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JOICE ARAÚJO RESUMO: Transtorno de personalidade Transtornos da personalidade Personalidade refere-se a todas as características de adaptação de formas únicas a ambientes internos e externos em constante modificação. De modo geral, os sintomas de transtorno da personalidade são egossintônicos e aloplásticos. Epidemiologia Transtornos da personalidade são comuns e crônicos. Eles ocorrem em 10 a 20% da população em geral, e sua duração é expressa em décadas. Aproximadamente 50% de todos os pacientes psiquiátricos apresentam um transtorno da personalidade. Pessoas com transtorno da personalidade têm uma propensão muito maior a recusar auxílio psiquiátrico e a negar seus problemas do que indivíduos com transtornos de ansiedade, depressivos ou obsessivo-compulsivo. Classificação A quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) define um transtorno da personalidade geral como um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo; o padrão é inflexível; começa na adolescência ou no início da idade adulta; é estável ao longo do tempo; leva a sofrimento ou prejuízo; e se manifesta em pelos menos duas das quatro áreas seguintes: cognição, afetividade, funcionamento interpessoal ou controle de impulsos. Quando os traços de personalidade são rígidos e mal-adaptativos e produzem prejuízo funcional, ou sofrimento subjetivo, é possível diagnosticar um transtorno da personalidade. Os subtipos de transtorno da personalidade classificados no DSM-5 são esquizotípico, esquizoide, e paranoide (Grupo A); narcisista, borderline, antissocial e histriônico (Grupo B); e obsessivo-compulsivo, dependente e evitativo (Grupo C). Os três grupos baseiam-se em semelhanças descritivas. O Grupo A inclui três transtornos da personalidade com características estranhas ou de afastamento (paranoide, esquizoide e esquizotípica). O Grupo B inclui quatro transtornos com características dramáticas, impulsivas ou erráticas (borderline, antissocial, narcisista e histriônica). O Grupo C inclui três transtornos que compartilham características de ansiedade e medo (evitativa, dependente e obsessivo-compulsiva). Indivíduos frequentemente exibem traços que não se limitam a um único transtorno da personalidade. Quando um paciente satisfaz os critérios para mais de um, o clínico deve diagnosticar cada um deles. ETIOLOGIA Fatores genéticos As evidências mais fortes da contribuição de fatores genéticos para os transtornos da personalidade têm origem em mais de 15 mil pares de gêmeos nos Estados Unidos. A concordância desses transtornos entre gêmeos monozigóticos foi muito maior do que entre gêmeos dizigóticos. Ademais, segundo um estudo, gêmeos monozigóticos criados separados têm praticamente a mesma semelhança que gêmeos monozigóticos criados juntos. As semelhanças incluem múltiplas medidas de personalidade e temperamento, interesses ocupacionais e de lazer e atitudes sociais. Os transtornos da personalidade do Grupo A são mais comuns em parentes biológicos de pacientes com esquizofrenia do que em grupos-controle. Há mais parentes com transtorno da personalidade esquizotípica em histórias familiares de pessoas com esquizofrenia do que em grupos-controle. Há uma correlação menor entre esquizofrenia e transtorno de personalidade paranoide ou esquizoide. Os transtornos da personalidade do Grupo B aparentemente têm uma base JOICE ARAÚJO RESUMO: Transtorno de personalidade genética. O da personalidade antissocial está relacionado a transtornos por uso de álcool. Depressão é comum nos antecedentes familiares de indivíduos com transtorno da personalidade borderline. Esses indivíduos têm mais parentes com transtorno do humor do que os grupos-controle, e pessoas com transtorno da personalidade borderline também costumam apresentar um transtorno do humor. Encontra-se uma forte associação entre o transtorno da personalidade histriônica e o de sintomas somáticos (síndrome de Briquet); pacientes com cada um desses transtornos demonstram uma sobreposição de sintomas. Transtornos da personalidade do Grupo C também podem ter uma base genética. Pacientes com transtorno da personalidade evitativa costumam apresentar níveis elevados de ansiedade. Traços obsessivo-compulsivos são mais comuns em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos, e pacientes