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1 ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA LITERATURA JOANINA – 2012 Profª. Katia Rejane Sassi EVANGELHO SEGUNDO JOÃO Durante muito tempo o evangelho de João ficou esquecido por ser considerado espiritualista e pouco ligado à realidade e à história. Ultimamente estamos redescobrindo seu valor e sua força transformadora para o atual momento histórico. Os sinóticos tiram fotografias, João tira raio-X. Pode ainda ser comparado com uma tomografia ou com uma ressonância magnética, uma vez que estes exames mostram com maior nitidez o interior de nossos corpos. Ele tenta revelar na vida de Jesus uma dimensão escondida que a olho nu não se vê, mas que só a fé revela. Esta linguagem vai mais a fundo, revela o sentido, o significado que está além das palavras. O Quarto Evangelho é um evangelho refletido e comentado pelo próprio autor. Seus comentários induzem o leitor a superar o nível de narrativa, a reconhecer sentidos mais profundos no texto, a perceber o simbolismo e procurar um sentido de atualidade, em uma palavra, a interpretar o texto. AUTOR Não sabemos exatamente quem escreveu o Quarto Evangelho. Por trás de qualquer texto da Bíblia está sempre uma comunidade de fé. É uma obra coletiva como o deixam transparecer alguns trechos do livro (1,14.16; 21,24). Isto indica ser um grupo ou comunidade que recebeu um testemunho de alguém sobre Jesus. Este testemunho, desde o século II é chamado de João. Porém, é muito estranho que o líder da comunidade fosse um dos Doze discípulos, uma vez que os Doze aparecem raras vezes no evangelho e em situações pouco decisivas para progressão do mesmo (6,67-71). Na conclusão do evangelho lemos: “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi quem as escreveu; e sabemos que o seu testemunho era verdadeiro” (Jo 21,24). A autoria do evangelho é, assim, atribuída a um discípulo anônimo, conhecido como o discípulo que Jesus amava. Lázaro, Marta e Maria, representando a comunidade de Betânia, aparecem no evangelho como pessoas amigas, que Jesus amava (11,5.36). Este dado reforça a tendência atual de não considerar o Discípulo Amado como uma personalidade histórica individual, mas coletiva. Neste caso, na sua origem estaria a própria comunidade joanina. DATA E LOCAL O Quarto Evangelho é tido como aquele que levou mais tempo para encontrar a sua forma definitiva. Provavelmente no fim do 1º século que se deu a sua última redação. A obra levou vários anos para estar pronta. Vários também são os lugares onde ela foi sendo elaborada. É quase certo que começou na Palestina, lá onde ocorrem os acontecimentos narrados. Depois espalhou-se pela Judeia e Samaria. A partir da guerra judaico-romana as comunidades joaninas migraram para a Síria ou para a Ásia Menor. É provável que o Quarto Evangelho foi elaborado em Éfeso (Ásia Menor). OBJETIVO Jo 20,30-31 – O Evangelho foi escrito para narrar alguns sinais realizados por Jesus, que se tornaram significativos na história da comunidade, a fim de levar a própria comunidade e os leitores a crer em Jesus Cristo a participar da vida em seu nome. Pretende assim a integração entre FÉ e VIDA, a partir de SINAIS concretos. A palavra crer ou acreditar encontra-se 89 vezes neste evangelho. É interessante notar que nenhuma vez usam a palavra fé, tão comum nos Sinóticos e em Paulo. O objetivo 2 é mostrar que o ato de crer é algo dinâmico, é adesão à pessoa e ao projeto de vida de Jesus, tendo uma prática consequente. O anúncio da Boa Nova, narrada na forma de evangelho, foi escrito como uma forma de resistência, sobretudo, em duas situações decisivas