca congestiva também podem ser observados. Imagem: A. Gato hipertireoideo apresentando perda de peso à procura de superfícies frias para se deitar, mudanças observadas em um estágio mais avançado da afecção. B Mesmo felino com os níveis de hormônios tireoidianos normais (estado eutireóideo). A perda de peso é o sinal mais frequentemente detectado no hipertireoidismo. Geralmente, está associada à polifagia devido ao maior gasto energético e consumo de oxigênio, que causam perda de massa muscular. Além disso, hormônios tireoidianos apresentam ação diurética e a poliúria e a polidipsia ocorrem pelo aumento da perfusão renal. A diarreia, o aumento da massa fecal e os vômitos de intensidade crônica ou esporádica nos animais acometidos são desencadeadas pela maior motilidade gastrintestinal e pela ação direta da tiroxina sobre o centro do vômito. 135 Há ainda o hipertireoidismo apático, uma forma incomum de hipertireoidismo que acomete cerca de 10% dos gatos hipertireoideos. Nesses casos, ao invés de hiperatividade e irritabilidade, observa-se depressão, letargia, anorexia e perda de peso; além de flexão cervical ventral do pescoço usualmente responsiva à suplementação de fluido com potássio e/ou vitamina B1. Apesar disso, esse grupo também apresenta anormalidades cardíacas como arritmias e insuficiência cardíaca congestiva. Tabela - Esquema básico dos principais sinais e achados no exame físico em quadros de hipertireoidismo Disponível em: NELSON, R.W.; COUTO, C. G. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5. ed. Elsevier, p.2217 O diagnóstico se baseia na identificação dos sinais clínicos, na palpação de nódulo em tireoide e na constatação de aumento na concentração dos níveis de T4 sérico. O aumento de um ou de ambos os lobos da tireóide é um achado de grande importância para diagnóstico da doença, visto que é identificado em cerca de 80% a 95% dos acometidos. Há uma série de técnicas possíveis para a palpação, tais como: a técnica clássica, a técnica de Norsworthy e a técnica de duas mãos. Imagem: técnica da palpação da tireoide de Norsworthy 136 Valores elevados dos níveis séricos de T4 são indicativos de hipertireoidismo, especialmente se sinais clínicos forem condizentes. Uma baixa concentração dos níveis séricos de T4 geralmente descarta o hipertireoidismo, entretanto, o diagnóstico não deve ser excluído baseado somente nesse resultado, principalmente quando o gato apresenta sinais clínicos compatíveis com hipertireoidismo e uma massa palpável ventralmente no pescoço. É recomendado o acompanhamento do paciente e a repetição da mensuração sérica dos exames laboratoriais. Possíveis alterações encontradas: eritrocitose (ocorre em até 47% dos gatos hipertireoideos devido ao maior consumo de oxigênio e aumento da eritropoiese ocasionado pelo estímulo ß adrenérgico sobre a medula óssea), aumento sérico das enzimas hepáticas alanina aminotransferase, fosfatase alcalina, Gama Glutamiltransferase (em 90% dos casos); aumento das concentrações séricas de ureia nitrogenada e creatinina; densidade específica urinária maior do que 1,035, azotemia e hiperfosfatemia. O hipertireoidismo oculto é identificado nos níveis iniciais de hipertireoidismo e ocorre quando as concentrações séricas de T4 ficam dentro da metade superior da faixa normal (3,0-5,0 µg/dL; 40-65 nmol/L), os sinais clínicos são sugestivos e há nódulo palpável na região ventral do pescoço. Tabela - Interpretação de concentrações basais séricas de Tiroxina (T4) em gatos com suspeita de hipertireoidismo Disponível em: NELSON, R.W.; COUTO, C. G. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5. ed. Elsevier, p.2222 Em resultados inconclusivos de T4 total sérico podem ser feitas as mensurações das concentrações séricas de T4 livre, atual recomendação de escolha para resultados inconclusivos de hipertireoidismo. No entanto, apenas a alta concentração de T4 livre não determina o diagnóstico definitivo, devido à existência de falsos positivos causados pela alta sensibilidade deste teste, assim, sua concentração sérica deve sempre ser avaliada em conjunto com a concentração de T4. 137 Além disso, devido ao maior custo, geralmente a aferição do T4 livre sérico é utilizada para gatos com suspeitas de hipertireoidismo e resultados inconclusivos de T4. Quando a concentração de T4 livre elevada é associada à concentração de T4 total no limite superior ou elevado, tem- se o diagnóstico de hipertireoidismo. Já quando as concentrações de T4 livre estão aumentadas e os níveis de T4 total estão baixos ou no limite inferior, é sugestivo de doença não tireoidiana. Outros exames diagnósticos adicionais em casos de resultados inconclusivos de T4 sérico podem ser realizados. São eles: mensurações das concentrações séricas de TSH, teste de supressão de T3, imagem da tireoide por pertecnetato de sódio, ou, ainda, repetição do exame