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Tema: Prevenção quaternária As atividades médicas têm se transformado em mais perigosas e precisamos encontrar um equilíbrio. Tudo se tornou muito complexo: avanços científicos, aumento das expectativas sociais e a medicalização buscam poder, influência e dinheiro. As intervenções médicas são cada vez mais precoces mais variadas e mais agressivas. O custo sanitário aumenta devido ao aumento da intensidade da prática clínica ao invés de aumentar pelo envelhecimento ou pela prevalência de doenças crônicas. O alívio da dor e do sofrimento estabelece um contrato social com o médico no qual se toleram grandes doses de incerteza e grandes danos, na esperança de um alívio e/ou cura. Na prevenção o contrato social é outro, se atua sobre pessoas saudáveis e causar algum dano é quase intolerável (ex: imunização). Portanto, a prevenção precisa ter uma sólida base empírica de benefícios reais e de quase ausência de danos. A prevenção quaternária (p4) é uma “ação feita para identificar um paciente ou população em risco de supermedicalização, protegê-los de uma intervenção médica invasiva e sugerir procedimentos científica e eticamente saudáveis”. Marc Jamoulle, Janvier 1998 Conceito de prevenção quaternária: Não se relaciona ao risco de doenças, mas ao risco de adoecimento iatrogênico relacionado a As três perspectivas são traduzidas como DOENÇA. Nós temos 4 vertentes da prevenção para a prática clínica: Portanto, todos esses níveis de prevenção acabam indo também pra prevenção quaternária, que perpassa todos os quadrantes dos níveis de prevenção. A prevenção quaternária é um vasto campo de intervenção: • Intervenções para controlar a ansiedade e a falta de conhecimento dos pacientes e do médico. • Estudantes de medicina precisam aprender a lidar com as preocupações dos pacientes e a controlar suas próprias dúvidas. • Médicos devem implementar medidas de garantia de qualidade, aprender a aplicar as diretrizes da MBE (medicina baseada em evidências) e identificar a mercantilização de doenças. • Médicos necessitam saber quando é melhor não fazer nada e interromper investigações inúteis. Situações comuns em que o conceito de prevenção quaternária é aplicável: excesso de rastreamentos, excesso de solicitação de exames, abusos na medicalização de fatores de risco e criação de doenças (“Disease mongering”). Exemplo: Mulher, fumante e diabética vai ao MFC: • Campo primário: conselho para parar de fumar • Campo secundário: perguntar se ela já fez sua mamografia nos últimos dois anos. • Campo quaternário: se solicitar algo inesperado, como um exame de imagem para a dor de cabeça, porque ouviu falar sobre um primo com dor de cabeça e tumor, deve ser orientada a não realizar. A prevenção quaternária não é: medicina complementar isolada, “throw away your pills”, stop screening , rigor científico dogmático, medicina pobre para pobres, extrema esquerda da medicina alopática, negligência/imprudência/imperícia, "caça às bruxas“ à indústria farmacêutica, cortar custos para aumentar o superávit primário. A prevenção quaternária é: aceitar que há queixas não explicáveis, adotar perspectiva biopsicossocial, encarando o paciente globalmente, evitar pseudo diagnósticos e rótulos, trabalhar no reforço da relação médico-paciente, envolver o paciente nas decisões. Sobre oque a prevenção quaternária está falando: Grupo 1: Sobrediagnóstico • Prevenir os diagnósticos indevidos • Disease mongering • Transformar fator de risco em doença: resistência insulínica, dislipidemia... Overdiagnosed: “making people sick in the pursuit of health” - ocorre quando alguém é diagnosticado com uma doença que não causaria nenhum dano, muitas vezes como resultado da realização de programas de rastreamento, o que pode levar a tratamentos desnecessários e desperdício de recursos da saúde. Pesquisas rigorosas mostram que sobrediagnóstico ocorre regularmente como resultado de determinados programas de rastreamento para câncer, os quais buscam detectar cânceres precoces na população saudável, alguns dos quais nunca causariam sintomas nem morte prematura. Já foram constatados estudos sobre os cânceres de próstata e de tireoide. Um amigo da professora que fazia uma bateria de exames todo ano teve o resultado do PSA aumentado com 41 anos, o médico mandou pro urologista. O urologista fez o toque, o toque estava normal, mas ele pediu pra fazer uma biopsia e foi diagnosticado com adenoma de próstata. Fez a prostatectomia aos 41 anos ficando com disfunção erétil pelo resto da vida. E fez todo esse caminho mesmo sendo assintomático. Se aumenta o percentual de doentes na população, aumenta custos para a sociedade e serviços de saúde, aumenta o mercado para consumo de remédios, aumenta mercado para consumo de exames e reduz qualidade de vida: pessoas saudáveis viram pacientes. O disease mongering tem uma tradução portuguesa grosseira para “comercializar a doença” e consiste neste fenômeno de fomentação de uma preocupação generalizada, indiscriminada e inadequada entre as pessoas da população geral, não doentes, sobre o eventual surgimento de uma doença que coloque em risco suas vidas ou sua qualidade de vida, elevando a necessidade de atitudes (lucrativas para terceiros) para reduzir esse risco. Estimulada por entidades com fins lucrativos, a intensa propaganda de indução desse receio consegue atingir