para a vida da comunidade: contra os ataques vindos de fora (sinagoga judaica, gnosticismo, império romano) e para uma animação da comunidade que corre perigo de desagregação interna e perda da identidade. As comunidades estavam sendo influenciadas por interpretações errôneas sobre Jesus e sua doutrina. Na região da Ásia Menor crescia com maior força os movimentos religiosos como a religiões dos mistérios e a gnose. A doutrina gnóstica afirmava que a pessoa humana se salva graças a um conhecimento religioso especial, secreto e individual. Os gnósticos afirmavam-se iluminados e livres do pecado e das tentações do mundo. Não davam nenhuma importância à prática comunitária do amor ao próximo (13,17). O docetismo negava a encarnação do Filho de Deus. Afirmava a doutrina da aparente humanidade de Jesus. Era escândalo admitir que Deus tivesse assumido nossa condição humana. O Evangelho também critica pessoas das próprias comunidades que não assumiam publicamente sua fé em Cristo, talvez por causa da perseguição das autoridades. A insistência de Jesus na unidade é sinal de que havia divisões na comunidade (17,11.20-23). HISTÓRIA DA REDAÇÃO Por baixo da redação final do Quarto Evangelho escondem-se camadas mais antigas, que deixaram seu traço no texto atual. Algumas restituições: -um estágio inicial de pregação oral por um discípulo de Jesus, nos âmbitos judaicos e afins (Jerusalém, Galileia, Samaria, círculos batistas, diáspora), até a metade do século I. -Antes da destruição de Jerusalém (70 d.C) pode ter havido uma primeira redação escrita dessa pregação, que, além do anúncio de Jesus ressuscitado como Messias e Senhor, continha elementos de iniciação cristã e de explicações das Escrituras para membros já integrados. Este evangelho já tinha as feições específicas que o tornam diferente dos demais: os “sinais”, o simbolismo, a cristologia da cruz e da glória, a escatologia “inaugurada”. Os relatos dos feitos prodigiosos de Jesus são acompanhados – antes e depois – por diálogos ou discursos que dão o sentido do gesto de Jesus. -Depois da destruição do Templo, que ensejou a reestruturação do judaísmo (Jâmnia) nos anos 80-100, situar-se-á a redação final da obra como chegou até nós, acentuando a referência à comunidade e seu conflito com o nascente judaísmo rabínico. À redação final parecem pertencer certas releituras e complementos (Jo 3,16-21.31-36; 6,51-58; 12,37-50; cap. 15-16, talvez o 17 e, provavelmente, o Prólogo). -Alguns retoques e o cap. 21 pertencem a um acabamento dado no momento em que o escrito foi posto em circulação entre as comunidades. Podemos suspeitar disso não apenas através da conclusão que temos (20,30-31), mas também pela linguagem e estilo. -O trecho 7,53-8,11, a perícope da adúltera, é ainda mais tardio; não está nos manuscritos mais antigos; foi inserida no século IV. O QUARTO EVANGELHO E OS SINÓTICOS João retoma os títulos cristológicos de Jesus que já se encontram nos Sinóticos. No entanto, considera-os insuficientes. Por isso, insiste em dizer que Jesus de Nazaré é o filho de Deus, a presença do próprio Deus entre nós. Jesus assume o nome de YHWH (8,24.28.58). Diz que é um como o Pai (10,30), que é sua própria encarnação (1,14). A maior parte do 4º Evangelho é material exclusivo dessas comunidades. Há poucos textos comuns aos Sinóticos. Os principais deles são: o testemunho de João Batista e o batismo de Jesus (1,19-34), a expulsão dos vendilhões do templo (2,13-16), a partilha dos pães (6,1-13), Jesus caminhando sobre as águas (6,16-21), a unção em Betânia (12,1-8), a entrada triunfal em Jerusalém (12,12-19), o anúncio da traição (13,21-30) e a paixão-ressurreição (18-20). 