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FUNDAMENTOS HISTÓRICO E TEÓRICO METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL I E II Viviane Rodrigues A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista Objetivos de aprendizagem Ao final deste capítulo, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer os fundamentos que deram sustentação aos processos de trabalho do assistente social na Europa. Identifi car os fundamentos que deram base aos processos de trabalho do assistente social nos EUA. Analisar as principais bases teóricas e metodológicas mundiais que tiveram interferência na constituição do Serviço Social brasileiro. Introdução Neste capítulo, serão apresentadas as informações referentes ao processo de institucionalização do Serviço Social na Europa, Estados Unidos e no Brasil, além das correntes teórica adotadas, dos preceitos que deram origem à profissão e algumas das escolas de Serviço Social. Os fundamentos dos processos de trabalho do assistente social na Europa A partir da revolução industrial, a Europa passa a vivenciar a hegemonia do capital por meio do processo de industrialização. É neste contexto que se apresentam diversas formas da Questão Social, sendo: [...]. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da so- ciedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 1 13/03/2018 11:33:40 uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho, através de legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 77). Com o fortalecimento da industrialização, houve uma grande migração do campo para os centros urbanos, fator que favoreceu o surgimento do exército de reserva, ou seja, um grande contingente de trabalhadores sem acesso ao trabalho, isso colaborava para pobreza material da população. O desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais engendradas nesse processo determinam novas necessidades sociais e novos impasses que passam a exigir profissionais especialmente qualificados para o seu atendimento, segundo os parâmetros de racionalidade e eficiência inerentes à sociedade capitalista (IAMAMOTO, 2006, p.77). Deste modo, o capitalismo fortalece a necessidade da ajuda aos pobres, por isso os ricos realizavam caridade. Ressalta-se que essa caridade vinha ao encon- tro de manter o poder, por meio da dependência dos pobres para com os ricos. A Igreja Católica, que até então praticava a caridade, dentro dos padrões determinados pela burguesia dominante, tinha o intuito de manutenção do poder, por meio do uso dos pensamentos de São Tomás de Aquino. A relação da caridade aos pobres com a fé fez com que ela tivesse um papel fundamental para o surgimento do Serviço Social. Do mesmo modo, o Serviço Social europeu surge com forte vínculo com a Igreja Católica, pautado por um pensamento conservador, ou seja, no tomismo, com uma prática voltada para o controle e ajuste da ordem social. Outro fundamento importante é referente à institucionalização do Serviço Social europeu em seu aspecto higienista, em que o trabalho se constituía vinculado à atividade médica ou a enfermagem. Esta atuação colabora com a proposta de limpeza social. Realizava-se o atendimento aos pobres que estavam em hospitais e não tinham condições de pagarem seus tratamentos. Na Europa foi criado o primeiro o curso de formação de visitadores so- ciais voluntários, realizado pela Sociedade de Organização da Caridade da Inglaterra. Assim, formando agentes sociais para realizar visitas, que além de doutrinar o sujeito nas suas relações sociais, também doutrinaria a sua alma. O Serviço Social europeu se fundamentou com a industrialização, assim como, no aumento das mazelas sociais inerentes do capitalismo, por intermédio da atuação junto ao trabalhador e à população empobrecida. A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista2 Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 2 13/03/2018 11:33:40 Leia as informações sobre o surgimento de algumas escolas mundiais: Surgimento do Serviço Social na Inglaterra Com a efervescência da industrialização na Inglaterra, surge a necessidade de cuidar dos pobres. Os atendimentos aconteciam em hospitais para pacientes que não tinham condições financeiras de custear o tratamento. Surgimento do Serviço Social na Alemanha A primeira organização, ou melhor, a primeira tentativa de organização de assistência aos pobres ocorreu na cidade Alemã de Nuremberg, onde a atuação era pautada por visitas domiciliares, tanto para atender aos pobres como para entender a pobreza. Surgimento do Serviço Social na França O surgimento do Serviço Social francês ocorreu semelhante ao alemão. O que difere foram as visitas serem