de T4 sérico 3 a 6 meses depois. Para tratamento, podem-se utilizar medicações antitireoidianas, tireoidectomia, iodo radioativo ou uma dieta restrita em iodo, de forma que todas as opções citadas são efetivas para terapia. Na tabela abaixo é possível avaliar as indicações, vantagens e desvantagens das terapias citadas. Nesse tópico, foi possível perceber a importância das alterações endócrinas para o paciente felino, sendo necessário um conhecimento do sistema a fim de aprimorar o diagnóstico e o tratamento fornecido ao animal. Outros possíveis distúrbios endócrinos que podem acometer os felinos são: Hipotireoidismo, Hiperadrenocorticismo, Hipoadrenocorticismo, Hiperparatireoidismo, Hipoparatireoidismo e Acromegalia Felina. Tabela - Indicações, Contraindicações e Desvantagens das Quatro Modalidades Terapêuticas para Hipertireoidismo em Gatos Disponível em NELSON, R.W.; COUTO, C. G. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5. ed. Elsevier, p.2229 138 139 Doenças cardiovasculares CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA FELINA A Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH) é a principal cardiopatia diagnosticada em felinos e está associada ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca, de tromboembolismo e de morte súbita. É uma doença miocárdica genética e fenotipicamente heterogênea, isto é, apresenta uma variedade de manifestações dentre os animais acometidos. Caracteriza-se pelo aumento da massa ventricular esquerda, tanto pelo aumento de espessura da parede quanto pelo desarranjo tecidual dos miócitos e das miofibrilas. Para a maioria dos felinos, a causa da CMH ainda não foi determinada. No entanto, para a raça Maine Coon a CMH é uma afecção deherança autossômica dominante e está associada à diminuição da miomesina (proteína do sarcômero) e à mutação no gene que codifica a proteína C ligante da miosina (MYBPC3). A CMH é uma doença miocárdica primária causada por defeito dos sarcômeros. A hipertrofia miocárdica secundária também pode ocorrer, mas, nestes casos, não é considerada CMH. Dentre as causas de hipertrofia miocárdica secundárias em felinos, destacam-se: hipertensão arterial sistêmica, hipertireoidismo, estenose aórtica e acromegalia. O átrio pode estar aumentado, mas, ainda assim, o volume ventricular esquerdo encontra-se normal ou reduzido e sua dilatação predispõe a formação de trombos que, ao serem deslocados, podem causar o tromboembolismo sistêmico. Alguns animais podem apresentar obstrução do fluxo de saída do ventrículo esquerdo ocasionando a isquemia miocárdica e a regurgitação mitral, que eleva o volume e a pressão do átrio esquerdo e pode causar congestão e edema pulmonar. Os sinais clínicos são variáveis: alguns animais são assintomáticos, outros podem apresentar sinais moderados a graves de insuficiência cardíaca ou sinais de doença tromboembólica. A maioria apresenta sopro como resultado da insuficiência mitral e/ou obstrução da saída do ventrículo esquerdo, porém, gatos com sopro não têm necessariamente CMH ou mesmo doença cardíaca. Além disso, raramente os animais observados apresentam manifestações de edema pulmonar como taquipneia, intolerância ao exercício e dispneia, ou sinais como tosse, síncope e morte súbita. O ecocardiograma é o melhor método de diagnóstico para diferenciação de CMH de outras cardiomiopatias pois permite a observação de áreas de hipertrofia na parede ventricular, no septo interventricular ou nos músculos papilares. O modo Doppler colorido, por exemplo, permite a visualização de turbulência do fluxo sanguíneo em quadros de obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo (VE) causada 140 O diagnóstico não pode ser baseado na radiografia e no eletrocardiograma, visto que a radiografia torácica revela cardiomegalia em casos moderados e graves de CMH e o eletrocardiograma evidencia principalmente as arritmias supraventriculares e defeitos de condução intraventricular, alterações não marcantes para a CMH. Imagem: radiografia torácica ventrodorsal de gato com cardiomiopatia hipertrófica. Imagem: Dopplerfluxometria colorida obtida em sístole de um gato doméstico de pelo longo com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva. pela hipertrofia septal. Essa turbulência do fluxo sanguíneo pode ser identificada na via de saída do VE ou na aorta proximal. 