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UNIGRANRIO – Afya Débora Janaína Medicina IESC VI R E S U M O P A L E S T R A S Medicina UNIGRANRIO|Afya | @debora j ana ia UNIGRANRIO – Afya Débora Janaína Medicina Sumário Semana 02: Sistemas de Classificação e Registro na APS – Data: 27/01/2027 ........................................... 1 Semana 03: Diagnóstico e Manejo da Obesidade na APS – Data: 03/02/2025 .......................................... 5 Semana 04: Diagnóstico e Manejo da Diabetes Melito na APS – Data 10/02/2025 ................................. 14 SEmana 05: Diagnóstico e Manejo da Hipertensão Arterial na APS – DATA: 17/02/2025 ........................ 30 Semana 06: Diagnóstico e manejo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) na APS – Data: 24/02/2025 ............................................................................................................................................ 43 Semana 07: Manejo da Dispepsia e Refluxo na APS – Data: 10/03/2025 ................................................ 55 Semana 08: Atenção à saude do homem – Data: 17/03/2025 ................................................................. 70 Semana 09: População Privada de Liberdade – Data: 31/03/2025 .......................................................... 76 Semana 11: Manejo das Anemias na APS – Data: 07/04/2025 ................................................................ 83 Semana 13: Políticas Públicas de Saúde Voltadas Para População Negra– Data: 21/04/2025 ................. 91 Semana 14: Manejo das Tonturas e Vertigens na APS – Data: 28/04/2025 ............................................ 94 Semana 15: Manejo das Diarreias e Constipação na APS – Data: .......................................................... 104 Semana 16: Diagnóstico e Acompanhamento das Principais Parasitoses Intestinais na APS – Data: ..... 118 Semana 17: Abordagem das Infecções das Vias Aéreas Superiores, Resfriado Comum e Gripe na APS – Data: .................................................................................................................................................... 124 Semana 18: Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) – Data: 21/04/2025 . 125 Semana 19: Diagnóstico e Acompanhamento do Corrimento Vaginal/Uretral – Data: .......................... 133 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 1 SEMANA 02: SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO E REGISTRO NA APS – DATA: 27/01/2027 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Sistemas de classificação na atenção primária à saúde – Prontuário eletrônico do SUS (PEC)/SOAP/CIAP-2; • Registro de saúde orientado por problemas. Objetivos Específicos • Entender o SOAP; • Rever os sistemas de informação em saúde (E-SUS, prontuário eletrônico); • Aplicar os sistemas de classificação na APS. Anamnese SOAP A primeira parte de uma consulta sempre será uma entrevista clínica, com roteiros e formatos diferentes, de acordo com a profissão ou especialidade médica. Essa entrevista deve ser transcrita de acordo com a subjetividade do paciente. O método SOAP é uma técnica estruturada e amplamente utilizada por profissionais de saúde para registrar informações clínicas de um paciente, com o objetivo de facilitar o diagnóstico, o acompanhamento e o tratamento. SOAP é um acrônimo, e cada uma dessas etapas tem um papel específico no processo de anamnese e na documentação do estado clínico do paciente. S – Subjetivo Refere-se a informações fornecidas pelo paciente ou seus familiares, que são subjetivas e não verificáveis de forma objetiva. Inclui a queixa principal (QP), história da doença atual (HDA), sintomas, duração dos sintomas, fatores que agravam ou aliviam os sintomas, entre outros. Podemos anotar além das queixas, os sentimentos. Cabe aos profissionais, conduzir essa entrevista com perguntas (quanto mais abertas, melhor), para entender as necessidades do paciente e para iniciar o raciocínio clínico. Para facilitar a escrita, podemos dividir o subjetivo em 3 partes: • Entrevista clínica: nessa parte podemos utilizar roteiros específicos de cada especialidade ou profissão. E, incluir dados de antecedentes pessoais, antecedentes familiares, hábitos de vida etc. O importante é que devemos utilizar a terceira pessoa do singular (ex. paciente refere que...) para a descrição, pois sempre devemos colocar o que foi narrado sob o ponto de vista do paciente. • Motivos da consulta: essa parte pode ser registrada em um espaço em separado (ou destacado na própria anamnese). Colocamos todos os motivos que levaram a pessoa à consulta. Essa organização serve de guia para consulta. Lembrando-se sempre que no subjetivo tudo que importa é o ponto de vista do paciente e não o nosso, e pode ser muito interessante priorizar os motivos da consulta, principalmente quando são muitos, de acordo com o que o paciente achar importante. Quando o paciente vem pela primeira vez em consulta conosco, com um determinado motivo de consulta, só que quando interrogado relata outras questões como tabagismo, nesse caso, esses problemas entram como motivos da consulta, e devem ser descritos, também, como antecedentes pessoais na história, sendo que esse registro deve ficar na folha de rosto. A partir da segunda consulta, caso o paciente já tenha o tabagismo listado na folha de rosto dos seus problemas ativos, o tabagismo só entra novamente como motivo da consulta caso o paciente venha especificamente para tratar dessa questão novamente, ou esse assunto seja gerado pelo profissional. O – Objetivo Inclui dados observáveis, mensuráveis e verificáveis, como sinais vitais, exames físicos, resultados de exames laboratoriais ou de imagem. São informações que o médico coleta durante o exame físico e os testes realizados. Não cabe nesse momento interpretações, e nada pode ser interferido pelo que o paciente narrou. O objetivo serve apenas para apoiar o raciocínio clínico, a partir dos motivos de consulta do paciente, e possíveis suspeitas diagnósticas. Mesmo que não tenham sido trazidos como motivo de consulta. Por exemplo, realizar a palpação da tireoide, mesmo se o paciente não tiver queixas. O objetivo é dividido em apenas duas partes: • Exame físico: onde descrevemos todo exame realizado, incluindo sinais vitais e dados antropométricos. Mesmo os sinais do exame físico que possam dar margem a interpretação, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 2 como a intensidade de uma bulha cardíaca. Devemos utilizar cruzes para tentar deixar o mais objetivo possível. • Resultado de exames complementares: todos os resultados de exames trazidos pelo paciente devem ser anotados, mesmo aqueles que não tenham sido solicitados por nós, porém que possam auxiliar no raciocínio clínico. A – Avaliação É o momento da concretização das hipóteses e dos diagnósticos. O médico faz uma interpretação clínica das informações coletadas nas fases subjetiva e objetiva, formulando um diagnóstico ou uma lista de possíveis diagnósticos diferenciais. A avaliação também pode incluir a evolução do quadro ou o prognóstico. Caso não haja elementos para elaborar um diagnóstico preciso durante a consulta, aqui podem ser reproduzidos novamente os sinais/sintomas mais pertinentes para nossa linha de raciocínio clínico. Enfim, o problema pode ser tanto um sinal, sintoma ainda sem diagnóstico, síndromes etc., quanto um diagnóstico definido. No primeiro caso, necessariamente deveremos colocar uma ou mais hipóteses diagnósticas correspondentes. Importante salientar, que nessa parte do registro não iremos listar todos os problemas do paciente, pois esses outros problemas não relacionadosdo terceiro fármaco dependerá das características clínicas ou da situação socioeconômica de cada paciente. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 29 Quando Referenciar Sempre que o médico de família tiver alguma dúvida em relação à indicação de insulina ou não se sentir seguro para instituir essa terapia, é prudente referenciar o paciente para o endocrinologista de referência. Todos os pacientes se beneficiam da orientação de um nutricionista, bem como das orientações para o autocuidado e para a autoaplicação de insulina realizada pelos profissionais de enfermagem. O exame de fundo de olho sob midríase realizado por oftalmologista deve ser feito no diagnóstico e repetido anualmente. Quando há deformidade dos pés e/ou hiperceratose plantar, história de ulceração dos pés, doença vascular ou neuropatia significativa, o referenciamento deve ser feito para os respectivos serviços de referência, sendo que a claudicação limitante e a dor em repouso configuram urgências que precisam ser avaliadas dentro de 48 horas pelo cirurgião vascular. Deve-se referenciar para o nefrologista os pacientes com TFG de risco ou doenças já estabelecidas. Não há uma causa definida para o seu desenvolvimento, mas diversas características estão associadas a ela, bem como às doenças cardiovasculares propriamente ditas, como, por exemplo, o sedentarismo, a história familiar, a obesidade, o tabagismo, as condições socioeconômicas desfavoráveis. Agravantes: • Dislipidemia; • Obesidade abdominal; • Intolerância a glicose; • Diabetes melitos. Associações Frequentes A HAS isolada, ou relacionada a outros fatores de risco, associa-se a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, sobretudo as doenças cerebrovasculares e as doenças isquêmicas cardíacas. • Morte súbita; • Acidente vascular encefálico; • Infarto agudo do miocárdio; • Insuficiência cardíaca; • Doença arterial periférica; • Doença renal crônica; • Cardiomegalia. Causas da Hipertensão Arterial • Genética; • Idade: com o envelhecimento, a PAS torna-se um problema mais significante, resultante do enrijecimento progressivo e da perda de complacência das grandes artérias. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 32 • Sexo: faixas mais jovens é mais elevada entre homens, mas a elevação pressórica por década se apresenta maior nas mulheres. • Etnia; • Sobrepeso/obesidade; • Ingestão de sódio: a literatura científica mostra que a ingestão de sódio está associada a DCV e AVE, quando a ingestão média é superior a 2 g de sódio, o equivalente a 5 g de sal de cozinha. • Sedentarismo; • Álcool; • Fatores socioeconômicos; • Medicações: inibidores da monoaminaoxidase e os simpatomiméticos, como descongestionantes nasais (fenilefrina), antidepressivos tricíclicos (imipramina e outros), hormônios tireoidianos, contraceptivos orais, anti-inflamatórios não esteroides, carbexonolona e liquorice, glicocorticoides, ciclosporina, eritropoietina. • Drogas ilícitas: cocaína, cannabis sativa, anfetamina e 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA). Diagnóstico Diante de um caso suspeito de hipertensão, a primeira abordagem deve ser a de tranquilizar a pessoa, estabelecer uma comunicação efetiva sobre o problema, esclarecer dúvidas, desmedicalizar e planejar a realização das medidas de PA, para minimizar possíveis vieses desta etapa. Tendo em vista que o rótulo de hipertensão costuma ser considerado permanente, é fundamental realizar uma avaliação integral, estabelecer o vínculo e permitir a longitudinalidade e o watchful waiting (observação vigilante). Nesta etapa, é comum que muitos casos sejam falso-positivos, constituindo-se uma ótima oportunidade para a prevenção quaternária. Durante o processo longitudinal de tomada de medidas de PA, podem-se obter as análises laboratoriais pertinentes, como glicemia e creatinina, e eletrocardiograma (ECG) (é comum que pseudocrises hipertensivas apresentem palpitações – ou “batedeira no peito” – como sintomas relatados). Porém, deve-se tomar cuidado com a realização de outros exames sem que haja uma motivação consistente para isso, de forma que ecocardiograma, Holter, radiografia torácica são exames que poderão ser considerados se houver indicação específica e quando o diagnóstico de HAS já estiver consistentemente estabelecido, uma vez que fazem parte da avaliação das complicações (lesão de órgãos-alvo) e não são critérios diagnósticos. Anamnese A avaliação subjetiva deve ser bastante valorizada. Obter informações sobre o momento de vida, as condições socioeconômicas e os relacionamentos pessoais podem auxiliar na identificação de fatores estressores frequentemente confundidos com “pressão alta”. As informações sobre estilo de vida, hábitos de atividade física, hábitos alimentares, uso de cafeína, álcool, tabaco e outras drogas, história familiar de doenças cardiovasculares em familiares de primeiro grau (pai/mãe e irmãos antes dos 55/65) também são importantes, bem como a avaliação de história pessoal de doenças cardiovasculares manifestas prévias (infarto, angina, acidente vascular cerebral [AVC]) e outros problemas de saúde previamente diagnosticados. O diagnóstico deverá ocorrer após pelo menos três medidas em dias e horários diferentes, com a média da PA ³ 140/90 mmHg, a partir de avaliação médica. Exame Físico O controle da PA deve ser idealmente verificado a partir de registros domiciliares, e o apoio da equipe de enfermagem pode ser necessário. Estratégias como o uso de diários de pressão domiciliares são válidas, ainda mais em um contexto com dificuldade de acesso à MAPA. De acordo com o protocolo do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), 14 medidas domiciliares realizadas duas vezes ao dia, no mesmo horário, por 7 dias consecutivos se aproximam da MAPA. O mesmo procedimento deveria ser realizado para o diagnóstico ambulatorial com medidas feitas na unidade de saúde, sempre com duas medidas consecutivas, com intervalo de pelo menos 1 minuto entre elas, com a pessoa sentada. O esfigmomanômetro padrão-ouro é o de mercúrio, que tem sua comercialização cada vez mais restrita. Os aneroides devem ser calibrados pelo menos uma vez ao ano, e alguns estudos atestam a acurácia dos digitais de braço que também devem ser calibrados periodicamente. A PA é parâmetro fundamental na avaliação do indivíduo atendido devido a uma emergência, mas este não é o caso da consulta de seguimento do hipertenso, que inclui as seguintes ações: • Estabelecer o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdominal para o cálculo do risco cardiovascular. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 33 • Deverá ser realizada a medida da frequência cardíaca (FC) e a ausculta cardíaca. • Realizar exame físico geral, pois alguns estigmas podem indicar causas secundárias de HAS, como hipertireoidismo e síndrome de Cushing. • Realizar exame cardiovascular, para auxiliar na suspeita de lesão de órgãos-alvo, como nas doenças ateroscleróticas, no aneurisma de aorta abdominal e na insuficiência cardíaca. Entretanto, deve-se tomar cuidado, pois o valor diagnóstico de alguns achados de exame físico em pacientes assintomáticos é geralmente muito baixo e inespecífico. O exame de fundo de olho é importante também nesta etapa. Rastreamento: Deve ser realizado em todos os usuários com mais de 18 anos, independente do motivo da consulta. • PA £ 120/80 mmHg: bianual; • PA > 120/80 ede Reynolds: é uma ferramenta que considera fatores adicionais, especialmente útil para mulheres. Além dos fatores tradicionais, inclui: • Níveis de Proteína C-Reativa (PCR); • História familiar de doenças cardiovasculares precoces. Assim como o escore ASCVD, o escore de Reynolds pode ser calculado por meio de uma calculadora online que leva em conta os fatores mencionados. Exames Complementares Após a definição do diagnóstico de hipertensão, os seguintes exames devem ser incluídos na avaliação inicial: • Glicemia de jejum – Anual; • Colesterol total e frações – Anual ou 3 meses após iniciar estatinas; • Triglicérides • Creatinina sérica – Anual ou após 2 semanas do início/aumento da dose de captopril/Losartana; • Sedimento urinário; • Microalbuminúria; • Potássio; • ECG em repouso. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 34 Frequência de acompanhamento e exames A frequência de acompanhamento da pessoa hipertensa sugerida pelo Caderno de Atenção Básica é baseada no risco cardiovascular de base: • Baixo risco cardiovascular ( 20% em 10 anos): consulta a cada 4 meses. A frequência de exames sugerida pelo Ministério da Saúde é anual, porém não há uma base forte de evidência para estas recomendações. Tratamento A ESF tem papel fundamental no diagnóstico e sucesso do tratamento. É necessário educação para o autocuidado, dúvidas sobre condição clínica, a modificação do estilo de vida (MEV), aspectos psicossociais e elaborar junto com o usuário o seu plano. A promoção à saúde é o caminho que tem mostrado melhores resultados, por meio da redução de sódio nos alimentos industrializados, de políticas públicas para desmotivação do tabagismo e do uso abusivo de álcool, da promoção à prática de atividades físicas por meio de medidas de mobilidade urbana, e de oferta de locais para isso, entre muitas outras ações. Tais medidas precisam atingir a maior parte da população com políticas públicas de qualidade e de longa duração. As orientações dietéticas nas consultas médicas ocupam bastante tempo e não parecem muito eficazes quando não surgirem por interesse da pessoa. A “perseguição ao saleiro” desvia o foco das maiores fontes de sódio presentes na alimentação humana: os produtos industrializados. Em nível individual, a abordagem da HAS deve respeitar a avaliação global do risco cardiovascular. Embora o risco cardiovascular possa identificar indivíduos de maior risco, seu resultado não deve ser usado como regra de decisão para a prescrição de tratamentos. Identificando-se o perfil de uma pessoa, pode-se priorizar a abordagem de acordo com o componente do risco mais representativo. A pessoa hipertensa não deve ser estimulada a pensar que sua condição é permanente e incurável, uma vez que isso poderá desestimular sua adesão ao plano terapêutico. As dificuldades de adesão devem ser encaradas como problemas a serem compreendidos na perspectiva do médico e da pessoa, e não como “rebeldia do paciente”. Tratamento Não Farmacológico Englobam uma série de mudanças de estilo de vida, como aumento da atividade física, perda de peso, dieta mais saudável (com restrição de sódio, sobretudo de alimentos industrializados), cessação do tabagismo, redução de uso excessivo de álcool. Tais medidas em geral são difíceis de implementar individualmente, pois dependem não apenas da força de vontade das pessoas, mas também do contexto socioeconômico e cultural em que vivem. Assim, um erro comum é culpar os pacientes por seus hábitos de vida não saudáveis e prescrever de forma autoritária e persecutória modificações de estilo de vida que muitas vezes são inatingíveis. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 35 Tratamento Farmacológico Deve-se lembrar de que o tratamento medicamentoso de HAS no estágio 1 – PAS entre 140-160 mmHg e PAD entre 80-90 mmHg – não oferece benefícios de mortalidade sobre o placebo. Além disso, metas menores do que 140x90 mmHg não trazem benefício, pelo menos para pessoas sem outras comorbidades. Ou seja, para pacientes com hipertensão estágio 1, o tratamento medicamentoso pode não ser necessário se não houver risco claro de complicações, já que ele não traz benefícios evidentes em relação à redução da mortalidade. Ainda, metas de pressão abaixo de 140/90 mmHg podem não ser mais benéficas para pacientes sem outras doenças associadas (comorbidades), e o objetivo deve ser controlar a pressão de maneira equilibrada, sem tentar forçar uma redução excessiva. A tomada de decisão para iniciar o tratamento farmacológico da HAS e a escolha dos medicamentos devem levar em conta as comorbidades da pessoa, o perfil de efeitos colaterais e o seu benefício na prevenção de desfechos adversos, como infartos e derrames. As medicações de primeira escolha para o tratamento da HAS são diuréticos tiazídicos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) e antagonistas dos receptores da angiotensina II (ARB II). Medicamentos mais utilizados e disponíveis no SUS Medicações anti-hipertensivas disponíveis na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) Classe – Mecanismo de Ação Fármaco Concentração Dose mínima Dose máxima Tomadas ao dia Diuréticos tiazídicos: agem na porção inicial do túbulo contorcido distal. consiste na redução do volume extracelular pela interação com um cotransportador de NaCl (SLC12A3) sensível a tiazidas expresso no túbulo contorcido distal do rim, intensificando a excreção urinária de Na+ e resultando em diminuição do débito cardíaco. Hidroclorotiazida 12,5 mg e 25 mg 12,5-25 mg 50 mg 1 Agentes poupadores de potássio: atuam por meio de inibição reversível do canal epitelial de Na+ (CENa) na membrana do túbulo distal, Espironolactona 25 mg e 100 mg 25 mg 100 mg 1-2 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 36 transportador responsável pela reabsorção de Na+ em troca de K+. Betabloqueadores seletivos: tem como principal alvo os receptores beta- adrenérgicos: • Beta-1(β1): predominam no coração, sua ativação aumenta a FC (cronotropismo +), a força de contração do coração (inotropismo +) e a condução do impulso elétrico (dromotropismo +). Os betabloqueadores seletivos bloqueiam os receptores beta-1 no coração, resultando na redução da frequência cardíaca, da força de contração e da velocidade de condução do impulso elétrico, o que diminui a carga de trabalho do coração, a pressão arterial e a demanda de oxigênio. Esses efeitos tornam os betabloqueadores seletivos eficazes no tratamento da hipertensão, insuficiência cardíaca, arritmias e angina, ao aliviar o esforço cardíaco e melhorar a perfusão sanguínea. Atenolol 50 mg e 100 mg 25 mg 100 mg 1-2 1-2 Succinato de metoprolol 25, 50 e 100 mg 25-100 mg 200 mg 1-2 Tartarato de metoprolol 100 mg 25-100 mg 200 mg 1-2 Agentes alfa e betabloqueadores: possui um mecanismo de ação combinado, atuando tanto nos receptores alfa quanto nos receptores beta do sistema nervoso simpático. São não seletivos e agem bloqueando tanto os receptores beta- 1 no coração, reduzindo a frequência cardíaca, a força de contração e a condução do impulso elétrico, quanto os receptores beta-2, o que pode afetar a broncodilatação e a vasodilatação, embora de forma menos pronunciada. Além disso, ele bloqueia os receptores alfa-1 nos vasos sanguíneos, promovendo vasodilatação e ajudando a reduzir a resistência vascular periférica, o que diminui a pressão arterial. Esses efeitos combinados tornam essa classe eficaz no tratamento de condições como HAS, IC e angina. Carvedilol 3,125, 6,25, 12,5 e 25 mg 12,5 mg 50 mg 1-2 Betabloqueadores não seletivos: bloqueiam tanto os receptores adrenérgicos beta-1, encontrados principalmenteno miocárdio, quanto os beta-2, encontrados no músculo liso, nos Propanolol 10 e 40 mg 40 mg 240 mg 2-3 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 37 pulmões, nos vasos sanguíneos e em outros órgãos. • Beta-1(β1): predominam no coração, sua ativação aumenta a FC (cronotropismo +), a força de contração do coração (inotropismo +) e a condução do impulso elétrico (dromotropismo +). • Beta-2 (β2): Localizam-se principalmente nos pulmões e nos vasos sanguíneos, onde sua ativação provoca broncodilatação e vasodilatação. Antiadrenérgicos de ação central: atua no sistema nervoso central para reduzir a atividade do sistema nervoso simpático. Ele é convertido em α- metilnoradrenalina, que ativa os receptores alfa-2 adrenérgicos, inibindo a liberação de noradrenalina e diminuindo a atividade simpática, resultando em vasodilatação e redução da pressão arterial, sendo eficaz no tratamento da hipertensão, particularmente em gestantes. Metildopa 250 mg 500 mg 1.500 mg 2-3 Bloqueadores seletivos de canal de cálcio – diidropiridínicos: atuam bloqueando os canais de cálcio tipo L nas células musculares lisas dos vasos sanguíneos, o que reduz a entrada de cálcio nas células e promove a vasodilatação. Isso leva à redução da resistência vascular periférica, diminuindo a pressão arterial e aliviando a angina. Esses medicamentos têm um efeito predominante nos vasos sanguíneos, com impacto mínimo na frequência cardíaca e contratilidade cardíaca. Anlodipino 5 e 10 mg 5 mg 10 mg 1 Nifedipino 10 mg 20-40 mg 60 mg 3 Bloqueadores seletivos de canal de cálcio – não diidropiridínicos: bloqueiam os canais de cálcio tipo L no coração, com maior afinidade para os canais do nódulo sinoatrial e nódulo atrioventricular, resultando em redução da frequência cardíaca (efeito cronotrópico negativo), diminuição da contratilidade cardíaca (efeito inotrópico negativo) e redução da condução elétrica (efeito dromotrópico negativo), Verapamil 80 e 120 mg 80-120 mg 480 mg 2-3 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 38 sendo úteis no tratamento de taquicardias e arritmias. Além disso, causam vasodilatação nos vasos sanguíneos, ajudando a reduzir a pressão arterial, sendo eficazes no tratamento de hipertensão e angina. Agentes que atuam no músculo liso arteriolar: age diretamente no músculo liso das arteríolas, promovendo vasodilatação ao bloquear canais de cálcio ou inibir a liberação de cálcio, o que reduz a resistência vascular periférica e diminui a pressão arterial. Esse efeito é útil no tratamento da hipertensão e alivia a carga sobre o coração. A vasodilatação pode desencadear uma resposta compensatória do corpo, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), o que pode levar à retenção de sódio e água, sendo necessário o uso de diuréticos ou betabloqueadores para evitar aumento de volume sanguíneo. Além disso, a hidralazina pode diminuir o retorno venoso ao coração, reduzindo a pressão venosa central e auxiliando no tratamento da insuficiência cardíaca. Hidralazina 25 e 50 mg 25 mg 200 mg 2 IECA (Inibidores da enzima conversora da angiotensina): têm como ação principal a inibição da enzima conversora de angiotensina I, responsável a um só tempo pela transformação de angiotensina I em angiotensina II (vasoconstritora) e pela redução da degradação da bradicinina (vasodilatadora). Os IECAs diminuem os níveis de angiotensina II e aumentam os níveis de bradicinina. Portanto, ocorre a vasodilatação de arteríolas e veias. Reduzindo os níveis de angiotensina II circulante, os IECAs também diminuem a secreção de aldosterona, resultando em menor retenção de sódio e água. Os efeitos desses fármacos ainda atuam diminuindo pré-carga e pós-carga cardíaca, reduzindo, dessa forma, o trabalho cardíaco. Captopril 25 mg 25 mg 200 mg 2 Enalapril 5, 10 e 20 mg 5 mg 40 mg 1-2 ARB (Antagonista dos receptores da angiotensina II): antagonizam a ação da angiotensina II pelo bloqueio específico dos receptores AT1, responsáveis pelas ações próprias da angiotensina II (vasoconstrição, estímulo da proliferação Losartana 50 mg 25 mg 100 mg 1 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 39 celular e da liberação de aldosterona). Ao antagonizar os efeitos da angiontensina II, esses agentes não peptídicos relaxam o músculo liso, provocam vasodilatação, aumentam a excreção renal de sal, reduzem o volume plasmático e diminuem a hipertrofia celular. Seus efeitos farmacológicos são simulares aos do IECAs por produzirem dilatação arteriolar e venosa e bloqueio da secreção de aldosterona, reduzindo, assim, a pressão arterial e diminuindo a retenção de sal e água. Fonte: Adaptada de Brasil. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 40 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 41 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 42 Combinações Preferenciais Diuréticos tiazídicos + ARB Diuréticos tiazídicos + BCC Diuréticos tiazídicos +IECA ARB + BCC BCC + IECA Combinação Não Recomendada IECA + ARB OBS1.: apesar de amplamente usados, estudos com betabloqueadores mostraram piores desfechos em comparação com outras classes e benefício muito discreto em relação ao uso de placebo. Apesar disso, outras revisões mostram que os betabloqueadores podem ter efeito mais importante em pessoas jovens, podendo ser considerados opção terapêutica nestes pacientes. OBS2.: é necessário ter um julgamento clínico no momento de escolha do anti-hipertensivo. Por exemplo: uma pessoa hipertensa com crises frequentes de enxaqueca pode beneficiar-se do betabloqueador, já que, além do controle da pressão, pode oferecer profilaxia para as crises de enxaqueca. Em pessoas com diabetes melito (DM) ou doença renal crônica (DRC), os IECAs e os ARBs são a preferência devido ao seu efeito nefroprotetor. Em indivíduos de raça negra, dá-se preferência a diuréticos tiazídicos ou a BCC. Urgência Hipertensiva Quando encontramos um paciente assintomático, porém com pressão “muito alta”, ³ 180x110 mmHg é uma condição comumente chamada de urgência hipertensiva, sendo em geral sugerido o uso de alguma medicação para baixar rapidamente a pressão desta pessoa. Por mais que tal valor possa causar espanto, alguns estudos mostram que essa situação é comum em pacientes ambulatoriais e que na ausência de sinais objetivos de lesão de órgão-alvo, a pessoa pode ser manejada na APS com segurança. Quando a pessoa estiver na UBS com PA elevada, sem sintomas específicos de lesão de órgão-alvo, a proposta é: • Tranquilizar a pessoa e a equipe de atendimento. • Verificar o motivo de medida de pressão: algum sintoma específico? Rotina? Mediu em outro local e se assustou? • Tratar causas de elevação de PA, como dor e ansiedade, as quais são denominadas pseudocrise hipertensiva. • Checar adesão do paciente ao esquema de medicação anti-hipertensiva, se já for hipertenso crônico diagnosticado. • Solicitar medidas de pressão realizadas em outros cenários (p. ex., medidas domiciliares) para melhor avaliar o controle de PA e ajustar a medicação posteriormente, ou excepcionalmente já ajustar as medicações de uso contínuo. • Realizar registro adequado e relatório médico do atendimento para seguimento com o médico de referência do paciente. Quando Referenciar Hipertensão de difícil controle: com, no mínimo, três medicações de classes diferentes em doses adequadas e após avaliar adesão. Hipertensão secundária: dependendo da condição do serviço e da segurança clínica, o médico de família e comunidade pode iniciar a investigação na APS e referenciar em um segundo momento. Emergências hipertensivas: aqui, ressalta-se que o grupo emergências hipertensivas reúne diferentes diagnósticos. Nesses diagnósticos, o papel do médico de família e comunidade é reconhecer a emergência, prestar os cuidados iniciais e referenciar a pessoa ao serviçode emergência. São exemplos de emergências hipertensivas: infarto agudo do miocárdio e síndromes coronarianas agudas, AVC isquêmico ou hemorrágico, dissecção de aorta, edema agudo de pulmão, encefalopatia hipertensiva e eclâmpsia. Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1392. ISBN 9788582715369. BRASIL. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 115, n. 3, p. 1-87, 2020. Slides do Professor Paulo Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 43 SEMANA 06: DIAGNÓSTICO E MANEJO DA DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) NA APS – DATA: 24/02/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o diagnóstico e manejo da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) na APS. Objetivos Específicos • Conhecer os fatores de risco, prevalência e impactos da DPOC; • Compreender a história natural da DPOC; • Abordar diagnóstico, exames, diagnóstico diferencial; • Conhecer as abordagens terapêuticas da DPOC no âmbito da Atenção Básica; • Reconhecer o manejo das exarcebações, comorbidades associadas, bem como encaminhamento ao especialista. DPOC A DPOC é o termo usado para descrever uma obstrução das vias aéreas devido à bronquite crônica ou ao enfisema pulmonar. Essas duas moléstias estão presentes no mesmo paciente, podendo predominar os sintomas de uma ou outra. O grau de obstrução das vias aéreas e a quantidade de tecido danificado determinam a severidade da doença. A DPOC é uma doença muito prevalente, subdiagnosticada, subtratada e pouco percebida. É uma doença multissistêmica e tratável. O tratamento é efetivo para as manifestações respiratórias da DPOC. A definição atual da GOLD 2017 foi simplificada, passou a incluir especificamente sintomas persistentes e declara que “[...] a DPOC é uma doença comum, passível de prevenção e tratamento, caracterizada por sintomas respiratórios e limitação ao fluxo aéreo persistentes, decorrentes de anormalidades das vias aéreas e/ou alveolares, em geral causada por exposição significativa a partículas ou gases nocivos [...]”. A definição anterior enfatizava o componente extrapulmonar (inflamação sistêmica) da DPOC, que se tem mostrado importante do ponto de vista clínico, pois contribui para a gênese das comorbidades e confere aos portadores de DPOC um maior risco de morbimortalidade por outras causas. A DPOC deve ser suspeitada em qualquer indivíduo de 40 anos ou mais com sintomas de tosse, expectoração, ou falta de ar, e história de exposição a fatores de risco, particularmente o tabagismo. A tosse é o sintoma mais frequente, e a dispneia é o mais importante. A espirometria tem importância tanto para confirmar a impressão diagnóstica como para avaliar a gravidade e auxiliar nos diagnósticos diferenciais. Embora a espirometria isoladamente não seja suficiente para o diagnóstico (o rastreamento de DPOC com espirometria não está indicado), sua não utilização resulta em sub e sobrediagnóstico. Também há evidências de que a instituição de avaliação espirométrica pós-broncodilatador em pessoas com suspeita de doenças pulmonares obstrutivas melhora a diferenciação diagnóstica entre asma e DPOC. Epidemiologia A DPOC é uma doença respiratória comum que causa incapacidade substancial, redução da qualidade de vida e risco aumentado de morte prematura. Há um conjunto considerável de evidências mostrando que o tabagismo é o principal fator de risco para essa doença, sendo responsável por mais de 90% dos casos. A DPOC, agrupada com a asma, representa a 4ª maior causa de morte nos EUA, com 90.000 mortes anuais. 80% dos doentes por DPOC tiveram exposição significativa à fumaça do cigarro. Hoje, existem 16 milhões de pacientes que sofrem de DPOC nos EUA. Somando os casos subdiagnosticados estima-se que chegue a 30 milhões. Em 2023, os custos hospitalares foram de US$ 14,7 mi. Fatores de Risco Incluem uma combinação de exposição ambiental, fatores genéticos e condições clínicas que favorecem o desenvolvimento e a progressão da doença. Os principais fatores de risco são: • Tabagismo: exposição crônica à fumaça do cigarro danifica as vias aéreas e o parênquima pulmonar, levando à inflamação, destruição das paredes alveolares e obstrução do fluxo aéreo. • Exposição a poluentes ambientais: a poluição do ar, tanto ambiental quanto ocupacional, pode contribuir significativamente para o desenvolvimento da DPOC, especialmente em pessoas que vivem em ambientes Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 44 com altos níveis de poluentes, como as grandes cidades ou regiões com forte presença de poluentes industriais. A exposição a fumaças e gases provenientes de queimadas, biomassa (como madeira, carvão ou esterco usado para cozinhar) e vapores industriais também está associada ao aumento do risco de DPOC. • Fatores genéticos: a deficiência de alfa-1 antitripsina, uma condição genética rara, que leva a uma deficiência da proteína alfa-1 antitripsina, é um fator de risco importante, especialmente para o enfisema pulmonar em jovens, sem uma história significativa de tabagismo. A alfa-1 antitripsina protege os pulmões contra a ação destrutiva das proteases. • Idade avançada: é um fator de risco para a DPOC, pois a capacidade pulmonar diminui naturalmente com o envelhecimento, o que torna os pulmões mais vulneráveis a danos causados por exposições crônicas a irritantes ambientais. • Histórico de exposição a infecções respiratórias: infecções respiratórias graves durante a infância, como pneumonias e bronquiolite, podem afetar o desenvolvimento pulmonar e aumentar o risco de DPOC mais tarde na vida. • Fatores ocupacionais: a exposição no local de trabalho a substâncias irritantes como poeira (de carvão, sílica e asbesto) ou vapores químicos também está associada ao risco de desenvolver DPOC, especialmente em profissões como mineração, construção e agricultura. • Fatores socioeconômicos: têm maior risco devido a fatores como acesso limitado a cuidados de saúde, exposição ambiental mais intensa (por exemplo, viver em áreas com poluição elevada) e maiores taxas de tabagismo. • Comorbidades: pacientes com asma crônica podem ter um risco aumentado de desenvolver DPOC, especialmente se tiverem histórico de asma não controlada e tabagismo concomitante. Outras doenças respiratórias crônicas também podem predispor ao desenvolvimento da DPOC. Patogênese da DPOC A DPOC é uma condição progressiva caracterizada pela limitação crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível. A patogênese da DPOC envolve uma combinação de inflamação crônica das vias aéreas, destruição do parênquima pulmonar e alterações nas pequenas vias aéreas, muitas vezes resultando em obstrução das vias respiratórias. A patogênese da DPOC é complexa e envolve os seguintes mecanismos: 1. Inflamação crônica das vias aéreas: é um dos principais fatores que contribuem para a obstrução do fluxo aéreo. Fatores como o tabagismo ou exposição a poluentes ambientais ativam células inflamatórias, como neutrófilos, macrófagos e linfócitos T, que liberam mediadores inflamatórios, como citocinas e proteases, que causam danos às vias aéreas e ao tecido pulmonar. 2. Destruição do parênquima pulmonar (enfisema): leva ao enfisema, que é caracterizado pela dilatação anormal dos alvéolos e destruição das paredes alveolares. Isso resulta na perda da área de troca gasosa e na diminuição da elasticidade pulmonar, o que agrava a obstrução das vias aéreas e piora a ventilação. 3. Alterações nas pequenas vias aéreas: o processo inflamatório também afeta as pequenas vias aéreas (bronquíolos), levando a um estreitamento das vias respiratórias e à formação de cicatrizes e fibrose. Essas alterações aumentama resistência ao fluxo aéreo, agravando a limitação do fluxo respiratório. 4. Exposição de fatores ambientais: o tabagismo é o principal fator de risco para a DPOC, mas outros fatores, como exposição a poluentes ambientais e substâncias irritantes, também desempenham papel importante na indução e progressão da doença. 5. Disfunção das células do sistema imune: a ativação crônica do sistema imunológico na DPOC resulta em uma resposta inflamatória desregulada, com ativação excessiva de macrófagos e neutrófilos, que produzem proteases e radicais livres, resultando na destruição do tecido pulmonar e na obstrução das vias aéreas. Essa combinação de inflamação crônica, dano ao parênquima e alterações estruturais contribui para o agravamento da limitação do fluxo aéreo e a progressão da DPOC, levando a sintomas como dispneia, tosse crônica e produção excessiva de muco. A progressão da doença é frequentemente associada à diminuição da função pulmonar e ao aumento do risco de exacerbações e complicações respiratórias. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 45 Na DPOC, os mecanismos patológicos não ocorrem de maneira isolada, mas sim de forma inter-relacionada, embora a expressão clínica e a gravidade da doença possam variar entre os pacientes. Em geral, os principais mecanismos que contribuem para a patogênese da DPOC — como a inflamação crônica das vias aéreas, a destruição do parênquima pulmonar (enfisema) e as alterações nas pequenas vias aéreas — estão frequentemente presentes, mas em diferentes graus de severidade, dependendo da exposição a fatores ambientais (principalmente o tabagismo) e da resposta imunológica individual. Enfisema: aumento anormal dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal. Destruição das paredes alveolares à mecanismo da protease-antiprotease (elastase - a1-AT) Bronquite crônica: hipersecreção de muco nas grandes vias aéreas, associada com hipertrofia das glândulas submucosas na traqueia e nos brônquios. Aumento acentuado das células caliciformes das pequenas vias aéreas, resultando na produção excessiva de muco. Diagnóstico • História de tabagismo de mais de 70 maços/ano apresenta uma razão de verossimilhança positiva (RVP), ou likelihood ratio positivo (LR+), de 8,0 para DPOC. Ausência de tabagismo apresenta uma razão de verossimilhança negativa (RVN) de 0,16. • Produção diária de catarro de mais de um quarto de xícara tem um RVP de 4,0; • História de chiado tem um RVP de 3,8; • História de dispneia tem um RVP de 2,2; e • Tosse, de 1,8. A combinação de achados é mais útil para fechar o diagnóstico do que para excluí-lo. Assim, um indivíduo com qualquer combinação de dois dos seguintes achados tabagismo > 70 maços/ano, história de DPOC ou diminuição dos sons respiratórios à ausculta, tem um RVP de 34 para DPOC, fechando o diagnóstico. Somente três elementos da anamnese e do exame físico se associaram ao diagnóstico de DPOC na análise multivariada: história prévia de DPOC (RVP ajustada de 4,4), presença de sibilos (RVP ajustada de 2,9) e tempo expiratório forçado acima de 9 segundos (RVP ajustada de 4,6). A RVP (ou LR+) combinada desses três fatores foi de 59 (fechando o diagnóstico de DPOC), e a RVN (ou LR-) foi de 0,3. Muitas vezes, a dispneia e a intolerância aos esforços são atribuídas à falta de preparo físico, ao processo de envelhecimento e ao tabagismo, e a tosse crônica (ou pigarro) é considerada uma resposta normal ao tabagismo, o que faz muitas pessoas com tais sintomas não procurarem a APS por acreditarem tratar-se de uma consequência normal da idade e do estilo de vida. Assim, deve-se ter uma postura de busca ativa de casos, quando se depara com indivíduos tabagistas. Existe uma discussão considerável sobre quais os melhores critérios diagnósticos para DPOC. Embora a espirometria seja a principal ferramenta diagnóstica, não há consenso sobre qual é o melhor parâmetro espirométrico. O parâmetro mais utilizado, preconizado pela GOLD e pela American Thoracic Society (ATS), para diagnosticar obstrução ao fluxo aéreo, é a relação VEF 1 /CVFsão o chiado, a tosse e a produção de catarro. Tosse é o sintoma mais frequente, precedendo ou aparecendo simultaneamente à dispneia na maioria dos casos (75%). É diária ou intermitente e, geralmente, produtiva. A dispneia é o sintoma mais importante, associando-se a incapacidade física, a piora da qualidade de vida e o pior prognóstico. É insidiosa no início e progressiva. O chiado está frequentemente presente, tendo sido relatado em 83% dos casos em algumas séries. O exame físico deve procurar por sinais de hiperinsuflação pulmonar (tórax em barril, hipersonoridade à percussão do tórax, ausência de ictus, bulhas abafadas, excursão diafragmática reduzida), os quais estão geralmente presentes na doença avançada, além de sinais de obstrução ao fluxo aéreo (sibilos, expiração prolongada) e presença de secreção nas vias aéreas (roncos). A oximetria de pulso, por ser de baixo custo, deve ser incluída no exame físico da pessoa com DPOC. É importante também medir o peso e a altura (IMC), bem como avaliar sinais de desnutrição e consumo muscular, que comumente acompanham os casos de DPOC graves. Avaliação de sinais de comorbidades associadas e de diagnósticos diferenciais deve fazer parte do exame físico. Do ponto de vista da avaliação formal dos valores diagnósticos de itens do exame físico, apenas quatro deles têm valor diagnóstico independente para DPOC: a presença de sibilos à ausculta pulmonar, o tempo expiratório forçado aumentado (> 9 segundos), a descida da laringe (distância entre o topo da cartilagem tireóidea e fúrcula esternal ≤ 4 cm) e a expiração prolongada. Sinal de Hoover: refere-se à incursão paradoxal do gradeado costal inferior durante a inspiração e pode ajudar no prognóstico. Esse sinal pode estar presente em até 76% dos pacientes com DPOC grave e ser um marcador clínico útil de obstrução severa de vias aéreas para auxiliar em situações de triagem e manejo na emergência, além de um bom preditor de desfechos clínicos. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 48 Há ainda o uso de musculatura acessória e o pulso paradoxal, que podem ser úteis em situações de exacerbação aguda. Exames Complementares O principal exame complementar para o diagnóstico da DPOC e sua classificação de gravidade é a espirometria. Exames de imagem, como radiografia torácica ou tomografia de tórax, são usados para avaliar diagnósticos diferenciais e comorbidades. Radiografia Torácica Achados: • Hiperinsuflação pulmonar: • Hemidiafragmas achatados (retificados); • Coração pequeno; • Alterações bolhosas; • “Traqueia em bainha de sabre” → estreitamento coronal acentuado da tranqueia intratorácica (visão frontal); alargamento sagital concomitante (visão lateral); No Perfil: • “Tórax em barril” → diâmetro ântero-posterior alargado. Mulher, 66 anos, aposentada, fumante inveterada. Falta de ar ao esforço. Achados: os pulmões estão marcadamente hiperinsuflados. Achatamento do diafragma. Alteração bolhosa no lobo superior esquerdo. O coração tem uma aparência alongada. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 49 Outros Exames • Hemograma deve ser realizado para afastar anemia e policitemia. • Eletrocardiograma e o ecocardiograma: podem ser realizados em pessoas com sinais sugestivos de IC/ cor pulmonale ou que apresentem sinais ou sintomas de outras DCVs. • Oximetria de pulso de repouso e aos esforços deve ser realizada para avaliar hipoxemia e necessidade de oxigênio domiciliar. • Gasometria arterial (GA) para confirmação do quadro de hipoxemia e necessidade de oxigênio domiciliar. • Dosagem de alfa-1-antitripsina. • Outras avaliações: sintomas psiquiátricos; estado nutricional; risco cardiovascular Tratamento A abordagem de pessoas com DPOC na APS deve incluir pelo menos quatro componentes: avaliação e monitoramento da doença, redução de fatores de risco, manejo do indivíduo com DPOC estável e manejo das exacerbações agudas. Os objetivos do acompanhamento e tratamento de pessoas com DPOC na APS são: • Aliviar os sintomas. • Prevenir a progressão da doença. • Melhorar a capacidade física (tolerância aos exercícios). • Melhorar o estado geral de saúde e bem-estar. • Prevenir e tratar complicações. • Prevenir e tratar exacerbações agudas. • Reduzir a mortalidade. • Referenciar ao especialista quando necessário (função de filtro). Realizar a prevenção quaternária (não referenciar ao especialista quando não necessário, não expor a pessoa a intervenções diagnósticas e terapêuticas desnecessárias e prevenir e minimizar os efeitos colaterais do tratamento). Tratamento Não Farmacológico • Cessação do tabagismo; • Reabilitação pulmonar e fisioterapia respiratória; • Tratamento cirúrgico. Tratamento Medicamentoso Atualmente a classificação ABCD é utilizada para classificar o grupo de risco e perfil sintomático para determinar o tratamento inicial da DPOC. A conduta terapêutica subsequente é realizada conforme avaliação da intensidade dos sintomas e do perfil de risco de exacerbações. Veja a classificação de risco da DPOC: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 50 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 51 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 52 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 53 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 54 Notas de aula do Professor Paulo: • Anticolinérgicos: de preferência não absorvíveis administrados com inalador com dosímetro. O principal é o ipratrópio, que não apresenta os efeitos colaterais da atropina. É usado 3 a 4x/dia e apresenta absorção sistêmica mínima. • b-Adrenérgicos: de preferência os b2 agonistas altamente específicos por possuírem efeitos cardíacos mínimos, como o salbutamol. OBS.: Recentemente há disponível uma associação medicamentosa em um único inalador com dosímetro dessas duas drogas. • Corticoides: são usados esteroides sistêmicos como a prednisona 20 a 30 mg ao dia para prova terapêutica, o tratamento é continuado com 10 a 20 mg ao dia. O mais novo esteroide não absorvível inalável é a fluticasona. • Metilxantinas: a teofilina é um broncodilatador fraco com estreita margem entre faixa terapêutica e tóxica que vem sendo abandonado com o surgimento dos b agonistas de ação prolongada, como o salmeterol. • Expectorantes e supressores da tosse para alívio dos sintomas. • Uso de antibióticos precocemente quando surgem exarcebações que parecem ser infecciosas com agravamento da dispneia e do escarro: azitromicina 250 mg 2x/dia no primeiro dia e uma vez ao dia por mais 5 dias. Os antibióticos (p. ex., amoxicilina) estarão indicados se houver o aumento da quantidade de catarro e a modificação do aspecto do catarro para purulento como parte da definição de exacerbação aguda. • Cirurgias: ressecções focais do tecido pulmonar ou transplante de pulmão. Intervenções específicas Uso de mucolíticos: estudos sugerem que a N-acetilcisteína e a carbacisteína reduzem o número de exacerbações agudas. Oxigenoterapia domiciliar: deve ser usada em pacientes propensos a desenvolver hipertensão pulmonar e insuficiência pulmonar direita, cor pumonale. Muitas vezes o O2 é administrado somente durante o sono para manter a saturação > 90%. Indicações: • Pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) ≤ 55 mmHg ou SatO2 ≤ 88% em repouso. • PaO2 entre 56 e 59 mmHg ou SatO2 ≤ 89% com evidências de cor pulmonale ou policitemia. Flebotomias (sangria): é um procedimento médico que envolve a remoção de sangue de um paciente. A policitemia é uma condição em que há um aumento anormal no número de glóbulos vermelhos no sangue. Ela pode ocorrer como uma resposta do corpo à hipóxia crônica (baixa oxigenação do sangue), que é comum em pacientes com DPOC. Quando o organismo detecta baixos níveis de oxigênio, ele tenta compensar essa falta produzindo mais glóbulosvermelhos, um processo mediado pela eritropoetina, que é um hormônio produzido pelos rins. Indicações: • Cor pulmonale descompensado com hematócrito (Ht) > 55%. Vacinação: Indicações: • Anti-influenza – anualmente, no outono; está associada à redução de mortalidade. • Antipneumocócica – uma dose após os 65 anos; alguns autores preconizam que seja repetida a cada 5 anos, porém sua eficácia não é tão bem documentada quanto a da vacina anti-influenza. • Anti- Haemophilus influenzae – não há indicação. Reabilitação pulmonar: é um programa multiprofissional que engloba: • Diagnóstico preciso e avaliação de comorbidades. • Tratamento farmacológico, nutricional e fisioterápico. • Recondicionamento físico. • Fisioterapia respiratória pode ser necessária em situações selecionadas. Apoio psicossocial: • Educação, para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social. • Abordagem das exacerbações agudas. Quando Referenciar Existem situações que justificam uma avaliação do pneumologista. Entre essas situações, destacam-se: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 55 • Incerteza diagnóstica. • DPOC em pessoas com menos de 40 anos. • DPOC em pessoas que possuem um parente de primeiro grau com história de deficiência de α1- antitripsina. • DPOC grave. • Exacerbações frequentes. • Hemoptise. • Dificuldade em controlar os sintomas. • Necessidade de oxigenoterapia domiciliar. • Necessidade de reabilitação pulmonar. • Necessidade de cirurgia. Prognóstico • O melhor prognóstico é na forma de bronquite crônica que na forma enfisematosa. • Muitas mortes por DPOC são causadas por complicações respiratórias decorrentes de outras infecções que teriam uma mortalidade menor se não estivessem acompanhadas de DPOC. Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1278. ISBN 9788582715369. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Conjunta SAES/SCTIE/MS nº 19, de 16 de novembro de 2021. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br. Acesso em: 1 mar. 2025. Slides Professor Paulo Slides Professor Thiago SEMANA 07: MANEJO DA DISPEPSIA E REFLUXO NA APS – DATA: 10/03/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o manejo da dispepsia e do refluxo na atenção primária. Objetivos Específicos • Características da dispepsia e seus tipos; • Compreender a avaliação clínica e o manejo da dispepsia; • Conhecer os exames complementares, tratamentos e prognóstico para dispepsia. Características da Dispepsia A dispepsia é conhecida popularmente como “má digestão”. É caracterizada pela presença recorrente ou persistente de dor ou desconforto epigástrico não relacionado ao uso de AINES e acompanhando, ou não, de sensação de saciedade precoce, náuseas, vômitos, pirose, regurgitação e excessiva eructação. Dispepsia foi originalmente definida como qualquer sintoma referente ao trato digestivo superior e pode ser descrita como dor abdominal vaga, queimação epigástrica, má digestão, indigestão, falta de apetite, eructações e “gastrite” (que no seu uso popular não apresenta correlação com o achado anatomopatológico denominado gastrite; isto é, inflamação da mucosa gástrica observada à microscopia). Esses sintomas – sejam de início recente ou recorrentes ao longo de muitos anos – indicam maior probabilidade de disfunções do trato digestivo alto sem, necessariamente, associação com lesões anatomopatológicas. Dor epigástrica e demais sintomas dispépticos estão comumente associados a disfunções no esôfago, no estômago e/ou no duodeno; entretanto, também podem ser originados pelo acometimento de outros órgãos. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 56 Epigastralgia: dor ou desconforto localizado na região epigástrica. A dor pode ser de natureza difusa ou localizada e pode ser descrita como uma sensação de queimação, cólica ou dor surda. Às vezes, a dor pode ser exacerbada por refeições ou alterações na alimentação. Pirose: sensação de queimação ou ardor no esôfago ou estômago, frequentemente associada ao refluxo de ácido gástrico para o esôfago. É comumente conhecida como azia. A sensação de queimação geralmente ocorre na região retroesternal (por trás do esterno), podendo se irradiar para o pescoço e até a garganta. O sintoma costuma ser mais evidente após as refeições ou quando a pessoa se deita, sendo frequentemente aliviado por antiácidos ou alterações na posição corporal. Tipos de Dispepsia A dispepsia pode ser classificada em dismotilidade, úlcera ou refluxo. Entretanto, não há correlação da sintomatologia com o diagnóstico etiológico, sendo desnecessária a utilização desses critérios na prática clínica da APS (GUSSO et al., 2019). Tipos de dispepsia Dismotilidade • Vômitos 1x/mês ou mais; • Distensão abdominal; • Dor agravada por alimentação; • Dor aliviada por eructações; • Anorexia. Úlcera • Dor aliviada por alimentação; • Dor aliviada por antiácidos; • Doe antes da alimentação; • Dor noturna que faz despertar. Refluxo • Pirose 1x/semana ou mais; • Regurgitação ácida 1x/semana ou mais. Dispepsia não Investigada A maioria dos indivíduos não consulta o médico somente pelos sintomas da dispepsia. Além do desejo de abordar o sintoma, as principais razões que podem levar os indivíduos a consultar são: • Desejo de descartar doenças graves; • História familiar de câncer gástrico; • Crise situacional recente (evento estressante ou risco à vida nos últimos 6 meses); • Encorajamento por familiares; • Ansiedade. • Presença de infecção por Helicobacter pylori (HP) e o baixo nível socioeconômico. Manejo de dispepsia não investigada. HP, Helicobacter pylori; IBP, inibidor da bomba de prótons. É preciso, após caracterizar a dispepsia, explorar o entorno da queixa. Existem outros sintomas associados? Quais são os medos do paciente a respeito dos sintomas? Há evidência de estresse emocional? Quais são as expectativas do paciente a respeito da abordagem médica? Por meio dessa exploração atenta e indutiva do entorno, é possível ter mais segurança sobre o caminho a seguir. Pode ficar claro que, apesar de ter sido a queixa de apresentação na consulta, a dispepsia não é o sintoma que mais incomoda o paciente ou que ela faz parte de um quadro clínico mais amplo (p. ex., evento estressante agudo ou transtorno de ansiedade), ou até mesmo que o paciente não deseja tratamento, apenas quer certificar-se de que não tem nada grave. O tratamento dos sintomas dispépticos ainda se apresenta como um desafio, pois muitos pacientes persistem sintomáticos mesmo após diversos tratamentos e intervenções, o que enfatiza a importância da relação médico- paciente e de decisões compartilhadas no manejo dessa queixa. Por um lado, as intervenções com maior nível de evidência ainda resultam em falha terapêutica em mais da metade dos pacientes, associado a risco de efeitos adversos, indução de resistência a antibióticos e custo financeiro elevado. Nesse contexto, o médico da APS deve identificar indivíduos que podem se beneficiar de medidas gerais não Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 57 farmacológicas e/ou supressão ácida apenas, separando aqueles com sinais de alerta que precisam de exames complementares (bioquímica, endoscopia digestiva alta [EDA] ou radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno se a endoscopia estiver indisponível) e/ou encaminhando-os para especialistas (gastrenterologista ou cirurgião geral) com a maior brevidade possível. Os sinais de alerta para indicação de EDA em pacientes com dispepsia são (DUCAN, 2022): • Disfagia; • Hematêmese (considerar encaminhamento para emergência); • Perda de peso involuntária; • Persistência de sintomas após tratamento; • Anemiaou queda no nível de hemoglobina. OBS.: Perda de peso involuntária e persistência de sintomas após tratamento são sinais de alerta em pacientes com idade ³ 60 anos. Para exercer com excelência essa função primordial – além de competência ao exame clínico com técnica acurada de coleta da história do paciente e adequado exame físico –, deve-se ter um adequado conhecimento sobre os recursos de saúde disponíveis na localidade e na região, as características culturais e epidemiológicas da comunidade e, também, o acompanhamento longitudinal das famílias. Uma diretriz recente do American College of Gastroenterology enfatiza que o risco de neoplasia gastrintestinal em pessoas com idade 65 anos, tabagistas, história de úlcera prévia, uso de AINEs combinados) que entrarão em tratamentos com uso prolongado desses medicamentos podem se beneficiar de pesquisa de HP e sua erradicação, caso positiva. A erradicação do HP isoladamente não previne o sangramento da ulceração e, portanto, o uso concomitante de IBP é mandatório. Também é sugerido uso de IBP preventivo em indivíduos com alto risco para úlcera em localidades onde a pesquisa de HP não está disponível. Vale lembrar que a prevalência de parasitoses intestinais no Brasil ainda é elevada, podendo a dispepsia ser um sintoma de infestação parasitária, principalmente, na estrongiloidíase e na giardíase. Por esse motivo, recomenda-se considerar o uso de antiparasitários em pacientes com dispepsia com ou sem exame parasitológico de fezes positivo. Dispepsia Funcional A dispepsia funcional é definida pelo Consenso de Roma IV como a combinação de um ou mais dos seguintes sintomas, causando interferência diária na vida do paciente, na ausência de qualquer doença orgânica, sistêmica ou metabólica identificável: • Estufamento pós-prandial; • Saciedade precoce; • Dor epigástrica e/ou queimação epigástrica (que devem estar presentes pelo menos 3x/semana nos últimos 3 meses, com início dos sintomas a mais de 6 meses); A dispepsia pode ser divindade em: • Síndrome de dor epigástrica: tem predomínio de dor. • Síndrome do estresse pós-prandial: tem predomínio de saciedade precoce e estufamento abdominal. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 59 No entanto, não há recomendação de usar o tipo de sintoma para guiar a terapêutica inicial. As evidências disponíveis até o momento não esclarecem sobreos benefícios de medidas não farmacológicas como dietas específicas e/ou psicoterapia na dispepsia funcional. Tratamento da Dispepsia Funcional OBS.: vários fármacos, como IBPs (omeprazol), bloqueadores H2 (cimetidina e ranitidina), pró-cinéticos (domperidona) e antiácidos, foram testados no tratamento da dispepsia funcional com resultados variáveis. Os antiácidos não são eficazes. Os IBPs mostraram-se efetivos no manejo. Pró-cinéticos: entre os pró-cinéticos mais disponíveis em nosso meio, a domperidona apresenta um perfil favorável de segurança, enquanto a metoclopramida em uso crônico pode causar síndromes extrapiramidais, sobretudo em idosos, e seu uso é desaconselhado para um período > 3 meses. Considerando a natureza crônica dos sintomas da dispepsia funcional e o benefício da supressão ácida, mesmo com IBPs, é preciso levar em conta os custos e os possíveis efeitos adversos em longo prazo. A erradicação do HP apresenta benefícios no manejo clínico. Estão sendo utilizados antidepressivos tricíclicos na dispepsia funcional, nos pacientes que não apresentaram melhora sintomática com IBP (p. ex., amitriptilina 25 mg/dia, VO). Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) não mostraram melhora dos sintomas nos estudos realizados até o momento. Ao propor essa terapia com antidepressivos, deve-se levar em consideração a história prévia do paciente e outras comorbidades, bem como enfatizar a contribuição dos antidepressivos para reforço na tolerância aos sintomas. Terapias alternativas: terapias alternativas com produtos naturais (p. ex., alcachofra, pó de banana, menta, açafrão-da- terra [Curcuma longa]) podem oferecer melhora sintomática na dispepsia funcional, apesar do grau de evidência ser fraco para embasar as condutas. Acupuntura: é uma terapia alternativa milenar que contribuiu para a melhora de sintomas de saciedade precoce e plenitude pós-prandial quando comparado com pró-cinéticos ou placebo, em revisão sistemática. No entanto, o grau de evidência é considerado baixo pela heterogeneidade e baixa qualidade dos estudos incluídos. Dispepsia refratária: deve-se considerar uma avaliação com gastrenterologista e/ou psiquiatra, destacando a coexistência de altas taxas de depressão e patologias psiquiátricas neste último grupo. O tratamento da dispepsia funcional pode ser frustrante para médicos e pacientes porque poucas opções terapêuticas demonstraram efetividade. Em geral, pacientes precisam do suporte contínuo de seus médicos assistentes, salientando-se o fato de que se trata de doença crônica e recorrente. A critério clínico, pode-se optar por testar diferentes modalidades de tratamento e/ou terapias alternativas com potencial alívio significativo, mas ainda sem evidências científicas sólidas ou com mecanismo biológico comprovado. Dispepsia Secundária Pode ser causada por múltiplas doenças como as neoplasias, as úlceras pépticas e o uso de medicamentos (p. ex., metformina, metronidazol). A doença ulcerosa na mucosa gástrica ou duodenal apresentou enorme impacto na morbidade e mortalidade nas últimas décadas do século XX, quando tendências epidemiológicas começaram a apontar para quedas na sua incidência. O sintoma dominante na úlcera péptica é a dor epigástrica, que pode ser acompanhada por outros sintomas dispépticos, como estufamento, saciedade precoce e náusea. Em pacientes com úlceras duodenais, a dor epigástrica geralmente ocorre durante o jejum e/ou até mesmo à noite, e costuma ser aliviada pela ingestão de alimentos ou antiácidos. Cerca de um terço desses pacientes também apresenta pirose, na sua grande maioria sem esofagite erosiva. Úlceras crônicas, entretanto, podem ser assintomáticas. Em particular, a ausência de sintomas também é vista em úlceras induzidas por AINEs, que podem apresentar-se, primariamente, por sangramento ou perfuração gastrintestinal alta. Úlceras HP-negativas costumam ser causadas por uso voluntário e casual de AINEs pelos pacientes. A complicação mais grave das úlceras pépticas é o sangramento, com maior risco em indivíduos com idade > 60 anos. Perfuração é bem menos frequente que hemorragia. Penetração de órgãos retroperitoneais é rara e caracterizada por dor abdominal e lombar intensa constante. As úlceras pépticas podem recorrer após a cura inicial, sobremaneira se houver persistência de infecção por HP, visto que o HP é a principal causa na maioria das úlceras. Além da terapia, deve-se recomendar a cessação do tabagismo, quando presente. Se o paciente estiver usando ácido acetilsalicílico, considerar suspendê-lo ou trocá-lo para Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 60 clopidogrel, quando a indicação for para uso de antiplaquetários, e/ou adicionar um IBP enquanto o uso de ácido acetilsalicílico/AINE for necessário. Diagnóstico da Úlcera Péptica A úlcera péptica é diagnosticada à endoscopia quando há penetração da mucosa ≥ 5 mm em profundidade, recoberta com fibrina, enquanto a penetração mais superficial,à consulta atual devem constar da folha de rosto. Ou seja, problemas crônicos entram na lista de problemas no prontuário, apenas quando relatados pela primeira vez pelo paciente ou quando trazidos novamente em consulta, ou ainda, quando o profissional entender que deve abordar aquele problema na consulta. Problema é tudo aquilo que interfira na qualidade de vida do paciente, ou represente um risco futuro para sua saúde, ou ainda, que necessite de um manejo clínico posterior e que esteja no seu mais alto grau de resolução possível no momento. Todo motivo de consulta deve ter um problema correspondente, mesmo que esse motivo ainda não tenha um diagnóstico, ou o motivo em si já seja um problema. Dessa forma, as demandas e preocupações do paciente não deixarão de ser valorizadas por nós. Cabe aqui diminuir o preconceito do que é realmente importante, pois se é importante para o paciente, deve ser valorizado por nós. Hipóteses diagnósticas têm um único propósito de nos auxiliar no manejo clínico posterior. Ajudando, assim, a lembrar das condutas e raciocínios que tivemos no dia para aquela consulta. Caso não haja problemas definidos, o campo de hipóteses ficará em branco. Sendo assim, não é necessário interrogar nenhum problema, pois tudo o que entendermos que mereça um ponto de interrogação deve ser colocado nessa lista, pois é uma hipótese. Essa hipótese deve estar correspondida ao problema, que no caso deve estar em um grau de resolução menor que o problema final (diagnóstico). P – Plano O plano de ação inclui as estratégias terapêuticas que serão seguidas. Isso pode incluir prescrições de medicamentos, pedidos de exames complementares, recomendações de tratamento, planos de acompanhamento, encaminhamentos para especialistas, entre outros. Ou seja, um plano de ação para o paciente. Na proposta terapêutica, podemos pensar na autonomia e no poder de decisão que o paciente terá nesse momento. Importante não confundi a autonomia do paciente com o que é importante e necessário ser feito. É muito importante tentar equilibrar ao máximo o necessário e o possível. Por exemplo, se em nossa avaliação consideramos um medicamento x como sendo mais benéfico para o paciente, mas ao informarmos o preço médio desse medicamento, o paciente relatar que fica inviável dele comprar devemos tentar oferecer uma alternativa terapêutica. O mesmo serve para posologia, mudança de hábitos etc. Outra coisa crucial no plano terapêutico é que para cada problema da lista devemos realizar uma proposta terapêutica, mesmo que seja uma escuta. E, logicamente, isso deve constar no registro na parte das orientações. O plano deve constar, necessariamente, em seis partes: 1. Solicitação de exames: devemos registrar todos os pedidos de exames, de preferência relacionando o problema de saúde listado na avaliação. 2. Encaminhamentos: relacionar todos os encaminhamentos realizados, seja para colegas de outras especialidades, ou outros profissionais de saúde. Nos encaminhamentos, podemos incluir também os retornos para nós mesmos. 3. Atestados: quando fornecemos atestados, devemos registrar no prontuário, mesmo que seja uma declaração de comparecimento. 4. Orientações: todas as orientações que foram oferecidas para o paciente são registradas nessa parte. Inclusive dados relacionados à escuta terapêutica. 5. Medicamentos: aqui anotamos apenas as medicações prescritas ou modificadas na Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 3 consulta. As medicações que são de uso contínuo estarão na folha de rosto. 6. Observações: usamos essa parte para registrar tudo aquilo que for pertinente do plano terapêutico, indiretamente relacionada às partes anteriores e sejam percepções subjetivas do médico referente à conduta. Essa parte é muito semelhante às impressões gerais do subjetivo. O método SOAP é amplamente adotado por sua simplicidade e eficácia na organização da anamnese e na documentação do atendimento. Estudos demonstram que uma abordagem sistemática como o SOAP ajuda a melhorar a clareza, a precisão e a continuidade dos cuidados, permitindo que múltiplos profissionais de saúde acompanhem a evolução do paciente de maneira coesa. Além disso, a estrutura proporciona um caminho lógico para o processo de tomada de decisão clínica, com base em dados subjetivos e objetivos. Essa abordagem também facilita o registro de informações de maneira padronizada, o que contribui para a segurança do paciente e o uso eficiente dos recursos médicos. Associando uso da folha de rosto e o método SOAP, conseguimos sistematizar o registro das consultas de uma forma que perdemos muito menos tempo no ato de registrar, sobrando mais tempo para dar atenção, conseguindo sermos mais efetivos nos registros. Registro de Saúde Orientado por Problemas (ReSOAP) Os registros ajudam a garantir a continuidade e a longitudinalidade do cuidado, auxiliam na comunicação e tomada de decisão em equipe e permitem um arquivo de dados-base das pessoas e famílias em seguimento, fornecendo eventualmente também dados para investigação científica ou prova para diligências legais. O Registro Médico Orientado por Problemas (RMOP) tem sido empregado em diversos sistemas de Atenção Primária à Saúde (APS) em todo o mundo, e seu uso tem-se ampliado cada vez mais como base inclusive na informatização dos registros médicos. Diante da multiprofissionalidade que caracteriza as equipes de APS no Brasil, pode-se denominá-lo de Registro de Saúde Orientado por Problemas (ReSOAP), e propor que todas as categorias profissionais se apropriem e incorporem em sua prática esse formato de registro. O aprendizado e a utilização do ReSOAP é um dos caminhos na busca de ser um bom profissional para o trabalho em equipe na APS. O registro em prontuário é critério de avaliação da qualidade de um serviço de saúde. Mais do que mera sistematização, o ReSOAP é ferramenta de raciocínio clínico. O ReSOAP tem os seguintes componentes básicos: • Base de dados da pessoa: será constituída fundamentalmente pelas informações e dados obtidos na história clínica e de vida, no exame físico e nos resultados de exames complementares, registrados geralmente na primeira, ou nas primeiras consultas, ou "caso novo" daquela pessoa. São parte da base de dados os antecedentes pessoais e familiares, o problema de saúde atual e as informações de saúde prévias daquela pessoa (trazidas por ela mesma ou enviada por outros serviços). O tipo, o formato, o grau de profundidade e a quantidade de dados e informações, que constituirão a base de dados da pessoa, serão definidos pela própria equipe da ESF, que poderá elaborar um formulário-padrão para a obtenção dessas informações. • Lista de problemas (folha de rosto): constitui a primeira parte ou "folha de rosto" de um prontuário, devendo vir logo após a identificação da pessoa. A lista é elaborada a partir da base de dados da pessoa e das notas de evolução subsequentes, sendo, portanto, dinâmica. É um resumo útil dos problemas de saúde da pessoa, os quais devem ser enumerados pela ordem de aparecimento ao longo do tempo (com a data de início e da anotação, ao lado do problema), o que permite identificá-los sem a necessidade de ler cada folha de evolução. • Notas de evolução clínica (notas SOAP): Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 4 • Folha de Acompanhamento (Fichas de resumo e fluxograma): são formulários separados da lista de problemas e das notas clínicas, nos quais se pode registrar a evolução dos resultados dos exames físicos e complementares, dos dados de crescimento e desenvolvimento, hábitos de vida, exames preventivos, medicações prescritas, entre diversas outras possibilidades. Essas fichas geralmente ficam localizadas na primeira ou última parte dos prontuários, permitindo a visualização rápida da evolução dos dados, sem a necessidade de se revisar todo o prontuário.probabilidade da origem benigna dos sintomas e sua recorrência, além de facilitar a corresponsabilização na mudança de hábitos acertada no plano terapêutico. Exame Físico Geralmente, o exame físico é normal ou com uma dor discreta na região epigástrica. A presença de massa abdominal pode ser indicativa de malignidade e deve ser investigada. Exames Complementares Endoscopia digestiva alta (EDA) A EDA é o padrão-ouro para o diagnóstico de lesões estruturais e consequentemente de causas específicas da dispepsia. A EDA está indicada na abordagem inicial apenas naqueles que apresentarem sinais de alerta para a exclusão de doença orgânica grave. Sugere-se solicitar o exame para indivíduos maiores de 55 anos, quando os sintomas Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 61 dispépticos persistem, independente de tratamento adequado inicial. Para aqueles que já realizaram EDA em algum momento e retornaram com os sintomas dispépticos, deve-se introduzir terapêutica de acordo com o diagnóstico anterior. A repetição do exame está indicada somente naqueles que apresentarem sinais de alerta não presentes no momento da intervenção anterior. Vale ressaltar que o tratamento prévio com IBPs não prejudica ou retarda o diagnóstico de malignidade. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 62 Teste respiratório com 13C ureia Apresenta sensibilidade de 88 a 95% e especificidade de 95 a 100%, sendo incomuns resultados falso-positivos. Exame sorológico A sorologia detecta anticorpos IgG específicos para H. pylori. É um exame mais sensível (90-100%) e de menor custo, mas permanecerá positivo mesmo após a erradicação da bactéria. Tratamento da Dispepsia A estratégia inicial na dispepsia não investigada é o tratamento empírico com IBPs, que apresentou melhor resposta e custo-efetividade quando comparado aos antagonistas H2 e antiácidos. “Testar e tratar” a infecção por H. pylori é mais efetivo do que a realização de EDA e reduz riscos e custos. É a estratégia recomendada pelo National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) após falha terapêutica do IBP na dispepsia não investigada. Há evidências de que a erradicação da bactéria aumenta a taxa de melhora dos sintomas e/ou diminui a sua recorrência nas principais causas de dispepsia. Dada a alta prevalência da infecção no Brasil, com uma probabilidade pré-teste elevada, uma segunda alternativa seria tratar empiricamente para a erradicação de H. pylori após falha terapêutica do IBP. OBS.: o esquema mais recomendado para erradicação do H. pylori é amoxicilina, 1 g, e claritromicina, 500 mg, por 7 dias, em duas tomadas diárias, associadas ao IBP em dose plena. A efetividade é estimada em 80 a 85%. O esquema prolongado, de 14 dias, independentemente de incrementar 10% no sucesso de erradicação da bactéria, traria benefício absoluto modesto e não é custo-efetivo. Atividades Preventivas e de Educação Apesar de não ser clara a associação entre tabagismo, sobrepeso, dieta inadequada e ingestão de álcool e café com dispepsia, sugere-se recomendar modificações nos hábitos de vida, seja porque haverá ganho individual com as medidas, seja porque essas oferecem benefícios para a saúde em geral. Aqueles que sofrem por tempo prolongado com sintomas dispépticos devem ser encorajados a reduzir o uso das medicações prescritas: inicialmente, usando a menor dose efetiva, passando ao uso livre conforme a demanda, até o retorno ao autocuidado, com uso somente de antiácidos como sintomáticos. Em pessoas com lesão renal crônica, a exposição prolongada a altas doses de sais de alumínio ou magnésio pode causar encefalopatia, demência, anemia microcítica e piora da osteomalácia induzida por diálise. Apesar de serem considerados efeitos colaterais raros, é recomendado evitar o uso de antiácidos naqueles com função renal comprometida. Quando Referenciar Aqueles com achados suspeitos de malignidade à endoscopia deverão ser referenciados ao especialista. Se a EDA não estiver disponível na APS, serão referenciadas também as pessoas com dispepsia que têm indicação para o exame. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 63 Doença do Refluxo Gastresofágico (DRGE) O refluxo de conteúdo gastroduodenal para o esôfago ocorre de modo fisiológico em pequeno volume, principalmente após as refeições. Quando o refluxo passa a causar sintomas frequentes (como pirose e/ou regurgitação) e/ou complicações (como esofagite erosiva, estenose péptica ou esôfago de Barrett), torna-se uma doença. A ineficácia do mecanismo de barreira na junção esofagogástrica é o principal fator patogênico do RGE. As teorias dominantes para explicá-la são: • Relaxamento transitório do EEI sem anormalidade anatômica concomitante. • Alteração anatômica da junção esofagogástrica, provavelmente associada à hérnia hiatal. • Hipotonia do EEI, sem alteração anatômica associada. A definição consensual de DRGE propõe que seja classificada em síndromes esofágicas e/ou extraesofágicas: As complicações mais frequentemente relacionadas ao RGE são as esofagites leves, moderadas e graves, que variam suas classificações endoscópicas entre dois parâmetros internacionais: • Savary-Miller: 1. Grau 1 – Lesões leves (pequenas erosões superficiais, sem ulceração significativa). 2. Grau 2 – Lesões moderadas (erosões mais profundas, ulcerações superficiais). 3. Grau 3 – Lesões moderadas a graves (úlceras mais profundas e numerosas). 4. Grau 4 – Lesões graves (úlceras profundas, grandes áreas de erosão). 5. Grau 5 – Lesões extremamente graves (necrose, perfuração, risco de sangramento grave). • Escala de Los Angeles: 1. Grau A – Lesões leves, pequenas áreas de erosão. 2. Grau B – Lesões moderadas, afetando até 1/3 da circunferência. 3. Grau C – Lesões graves, afetando mais de 1/3 da circunferência. 4. Grau D – Lesões muito graves, afetando mais de 2/3 da circunferência. 