com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva mostram alguns sinais associados à depressão – por exemplo, período de latência reduzido do movimento rápido dos olhos (REM) e resultados anormais nos testes de supressão com dexametasona (TSD). Fatores biológicos Hormônios Indivíduos que exibem traços impulsivos frequentemente também apresentam níveis elevados de testosterona, 17-estradiol e estrona. Em primatas não humanos, andrógenos aumentam a probabilidade de agressividade e de comportamento sexual, mas a função da testosterona na agressividade humana não está bem estabelecida. Resultados do TSD são anormais em alguns pacientes com transtorno da personalidade borderline que também apresentam sintomas depressivos. Monoaminoxidase plaquetária. Baixos níveis plaquetários de monoaminoxidase (MAO) foram associados com atividade e sociabilidade em macacos. Estudantes universitários com baixos níveis plaquetários de MAO relatam passar mais tempo em atividades sociais do que aqueles com níveis plaquetários elevados de MAO. Identificaram-se também baixos níveis plaquetários de MAO em alguns pacientes com transtornos esquizotípicos. Movimentos oculares de seguimento suave. Movimentos oculares de seguimento suave são sacádicos (i.e., irregulares) em pessoas introvertidas, que têm baixa autoestima e tendência ao retraimento e que apresentam transtorno da personalidade esquizotípica. Esses achados não têm aplicação clínica, mas indicam o papel da hereditariedade. Neurotransmissores Endorfinas apresentam efeitos semelhantes aos da morfina exógena, como analgesia e a supressão de excitação. Níveis elevados de endorfinas endógenas podem estar associados a indivíduos apáticos. Estudos de traços de personalidade e sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos indicam uma função de ativação da excitação para esses neurotransmissores. Níveis de ácido 5-hidróxi-indolacético (5-HIAA), um metabólito de serotonina, são baixos em indivíduos que tentam suicídio e naqueles que são impulsivos e agressivos. Níveis crescentes de serotonina com agentes serotonérgicos como fluoxetina podem produzir alterações drásticas em alguns traços de personalidade referentes ao caráter. Em muitas pessoas, a serotonina diminui depressão, impulsividade e ruminação e pode produzir uma sensação geral de bem-estar. Aumento das concentrações de dopamina no sistema nervoso central produzido por determinados psicoestimulantes (p. ex., anfetaminas) pode induzir euforia. Os efeitos de neurotransmissores sobre traços de personalidade geraram muito interesse e controvérsia a respeito de se eles são inatos ou adquiridos. JOICE ARAÚJO RESUMO: Transtorno de personalidade Fatores psicanalíticos Sigmund Freud sugeriu que os traços de personalidade estão relacionados a uma fixação em um dos estágios psicossexuais de desenvolvimento. Por exemplo, indivíduos com um caráter oral são passivos e dependentes porque estão fixados no estágio oral, quando a dependência de outros para alimentação é proeminente. Indivíduos com um caráter anal são teimosos, parcimoniosos e altamente escrupulosos devido a dificuldades no treinamento para o uso do banheiro durante a fase anal. Posteriormente, Wilhelm Reich cunhou a expressão couraça do caráter para descrever os estilos de defesa característicos do indivíduo para se proteger de impulsos internos e de ansiedade interpessoal em relacionamentos significativos. A teoria de Reich teve grande influência sobre os conceitos contemporâneos de personalidade e de transtornos da personalidade. Por exemplo, considera-se que a marca singular da personalidade de cada ser humano é, em grande parte, determinada por seus mecanismos de defesacaracterísticos. Cada transtorno da personalidade apresenta um agrupamento de defesas que ajudam clínicos que usam psicodinâmica a identificar o tipo de patologia de caráter presente. Pessoas com transtorno da personalidade paranoide, por exemplo, usam projeção, enquanto o transtorno da personalidade esquizoide está associado a retraimento. Quando as defesas funcionam, o indivíduo com transtorno da personalidade controla os sentimentos de ansiedade, depressão, raiva, vergonha, culpa e outros afetos. Seu comportamento é egossintônico; ou seja, não lhe causa sofrimento mesmo que possa afetar outras pessoas de forma adversa. Ele pode ficar relutante em se entregar a um processo de