realizadas por rapazes. Após a Primeira Guerra, o Serviço Social surge como profissão em uma perspectiva higienista, derivada da área da enfermagem. Também foi na França que aconteceu a I reunião da Conferência Internacional de Serviço Social, no ano de 1928, em Paris. Surgimento do Serviço Social na Holanda Assim como na Inglaterra, e posteriormente, na França, o Serviço Social holandês surge com a proposta da caridade, de cuidado aos pobres. No ano de 1899 foi criada a primeira escola de serviço social na cidade de Amsterdã, que trouxe grandes contribuições para a formação do assistente social. Os fundamentos dos processos de trabalho do assistente social nos Estados Unidos Com o fi m da Guerra Civil americana, que aconteceu de 12 de abril de 1861 a 9 de maio de 1865, houve uma explosão no crescimento da economia, em que o país despontou para o crescimento industrial e agrícola. Nesse contexto de crescimento da riqueza da nação americana, também ocorreu um crescimento da pobreza. Assim, a população recebeu ajuda por meio de uma perspectiva moralizante e educativa, pois compreende-se que a pobreza está diretamente ligada a uma questão moral. É salientado que a intervenção ocorria junto às famílias operárias empobrecidas, através de trabalhos educativos que visavam a um maior controle do indivíduo. É esse contexto histórico que Mary Richmond pauta a ação profissional em uma análise médica da Questão Social por intermédio de uma análise terapêutica, passível de diagnóstico e tratamento como uma doença, na afir- mação da primeira iniciativa de institucionalização da prática profissional. 3A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 3 13/03/2018 11:33:40 Deste modo, no ano de 1897, ela propôs a fundação de uma escola de filantropia aplicada, que transmitiria um caráter profissional aos serviços sociais até então executados. Em 1918, a escola de filantropia passou a se denominar Escola de Serviço Social, e Mary Richmond ocupou a cadeira de docente em Serviço Social de Casos. Foi com Mary Richmond que se passou a pensar e estudar de forma cien- tífica o Serviço Social, sendo que no ano de 1917 foi publicado o livro Caso Social Individual, exemplo de sua prática de Serviço Social de Casos. O Serviço Social de Caso tem como atuação o desenvolvimento de caráter, com o objetivo de formar uma sociedade estruturada, em que os problemas são os indivíduos no caráter de culpabilização dos sujeitos, sendo que eles deveriam ser ajustados para viverem em uma sociedade mais harmônica. O Serviço Social de Grupo foi desenvolvido por Gisella Konopka, no ano de 1935, com um método que buscava, por meio de experiências em grupo, o en- frentamentodos problemas sociais e pessoais. Gisela Konopka, assistente social e psicanalista alemã, aborda em sua obra Serviço Social de Grupo o seguinte preceito: “O Serviço Social de Grupo é um método do Serviço Social que ajuda as pessoas a aumentarem o seu funcionamento social através de objetivas ex- periências de grupo e a enfrentarem, de modo mais eficaz, os seus problemas pessoais, de grupo e de comunidade” (KONOPKA, 1972, p. 33). Outro método utilizado no Serviço Social norte-americano foi o de co- munidade. A implantação desse método foi realizada por Jane Addams em Settlement Houses (Centros Comunitários). O Serviço Social americano baseado na atuação de caso, grupo e comuni- dade permeados pelo caráter conservador da teoria positivista com orientação funcionalista em que: No caso do Serviço Social, um primeiro suporte teórico-metodológico ne- cessário à qualificação técnica de sua prática e à sua modernização vai ser buscado na matriz positivista e em sua apreensão manipuladora, instrumental e imediata do ser social. [...] O método positivista trabalha com as relações aparentes dos fatos, evolui dentro do já contido e busca a regularidade, as abstrações e as relações invariáveis (YAZBEK, 2009, p. 147). Embora, o processo de institucionalização do Serviço Social americano tenha se estruturado mais fortemente na capacitação profissional, criou-se a necessidade da sua profissionalização dele. A atuação era pautada no modelo de sociedade vigente, com a divisão dos desocupados e ocupados, culminando com a estrutura do bem-estar social. A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista4 Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 4 13/03/2018 11:33:41 Principais bases teóricas e metodológicas mundiais e a interferência na constituição do Serviço Social brasileiro No fi m do século XIX e início do século XX, o Brasil, que até então pautava sua economia no modelo agrário-exportador, assume o modelo urbano-industrial, principalmente, a partir