5. Grau E – Lesões extremas, com erosões extensas e difusas. Manifestações Clínicas da DRGE Na APS, a adequada caracterização dos sintomas apresentados pelos pacientes é importante para diferenciar DRGE de dispepsia, pois seus tratamentos podem apresentar significativas diferenças. Pirose e regurgitação são consideradas sintomas típicos da DRGE. Pirose: é mais comum e definida como uma sensação de queimação retroesternal que irradia desde o epigástrio até a base do pescoço, podendo ocorrer espontaneamente ou após as refeições (sobretudo as refeições volumosas e/ou ricas em gorduras) e/ou após o decúbito, sendo reduzida pela ingestão de água, leite ou antiácidos líquidos. Regurgitação: é definida pela sensação de retorno de conteúdo gástrico até a boca ou hipofaringe, sem a percepção de queimação da pirose. A presença de pirose é um bom marcador de refluxo gastresofágico e apresenta boa correlação com a presença de refluxo patológico demonstrada à pHmetria de 24 horas. O sintoma pirose tem alta sensibilidade (70%) para o diagnóstico correto de DRGE, e, quando associada à regurgitação, a sensibilidade pode atingir 80%. Na prática clínica, é comum que os pacientes considerem outros sintomas como estufamento, queimação epigástrica ou, ainda, desconforto na boca do estômago como sinônimos de refluxo, mas na verdade estes são indicativos de dispepsia. Pirose e/ou regurgitação, quando acometem indivíduos jovens que não apresentam sinais ou sintomas de alerta (emagrecimento, disfagia, odinofagia, anemia, hematêmese, melena), podem ser tratadas na primeira consulta sem uma investigação complementar inicial. A melhora sintomática ocorre em 70 a 80% dos pacientes jovens com o tratamento inicial por 4 semanas. Na ausência de melhora dos sintomas, deve-se considerar uma investigação complementar para avaliar eventuais complicações da DRGE, pirose funcional, esôfago hipersensível, esofagite eosinofílica ou acalásia. Débora Janaína UNIGRANRIO- Afya Medicina 64 A dor torácica, semelhante à dor por isquemia miocárdica, pode ser uma manifestação da DRGE, associada a espasmo esofágico difuso ou esôfago hipercontrátil (esôfago em quebra-nozes) ou acalásia. Quando a dor torácica é recorrente, associada a pirose/regurgitação e melhora após a ingestão de água, a origem esofágica é mais provável, diminuindo a probabilidade de origem miocárdica. A dor torácica de origem esofágica pode ser indistinguível da dor cardíaca, e a origem cardíaca deve ser sempre descartada inicialmente. Quando os sintomas atípicos (tosse crônica, rouquidão e asma) são dominantes, mas associados à pirose frequente, a probabilidade de DRGE é alta e um teste terapêutico com IBP é recomendado durante 8 semanas. É importante salientar que a pirose rapidamente melhora com o tratamento, mas tosse, rouquidão ou asma respondem de maneira lenta e, às vezes, melhoram somente após 3 a 6 meses de tratamento. As manifestações atípicas em geral se apresentam como: • Esofagianas: dor torácica sem evidência de enfermidade coronariana (dor torácica não cardíaca). • Pulmonares: asma, tosse crônica, hemoptise, bronquite, bronquiectasia e pneumonias de repetição. • Otorrinolaringológicas: rouquidão, pigarro (clareamento da garganta), laringite posterior crônica, sinusite crônica, otalgia. • Orais: desgaste do esmalte dentário, halitose e aftas. Os critérios de seleção para a investigação de RGE em pacientes com tosse crônica incluem ausência de tabagismo e de irritantes ambientais, exclusão de asma, secreção pós- nasal e radiografias torácicas e de seios da face dentro da normalidade. Os pacientes com manifestações otorrinolaringológicas procuram inicialmente especialista nesta área, o qual realiza laringoscopia, podendo demonstrar presença de lesões – edema, eritema, nódulos em prega vocal e granulomas –, as quais não são específicas da DRGE. Diagnóstico da DRGE Na investigação de dor torácica recorrente com suspeita de origem esofágica, um teste terapêutico com IBPs em dose matinal e antes do jantar por 4 semanas tem sensibilidade e especificidade aceitáveis para diagnóstico de DRGE. Em caso de persistência de dor torácica, a EDA deve ser obtida e, quando não demonstrar sinais (erosões, úlceras) de DRGE, pode ser seguida por manometria esofágica e pHmetria de 24 horas, para excluir, respectivamente, doenças motoras do esôfago ou DRGE. Por outro lado, na ausência de pirose/regurgitação, é recomendável a investigação complementar para confirmar DRGE e/ou descartar outras doenças. É consenso que a maioria dos pacientes com pirose/regurgitação que procuram os sistemas de saúde não precisa de investigação complementar. Quando necessária, em geral para sintomas atípicos, a investigação c omplementar deve basear-se em critérios definidos. Exames Complementares A investigação complementar deve ser solicitada nas seguintes condições: • Ausência de resposta ao tratamento. • Manifestações de alarme: disfagia, odinofagia, anemia, hemorragia digestiva e emagrecimento, história familiar de câncer, náuseas e vômitos, dor torácica, além de sintomas de grande intensidade e/ou de ocorrência noturna. • Sintomas crônicos (lembrar-se da possibilidade de EB). • Necessidade de tratamento continuado. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 65 Endoscopia Digestiva Alta (EDA) Identifica lesões em somente 30 a 40% dos pacientes com DRGE e, portanto, tem baixa sensibilidade diagnóstica, não confirmando a DRGE na maioria dos pacientes examinados. Entretanto, sua capacidade de estimar o risco de complicações em longo prazo é útil e, quando não revela lesões atribuíveis ao refluxo, orienta o médico a evitar novas endoscopias. Não há uma boa correlação entre gravidade dos achados endoscópicos e a intensidade dos sintomas, podendo ser encontradas lesões acentuadas em indivíduos oligossintomáticos e ausência de lesões em indivíduos muito sintomáticos. Os achados endoscópicos diagnósticos de DRGE são esofagite erosiva graus C e D de Los Angeles, estenose péptica e esôfago de Barrett. Os achados de esofagite grau A e B devem ser analisados com reserva, pois indivíduos assintomáticos podem apresentar esses achados e não necessitam de tratamento específico. Biópsias devem ser obtidas na presença de lesões ulceradas/estenosantes ou na suspeita de esôfago de Barrett e/ou neoplasia. Entretanto, quando a mucosa tem aspecto normal à endoscopia, a coleta de biópsias tem valor limitado pela sua sensibilidade diagnóstica baixa a moderada em comparação com a pHmetria esofágica. Entretanto, é recomendável a obtenção de biópsias quando, além de sintomas típicos, houver também disfagia ou impactação, pela probabilidade de esofagite eosinofílica. Após o diagnóstico e a avaliação endoscópica inicial, não é necessária a reavaliação endoscópica na maioria dos pacientes depois do tratamento, exceto em caso de: • Esofagite acentuada (graus C e D da classificação de Los Angeles), pelo risco de o esôfago de Barret estar oculto pelas erosões agudas da mucosa; • Esôfago de Barret confirmado por biópsias; • Estenose péptica; • Úlcera esofágica; • Quando houver piora clínica, especialmente quando o paciente também apresenta sintomas ou sinais de alerta (disfagia, odinofagia, emagrecimento, anemia, melena, hematêmese). A EDA é essencial no estadiamento da DRGE para identificar risco de complicações futuras. Exames Radiológicos Estudo radiológico do esôfago contrastado com deglutição de bário é importante na presença de disfagia e/ou dor torácica associadas à pirose, pois permite a detecção de alterações anatômicas observadas nas dismotilidades (p. ex., acalásia, espasmo esofágico difuso) e nas estenoses pépticas e neoplásicas. pHmetria de 24 Horas • Detecta a presença e quantifica o refluxo ácido. • Estabelece a correlação entre episódios de refluxo e sintomas (tosse, dor). • Utiliza um cateter nasal com sensores para detectar variações de pH no esôfago distal, registrando o tempo em que o pH se mantém abaixo de 4. • Alta sensibilidade e especificidade (>70%). • Importante em casos com sintomas atípicos e endoscopia normal. • Deve ser feita 7 dias após a suspensão de IBPs ou bloqueadores H2 em pacientes sem DRGE comprovada. • Pode ser realizada durante o uso de antirrefluxos em pacientes com DRGE e sem resposta ao tratamento. • Pacientes com complicações graves devem ser acompanhados com pHmetria e encaminhados a serviços especializados para monitoramento endoscópico e controle do tratamento antirrefluxo. Manometria Esofágica • Avalia a força e coordenação da contração esofágica e a competência do esfincter esofágico inferior. • Imprescindível antes da pHmetria para posicionamento correto do sensor. • Não diagnostica DRGE, mas ajuda a investigar sintomas como disfagia e dor torácica. • Pode revelar doenças motoras do esôfago (espasmo esofágico difuso, esôfago em quebra-nozes). • Essencial para excluir acalásia, que pode mimetizar sintomas de DRGE. • Deve ser realizada antes de cirurgia antirrefluxo. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 66 Tratamento da DRGE Medidas Comportamentais Entre as medidas com benefício mais bem estabelecido estão a perda de peso, a interrupção do tabagismo não seguida de ganho de peso e, nos indivíduos com sintomas noturnos, a elevação da cabeceira da cama, além de evitar refeições por 2 horas antes se deitar. O sobrepeso corporal e a obesidade são fatores de risco não só para os sintomas ou lesões do refluxo, mas também para o adenocarcinoma do esôfago. O controle da DRGE passa pelo adequado controle do sobrepeso e da obesidade, em especial pelas suas características epidêmicas no mundo ocidental. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 67 Tratamento Farmacológico da DRGEDébora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 68 IBPs: não há evidência de superioridade farmacológica entre os diferentes IBPs. Recomenda-se o uso do omeprazol genérico. • Administração: IBPs devem ser tomados 30 minutos antes do desjejum para melhor eficácia. Se necessário à noite, deve ser administrado 30 minutos antes do jantar. • Troca de IBP: se a dose máxima de omeprazol falhar no controle da DRGE, pode-se tentar outros IBPs, mas esses têm custos elevados, afetando a adesão do paciente. • Endoscopia normal e sintomas persistentes: se os sintomas não melhoram com IBP em dose dupla e a endoscopia for normal, deve-se considerar pirose funcional ou esôfago hipersensível, com avaliação de pHmetria sem uso de IBP. • Casos graves de DRGE (graus C ou D, úlcera esofágica, estenose, esôfago de Barrett) necessitam de tratamento crônico com IBP em dose dupla ou cirurgia antirrefluxo. O uso prolongado de IBPs é benéfico em condições como esôfago de Barrett, DRGE com recidivas frequentes e alto risco de úlcera péptica, mas há muitas indicações inadequadas, representando 20 a 50% dos casos. O uso crônico pode levar a efeitos adversos, como hipergastrinemia, que causa sintomas dispépticos após a interrupção abrupta. Embora estudos retrospectivos sugiram associações com Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 69 complicações como osteoporose e AVC, os estudos prospectivos não confirmam causalidade. Complicações comprovadas incluem hipomagnesemia, má-absorção de vitaminas e pólipos gástricos. Estudos apontam um risco aumentado de câncer gástrico com o uso de IBPs, mas com vieses questionáveis. O uso de IBPs durante a gestação é considerado seguro, e sua interação com clopidogrel não aumenta o risco cardiovascular, podendo ser usado conjuntamente. Pró-cinéticos: podem ser eficazes em pacientes com DRGE e sintomas dispépticos como plenitude pós-prandial. DRGE Refratária ao Tratamento Indivíduos com DRGE são considerados refratários ao tratamento quando a DRGE não responde a IBP em dose dupla. Nessa situação, é importante averiguar o uso correto dos IBPs, especialmente a sua ingestão ao menos 30 minutos antes das refeições e a adesão. Quando há refratariedade ao tratamento, é recomendável fazer uma revisão com um especialista para confirmar o diagnóstico e considerar tratamentos alternativos como o uso de baclofeno, que inibe o relaxamento transitório do esfincter esofágico inferior, ou a abordagem cirúrgica. Cirurgia Antirrefluxo A cirurgia antirrefluxo, quando realizada por cirurgiões experientes, apresenta bons resultados a longo prazo, semelhantes ao tratamento clínico, mas com índices de sucesso inferiores quando realizada por profissionais menos experientes. A fundoplicatura de Nissen por videolaparoscopia é a técnica mais comum, com internação curta e risco de disfagia transitória. Em longo prazo, muitos pacientes necessitam de IBPs novamente. A cirurgia é indicada principalmente para pacientes mais jovens com uso contínuo de IBPs ou aqueles com persistência de regurgitação. A resposta positiva a IBPs e a presença de defeitos anatômicos, como hérnia hiatal ou hipotonia do esfíncter esofágico inferior, são preditores de sucesso. A manometria pré-operatória e a escolha de cirurgião experiente são fundamentais para o sucesso do procedimento, conforme consenso do ICARUS 2019. Quando Referenciar Sugere-se que, nos casos de EDA com diagnóstico de esofagite cujas classificações endoscópicas sejam graus 2, 3, 4 e 5 de Savary-Miller ou graus B, C e D de Los Angeles, o médico de família coordene o cuidado da pessoa, por meio da referência e da contrarreferência ao especialista focal (gastrenterologista), pela necessidade de exames mais complexos que possam ser racional e adequadamente solicitados e, também, pelos riscos potenciais inerentes às principais complicações do RGE. Prognóstico e Complicações Possíveis São complicações da DRGE: • Esôfago de Barret (EB): é uma condição caracterizada pela substituição do epitélio estratificado escamoso por epitélio colunar com células intestinalizadas, devido à exposição crônica da mucosa esofágica ao refluxo gástrico. Afeta predominantemente homens, brancos, com mais de 40 anos. O principal risco associado ao EB é o desenvolvimento de adenocarcinoma esofágico, com uma incidência de 30 a 125 vezes maior que na população geral, variando de 0,2 a 2,1% ao ano em indivíduos sem displasia. Não há tratamento eficaz para reverter a metaplasia, sendo os tratamentos focados no controle do refluxo. O acompanhamento endoscópico é fundamental, com a frequência variando conforme o grau de displasia: a cada 3 anos para pacientes sem displasia, anualmente para displasia de baixo grau, e a cada 3 meses ou intervenção cirúrgica em casos de displasia de alto grau, dependendo da extensão da lesão. • Estenose de esôfago distal: é, fundamentalmente, uma complicação de resolução cirúrgica. Recomenda-se que a pessoa seja submetida a uma avaliação prévia do refluxo. A conduta cirúrgica apropriada depende da extensão e da localização da estenose, bem como da avaliação prévia da função motora do corpo do órgão, realizada por meio da esofagomanometria. • Úlcera e sangramento esofágicos: sangramento esofágico no RGE costuma ser lento e insidioso e, muitas vezes, é o responsável por quadros de anemia crônica. O tratamento clínico é a melhor opção terapêutica. Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1450. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 22 mar. 2025. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 70 DUNCAN, Bruce B.; SCHMIDT, Maria I.; GIUGLIANI, Elsa R J.; et al. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 5. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2022. E-book. p.740. ISBN 9786558820437. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786 558820437/. Acesso em: 22 mar. 2025. SEMANA 08: ATENÇÃO À SAUDE DO HOMEM – DATA: 17/03/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Conhecer os principais aspectos de atenção à saúde do homem (acessibilidade e integralidade do cuidado); Objetivos Específicos • Discutir a PNAISH – Política Nacional de Atenção integral à saúde do Homem (acessibilidade e integralidade do cuidado); • Conhecer o perfil de morbimortalidade relacionado à saúde do homem; • Conhecer as estratégias de atuação para efetivação da PNAISH na APS. Princípios e diretrizes da PNAISH e sua aplicabilidade na Atenção Primária à Saúde (APS) para o cuidado integral dos homens A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), criada em 2009, foi estabelecida pelo Ministério da Saúde (MS) com o objetivo de garantir um cuidado integral à saúde masculina (população alvo homens entre 20 e 59 anos), visando a melhoria das condições de saúde dessa população, com foco nas questões de gênero e nas especificidades biológicas e sociais dos homens. A Portaria GM/MS nº 3.562/2021 veio para operacionalizar de forma mais eficaz a atenção integral aos homens, considerando as especificidades do sexo masculino em relação à saúde física, mental e social. Os principais princípios que norteiam a PNAISH, conforme a portaria, são: • Integralidade e Equidade: as ações de saúde devem ser articuladas de maneira que cubram todas as necessidades de saúde dos homens, sem distinção de classe social, etnia ou região. A portaria reforça a necessidade de inclusão dos homens nas estratégias de saúde pública, com foco na equidade no acesso a serviços de saúde. • Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças: a PNAISH, em consonância com a portaria de 2021, prioriza a promoção de saúde e a prevenção de doenças, especialmente as mais prevalentesentre os homens, como câncer de próstata, doenças cardiovasculares, diabetes e transtornos mentais. A portaria destaca a necessidade de campanhas de conscientização e a oferta de exames preventivos nas unidades de saúde, além de programas voltados à redução de comportamentos de risco, como tabagismo e alcoolismo. • Atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva Masculina: um dos pontos de destaque da portaria é a ampliação das ações voltadas para a saúde sexual e reprodutiva masculina. A política deve ser integrada à saúde sexual, com ações que envolvem educação sexual, rastreamento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e o cuidado preventivo do câncer de próstata e testículos. • Promoção de Saúde Mental: a portaria também reconhece a importância da saúde mental masculina, especialmente considerando os altos índices de depressão, suicídio e alcoolismo entre os homens. A promoção de saúde mental deve ser integrada ao cuidado integral, com ênfase na redução do estigma em torno da busca por ajuda psicológica. • Fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS): a Estratégia Nacional de Saúde do Homem, estabelecida pela portaria, destaca a importância de fortalecer a APS para alcançar os homens em todos os níveis de cuidado. A promoção da saúde do homem deve ser realizada principalmente nas unidades de saúde da família, com base em abordagens de proximidade e na construção de vínculos de confiança. Eixos Principais da PNAISH Entre os principais objetivos da PNAISH, destaca-se a necessidade de reconhecer os diversos contextos socioculturais e político-econômicos para a compreensão da realidade singular da saúde masculina. Isso significa que as políticas de saúde precisam ser sensíveis a fatores como classe social, etnia, gênero, território e outros aspectos, de modo que o cuidado seja personalizado e leve em conta as condições reais de vida e saúde dos homens. Esses contextos também influenciam a forma como os homens percebem sua saúde e sua disposição para buscar cuidados médicos. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 71 Para operacionalizar essa tarefa complexa de promover a saúde do homem de maneira eficaz, a PNAISH está estruturada em cinco eixos principais, que abrangem diferentes aspectos da vida e da saúde masculina: 1. Acesso e Acolhimento Este eixo trata da acessibilidade aos serviços de saúde e da necessidade de acolhimento adequado aos homens nas unidades de saúde. Um dos maiores desafios enfrentados pelas políticas de saúde do homem é o fato de muitos homens não procurarem os serviços de saúde de forma preventiva, muitas vezes por questões culturais relacionadas à masculinidade, como a ideia de que “homem não deve se queixar” ou “homem não precisa de cuidados médicos”. Portanto, esse eixo busca garantir que os homens tenham facilidade de acesso aos serviços de saúde e que se sintam acolhidos por profissionais capacitados para lidar com as especificidades dessa população. É essencial que as unidades de saúde estejam preparadas para reduzir o estigma e oferecer um ambiente acolhedor. 