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CASO 4 – DESEQUILÍBRIOS NA GESTAÇÃO Diabetes Gestacional ADAPTAÇÕES METABÓLICAS DA GESTAÇÃO A placenta funciona como um órgão endócrino durante a gestação. Os hormônios placentários interferem no metabolismo lipídico, glicêmico e hidroeletrolítico materno com o objetivo principal de fornecer ao feto todos os nutrientes necessários ao seu crescimento adequado. Durante a fase de anabolismo, ocorre aumento da produção de lipídios e da glicogênese hepática com transferência preferencial de glicose para o feto. Ocorre também fisiologicamente a redução da glicemia basal materna e de jejum. Na fase de catabolismo, o metabolismo glicêmico visa suprir o feto com glicose e aminoácidos e emprega ácidos graxos livres e cetonas como base para a produção da energia utilizada pela mãe. Verifica-se, assim, umdiscreto aumento fisiológico do colesterol e dos triglicerídeos maternos. Para favorecer essa lipólise ocorre aumento da resistência insulínica com o avançar da gestação por ação do hormônio lactogênio placentário e da prolactina. Estima-se que a sensibilidade periférica à insulina tenha sua atividade reduzida de 40% a 70% na fase de catabolismo materno. TIPOS DE DIABETES Diabetes mellitus tipo 1: absoluta deficiência de insulina causada pela destruição células beta. Diabetes mellitus tipo 2: causado pela perda progressiva da secreção de insulina associada à resistência à insulina. Diabetes mellitus gestacional: diabetes diagnosticado no segundo ou terceiro trimestre da gestação que não é claramente um diabetes prévio (overt diabetes). Tipos específicos de diabetes em função de outras causas: · Síndromes monogênicas (como o diabetes neonatal e MODY 1 a 6) · Doenças do pâncreas exócrino (pancreatite, fibrose cística) · Induzidas por medicamentos ou outras substâncias (uso de glicocorticoides, tratamento de HIV/AIDS e após transplantes de órgãos). DEFINIÇÃO O diabetes mellitus gestacional é definido, pela OMS, como uma intolerância aos carboidratos de gravidade variável, que se inicia durante a gestação atual e não preenche os critérios diagnósticos de diabetes mellitus franco. É o problema metabólico mais comum na gestação e tem prevalência em 3 a 25% das gestações, dependendo do grupo étnico, da população e do critério diagnóstico utilizado. A incidência de DMG tem aumentado em paralelo com o aumento do DM2 e da obesidade na população. FATORES DE RISCO · Idade materna avançada > 25 anos · Sobrepeso, obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual IMC ≥ 25kg/m · Deposição central excessiva de gordura corporal · História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau · Crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual · Antecedentes obstétricos de abortamentos de repetição, malformações, morte fetal ou neonatal, macrossomia ou DMG · Síndrome de ovários policísticos · Baixa estatura (menos de 1,5 m) · Hemoglobina glicada ≥ 5,9% no primeiro trimestre. DIAGNÓSTICO Novos pontos de corte para o jejum, em 1 e 2 horas, que são ≥ 92 mg/dL, ≥ 180 mg/dL e ≥ 153 mg/dL, respectivamente. A investigação de DMG deve ser feita em todas as gestantes sem diagnóstico prévio de diabetes. A presença de fatores associados com maior risco de hiperglicemia na gravidez não deve ser utilizada para fins de rastreamento de DMG. Na primeira consulta pré-natal, deve ser solicitada glicemia de jejum, com o principal objetivo de detectar o diabetes preexistente. A hiperglicemia inicialmente detectada em qualquer momento da gravidez deve ser categorizada e diferenciada em DM diagnosticado na gestação (do inglês overt diabetes) ou em DMG. Se o valor encontrado for ≥ 126 mg/dL, será feito o diagnóstico de DM diagnosticado na gestação. Se a glicemia plasmática em jejum for ≥ 92 mg/dL e < 126 mg/dL, será feito o diagnóstico de DMG. Em ambos os casos, deve-se confirmar o resultado com uma segunda dosagem da glicemia de jejum. Em caso de viabilidade local, mulheres com diagnóstico de DMG por glicemia de jejum no primeiro trimestre podem ser reavaliadas quanto à tolerância a glicose no segundo trimestre. • Diabetes mellitus gestacional (DMG): mulher com hiperglicemia detectada pela primeira vez durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não atingem os critérios diagnósticos para DM. • Diabetes mellitus diagnosticado na gestação (overt diabetes): mulher sem diagnóstico prévio de DM, com hiperglicemia