3 Todo o resto é material próprio onde, mais do que descrever a prática de Jesus, realça-se o significado de sua vida. Há diferenças entre João e os Sinóticos que chamam a atenção: -Diferentemente dos Sinóticos, a expulsão dos vendilhões no templo está no início da vida pública (2,13-16), por inspiração de Ml 3,1-5. -Faltam em João os exorcismos que estão tão bem testemunhados nos Sinóticos. No entanto, também as comunidades joaninas entendem a prática de Jesus e das igrejas como enfrentamento e superação das forças do demônio, das estruturas injustas da sociedade, movidas pelo príncipe deste mundo, o pai da mentira. É a luta daluz contra as trevas (8,12). Quem trai o projeto de Deus, encarna o diabo (6,70-71; 13,2.27). Para desacreditar Jesus, as lideranças judaicas diziam que ele tinha o demônio em si (7,20; 8,48-49.52; 10,20-21). -A maior parte de sua missão se desenrola em Jerusalém e não na Galileia, como nos Sinóticos. João se estrutura aludindo às grandes festas judaicas. Apresenta a pregação de Jesus distribuída pelo menos durante mais de dois anos (três festas da Páscoa). -Nos Sinóticos temos em torno de 35 milagres e, em João, temos somente sete sinais. Dos sete sinais em João, cinco são exclusivos: as bodas de Caná, a cura do filho do funcionário do rei, a cura do paralítico de Betesda, a cura do cego de nascença e a ressurreição de Lázaro. -Temos mais de 40 parábolas nos Sinóticos e, em João, nenhuma delas aparece. E as duas que normalmente chamamos de parábolas são, na verdade, alegorias exclusivas do 4º Evangelho: a do Bom Pastor (10,1-18) e a da videira (15,1-17). -Nos Sinóticos há referência a somente uma Páscoa e João cita três vezes (2,13; 6,4; 11,55), além da festa das Tendas (7,2), uma festa sem nome (5,1) que leva a pensar em Pentecostes e a festa da Dedicação do Templo (10,22). -Nos Sinóticos, a expressão preferida de Jesus para se referir à sua missão é o anúncio do Reino de Deus ou Reino dos Céus. Em João, a expressão preferida é vida eterna ou simplesmente vida. -O Evangelho do Discípulo Amado omite o título de apóstolo, justamente porque polemiza com comunidades hierarquizadas. A palavra apóstolo (enviado) somente aparece em Jo 13,16 no sentido de mensageiro e não como título, justamente no texto em que se discute a forma de exercer a autoridade, isto é, no lava pés (13,1-17). Já o verbo enviar aparece várias vezes (9,7; 17,3.18; 20,21). Os autores do 4º Evangelho preferem a palavra discípulos para se referir aos membros das igrejas de iguais (1,37; 2,11; 3,25; 4,1; 6,66; 8,31; 9,28; 13,23.35; etc). ESTRUTURA Há várias propostas de organização do evangelho de João. Optamos por aquela que divide o evangelho em duas partes: Prólogo: (1,1-18) – Programa de ação de Jesus Livro dos Sinais: (1,19-11,54) – São sete sinais que confirmam a missão de Jesus. Dobradiça: (11,55-12,50) Livro da Glória: (13,1-20,31) – Nele revela-se o amor e a bondade de Deus, na face do Pai. Epílogo: (21,1-25) – A missão da comunidade de Jesus EVANGELHO SEGUNDO JOÃO 1,1-18 1,19 a 11,54 11,55 a 12,50 13,1 a 20,31 21,1-25 Prólogo Do Pai ao mundo, do mundo ao Pai 1ª Parte LIVRO DOS SINAIS Obras-sinais perante o mundo “Ainda não é Hora” (2,4) Dobradiça Faz ligação entre a 1ª e a 2ª parte. “Está chegando a Hora” (12,23) 2ª Parte LIVRO DA GLORIFICAÇÃO Revelação perante a comunidade “Chegou a Hora” (13,1) Epílogo O Ressuscitado e a Comunidade Início dos Sinais Conflito crescente e opção de fé Despedida dos “seus” Testamento de Jesus Oração A obra consumada 1,19 a 4,54 5,1 a 11,54 13,1 a 14,31 15,1 a 17,26 18,1 a 20,31 4 A primeira parte do