141 A hipertrofia do septo interventricular e da parede do ventrículo esquerdo geralmente é simétrica, porém, alguns animais apresentam somente a hipertrofia septal assimétrica ou a hipertrofia da parede livre e dos músculos papilares. Imagem: ecocardiográfica de hipertrofia e fusão papilares acentuadas de um gato com miocardiopatia hipertrófica Para exames laboratoriais, pode ser feito o exame de NT-pró-BNP para diferenciar a insuficiência cardíaca de outras causas respiratórias primárias de dispneia. Além disso, em casos de CMH moderada a grave é possível detectar altas concentrações de peptídeo natriurético circulante e de troponina cardíaca, como também níveis variavelmente elevados de TNFα em gatos com ICC (insuficiência cardíaca congestiva). Para o tratamento, tem-se duas classes de fármacos que podem ser utilizadas para aprimorar o enchimento ventricular, os betabloqueadores e os bloqueadores de canais de cálcio: atenolol e diltiazem, respectivamente. A furosemida é indicada para controle de edema pulmonar e derrame pleural e sua dose varia de acordo com o nível de evolução da doença, enquanto que antiarrítmicos são indicados em casos de arritmias cardíacas. A terapia antitrombótica pode ser feita por meio de baixas doses de ácido acetilsalicílico, heparina sódica e heparina de baixo peso molecular (enoxaparina ou delteparina). TROMBOEMBOLISMO ARTERIAL SISTÊMICO EM GATOS A principal causa do tromboembolismo em gatos é a Cardiomiopatia. Os trombos são inicialmente formados no antímero esquerdo do coração e, enquanto alguns permanecem no coração, outros embolizam principalmente na aorta distal; já em casos mais raros, pode ocorrer em outros locais. Ademais, doenças inflamatórias sistêmicas, neoplásicas e o hipertireoidismo também são considerados fatores de risco para o tromboembolismo sistêmico. De acordo com o tamanho do êmbolo, as artérias podem ser acometidas assim como o fluxo sanguíneo. Além de obstruir o fluxo, os tromboêmbolos liberam substâncias vasoativas que causam vasoconstrição e comprometem o fluxo sanguíneo colateral do vaso acometido. Como consequência, ocorre isquemia tecidual e neuropatia isquêmica de membros afetados, com degeneração do nervo e acometimento do tecido muscular associado. Taquipneia e dispneia são frequentes em casos de embolização arterial aguda em resposta à dor ou ao aumento de pressão da veia pulmonar, favorecendo o desenvolvimento de edema. Embora esses sinais sejam associados à ICC, também podem ser observados em animais sem uma ICC definida. Os sinais clínicos variam de acordo com a área embolizada, extensão e duração do bloqueio arterial. Hipotermia, baixa perfusão sistêmica, sinais de dor e azotemia são comuns, e, geralmente, não se observa sinais de doença cardíaca anterior ao tromboembolismo. Imagem: postmortem de tromboêmbolo alojado na aorta distal aberta. Usualmente, a função motora dos membros pélvicos e a sensibilidade são diminuídas ou ausentes, sendo comum a paresia aguda dos membros pélvicos. Em quadros de êmbolos pequenos, que se alojam somente em um antímero, é possível observar paresia do membro pélvico isolado. Imagem: gato com tromboembolismo na aorta distal. Os coxins plantares do membro pélvico esquerdo (lado direito da imagem) estavam mais pálidos e frios em comparação ao torácico. 142 Quando há acometimento da artéria axilar ou da porção mais distal da artéria braquial, detecta-se monoparesia do membro torácico direito com rara claudicação intermitente. Já quando os tromboêmbolos se apresentam na circulação arterial pulmonar, mesentérica ou renal, esses podem determinar a falência desses órgãos e, consequentemente, a morte do animal. Além disso, convulsões e déficits neurológicos são verificados quando os êmbolos estão presentes no cérebro. Durante o diagnóstico, a radiografia torácica é utilizada para evidenciar possíveis anormalidades cardiopulmonares associadas à tromboembolia, enquanto a ecocardiografia aponta a presença do trombo intracardíaco e determina o tipo de doença miocárdica. Hiperglicemia por estresse, acidose metabólica e alterações nos valores dos eletrólitos (principalmente baixos valores séricos de sódio, cálcio e potássio e altos valores de fósforo) são comumente encontrados; além de azotemia devido à embolização da artéria renal e/ou doença renal preexistente. Pode-se observar ainda hipercalemia (secundária ao dano isquêmico), aumento de alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase (dano e necrose muscular), aumento de lactato desidrogenase e da creatina quinase (lesão muscular generalizada) e mioglobinúria (lesões prolongadas). Já o perfil de coagulação, geralmente, é normal. Para tratamento, recomenda-se a utilização de analgésicos, de butorfanol, de buprenorfina, de HCl, de hidromorfona, de oximorfona e de morfina ou de adesivo de fentanil (associado a outro analgésico devido à demora de ação). A acepromazina não é recomendada para animais com tromboembolismo arterial. A heparina sódica e a heparina não fracionada (HBPM) são utilizadas para limitar a extensão de trombos existentes e para prevenir a formação de novos, no entanto, não promovem trombólise. Não se recomenda a administração intramuscular devido ao risco de hemorragia no local de aplicação, que é menor quando se utiliza HBPM. Para contrabalancear esse risco pode-se utilizar o
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