tratamento e, como suas defesas são importantes para o controle de afetos desagradáveis, não tem interesse em abrir mão delas. Além das defesas características em transtornos da personalidade, outro aspecto fundamental são as relações objetais internas. Durante o desenvolvimento, padrões específicos do self em relação aos outros são internalizados. Por meio de introjeção, a criança internaliza um dos genitores ou outra pessoa significativa como uma presença interna que continua a ser sentida como objeto em vez de um self. Pela identificação, a criança internaliza pais e outras pessoas de tal forma que os traços do objeto externo são incorporados ao self e a criança “possui” os traços. Essas representações internas de self e de objeto são cruciais para o desenvolvimento da personalidade e, mediante exteriorização e identificação projetiva, se desenrolam em cenários interpessoais nos quais os outros são coagidos a desempenhar um papel na vida interior do indivíduo. Dessa forma, pessoas com transtornos da personalidade também são identificadas por padrões específicos de relacionamentos interpessoais que se originam desses padrões internos de relações objetais. FANTASIA Muitas pessoas classificadas como esquizoides – pessoas excêntricas, solitárias ou assustadas – buscam conforto e satisfação dentro de si mesmas criando vidas imaginárias, especialmente amigos imaginários. Em sua vasta dependência de fantasia, essas pessoas costumam aparentar indiferença excessiva. O terapeuta precisa entender que a insociabilidade desses pacientes é fruto de um medo de intimidade. Em vez de criticá-los ou de se sentir esnobado por sua rejeição, o terapeuta deve manter um interesse tranquilo, reconfortante e atencioso, sem insistir em reações recíprocas. A identificação do temor de intimidade do paciente e o respeito por seu estilo excêntrico são igualmente terapêuticos e úteis. DISSOCIAÇÃO. Dissociação, ou negação, é uma substituição de afetos desagradáveis por agradáveis, como faz a personagem literária Poliana. Pessoas que fazem uso de dissociação com frequência são vistas como dramáticas e emocionalmente superficiais; JOICE ARAÚJO RESUMO: Transtorno de personalidade elas podem ser caracterizadas como tendo uma personalidade histriônica. Esses indivíduos se comportam como adolescentes ansiosos que, para aplacar essa ansiedade, se expõem sem preocupações a perigos excitantes. Aceitá-los como exuberantes e sedutores é deixar de ver sua ansiedade, mas confrontá-los com suas vulnerabilidades e imperfeições os coloca ainda mais na defensiva. Visto que esses pacientes buscam reconhecimento de sua coragem e atração, o terapeuta não deve se comportar com circunspecção exagerada. Enquanto se mantém calmo e firme, o clínico deve estar ciente de que esses indivíduos costumam mentir sem perceber, mas que se beneficiam da exposição de suas próprias ansiedades e podem, durante o processo, “se lembrar” do que “esqueceram”. Com frequência, a melhor forma para o terapeuta lidar com dissociação e negação é usar deslocamento. Desse modo, o clínico pode conversar com o paciente sobre uma questão de negação em uma circunstância não ameaçadora. Demonstrar empatia com o afeto negado sem confrontar o paciente diretamente com os fatos pode lhe permitir trazer por si mesmo os tópicos originais à tona. ISOLAMENTO. Isolamento é característico de pessoas controladas e metódicas que costumam ser caracterizadas como tendo personalidade obsessivo-compulsiva. Diferentemente dos indivíduos com personalidade histriônica, as pessoas obsessivo-compulsivas lembram-se da verdade em detalhes, mas sem afeto. Em uma crise, o paciente pode demonstrar maior autocontrole, comportamento social excessivamente formal e teimosia. Suas tentativas de assumir o controle podem irritar o clínico ou deixá-lo ansioso. Com frequência, esses pacientes reagem bem a explicações precisas, sistemáticas e racionais e valorizam eficiência, limpeza e pontualidade tanto quanto valorizam a agilidade de resposta do clínico. Sempre que possível, o terapeuta deve permitir ao paciente que tenha controle sobre seus próprios cuidados e não deve medir forças com ele. PROJEÇÃO. Na projeção, o paciente atribui seus próprios sentimentos inconfessos a outros. A excessiva censura e a sensibilidade a críticas do paciente podem soar, para o terapeuta, como uma preconceituosa