evangelho é chamada “Livro dos Sinais”. “Sinais” em João significam os milagres que confirmam a missão de Jesus, o Enviado de Deus. São sinais perpassados de uma linguagem teológica, baseada na tradição judaica do AT. Os sete sinais, narrados no Quarto Evangelho, são uma manifestação do tempo messiânico, que se realizará plenamente na hora de Jesus, que é a hora do Pai: -Bodas de Caná (2,1-11) = falta de vinho x vinho em abundância = Nova Aliança -Cura do filho de um funcionário real (4,46-54) = doença x saúde/vida -Cura de um enfermo na piscina de Betesda (5,1-18) = paralisia x liberdade -Multiplicação dos pães (6,1-15) = fome x pão em abundância -Jesus anda sobre o mar (6,16-21) = medo, ausência x coragem, encontro -Cura de um cego de nascença (9,1-41) = cegueira, trevas x visão, luz -Ressurreição de Lázaro (11,1-44) = morte x vida, ressurreição Em todos os sete sinais há uma carência e Jesus vai colocando vida onde está irreversivelmente perdida. Sinal indica, aponta uma realidade mais profunda. O número sete significa totalidade, plenitude. Eles são suficientes para levar as pessoas à fé. No final de cada sinal se encontra uma reação positiva ou negativa em relação a Jesus: adesão ou rejeição. Os sinais são quase sempre complementados por discursos (6,22-71), para evidenciar a força da Palavra de Jesus que é a encarnação da Palavra do Pai (1,1-18). O principal objetivo dos sinais é dar glória a Deus e levar a fé em Jesus, seu Filho. Levam a fé, mas precisa ter fé para compreendê-los. Após o sinal da Ressurreição de Lázaro temos uma Transição (11,55-12,50) que conclui a primeira parte e introduz a segunda parte do evangelho. A hora de Jesus se aproxima porque ele é fiel ao Pai que quer a vida para todos os marginalizados. Isto provoca a rejeição, por parte das autoridades judaicas e do império romano (11,45-52). Os sinais só são compreendidos dentro desta perspectiva da hora de Jesus. Jesus passa pela crise da “hora” e sente-se conturbado diante dela (12,23-24). A hora de Jesus é a hora da sua morte–glorificação, para que todos tenham vida em abundância. E ele assume livremente por amor. A segunda parte (13,1-20,31) é uma realização e plenificação da primeira. É chegada a “hora”! Jesus revela o verdadeiro rosto de Deus, que é Amor (1 Jo 4,8.16), em oposição ao rosto do deus legislador de alguns pretensiosos (9,24). Na raiz do conflito entre Jesus e os judeus está a imagem de Deus. Jesus mostra através de palavras e gestos que Deus é Pai de Amor, engajado na libertação de todos os marginalizados. A obra de Jesus, que é a obra do Pai, é levada até o fim como obra de amor (13,1). Esta segunda parte do Evangelho subdivide-se em três secções: -O Livro da Comunidade (cap. 13-17). É o testamento de Jesus, porque os discursos de despedida são o espaço próprio para a comunidade fazer a memória oral e escrita de seu líder que partiu. Antes de entregar sua vida Jesus reúne os seus para um jantar de despedida no qual realiza um gesto simbólico e profético: o lava-pés (13,1-30). O mestre e Senhor lava os pés dos discípulos. Nessa prática, se afirma toda a revolução do projeto de Jesus: o Senhor é aquele que se dispõe por toda a sua vida a estar a serviço dos irmãos. O partilhar o pão é sinal de comunhão, mas nem todos estão nessa comunhão (Judas se deixou levar pela ambição do dinheiro: “Era noite” (13,30). Depois faz um longo discurso de despedida (13,31-17,26): -dá aos “seus” o novo mandamento do amor mútuo (13,34s e 15,12.17). Jesus apela para a fraternidade entre seus discípulos, fazendo até desse relacionamento o sinal visível do discipulado (13,35). A comunidade cristã se