da década de 1930, apoiado pelo modelo populista do governo Vargas. Nesse período, nota-se o aumento da população urbana, por causa da migração da população do campo para a cidade, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Com as mudanças do modelo agrário-exportador para o modelo urbano- -industrial, além da consolidação do capitalismo monopolista, se tem um agra- vamento da Questão Social, associado a este contexto surge o Serviço Social. O Serviço Social brasileiro surge na década de 1930, desenvolve-se nos marcos do pensamento conservador da doutrina social da Igreja Católica, tendo como principal ação profissional as questões operárias, a saúde, a habitação, o disciplinamento dos trabalhadores, a dominação política e ideológica para melhor adequar o proletariado à indústria, que se favorece nesse período: A profissão não se caracteriza apenas como nova forma de exercer a caridade, mas como forma de intervenção ideológica na vida da classe trabalhadora, com base na atividade assistencial; seus efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a mútua colaboração entre capital e trabalho (IAMAMOTO, 1997, p.20). Assim, é reafirmado que o Serviço Social tem a sua gênese na doutrina da Igreja Católica, como a sua formação pautada no Serviço Social europeu, no franco-belga, por meio de uma filosofia tomista e neotomista. O tomismo é a filosofia baseada nos ensinamentos de São Tomás de Aquino, e que se caracteriza na tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo, para uma filosofia do ser, inspirada na fé com a teologia científica. Neotomismo é o movimento de retorno à filosofia tomista, resgatada das tendências intelectuais de São Tomás de Aquino, retomadas especialmente a partir de 1879, por influência do Papa Leão XIII. 5A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 5 13/03/2018 11:33:41 Um fator que influenciou fortemente na institucionalização da profissão foi a ida de Maria Kiel e Albertina Ramos à Bélgica para estudarem na escola de Serviço Social de Bruxelas, com intenção de criar de uma escola de Serviço Social no Brasil. No ano de 1936, foi criada a primeira escola de Serviço Social no país, na cidade de São Paulo, vinculada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. Em 1937, foi fundada a escola do Rio de Janeiro, dentro das mesmas vertentes teóricas e de atuação, ou seja, pautada na doutrinação da Igreja Católica e na doutrinação do proletariado. As escolas foram decisivas para a construção do conhecimento técnico de profissionais que desenvolviam ações sociais ligadas, em especial, ao cunho religioso e orientadas pelas encíclicas papais por meio do pensamento de São Tomás de Aquino. Também foram decisivas para a ampliação de técnicas e práticas existente, pois os profissionais de Serviço Social pautaram sua atuação nas escolas europeias e posteriormente norte-americanas. Com a busca pela qualificação e o objetivo de adquirir fundamento teórico- -metodológico, houve uma aproximação com o Serviço Social americano e sua matriz positivista de Auguste Comte (1798-1857), com orientação funcio- nalista, em que as mudanças somente poderiam acontecer dentro dos padrões já estabelecidos. Logo, o positivismo defende a ideia de que a única forma de conhecimento é o cientifico, somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela for comprovada por intermédio de métodos científicos válidos. Para os positivistas, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos. A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista6 Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 6 13/03/2018 11:33:41 IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação pro- fissional. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006. IAMAMOTO, M. V. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1997. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e o serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003. KONOPKA, G. Serviço Social de grupo: um processo de ajuda. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. YAZBEK, M. C. Fundamentos Históricos e Teórico-metodológicos do Serviço Social, In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e compe- tências profissionais. Brasília, DF: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 143-164. Leituras recomendadas CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, DF: CFESS/ABEPSS, 2009. SERVIÇO social no mundo. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 108, 2011. 7A criação do Serviço Social: doutrina cristã-neotomista Cap_2_Fundamentos Historico e Teorico - Carol.indd 7 13/03/2018 11:33:41
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