detectada na gravidez e com níveis glicêmicos sanguíneos que atingem os critérios da OMS para a DM fora da gestação. Caso a glicemia antes da 20ª semana seja < 92 mg/dL, a gestante deve realizar um novo TOTG no segundo trimestre, entre a 24a e 28a semanas de gestação. Recomendações para diagnóstico de DMG em local em situação de viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica total: Em situações de viabilidade financeira e disponibilidade técnica total, todas as gestantes com glicemia de jejum inferior a 92 mg/dL devem realizar o TOTG com 75 g de glicose de 24 a 28 semanas. Se o inicio do pré-natal for tardio (após 20 semanas de idade gestacional) deve-se realizar o TOTG com a maior brevidade possível. Estima-se que assim sejam detectados 100% dos casos. O teste oral de tolerância à glicose (TOTG) deve ser precedido por dieta sem restrição de carboidratos ou com, no mínimo, ingestão de 150 g de carboidratos nos 3 dias anteriores ao teste, com jejum de 8 horas. Recomendações para diagnóstico de DMG em local em situação de viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial: Todas as gestantes devem realizar a glicemia de jejum no início do pré-natal para diagnóstico de DMG e de DM diagnosticado na gestação, e, caso o resultado do exame apresente valores inferiores a 92 mg/dL, antes de 24 semanas de idade gestacional, deve-se repetir a glicemia de jejum de 24 a 28 semanas. Estima-se que assim sejam detectados 86% dos casos. TRATAMENTO Tratamento inicial do DMG consiste em orientação alimentar que permita ganho de peso adequado e controle metabólico (A). O cálculo do valor calórico total da dieta deve ser feito de acordo com o índice de massa corporal (IMC). O ganho de peso indicado ao longo da gestação baseia-se, idealmente, na avaliação do IMC pré-gestacional ou no IMC obtido no início do pré-natal. O valor calórico total prescrito deve ser individualizado e conter 40 a 55% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 30 a 40% de gorduras (A), e recomenda-se consumo mínimo diário de 175 g de carboidratos, 71 g de proteínas (1,1 g/kg/dia) e 28 g de fibras. Deve-se dar preferência ao consumo de alimentos que contenham carboidratos com baixo índice glicêmico. A dieta com baixo índice glicêmico no DMG se associou à diminuição da necessidade de indicar o uso de insulina e menor ganho de peso ao nascer. A prática de atividade física deve fazer parte do tratamento do DMG, respeitando-se as contraindicações obstétricas (B). Recomenda-se o monitoramento das glicemias capilares pré e pós-prandiais quatro a sete vezes por dia, especialmente nas gestantes que usam insulina. Após 2 semanas de dieta, se os níveis glicêmicos permanecerem elevados (jejum ≥ 95 mg/dL e 1 hora pós-prandial ≥ 140 mg/dL ou 2 horas pós-prandiais ≥ 120 mg/dL), deve-se iniciar tratamento farmacológico (B). O critério de crescimento fetal para início da insulinoterapia é uma alternativa quando a medida da circunferência abdominal fetal for igual ou superior ao percentil 75 em uma ecografia realizada entre a 29a e a 33a semanas de gestação (B). A dose inicial de insulina é de 0,5 U/kg, com ajustes individualizados para cada caso (B). Em geral, associam-se insulinas humanas de ações intermediária e rápida. Os análogos de insulina asparte e lispro têm vantagens sobre a insulina regular, promovendo melhor controle dos níveis de glicemia pós-prandiais com menor ocorrência de hipoglicemias. A insulina é a primeira escolha na terapêutica medicamentosa para controle glicêmico no período gestacional, devido à sua eficácia comprovada e à pequena passagem placentária. Existem situações nas quais o uso de metforminapoderia ser considerado: falta de adesão da paciente ao uso de insulina: não acessibilidade à insulina; dificuldade na autoadministração de insulina; estresse para a paciente em níveis exacerbados decorrentes uso de insulina e que determina restrição alimentar não corrigida mesmo após orientação adequada; necessidade de altas doses diárias de insulina (>100 UI) sem resposta adequada no controle glicêmico e ganho de peso excessivo em uso de insulina. PARTO A conduta obstétrica de uso de corticosteroides para maturação pulmonar fetal não é contraindicada, mas eles devem ser administrados de forma concomitante ao monitoramento intensivo da glicemia e aos ajustes na dose de insulina. As gestantes com ótimo controle metabólico e que não apresentam antecedentes obstétricos