torna o lugar do compromisso com a prática do projeto, ela se torna sinal de uma sociedade alternativa. Viver o amor fraterno como ele nos deixou o exemplo. -promete o Paráclito o Espírito da Verdade (14,26; 16,12-15). Para sustentar o compromisso temos duas seguranças: o Pai e o Espírito de Verdade. O Deus revelado em Jesus é o Pai (14,9). O discípulo de Jesus é amparado pelo Pai, ele é acolhido como filho. O Paráclito, defensor, permanece para sempre e a comunidade não fica órfã. 5 -faz uma avaliação de sua vida e missão e reza ao Pai pela unidade (cap.17). Depois de ter deixado seu testamento, e ter preparado sua comunidade, Jesus reza por ela e por todos aqueles que vão por causa do seu testemunho aderir a Palavra. É o Pai Nosso de Jesus segundo o Evangelho de João. -Relato da Paixão (cap. 18-19): A narrativa da paixão e morte de Jesus está muito bem organizada. É fruto de muita fé, oração, partilha e esperança. São cinco grandes cenas: -começa no jardim (18,1-11). Jesus diz “Quem é que vocês estão procurando?” As mesmas palavras do início do Evangelho (1,38). As resistências de Pedro. Jesus está disposto a dar a vida, mas Pedro não aceita. Não aprendeu a lição do lava-pés. -Jesus diante dos sumos sacerdotes e Sinédrio (Caifás), o poderreligioso (18,12-27). Jesus dá testemunho diante do poder religioso. -Jesus diante de Pilatos, o poder político (18,28-19,16a). Os poderem matam. Jesus, ao contrário dá a vida. Jesus é Rei no diálogo com Pilatos, mas não é como deste mundo. -Jesus no “Lugar da Caveira” (19,16b-37). Jesus é apresentado como rei e a cruz como trono. Na relação mãe-filho, o Evangelho mostra a unidade e a continuidade do povo de Deus, fiel à promessa e herdeiro de sua realização. -termina no jardim (19,38-42). É sepultado. Éden – paraíso onde o ser humano não saiu vitorioso. Esta parte culmina com uma última palavra de Jesus “Tudo está consumado” (19,30). Ao pé da cruz, está de novo a mãe de Jesus. Em Caná, a mãe estava lá. São as duas únicas vezes que o Evangelho nos relata a presença de Maria: no início da vida púbica e no fim. O novo povo da Aliança está nascendo: o discípulo amado. É na cruz que se sela a nova e definitiva Aliança. A Mãe de Jesus representa o povo fiel da Antiga Aliança que soube reconhecer em Jesus a manifestação da glória do Pai e acolher a novidade que vinha junto com ela. *Cenas da Ressurreição (cap. 20): João privilegia a narração do encontro de Jesus com Maria Madalena (20,11-18). Ela busca desesperadamente um cadáver. O ressuscitado a chama pelo nome e ela o re-conhece como seu Mestre. E dele ela recebe o envio de apóstola da ressurreição: “Vai aos meus irmãos e dize-lhes que subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus (20,17). A vida triunfou e é oferecida para quem escolhe o testemunho de Jesus: crer e ter vida. O Shalom é a certeza de um mundo cheio de vida para todos e vida plena. No resplandecer da madrugada desse primeiro dia da semana, tudo ainda não está tão evidente para todos: -diante do túmulo vazio, o discípulo que Jesus amava, vê e crê, mas Pedro permanece na dúvida (21,1.9); -Tomé não crê no testemunho da comunidade. Quer ver os sinais da glorificação, que para ele são sinais de paixão e morte. Ele não pode dar testemunho porque não viu, ao contrário do discípulo amado que “viu e dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro” (19,35). O Prólogo (1,1-18) e o Epílogo (21,1-35) foram acrescentados mais tarde ao evangelho. Constituem a moldura do evangelho todo. CHAVES DE LEITURA Há várias maneiras de ler e interpretar o Evangelho segundo João. São diversas portas de entrada. Eis algumas: 