também os médicos por meio de estratégias bem montadas (envolvendo, quiçá, opiniões de outros profissionais de saúde, chamados de “opinion liders” ou formadores de opinião) que estreitam os limites do normal e alargam o que passa a ser considerado patológico, incentivando a medicalização. Fonte: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/853/630 O disease mongering alimenta um “selling sickness”, ao gerar o receio que impele a pessoa não doente à busca de uma tranquilização com procedimentos clínicos sem benefícios comprovados. A procura da prevenção ou do controle de alterações encontradas (que são normais, mas veiculadas como potencialmente patológicas) faz crescer um “doctor shopping”. Esta sequência estimuladora de um crescimento do consumo nada mais é do que uma autêntica cadeia alimentar. O médico de família e comunidade (MFC), enquanto advogado de defesa de seus pacientes, sentir-se-á envolvido pelo ímpeto de protegê-los de intervenções excessivas e inúteis. Grupo 2: Sobrerastreamento e excessos preventivos • Check up Como lidar com um paciente e com um médico que atribuem alto valor à detecção de doenças, na ausência de provas da eficácia de tal atividade? Como evitar cair nas armadilhas da medicina defensiva ou da indústria farmacêutica? Como saber se um processo em particular, seja em qual campo for (primário, secundário ou terciário), se baseia em conhecimento científico? As respostas formam a base da prevenção quaternária. A prevenção quaternária é uma forma de questionar e compreender continuamente os limites do trabalho do clínico geral/médico de família. Grupo 3: Sobremedicalização - Polifarmácia • Prevenir a cascata diagnóstica • Prevenir a cascata terapêutica • Polifarmárcia e prescrição inapropriada de medicações Indústria Farmacêutica age como crime organizado de acordo com leis EUA - Corrupção de ministros, juízes, chefes de departamentos, professores. Livro: “medicamentos mortais e o crime organizado” • Cerca de metade de maiores de 65 anos tem pelo menos três doenças crônicas coexistentes. • Número fármacos em idosos em muitos países é cerca de sete. • Risco RAM (reação adversa ao medicamento) é de 13% para 2 ou mais fármacos, 38% para 4 ou mais e 82% para 7 ou mais. • O número de reações adversas em um idoso aumenta de forma rápida após cinco medicamentos. https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/853/630Polifarmácia – Raízes: ➔ Influências políticas: A legislação atual (Lei 9.294/96) permite a propaganda de medicamentos classificados pelo Ministério da Saúde como anódinos (paliativos) e de venda livre, desde que inclua advertências quanto ao seu abuso. Todo anúncio de remédio deve informar, por exemplo, que o médico deverá ser consultado caso os sintomas persistam. ➔ Políticas de cuidado de saúde: Os governos têm uma responsabilidade clara de proporcionar o ambiente socioeconômico para promover saúde a todos os cidadãos (as estratégias preventivas concentradas na atenção primária). Isso leva a focar na intensificação de tratamentos e medidas preventivas para um determinado conjunto de doenças, reforçando o modelo de doença única como base para a compreensão dos problemas de cada pessoa e dos cuidados que necessita. Classes de fármacos que aumentam o risco de RAM em pacientes idosos: • Sedativos-hipnóticos • Antidepressivos • Fármacos anti-inflamatórios • Anticoagulantes • Fármacos para problemas cardiovasculares (incluindo anti-hipertensivos, diurético e digitálico) • Opioides • Fármacos para quimioterapia • Esteroides Condições que aumentam o risco de RAM em idosos: • Demência • Insuficiência cardíaca • Doença pulmonar obstrutiva crônica • Diabetes • Doença renal • Doença hepática • Câncer • Abuso de álcool Quem são os pacientes ideais para o serviço de desprescrição: A desprescrição sempre deverá ser gradual, porque se for súbita podemos ter muitos problemas como abstinência, rebote ou recrudescência. Ciclo da desprescrição: Atende-se pacientes polimedicados através da indicação, faz-se visita domiciliar, diagnóstico, organiza-se os medicamentos, traça-se um plano de cuidado e implementa-se intervenções. Nós temos algumas ferramentas pra isso como: CIAP-2, MCCP, estratégia da “demora permitida” e decisão compartilhada. Decisão compartilhada: compreende iniciativas que permitam aos pacientes e seus familiares ter todas as informações sobre sua condição. A partir disso, eles podem desempenhar um papel ativo sobre os rumos de seu tratamento. No processo de decisão compartilhada, é essencial discutir os valores de vida que são importantes para o paciente. Muitas vezes, a princípio, podem não estar muito claros nem para ele mesmo. Cabe aos profissionais de saúde ajudar a explorar os sentimentos e percepções do paciente. Eles auxiliam em escolhas importantes, ao oferecer e contextualizar informações técnicas, sem perder de vista os valores e princípios do paciente. A decisão compartilhada é um incentivo para que todos tenham conversas sobre valores de vida com as pessoas que nos são importantes ou de quem cuidamos. É um gatilho para causar reflexão sobre prioridades que podem não estar claras e acabar nublando decisões – não só na esfera da saúde, mas em outras áreas de vida também. Experimente começar com perguntas como: • O que é importante para você hoje? • O que faz do seu dia um bom dia? • Qual objetivo você quer alcançar?