e hiperviligante cobrança de injustiças, mas essa atitude não deve ser enfrentada de modo defensivo, nem ser discutida. Em vez disso, o clínico deve reconhecer com honestidade mesmo enganos de pouca importância que cometeu e falar sobre a possibilidade de dificuldades que ainda podem acontecer. É válido fazer uso de honestidade austera e demonstrar preocupação com os direitos do paciente bem como manter a mesma distância formal e atenciosa usada com pacientes com defesas de fantasia. O confronto assegura uma inimizade duradoura e uma entrevista de pouca duração. O terapeuta não precisa concordar com a coleta de injustiças do paciente, mas deve perguntar se ambos podem concordar que têm opiniões diferentes. A técnica de contraprojeção é particularmente útil. O clínico reconhece e dá razão total aos sentimentos e às percepções dos pacientes paranoides; ele não argumenta contra as queixas dos pacientes nem as reforça, mas concorda que o mundo descrito por eles é concebível. O entrevistador pode falar sobre os reais motivos e sentimentos, atribuídos por engano a outra pessoa, e começar a sedimentar uma aliança com o paciente. CISÃO. Na cisão, as pessoas que são alvo de sentimentos ambivalentes do paciente são divididas em boas e más. Por exemplo, em um contexto de internação, um paciente pode idealizar alguns membros da equipe e desmerecer outros. Esse comportamento de defesa pode ser altamente perturbador em uma ala hospitalar e, por fim, pode fazer a equipe se voltar contra o paciente. Quando membros da equipe já antecipam o processo, discutem-no em reuniões e confrontam o paciente de modo gentil com o fato de que ninguém é JOICE ARAÚJO RESUMO: Transtorno de personalidade totalmente bom nem totalmente mau, é possível lidar de forma eficaz com o fenômeno de cisão. AGRESSIVIDADE PASSIVA. Pessoas com defesa passivo-agressiva voltam sua raiva contra si mesmas. Em termos psicanalíticos, esse fenômeno é denominado masoquismo e inclui fracasso, procrastinação, comportamento tolo ou provocativo, ridicularização autodegradante e atos de autodestruição manifestos. A hostilidade nesse comportamento nunca está totalmente encoberta. De fato, em um mecanismo como o corte dos punhos, outras pessoas sentem a mesma intensidade de raiva como se elas próprias tivessem sido agredidas e veem o paciente como um sádico, não como um masoquista. A melhor maneira de o terapeuta lidar com a agressividade passiva é ajudar os pacientes a desafogar sua raiva. ATUAÇÃO. Durante a atuação, os pacientes expressam diretamente desejos inconscientes ou conflitos por meio de ações para evitar tanto a consciência da ideia quanto do afeto que os acompanham. Ataques de raiva, agressões aparentemente sem motivo, abuso infantil e promiscuidade sem prazer são exemplos comuns. Uma vez que o comportamento ocorre fora da consciência refletiva, a atuação com frequência parece ao observador estar desacompanhada de culpa, mas quando a atuação é impossível, o conflito por trás da defesa podeficar acessível. Ao deparar-se com a atuação, seja ela de natureza agressiva ou sexual, o clínico, durante a entrevista, deve reconhecer que o paciente perdeu o controle, que tudo o que o entrevistador disser provavelmente será mal interpretado e que atrair a atenção do paciente é fundamental. Dependendo das circunstâncias, a resposta do clínico pode ser “Como posso ajudá-lo se você continuar gritando?”, ou, caso a perda de controle pareça aumentar, pode afirmar “Se você continuar gritando eu vou embora”. Um entrevistador que se sinta ameaçado pelo paciente pode simplesmente sair e, se necessário, pedir auxílio aos seguranças ou à polícia. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA. O mecanismo de defesa de identificação projetiva surge principalmente no transtorno da personalidade borderline e consiste em três passos. Primeiro, um aspecto do self é projetado sobre outra pessoa. O indivíduo que o projetou tenta, então, coagir a outra pessoa a se identificar com o que foi projetado. Por fim, é criado um sentimento de unidade ou união entre a pessoa que foi o alvo da projeção e a pessoa que a realizou. Referência bibliográfica Sadock, Benjamin J. Compêndio de psiquiatria : ciência do comportamento e psiquiatria clínica 11. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.
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