1. Prólogo como porta de entrada do evangelho. No início do evangelho, encontramos as mesmas palavras do Gênesis: “No princípio” (1,1). Com isso somos convidados a fazer uma releitura de toda a Bíblia a partir dos sinais da presença de Deus na história do seu povo. A chave para fazer esta releitura é o próprio Jesus Cristo, a palavra do Pai. “A palavra se fez carne e fez sua tenda no meio de 6 nós” (1,14). Jesus Cristo é o hermeneuta de Deus, a sua presença viva, encarnada na história humana. Esta PALAVRA manifesta-se como projeto criador e doador da VIDA. 2. O programa dos sinais: Os sete sinais relatados no evangelho não podem ser compreendidos como ações isoladas do messianismo de Jesus. Eles fazem parte de seu programa de revelação e manifestação de Deus, o Pai. O próprio autor do livro lembra, em Jo 23,30-31, que foi através dos sinais que Jesus se revelou Messias e Filho de Deus. 3. Atenção ao simbolismo. O redator do Quarto Evangelho atribui valor simbólico a: -personagens: noivo (2,1-12), a samaritana (4,1-42), o paralítico (5,1-18), o cego (5,1-9); -números: o 6 (2,6=imperfeição); o 5 (4,18= os cinco maridos simbolizam as cinco divindades dos cinco povos forçados a migrar para a Samaria no oitavo século a.C. – 2 Rs 17,24-41; os cinco pórticos simbolizam os cinco livros da Lei, incapazes de promover a cura); o 38 (5,5=38 anos equivalem a uma geração, de acordo com Dt 2,14); o 7 (5+2=7; 6,9=totalidade, perfeição), etc. É preciso dar muita atenção à linguagem teológica e simbólica: bodas, talhas, vinho, templo, poço, maná, pastor, mundo, videira, noite, trevas, luz, água, caminho, perfume... 4. As referências temporais: As horas e, sobretudo, a hora de Jesus: da paixão e da glorificação. Os dias e as semanas, sobretudo a semana inaugural da Paixão e da Ressurreição, marcando o tempo da Salvação. O evangelho de João se abre com uma sequência inicial marcada cronologicamente pelas expressões “no dia seguinte” (1,29.35.43), seguida pela notícia das Bodas de Caná que se realiza três dias depois (2,1). 5. As referências geográficas: o 1º e 2º sinal se dão em Caná da Galileia. Entre os dois, temos a expulsão dos vendilhões do Templo, em Jerusalém e o diálogo com a mulher, na Samaria. 6. As memórias do Antigo Testamento: a criação, a Torah, os Patriarcas, mas sobretudo o Êxodo, destacando Moisés, o maná, o cordeiro pascal, a água do rochedo, a luz, a coluna de fogo, a serpente de bronze, o bezerro de ouro, entre outros. 7. O nome de Jesus: “Eu sou”. Jesus se auto-apresenta, no Evangelho de João, com o mesmo nome de YHWH: “EU SOU” (cf. Ex 3,14). Como Javé, Jesus não se deixa enquadrar em esquemas, imagens ou nomes fixistas. Ele é o Deus conosco. O “Eu Sou” introduz sete discursos de Jesus: Eu sou o pão da vida (6,35.48.51); a luz do mundo (8,12; 9,5); a porta das ovelhas (10,7.9); o bom pastor (10,11.14); a ressurreição e a vida (11,25); a videira verdadeira (15,1.5). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CEBI. Evangelho de João e Apocalipse. 4ª ed. São Leopoldo, 2000. CRB. Caminho para a vida em abundância – Uma leitura de João em perspectiva de festa. Porto Alegre: Editora Pallotti, 2009. CRB. Seguir Jesus: os Evangelhos. São Paulo, v.5.1994. GASS, Ildo Bohn. As comunidades cristãs a partir da segunda geração. São Paulo: Paulus; São Leopoldo: CEBI, v. 8. 2005. KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: Amor e Fidelidade. Petrópolis: Vozes/Sinodal, 2000. TUÑI VANCELLS, José O. O testemunho do Evangelho de João. Petrópolis: Vozes, 1989. RUBEAUX, Francisco. “Mostra-nos o Pai” – Uma leitura do quarto evangelho. São Leopoldo: CEBI, nº 20. 1989.