de morte perinatal, macrossomia ou complicações associadas, como hipertensão, podem aguardar a evolução espontânea para o parto até o termo. Não se indica cesariana em razão do DMG, sendo a via de parto uma decisão obstétrica. No parto programado, a gestante precisa permanecer em jejum, devendo-se suspender a insulina protamina neutra Hagedorn (neutral protamine Hagedorn, NPH) e infundir uma solução de glicose a 5 ou 10% intravenosamente, com controle do horário da glicemia capilar; se necessário, deve-se administrar infusão contínua de insulina regular intravenosa com baixas doses (uma a duas unidades/hora) ou insulina regular, lispro ou asparte subcutânea, conforme as glicemias capilares. Quando o parto for de início espontâneo e já se tiver administrado a insulina diária, recomenda-se manutenção de um acesso venoso com infusão contínua de solução de glicose, além do monitoramento da glicemia capilar a cada hora. Durante o trabalho de parto, deve-se manter a glicemia em níveis entre 70 e 120 mg/dL. É recomendada a presença de um neonatologista na sala de parto (D). PÓS-PARTO No primeiro dia após o parto, os níveis de glicemia devem ser observados, suspendendo-se a insulina basal. Orienta-se também a manutenção de uma dieta saudável. A maioria das mulheres apresenta normalização das glicemias nos primeiros dias após o parto. Ainda, deve-se estimular o aleitamento materno que, além dos benefícios ao bebê, está associado à prevenção do diabetes tipo 2 em mulheres com histórico de DMG. Caso ocorra hiperglicemia durante esse período, a insulina é o tratamento indicado. A prescrição de dietas hipocalóricas durante o período de amamentação deve ser evitada. A incidência de diabetes entre mulheres com história prévia de DMG varia de 3 a 65%. A reclassificação deve ser feita, idealmente, seis semanas após o parto para todas as mulheres que tiveram DMG, utilizando-se os critérios padronizados para a população em geral. A realização do TOTG com 75 g de glicose, seis semanas após o parto, é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico de diabetes após a gestação e deve ser a opção em situações de viabilidade financeira e disponibilidade técnica total. Em situações de viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial, pode-se realizar a glicemia de jejum seis semanas após o parto para diagnóstico de DM e de glicemia de jejum alterada. Não está indicada a dosagem de hemoglobina glicada no pós-parto pois esse exame não está validado para o diagnóstico de diabetes no puerpério. Caso o TOTG com 75g de glicose ou a glicemia de jejum sejam normais, a paciente deverá ser avaliada anualmente por meio de glicemia de jejum e/ou TOTG com 75 g de glicose ou pela medida da HbA1c. É fundamental indicar a manutenção do peso adequado, revisando as orientações sobre dieta e atividade física. Mulheres com intolerância à glicose e histórico de DMG devem mudar seus hábitos de vida, com dieta adequada e exercícios físicos, mantendo um peso próximo do ideal para evitar o aparecimento do diabetes. No estudo de prevenção do diabetes (DPP), mulheres que reduziram 7% do peso corporal, com prática de atividade física regular ou quando utilizam metformina, tiveram diminuição de 53% da incidência de DM2. Opções de métodos contraceptivos devem ser apresentadas para a paciente ainda na gestação ou na primeira avaliação do puerpério. Não há métodos contraceptivos especificamente contraindicados para mulheres com DMG prévio. Entretanto, a escolha do método deve se basear nas características individuais da paciente. Insulinoterapia: Esta abordagem medicamentosa, com base em evidências científicas, continuam sendo a 1a escolha no tratamento medicamentoso da hiperglicemiana gestação. As insulinas mais utilizadas e disponíveis são: a NPH, de ação intermediária, utilizada para o controle da glicemia de jejum e pré-prandiais; e, a Regular, de ação rápida, indicada para o controle das glicemias pós-prandiais. A Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda a dose inicial entre 0,3 e 0,5 UI/kg/dia via subcutânea, devendo ser realizados ajustes a cada 15 dias até a 30a semana e semanalmente após a 30a semana baseado nos resultados da monitorização glicêmica. Dependendo da dose diária calculada, a mesma pode ser dividida em múltiplas aplicações diárias, com maior concentração pela manhã, antes do café da manhã.
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