2. Saúde Sexual e Reprodutiva A saúde sexual e reprodutiva masculina muitas vezes é negligenciada em comparação com a saúde das mulheres, mas é um aspecto crucial da saúde do homem. Esse eixo busca integrar ações para informar os homens sobre saúde sexual, como prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), planejamento familiar, saúde prostática e cuidados com a fertilidade. Além disso, esse eixo também está ligado à educação sobre práticas sexuais seguras e à promoção de uma visão mais responsável sobre o exercício da sexualidade. Assim, a PNAISH busca garantir que os homens tenham informação e acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva que atendam suas necessidades e promovam o bem-estar físico e psicológico. 3. Paternidade e Cuidado O eixo de paternidade e cuidado aborda a participação do homem no cuidado dos filhos, tanto no aspecto físico quanto emocional. Tradicionalmente, a sociedade coloca a mulher como principal responsável pela criação dos filhos, o que pode afastar os homens de suas responsabilidades parentais. Esse eixo busca reverter essa concepção, incentivando os homens a se envolverem de maneira mais ativa no cuidado com os filhos e no processo de educação parental. Além disso, a paternidade responsável inclui também o cuidado com a saúde do homem, principalmente no contexto de doenças que possam afetar a sua capacidade de cuidar dos filhos, como problemas de saúde mental, doenças crônicas e doenças sexualmente transmissíveis. 4. Doenças Prevalentes na População Masculina A PNAISH enfatiza a necessidade de identificar e abordar as doenças mais prevalentes entre os homens, incluindo doenças cardiovasculares, câncer de próstata, doenças respiratórias crônicas, entre outras. Este eixo busca qualificar a atenção à saúde para essas condições, por meio da prevenção, diagnóstico precoce e tratamento. A promoção da saúde também entra aqui, com o incentivo à adoção de hábitos saudáveis (como alimentação adequada, prática de atividades físicas, controle do consumo de álcool e tabaco) para prevenir doenças crônicas e melhorar a qualidade de vida dos homens. 5. Prevenção de Violências e de Acidentes A violência (em todas as suas formas) e os acidentes são duas das principais causas de morte e morbidade entre os homens. Esse eixo tem como objetivo promover ações que busquem reduzir a violência, seja ela doméstica, no trânsito ou no contexto de violência urbana, além de prevenir acidentes, especialmente aqueles relacionados a comportamentos de risco, como o abuso de álcool e a falta de proteção no trânsito. Esse eixo também envolve a promoção de políticas públicas que possam garantir a segurança e o bem-estar dos homens, além de sensibilizar para a prevenção de comportamentos violentos que também afetam a saúde mental dos homens. Uma crítica à política é que, ao centrar esforços nos agravos repartidos entre cinco áreas temáticas e suas respectivas especialidades médicas (psiquiatria, cardiologia, pneumologia, urologia e gastrenterologia), ela põe em risco toda a discussão sobre a complexidade do problema e se torna parcial, ao desconsiderar a importância inegável dos fatores socioculturais relacionados à morbimortalidade por causas externas. Perfil de Morbimortalidade Relacionado à Saúde do Homem Os homens construíram sua masculinidade apoiada na crença da invulnerabilidade, o que repercute no seu envolvimento com práticas de risco à saúde tanto no trabalho como no lazer. Em compensação, buscam legitimar seu poder e até sua superioridade perante outros homens e outras mulheres. Esse modelo de masculinidade foi denominado masculinidade hegemônica e se expressa por seu comportamento e sua atitude diante do risco e por uma sexualidade instintiva, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 72 incontrolável, que vem sendo criticado em sua aplicabilidade e ressonância nos dias atuais. Segundo dados de 2015, do banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) os homens brasileiros morrem em média cerca de 7 anos mais cedo do que as mulheres. As políticas de saúde brasileiras historicamente privilegiaram mulheres e crianças, e os homens são frequentemente vistos como meros facilitadores ou dificultadores da saúde sexual e reprodutiva feminina. É histórico o desconhecimento sobre as peculiaridades de ser homem na sociedade. Boa parte de sua mortalidade é por causas evitáveis, muito relacionadas a comportamentos adotados por corresponderem a um estereótipo tradicional de masculinidade. Também, a inclusão dos homens nos serviços de saúde tem ocorrido de uma forma medicalizada e potencialmente iatrogênica, focada no tratamento da disfunção erétil e no rastreamento do câncer de próstata. Além da perspectiva de gênero, é importante considerar outras categorias de análise e determinantes sociais da saúde, como raça/cor,renda e estágios do ciclo de vida individual e familiar no entendimento de sua condição de saúde e relação com os serviços e na busca por uma atenção à saúde inclusiva, empática e resolutiva. O perfil de morbimortalidade dos homens no Brasil revela um conjunto de doenças e condições que impactam diretamente a vida dessa população e indicam áreas prioritárias para a intervenção da PNAISH e da Estratégia Nacional de Saúde do Homem. A morbimortalidade masculina está fortemente associada a fatores comportamentais, biológicos e sociais, e os principais problemas incluem: • Doenças Cardiovasculares: as doenças do coração são a principal causa de morte entre os homens, especialmente no Brasil, com destaque para o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC). Fatores como sedentarismo, alimentação inadequada, e consumo excessivo de álcool e tabaco são determinantes para a alta incidência dessas doenças. • Neoplasias (tumores): o câncer é uma das principais causas de morbidade e mortalidade entre os homens, especialmente o câncer de próstata, que apresenta altas taxas de incidência e mortalidade. Outros tipos de câncer prevalentes entre os homens incluem câncer de pulmão, fígado e esôfago. A implementação de programas de rastreamento e diagnóstico precoce é essencial para a redução da mortalidade. • Doenças do Aparelho Respiratório e Tabagismo: o tabagismo é um dos principais fatores de risco para doenças respiratórias crônicas, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). A prevalência de tabagismo entre os homens é significativa no Brasil, especialmente em regiões mais vulneráveis. • Suicídios e Problemas de Saúde Mental: a taxa de suicídios é mais alta entre os homens, com destaque para os homens jovens. Além disso, transtornos de saúde mental, como depressão e ansiedade, afetam uma grande parcela dessa população, muitas vezes de forma não tratada devido ao estigma relacionado ao cuidado psicológico. • Causas Externas (violência e Acidentes): as taxas de mortalidade por acidentes de trânsito, homicídios e outros tipos de violência também são significativamente mais altas entre os homens. Isso é em grande parte relacionado a comportamentos de risco, como o consumo excessivo de álcool e a exposição a situações de violência urbana. Perfil de Morbidade Masculina (GUSSO et al., 2019) Causa % Descrição Causas Externas (Acidentes) 16 A maioria relacionada a quedas e acidentes de trânsito, com maior prevalência entre homens de 20 a 29 anos. Patologias do Aparelho Circulatório - Acidentes Coronarianos: 40% das internações dentro das patologias circulatórias. Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS): 19% das internações. Tumores - Aumento no número de internações por tumores entre 2000 e 2007, indicando um aumento no diagnóstico de câncer, embora a causa ainda não seja totalmente esclarecida. Problemas Respiratórios - Redução relativa de internações por doenças do aparelho respiratório entre 2000 e 2007. Tabagismo 19,2 Percentual de homens maiores de 18 anos que utilizam produtos derivados do tabaco. Abuso de Álcool 21,6 Percentual de homens que fazem uso abusivo de álcool, maior do que o de mulheres. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 73 Saúde Mental - 1,5 milhão de homens apresentam problemas relacionados à saúde mental (entre os 11 milhões de homens com necessidades especiais). População Carcerária - Quase 600 mil homens, correspondendo a 94% da população carcerária brasileira. As causas externas, como acidentes, agressões e suicídios, são a principal causa de morte entre homens jovens, sendo superadas pelas doenças do aparelho circulatório e tumores a partir dos 50 anos, devido ao efeito cumulativo dos hábitos de vida. Aproximadamente 25% das mortes entre homens de 20 a 59 anos são por doenças circulatórias, indicando a ineficácia das estratégias de prevenção secundária no Brasil. As neoplasias, especialmente o câncer de pulmão, próstata e estômago, também são responsáveis por grande parte das mortes, assim como as doenças hepáticas, frequentemente associadas ao abuso de álcool. Fatores como o tabagismo e o abuso de álcool, que estão intimamente ligados a uma masculinidade hegemônica, contribuem para o alto índice de doenças vasculares, respiratórias e neoplásicas, refletindo um comportamento culturalmente arraigado em que os homens lidam com o sofrimento psíquico sem buscar cuidados. A análise desses dados deve considerar as lentes de gênero, pois os padrões sociais masculinos têm grande impacto nas mortes e agravos evitáveis, ressaltando a importância de estratégias de saúde que levem em conta essas especificidades. Impacto da PNAISH no Cuidado à Saúde do Homem Com base na portaria, a implementação de ações de rastreamento de câncer de próstata, diabetes e hipertensão se intensificou nas unidades de saúde, sendo um avanço importante para a prevenção precoce dessas condições. Embora a adesão ainda seja um desafio, a ampliação da educação em saúde e as campanhas de conscientização têm mostrado resultados positivos. A portaria também propõe uma abordagem mais sensível à saúde mental, com a incorporação de estratégias para o manejo de transtornos psicológicos, como a depressão, que afeta uma parcela significativa da população masculina. A inclusão da saúde mental nas estratégias de saúde do homem, prevista na portaria, visa reduzir os índices de suicídio e promover uma abordagem mais holística no cuidado. As ações educativas promovidas pela Estratégia Nacional de Saúde do Homem têm contribuído para uma mudança de paradigma em relação à saúde masculina, especialmente nas faixas etárias mais jovens, ao promover a conscientização sobre saúde sexual, prevenção de cânceres e saúde mental. Desafios na Implementação da PNAISH e da Portaria GM/MS nº 3.562/2021 Apesar dos avanços, as normas culturais e sociais de masculinidade continuam a ser uma barreira significativa para a adesão dos homens aos cuidados médicos. A ideia de que os homens devem ser autossuficientes e resistentes a mostrar fraqueza ainda influencia a busca por serviços de saúde, especialmente nas questões preventivas. Ainda, a implementação eficaz da PNAISH e da Estratégia Nacional de Saúde do Homem depende da formação contínua dos profissionais de saúde para lidar com as especificidades do atendimento ao homem. A capacitação em gênero e saúde mental é crucial para que os profissionais possam oferecer um cuidado sensível e acolhedor. A falta de infraestrutura adequada em muitas unidades de saúde, especialmente em áreas periféricas ou rurais, ainda representa um desafio para a efetividade das políticas de saúde do homem. A ampliação do acesso a serviços de saúde de qualidade continua sendo um obstáculo que precisa ser enfrentado, principalmente por meio da ampliação de recursos para a APS. Papel do profissional de saúde O papel do profissional de saúde na abordagem aos homens deve ser de questionamento e reflexão sobre os estereótipos de masculinidade, sem reforçá-los, mas problematizando suas circunstâncias de vida, hábitos e estágios nos ciclos individuais e familiares. Os médicos devem ajudar os homens a perceberem e lidarem com sua vulnerabilidade, considerando que muitos não reconhecem os riscos que Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 74 enfrentam, como acidentes e violências, muitas vezes associados a comportamentos impulsivos e irresponsáveis. A prática profissional deve romper com modelos binários de gênero, superando a vitimização das mulheres e a culpabilização dos homens, reconhecendo que as relações de gênero são de poder e que os homens também podem ser tanto responsáveis quanto vítimas de suas ações, impactando direta ou indiretamente seus amigos e familiares. Acesso e uso dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) O acesso dos homens aos serviços de APS envolve a percepçãode necessidade de cuidado, a conversão dessa percepção em demanda e o efetivo comparecimento ao serviço. Esse processo é frequentemente dificultado por profissionais sobrecarregados com diversas demandas e metas de produção. As principais barreiras de acesso podem ser divididas em socioculturais e institucionais, sendo que essas dimensões se interrelacionam e influenciam mutuamente, o que torna o acesso mais complexo para os homens, como evidenciado em estudos de diversos autores. Barreiras socioculturais As barreiras socioculturais ao acesso dos homens aos serviços de saúde estão intimamente ligadas a estereótipos de masculinidade, como o conceito do homem invulnerável. Esse estereótipo leva muitos homens a evitarem procurar ajuda médica, associando a busca por cuidados à fraqueza, um traço tradicionalmente atribuído às mulheres. Além disso, muitos homens, ao longo de suas vidas, se envolvem em comportamentos de risco, como abuso de álcool e drogas, que são vistos como parte de uma "masculinidade hegemônica". Esse comportamento é influenciado pelo ambiente social, cultural e pelas expectativas sobre o papel do homem na sociedade, como provedor e menos suscetível a questões de saúde. Esses padrões de masculinidade também se refletem nas atitudes e práticas dos profissionais de saúde, que frequentemente adotam uma lógica biomédica estreita, focada na detecção de doenças e não na promoção da saúde. Isso contribui para a falta de acolhimento dos homens, especialmente em unidades de saúde que, muitas vezes, são percebidas como espaços femininos, o que dificulta o engajamento dos homens. Além disso, a cultura de não permitir que os homens exerçam papéis de cuidado, como cuidar de filhos ou cônjuges, fortalece a ideia de que a saúde e o cuidado são responsabilidades femininas, levando os homens a se distanciar ainda mais dos serviços de saúde. Barreiras institucionais – Comunicação As barreiras institucionais ao acesso dos homens aos serviços de saúde estão relacionadas à abordagem inadequada que frequentemente é aplicada a eles, com foco excessivo em programas pré-definidos, como os voltados para a próstata, hipertensão e diabetes. Esse modelo, muitas vezes autoritário ou culpabilizador, não considera as especificidades do homem e pode aliená-lo dos cuidados de saúde. A resistência à saúde também é agravada pela forma como os homens são tratados, sem a devida personalização, o que torna a abordagem ineficaz e distante das necessidades reais dessa população. Além disso, os serviços de saúde não conseguem se comunicar adequadamente com os homens, uma vez que muitas unidades são feminilizadas, com decoração e campanhas direcionadas predominantemente ao público feminino, infantil ou idoso. Esse ambiente pode fazer com que os homens se sintam deslocados ou desconfortáveis ao procurar atendimento. No consultório, a abordagem clínica muitas vezes não leva em conta as formas próprias dos homens de expressarem seus problemas, como questões de sexualidade, o que pode resultar em diagnósticos ou tratamentos desnecessários. Para melhorar essa situação, é essencial que os profissionais adotem uma comunicação mais empática e sensível, levando em conta as demandas ocultas dos homens, como disfunções sexuais, que muitas vezes são mascaradas por queixas gerais ou busca por exames de rotina. Possíveis inadequações dos serviços de saúde Horário de funcionamento Embora o horário de funcionamento das unidades de saúde seja frequentemente citado como uma barreira ao acesso dos homens, especialmente por colidir com o horário de trabalho, esse argumento perde força diante da presença das mulheres trabalhadoras, que conseguem comparecer mais frequentemente. As mulheres, em geral, priorizam mais a saúde, enfrentam maior culpabilização por faltas e têm mais facilidade para negociar saídas do trabalho por questões de saúde. Para melhorar o acesso dos homens aos serviços, é fundamental que a equipe de saúde reflita se realmente está oferecendo ajuda adequada ou se está simplesmente tentando adaptar os homens a uma rotina rígida, sem considerar suas necessidades e possibilidades. Experiências de atendimentos noturnos, por exemplo, têm mostrado ser uma solução eficaz para melhorar o acesso à população. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 75 Dificuldades de acesso Os homens enfrentam dificuldades de acesso aos serviços de saúde devido à falta de uma abordagem específica para suas necessidades, o que resulta em um ciclo de invisibilidade. Eles frequentemente não são reconhecidos como sujeitos do cuidado, e os profissionais de saúde, sem treinamento adequado, não sabem como abordá-los. Isso leva os homens a perceberem o serviço como um "não lugar" e a evitarem consultas. Além disso, homens de identidades sexuais e de gênero diversas, como os homossexuais, bissexuais e transexuais, podem evitar os serviços por medo de preconceito. Profissionais mulheres, médica mulher realizando exame físico de partes íntimas A predominância de mulheres entre os profissionais da APS pode ser uma barreira para os homens, especialmente quando se trata de exames íntimos e discussões sobre saúde. Muitos profissionais tentam negar as questões de gênero, mas é importante reconhecer essas diferenças e oferecer opções de atendimento que gerem confiança, como permitir a escolha do médico de acordo com o gênero. A qualidade da relação terapêutica e a capacitação dos profissionais são essenciais para que os homens se sintam à vontade e legitimem o serviço para trazer suas demandas mais íntimas. Estratégias para a Efetivação da PNAISH e da Portaria GM/MS nº 3.562/2021 Uma das estratégias chave para a efetivação da PNAISH é o fortalecimento da APS, com a criação de unidades de saúde mais acessíveis, próximas das comunidades e mais preparadas para atender às necessidades específicas dos homens. A implementação de práticas educativas nas UBS é essencial para aumentar a adesão à saúde preventiva. O desenvolvimento de campanhas de conscientização, como o Novembro Azul, e a promoção de práticas de saúde masculinas através de mídias tradicionais e digitais, são fundamentais para quebrar o estigma e incentivar os homens a procurarem os serviços de saúde. Integrar serviços de apoio psicológico nas unidades de saúde e criar campanhas que desmistifiquem a busca por cuidados de saúde mental é uma estratégia fundamental para reduzir os índices de suicídio e transtornos emocionais. A aproximação com os homens no contexto da saúde exige mudanças significativas nos serviços, tanto nas atitudes dos profissionais quanto nas ações realizadas. Experiências bem- sucedidas incluem atividades dentro e fora dos centros de saúde, como a promoção de grupos de homens e a participação em eventos comunitários, como festas e atividades esportivas. Além disso, intervenções sobre a violência de gênero, desconstruindo padrões de masculinidade, também têm mostrado resultados positivos, como grupos reflexivos que contribuem para a conscientização sobre a violência como parte do repertório masculino na resolução de conflitos. Experiências inovadoras também são observadas em municípios brasileiros, como Campinas-SP, que desenvolvem ações específicas para homens, como "dias temáticos" e a inclusão de pais no pré-natal. Internacionalmente, programas no Canadá focam na paternidade e na saúde, enquanto no Reino Unido a falta de acesso adequado à saúde entre homens em situação de privação socioeconômica permanece um desafio. Em geral, aumentar o acesso aos serviços de saúde e facilitar a demanda espontânea pode contribuir para a presença dos homens nos serviços, favorecendo ações preventivas e de promoção da saúde. Novembro Azul O câncer de próstata é a neoplasia mais comum entre os homens, mas o rastreamento para sua detecção tem gerado controvérsias, principalmente devido ao seu impacto limitado na redução da mortalidadee aos efeitos colaterais indesejáveis, como disfunção erétil e incontinência urinária. Campanhas como o “Novembro Azul” buscam popularizar o rastreamento, mas muitos profissionais de saúde questionam sua eficácia. Em resposta, o Departamento de APS de Curitiba sugeriu aproveitar a oportunidade da campanha para realizar rastreamentos de outras condições, como etilismo, tabagismo e diabetes, que realmente podem beneficiar a saúde da população masculina. É fundamental que os gestores e profissionais de saúde reconheçam as especificidades das demandas dos homens e adotem abordagens mais adequadas, superando estereótipos e utilizando estratégias de saúde que atendam as necessidades reais dessa população. Isso inclui considerar as diferenças de classe, raça e identidade de gênero, bem como articular ações de prevenção e tratamento que reduzam as causas evitáveis de morbimortalidade. Assim, o sistema de saúde pode se tornar mais eficiente e inclusivo, garantindo cuidados mais direcionados e eficazes para os homens. Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 76 formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.751. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 3.562, de 15 de dezembro de 2021. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 dez. 2021. SEMANA 09: POPULAÇÃO PRIVADA DE LIBERDADE – DATA: 31/03/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Conhecer a atenção à saúde da População Privada de Liberdade. Objetivos Específicos • Conhecer os objetivos da Política Nacional de Atenção integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). • Conhecer à atenção a saúde da população privada de liberdade. • Abordar os princípios da atenção Básica na população prisional. • Conhecer as Equipes de Atenção Primária Prisional (eAPP) População Prisional Como em qualquer população definida, existem especificidades com as quais o médico de família deve estar familiarizado: tuberculose, autolesão, uso de psicotrópicos, simulação, comportamentos disruptivos, tabagismo e questões judiciais. De acordo com os dados mais recentes disponíveis, referentes ao final de 2023, a população prisional brasileira era estimada em aproximadamente 820 mil pessoas. Esse número inclui indivíduos em regime fechado, semiaberto e aberto, além de presos provisórios. Perfil da população prisional (dados de 2023) • Sexo: cerca de 95% são homens. • Faixa etária: a maioria tem entre 18 e 34 anos. • Escolaridade: predominância de pessoas com ensino fundamental incompleto. • Cor/raça: a maior parte se autodeclara como preta ou parda. • Regime de prisão: a maioria está em regime fechado. • Presos provisórios: uma parcela significativa ainda não foi julgada. A maioria está cumprindo pena principalmente por roubo, tráfico de drogas, furtos e homicídios. Essa população, oriunda na maioria das vezes de comunidades desfavorecidas, já apresenta condições de saúde precárias antes mesmo do encarceramento. Condições de higiene inadequadas, celas mal ventiladas e superpopulosas contribuem para o agravamento da sua condição de saúde. Princípios da atenção primária na população prisional Acesso A comunicação e o contato entre detentos e equipe de saúde nem sempre são facilitados. Compromissos judiciais, visitas de familiares e advogados, horários de refeições, transferências de celas, banhos de sol e outros procedimentos de segurança podem tornar o detento temporariamente inacessível. Dependendo do nível de segurança da unidade prisional, existem diferentes possibilidades de como o detento pode solicitar atendimento ou medicamentos. Unidades de baixo nível de segurança: os detentos podem ir espontaneamente para a unidade de saúde. O acesso pode funcionar no estilo porta-aberta ou Walk-in, sem agendamentos prévios. De acordo com o volume, uma triagem deve ser estabelecida, geralmente por profissional da enfermagem. Comumente, os detentos solicitam atendimento a outro detento, que repassa os pedidos aos agentes de segurança ou diretamente a estes. Depois, os pedidos são encaminhados à equipe de saúde. • Uma questão inicial é tentar ao máximo que a solicitação seja feita diretamente ao profissional de saúde, sem intermediários. Assim, evitam-se potenciais retaliações ou barganhas referentes ao acesso à saúde. Métodos de acesso à saúde na prisão: vantagens e desvantagens Lista com nomes Vantagens: • Enfatiza encontros frente a frente para queixas de saúde; Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 77 • Não depende da capacidade de escrita do paciente, exceto para escrever o próprio nome; • Elimina a necessidade de triagem para avaliação inicial; • As consultas podem ser documentadas cronologicamente em folhas de evolução. Desvantagens: • Encontros frente a frente não são necessários do ponto de vista clínico para cada problema de saúde; • Aumento do volume de movimentações de prisioneiros e, consequentemente, do tempo gasto para que cada um seja avaliado frente a frente; • O prontuário deve estar prontamente disponível para cada encontro; • Pode não ser possível abordar completamente o problema, porque a informação precisa ser checada ou acompanhada; • A menos que se organizem oportunidades de cancelamento do pedido, o número de ausências pode ser um problema; • Precisa ser organizado de forma que seja compatível com as outras atividades da instituição. Por escrito Vantagens: • Problemas não clínicos podem ser resolvidos sem a necessidade de consulta presencial; • A documentação começa com o pedido; • Referências/encaminhamentos podem ser feitos diretamente para o serviço correto, se necessário; • Ações que vão abordar o problema mais diretamente podem ser agendadas (renovação de prescrições, educação em saúde, agendamento para exames etc.); • O prontuário e outras informações podem ser revisados, permitindo uma melhor abordagem da queixa; • Reduz o volume de movimento para e da unidade de saúde. Desvantagens: • Problemas de saúde que deveriam ser resolvidos de modo presencial podem ser abordados inapropriadamente; • O volume de papel a ser arquivado no prontuário aumenta, uma vez que cada pedido escrito gera um novo pedaço de papel; • Uma baixa capacidade de escrita pode atrapalhar uma resposta adequada da equipe de saúde; • As solicitações devem ser colocadas em uma caixa e a confidencialidade deve ser protegida; • As solicitações devem ser coletadas diariamente; • Maiores chances de erro ou omissão de informação importante no pedido; • Prisioneiros solicitarão atendimento pela mesma queixa diversas vezes, a menos que haja uma resposta rápida e satisfatória ao paciente; • Membros da equipe de saúde podem ser muito rígidos e insistir que um pedido escrito seja produzido quando o paciente deveria ser visto de qualquer maneira, mesmo que não tenha feito nenhum pedido. Walk-in Vantagens: • Fácil para os pacientes usarem; • Enfatiza encontros frente a frente para queixas de saúde; • Não depende da capacidade de escrita do paciente; • Elimina a necessidade de triagem para avaliação inicial; • As consultas podem ser documentadas cronologicamente em folhas de evolução. Desvantagens: • É necessário encontrar o prontuário no momento em que o paciente solicita atendimento; • Não há priorização de necessidades e uso dos recursos; • Encontros frente a frente não são necessários do ponto de vista clínico para cada problema de saúde; • Doentes podem não conseguir chegar à unidade de saúde; • Pode não ser possível abordar completamente o problema, porque a informação precisa ser checada ou acompanhada; • Pode ser difícilgarantir acesso levando em conta agendamentos e controle do movimento; • Precisa ser organizado de forma que seja compatível com as outras atividades da instituição. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 78 Telefone Vantagens: • Aproxima-se do modelo da solicitação de consulta da comunidade em geral; • Facilita o diálogo entre o profissional de saúde e o paciente para abordar a queixa; • Não depende da capacidade de escrita do paciente; • As ligações podem ser documentadas cronologicamente em folhas de evolução; • Reduz o volume de movimento para e da unidade de saúde. Desvantagens: • A quantidade de aparelhos telefônicos e a capacidade da central telefônica podem não ser suficientes para lidar com o volume de chamadas; • Muitas tentativas até ter sua ligação atendida podem ser uma barreira de acesso; • Difícil utilização para pacientes com dificuldades de comunicação; • O prontuário deve ser resgatado no momento em que o atendimento é solicitado; • Problemas de saúde que deveriam ser resolvidos de forma presencial podem ser abordados inapropriadamente; • Pode não ser possível abordar completamente o problema, porque a informação precisa ser checada ou acompanhada; • Interrompe outras tarefas dos profissionais de saúde, a menos que sejam previstos horários específicos para as chamadas ou instalado um serviço de mensagens. Consulta agendada Vantagens: • Aproxima-se do modelo da solicitação de consulta da comunidade em geral; • Elimina a triagem e o encaminhamento ao profissional de saúde; • O prontuário pode ser analisado antes da consulta; • Não depende da capacidade de escrita do paciente; • As consultas podem ser documentadas cronologicamente em folhas de evolução; • O movimento para e da unidade de saúde é agendado. Desvantagens: • Não há priorização de necessidades e uso dos recursos; • Encontros frente a frente não são necessários do ponto de vista clínico para cada problema de saúde; • Pode não ser possível abordar completamente o problema, porque a informação precisa ser checada ou acompanhada; • Pode haver mais solicitações do que vagas e o acesso pode ser negado; • A menos que se organizem oportunidades de cancelamento do pedido, o número de ausências pode ser um problema. Integralidade Os serviços de atenção à saúde prisional devem garantir a integralidade, com uma carteira de serviços pelo menos semelhante à dos serviços de medicina de família e comunidade. Alguns cuidados adicionais são ainda necessários, como a questão de detentos que precisam de cuidadores. Devido à dificuldade de acesso a serviços externos, é necessário ampliar o cuidado clínico dentro dos presídios, por meio da presença de profissionais e equipamentos ou parcerias para acompanhamento remoto com serviços especializados. Quanto aos medicamentos, podem ocorrer obstáculos pelo pessoal de segurança em relação a quais medicamentos podem ficar com o paciente. É importante que o médico de família negocie, dentro do possível, a favor da melhor solução clínica. Dependendo do porte da penitenciária, o médico de família também tem o dever de advogar condições adequadas de internação em hospitais gerais e terciários. Enfermarias adaptadas garantem tanto uma acomodação adequada ao detento quanto a segurança geral ao hospital, como, por exemplo, em relação a fugas ou resgates. Coordenação do cuidado O confinamento facilita a coordenação do cuidado entre os diferentes níveis de atenção à saúde. O médico de família pode acompanhar o detento às consultas, discutindo o caso com especialistas. A presença do médico ajuda a contextualizar o tratamento ao ambiente prisional (ex: quimioterapia, pós-operatório). Em Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 79 internações, inclusive emergenciais, o médico deve ser informado para acompanhar o cuidado. Em alguns casos, é possível acesso remoto a especialistas, sem deslocamento do detento (ex: HIV, hepatite C, tuberculose, diabetes tipo 1). A contrarreferência é garantida, com retorno de documentos e orientações à equipe prisional. O médico da unidade avalia a viabilidade do plano, assegura o fornecimento de medicamentos e exames, e garante os retornos de acompanhamento. Longitudinalidade A população prisional brasileira é transitória. Os presos podem ficar de poucos dias até muitos anos. É alta a reincidência, sendo bastante comuns idas e vindas entre diferentes unidades prisionais e a comunidade. O eventual retorno à comunidade costuma ser um momento crítico na continuidade do tratamento de doenças crônicas e em recaídas em dependentes químicos. São necessárias ações de coordenação com a rede de saúde na comunidade e preparação por parte da equipe de saúde da unidade prisional. Atenção a saúde da população privada de liberdade A atenção a saúde da população privada de liberdade deve ser compreendida a partir de uma perspectiva integral, considerando as especificidades do ambiente prisional e os princípios da APS. Para conhecer e atuar na atenção à saúde da população privada de liberdade, se faz necessário: • Compreender o contexto prisional: é fundamental que os profissionais de saúde entendam as particularidades do ambiente carcerário, incluindo aspectos estruturais, organizacionais e sociais que influenciam na saúde dos indivíduos privados de liberdade. • Promoção da equidade: deve-se reconhecer as desigualdades existentes e trabalhar para garantir que essa população tenha acesso a cuidados de saúde equivalentes aos disponíveis para população em liberdade, respeitando os princípios do SUS. • Integração com a rede de saúde: deve-se estabelecer vínculos entre os serviços de saúde dentro dos presídios e a rede externa, facilitando a continuidade do cuidado e o acesso a serviços especializados quando necessários. • Abordagem centrada na pessoa: mesmo em um ambiente institucionalizado, é essencial manter uma prática clínica que valorize a individualidade, a escuta ativa e o respeito às necessidades e preferências dos pacientes. • Educação em saúde e prevenção: implementar ações educativas que promovam a saúde e previnam doenças, considerando as condições específicas do ambiente prisional e as características da população atendida. • Trabalho em equipe multiprofissional: a atuação conjunta de diferentes profissionais de saúde é crucial para oferecer um cuidado abrangente e eficaz, abordando as múltiplas dimensões da saúde dos indivíduos privados de liberdade. Avaliação clínica na admissão ao presídio A população prisional necessita de identificação de diversas condições de saúde no momento da entrada no sistema prisional, mas nem sempre há implementação sistemática de uma avaliação inicial. Isso não é importante apenas para as próprias pessoas detidas e os trabalhadores do sistema prisional, mas também para as comunidades para onde eventualmente retornarão. Idealmente, deve haver uma unidade de porta de entrada centralizada para cada sistema prisional. Uma vez que o detido deixa a área de triagem inicial, é bastante difícil o seguimento clínico. Um encontro único é mais eficiente do que repetidas visitas para novas avaliações e entrega de resultados, porque a movimentação de pessoas no ambiente prisional demanda bastante tempo. Condições com prioridade imediata Deve haver avaliação rápida para: • Diabetes com uso de insulina; • Síndrome de abstinência de álcool e outras drogas; • Doenças respiratórias transmissíveis. Especificidades da população feminina • Deve-se oferecer teste de gravidez a todas as mulheres com menos de 55 anos na admissão. • Início precoce do pré-natal e atenção a questões como uso de substâncias. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 80 Doenças infecciosas prioritárias HIV, hepatites B e C, sífilis e tuberculose são mais prevalentes e de alto risco de transmissão. O rastreamento universalideal, mas pode ser difícil logisticamente. • Testes rápidos: rápidos e com pouco risco, mas limitados em massa. • Coleta de sangue venoso: abrange mais doenças, mas exige maior estrutura. Problemas específicos Tuberculose A tuberculose tem especial importância na prática diária do médico de família atuando no sistema prisional. O rastreamento por radiografia de tórax é a melhor opção para rastreamento universal pela acurácia. Já o rastreamento por sintomáticos respiratórios (tosse > 3 semanas) tem baixa sensibilidade. Novas tecnologias como interferon-gama (IGRA) e o teste molecular GeneXpert estão sendo testadas. O teste tuberculínico (derivado de proteína purificada [PPD]) não é útil como modelo de rastreamento no contexto prisional, devido à alta prevalência de infecção tuberculosa, exceto em coinfecção com HIV. Em cenários de alta prevalência, radiografia na admissão tem mais impacto se for combinada com rastreamento anual em massa. A transmissão interna é mais relevante do que a vinda de novos casos da comunidade. Quanto à investigação de contatos, as frequentes mudanças de celas tornam esse procedimento inerentemente falho, mas deve ser realizado pelo menos naqueles que compartilham a cela no momento do diagnóstico. A segregação de casos diagnosticados, exceto os multirresistentes, é controversa. A estratégia de tratamento diretamente observada é difícil de ser implementada integralmente. Para além do manejo clínico e ações de rastreamento, deve haver preocupação com as questões arquiteturais. São necessários esforços no sentido de se advogar melhorias estruturais que interfiram na transmissão da tuberculose – ventilação, incidência solar, superlotação – e, também, de capacidade diagnóstica da unidade de saúde – laboratório para análise de escarro e sala de radiografia. Medicações psicotrópicas A demanda por benzodiazepínicos, assim como na comunidade, é bastante alta. Queixas de quadros de insônia primária são bastante frequentes, o que poderia trazer o impulso de tratamento farmacológico. O fato é que as condições do cárcere não favorecem a higiene do sono, mas, ainda assim, o uso de benzodiazepínicos e hipnóticos é bastante desencorajado, devido ao potencial de abuso, em uma população já com alta prevalência de transtornos de uso de substâncias. Extrapolando em todos os medicamentos psicotrópicos, a indicação sempre deve ser bastante criteriosa, devido aos riscos de intoxicação, ao uso indiscriminado, à simulação e ao comércio de medicamentos. Simulação É comum a simulação de sintomas mentais e neurológicos, especialmente alucinações e crises convulsivas. O intuito geralmente é obter medicação com potencial real ou esperado de abuso e/ou de efeito hipnótico, para uso próprio ou comércio entre os demais detentos. Em relação a simulações de condições clínicas gerais, deve-se tomar o cuidado de tomar como verdadeiras as queixas da pessoa, sob o risco de negligenciar condições clínicas potencialmente graves. Não são comuns simulações de doenças orgânicas. Estratégias comuns para detecção de doença mental simulada: • Sintomas raros: simuladores muitas vezes não sabem quais sintomas são infrequentes entre pessoas com doenças genuínas. A estratégia deve ser usada quando a pessoa reporta sintomas muito infrequentes. Por exemplo: “remoção do pensamento” – na qual um interno relata que suas ideias estão sendo rotineiramente roubadas por uma força externa. • Sintomas improváveis: em torno de 1/3 dos simuladores exageram dramaticamente o quadro e apresentam sintomas improváveis, com qualidades bizarras ou fantasiosas. Por exemplo: um réu afirma que satã está flutuando sobre a cabeça do juiz e movendo os lábios como se estivesse proferindo as mesmas palavras da sentença. A diferença para os sintomas raros é o fato de se tratar frequentemente de algo absurdo. • Combinação de sintomas: muitos simuladores não pensam quais sintomas comuns normalmente não ocorrem juntos. Por exemplo: delírios de grandeza e sintomas purgativos são uma combinação improvável. Trata-se de uma estratégia sofisticada, porque simuladores desconhecem quais combinações de sintomas são pouco usuais. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 81 • Gravidade dos sintomas: pessoas com doenças genuínas experimentam sintomas em uma escala contínua, de leves a moderados, ou mesmo graves. Simuladores de doenças mentais comumente apresentam sintomas graves ou mesmo extremos. Entretanto, alguns doentes legítimos utilizam essa estratégia, conhecida como “dourar a pílula”, para tentar garantir que recebam tratamento. Prisioneiros podem supor, correta ou incorretamente, que apenas as doenças mais graves receberão tratamento. • Publicidade indiscriminada dos sintomas: durante entrevistas clínicas, quando formuladas questões abertas a respeito de psicopatologias, alguns simuladores apresentam queixas de qualquer categoria sindrômica. Como existem comorbidades, a descrição de muitos sintomas disseminados não é por si só indicativa de simulação, indicando mais comumente uma tentativa de garantia de tratamento. • Sintomas reportados versus sintomas diretamente observados: simuladores podem apresentar grande discrepância entre o que eles reportam e o que se apresenta à observação direta. O reportado tende a ser mais patológico do que o diretamente observado. Essa estratégia é mais utilizada em locais em que o doente está em observação direta frequente, como um hospital ou uma prisão. Um lembrete de cautela: algumas pessoas com doenças mentais têm pouca ou nenhuma compreensão sobre seus diagnósticos. Comportamentos disruptivos Um fenômeno particular do confinamento são os comportamentos disruptivos – notadamente autolesão –, mas também quebrar canos das celas, sujar-se de fezes ou causar incêndios. O comportamento de autolesão mais comum é cortar a própria pele, geralmente utilizando lâminas de barbear. Entretanto, morder-se, engolir objetos e incendiar-se também são comportamentos observados. Em geral, não costumam ter intenção suicida, aparentam ser um fenômeno ligado ao cárcere, pois os pacientes não relatam tais tipos de comportamento na comunidade. É interessante notar que tais ações estão muito mais ligadas a uma tentativa de comunicar dificuldades de convívio do que a expressão de doença mental grave. Tabagismo O tabagismo é um importante problema na área da saúde prisional, não apenas pelos seus efeitos adversos nos fumantes ativos, mas também nos passivos. As prisões fazem parte dos últimos locais fechados onde fumar ainda é permitido no mundo ocidental. O tabagismo segue tolerado pelas autoridades de segurança. O fumo passivo representa sérios riscos para a saúde dos que não fumam. Não há limiar mínimo de exposição livre de riscos; medidas como separar fumantes de não fumantes e de ventilação são insuficientes ou impraticáveis na maioria das situações. O problema é particularmente agravado em prisões, em razão da alta prevalência de tabagismo, da superlotação e da má ventilação. Questões legais O médico de família trabalhando no sistema prisional pode ter de se manifestar e até provocar o sistema judiciário por questões de saúde que podem interferir na capacidade de cumprimento da pena pela pessoa. Em casos de doença mental grave que se manifesta após o cumprimento da pena, dependendo da capacidade instalada de cuidados em saúde mental, ele pode acionar o instituto da superveniência de doença mental. Assim, o juiz da vara de execuções penais transforma a pena restritiva de liberdade em medida de segurança. Na medida de segurança, o detento é transferido para alas psiquiátricas penais especiais. Em cenários de doenças graves, o médico da unidade pode provocar ou ser provocado a opinar sobre a capacidade da unidade de prover os cuidados de saúde necessários e, também, acerca do prognóstico. Dois institutos jurídicos são possíveis: o indultohumanitário, no qual a pena é extinta, e a prisão domiciliar por motivo de doença. A vara de execução penal pode solicitar perícia específica para os institutos de medicina legal, mas, muitas vezes, são as informações do médico assistente que mais pesam na decisão. Assim, é grande a responsabilidade do médico de família, tanto em relação ao detento acometido de doença Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 82 quanto em relação à comunidade do qual tal pessoa foi reclusa em razão de comportamento criminoso. Equipes de Atenção Primária Prisional (eAPP) As eAPP são responsáveis por prestar cuidados de saúde dentro das unidades prisionais, com base nos princípios da APS e da PNAISP. Composição das eAPP Profissionais mínimos obrigatórios: • 1 médico • 1 enfermeiro • 1 dentista • 1 técnico ou auxiliar de enfermagem • 1 auxiliar ou técnico de saúde bucal Outros profissionais podem ser incluídos, conforme a necessidade e a complexidade local: • Psicólogos, assistentes sociais, farmacêuticos, entre outros. Principais Atribuições • Realizar ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. • Elaborar e executar planos de cuidado individual e coletivo. • Fazer o acompanhamento de doenças crônicas e condições agudas. • Monitorar e promover vacinação, testagem de doenças infecciosas, saúde bucal e saúde mental. • Atuar de forma interdisciplinar e em parceria com outros níveis de atenção (secundário e terciário). Abrangência e carga assistencial • Cada eAPP deve atuar em uma unidade prisional que abrigue entre 500 à 1.200 pessoas privadas de liberdade. • Quando a população for maior, devem ser implantadas mais equipes para garantir o cuidado adequado. Integração com o SUS • As eAPP devem estar integradas à RAS do SUS. • Devem garantir acesso a especialidades por meio de encaminhamentos e contrarreferência. • Atuam em parceria com vigilância em saúde, incluindo vigilância epidemiológica e sanitária. Gestão e financiamento • A gestão é municipal, com apoio técnico e financeiro dos governos estadual e federal. • O custeio das eAPP é feito por meio do Bloco de Financiamento da Atenção Primária à Saúde, com repasses federais específicos. Objetivos da PNAISP Garantir o acesso à atenção integral à saúde Proporcionar cuidado contínuo e de qualidade às pessoas privadas de liberdade, com ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. Inserção das pessoas privadas de liberdade na rede SUS Integrar as unidades prisionais à Rede de Atenção à Saúde (RAS), promovendo a articulação entre os serviços prisionais e o SUS local. Reduzir as desigualdades de acesso Combater a exclusão social e a vulnerabilidade dessa população, ampliando o acesso aos serviços de saúde com equidade. Fortalecer a vigilância em saúde no sistema prisional Monitorar, prevenir e controlar doenças transmissíveis e condições que afetam a saúde dessa população, como tuberculose, HIV/AIDS e doenças mentais. Capacitar profissionais e equipes de saúde Promover a formação continuada dos profissionais que atuam nas equipes de saúde prisional, para que ofereçam cuidado humanizado e qualificado Respeitar os direitos humanos Promover ações de saúde que respeitem a dignidade, os direitos e a cidadania das pessoas privadas de liberdade. Objetivo Geral (Art. 5º) Garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Objetivos Específicos (Art. 6º) I. Promover o acesso das pessoas privadas de liberdade à Rede de Atenção à Saúde, visando ao cuidado integral. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 83 II. Garantir a autonomia dos profissionais de saúde para a realização do cuidado integral das pessoas privadas de liberdade. III. Qualificar e humanizar a atenção à saúde no sistema prisional por meio de ações conjuntas das áreas da saúde e da justiça. IV. Promover as relações intersetoriais com as políticas de direitos humanos, afirmativas e sociais básicas, bem como com as da Justiça Criminal. V. Fomentar e fortalecer a participação e o controle social. Público-alvo (Art. 7º) A PNAISP destina-se às pessoas que se encontram sob custódia do Estado inseridas no sistema prisional ou em cumprimento de medida de segurança. § 1º: As pessoas custodiadas nos regimes semiaberto e aberto serão preferencialmente assistidas nos serviços da rede de atenção à saúde. § 2º: As pessoas submetidas à medida de segurança, na modalidade tratamento ambulatorial, serão assistidas nos serviços da rede de atenção à saúde. Referências Bibliográficas BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Sistema de Justiça Penal: Indicadores e estatísticas da população prisional no Brasil. Brasília: CNJ, 2023. BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: Atualização 2023. Brasília: MJSP/DEPEN, 2023 BRASIL. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2014. GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.513. ISBN 9788582715369. SEMANA 11: MANEJO DAS ANEMIAS NA APS – DATA: 07/04/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o manejo das anemias na atenção primária. Objetivos Específicos • Compreender a definição e diagnóstico das anemias; • Abordar a avaliação clínica da anemia no adulto (anamnese, exames físicos e complementares); • Discutir o manejo clínico e tratamento dos tipos mais comuns de anemia na APS (anemia microcítica, normocíticas e macrocíticas). Definição e diagnóstico das anemias A principal causa de anemia no mundo é a deficiência de ferro. As mulheres desenvolvem mais anemia do que os homens devido às perdas fisiológicas da menstruação. A anemia não é uma doença ou um diagnóstico final, e sim uma síndrome de sintomas e sinais. Deve-se sempre investigar a causa da anemia. Exames que fazem parte da investigação inicial da anemia ferropriva: hemograma, reticulócitos, lâmina de sangue periférico. O exame laboratorial que reflete a adequada reserva de ferro é a Ferritina. Diante de anemia ferropriva, dentro de três meses pode observar a normalização da hemoglobina após a reposição de ferro. A Fenitoína pode implicar na deficiência de ácido fólico. Definição A anemia é definida pela OMS quando a Hb é inferior a: • 13 g/dL em homens; • 12 g/dL em mulheres; e • 11 g/dL para crianças e gestantes. Sendo esses índices definidos ao nível do mar. O valor da Hb também está sujeito a variações estatísticas de acordo com a faixa etária, o sexo e o estudo retrospectivo de seus exames. Curiosidade: o diagnóstico de anemia é realizado com base em valores ao nível do mar, devido a altitude influenciar a concentração de hemoglobina no sangue. Em regiões mais altas, a menor disponibilidade de oxigênio leva o organismo a produzir mais hemoglobina como compensação. Assim, usar valores de referência ao nível do mar permite uma Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 84 padronização global, e ajustes podem ser feitos conforme a altitude da localidade onde os exames são realizados. Com base no tamanho celular, as anemias têm sua classificação mais usada: • Microcíticas (VCM 100 fL) megaloblásticas: devido à deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico e relacionadas com fármacos (zidovudina, metotrexato, ácido valproico, entre outros). • Macrocíticas não megaloblásticas: alcoolismo, hepatopatia, hipotireoidismo e síndromes mielodisplásicas. • Normocíticas (VCM entreSe bem utilizado, é um método eficiente para a recuperação rápida das informações clínicas de uma pessoa, garantindo continuidade articulada de cuidados em equipe dentro da APS. É importante termos consciência de, ao utilizá-lo, registrarmos as informações como se não fossem para nós mesmos, mas sim de maneira compreensível para todos os membros da equipe, e, de maneira ideal, para a própria pessoa que está sendo cuidada. Problema Clínico Segundo definição de WEED (1966, apud CANTALE, 2003): "Um Problema Clínico é tudo aquilo que requeira um diagnóstico e manejo posterior, ou aquilo que interfira com a qualidade de vida, de acordo com a percepção da própria pessoa"; Cada "problema" ainda pode ser classificado por diferentes critérios: tempo de ocorrência ("novo" ou "conhecido"), duração ("agudo" ou "crônico"), situação ("ativo" ou "resolvido") etc. (CANTALE, 2003). Algumas condições não se configuram, ou ainda não se configuraram como "problemas", e não deveriam aparecer oficialmente na "lista de problemas", a qual deve ter o máximo de precisão possível (CANTALE, 2003). Alguns exemplos: • Termos vagos ou pouco objetivos: hemopatia, processo respiratório; ou • Condições ainda sob suspeita ou "a esclarecer": hipotireoidismo em investigação, por exemplo. Dentro dessas duas perspectivas, muitos problemas de saúde são, de fato, diagnósticos classificáveis por sistemas de informação oficiais (como o CID 10, por exemplo), mas em APS, muitos "problemas" são constituídos por outras condições, tais como sintomas, queixas ou incapacidades (WONCA, 2009). Assim, são várias as situações que podem ser enquadradas como "problemas clínicos". No Quadro 1 estão listadas categorias de potenciais problemas que poderiam compor uma "lista de problemas" dentro de um RCOP: Cada "problema" ainda pode ser classificado por diferentes critérios: tempo de ocorrência ("novo" ou "conhecido"), duração ("agudo" ou "crônico"), situação ("ativo" ou "resolvido") etc. Prontuário Eletrônico do SUS (PEC) É uma ferramenta digital que armazena e organiza as informações de saúde dos pacientes de forma segura e acessível. Ele tem como objetivo melhorar a qualidade do atendimento, garantindo que todos os profissionais da saúde envolvidos no cuidado do paciente tenham acesso rápido e atualizado aos dados, o que facilita a tomada de decisões. Objetivos Principais do PEC • Facilitar o acompanhamento e o histórico de saúde do paciente. • Aumentar a segurança e a eficiência no processo de atendimento. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 5 • Melhorar a integração entre os diversos níveis de atenção (primária, secundária, terciária). CIAP-2 (Classificação Internacional de Atenção Primária) É uma ferramenta desenvolvida para categorizar as condições de saúde e os serviços oferecidos na atenção primária à saúde. Ele é utilizado para registrar os diagnósticos e as ações realizadas no atendimento do paciente. O CIAP-2 é uma ferramenta fundamental para entender as necessidades de saúde da população e, por meio da classificação, gerar informações úteis para a gestão e planejamento do SUS. Objetivos do CIAP-2 • Padronizar o registro de diagnósticos e procedimentos na APS. • Facilitar a coleta de dados para a gestão da saúde, permitindo um melhor planejamento e avaliação dos serviços. • Integrar a classificação de doenças e problemas de saúde com as ações de cuidado, como consultas, tratamentos e exames. Bibliografia BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Manual de assistência domiciliar na Atenção Primária à Saúde. Porto Alegre: Ministério da Saúde, 2003. CANTALE, C. R. História Clínica Orientada a Problemas. S.l. : University of Southern California, 2003, p. 7. RAMOS, V. A Consulta em 7 Passos. Lisboa: VFBM Comunicação Ltda., 2008, p. 126. SEMANA 03: DIAGNÓSTICO E MANEJO DA OBESIDADE NA APS – DATA: 03/02/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o diagnóstico e manejo da obesidade na atenção primária; • Conhecer as calculadoras de risco cardiovascular; • Novos critérios diagnósticos para obesidade; • Novo guideline do AACE para hipercolesterolemia. Objetivos Específicos • Compreender o conceito, classificação, diagnóstico, abordagem e recomendações acerca da obesidade e do sobrepeso na APS. Obesidade na APS As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) podem ser caracterizadas por: • Doenças com história natural prolongada; • Interação de fatores etiológicos desconhecidos; • Ausência de participação ou participação polêmica de microrganismos entre os determinantes; • Longo curso assintomático; • Curso clínico em geral lento, prolongado e permanente. A obesidade é o acúmulo excessivo de gordura corporal causada pelo balanço energético positivo, isto é, a ingestão calórica excede o gasto calórico. Isso acarreta repercussões à saúde, com perda importante na qualidade de vida do indivíduo, bem como no aumento de comorbidades. O local onde a gordura se acumula tem repercussões em suas complicações, sendo que a obesidade abdominal é mais associada ao diabetes e à doença vascular. As causas da obesidade incluem influências genéticas, ambientais e sociais. Epidemiologia A obesidade é a doença nutricional mais frequente. Sua prevalência aumenta com a idade e é mais comum no sexo feminino, em pessoas de baixa renda, com grau de instrução correspondente ao ensino médio, ou inferior, e em negros. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mostrou um aumento gradual no peso da população brasileira nos últimos 10 anos. Para os homens, a prevalência de excesso de peso aumentou de 42,4% em 2002-2003 para 57,3% em 2013, e a obesidade, de 9,3% para 17,5%. No caso das mulheres, esse aumento foi mais acentuado, passando de 42,1% em 2002-2003 para 59,8% em 2013, ao passo que a obesidade passou de 14,0% para 25,2%. A ocorrência de obesidade classe III é maior em indivíduos de baixa renda e em mulheres, com média nacional de 0,95% em mulheres e 0,32% em homens. Nas crianças brasileiras entre 5 e 9 anos, o sobrepeso e a obesidade ocorrem em 34,8 e 16,6% entre meninos, e em 32 e 11,8% entre meninas, e esse percentual vem aumentando. A OMS aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde publica no mundo. A projeção é que, em 2025, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 6 cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso e mais de 700 milhões obesos. No Brasil, cerca de 32% dos adultos têm algum grau de excesso de peso. Destes, 6,8 milhões de indivíduos (8%) apresentam obesidade, com predomínio entre as mulheres (70%). A distribuição do excesso de peso nas regiões do Brasil: • Sul e Sudeste: 36% • Norte: 34% • Centro-Oeste: 31% • Nordeste: 24% Estima-se que, atualmente, 52,5% dos brasileiros estão acima do peso e 17,9% está obesa. Fatores de Risco A obesidade é fator de risco para doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer. Sendo as DCNT correspondentes a 72% dos óbitos no país. Fatores genéticos/hereditários e fatores adquiridos podem estar associados a origem dessa doença. Fatores Genéticos/Hereditários Há perfis metabólicos desiguais para os mesmos estímulos, isto é, existe um componente genético que faz com que algumas pessoas tenham mais tendência para engordar que outras. A presença de genes envolvidos no aumento de peso aumenta a susceptibilidade ao risco para desenvolver a obesidade. Se um progenitor for obeso, tem 40% de probabilidade de ter filhos obesos (ou pelo menos com tendência para isso). Fatores Adquiridos • Migração para áreas urbanas; • Maus hábitos alimentares; • Sedentarismo; • Tabaco; • Álcool em excesso; • Grau de informação dos pais; • Gravidez; • Menopausa. Tipos de Obesidade Obesidade androide, abdominal ou visceral Quando o tecido adiposo se acumula na metade superior do corpo, sobretudo no abdome. É típico80-100 fL): ferropriva, anemia de doença crônica e de causas hemolíticas e não hemolíticas. Algoritmo para investigação e classificação morfológica das anemias segundo o volume corpuscular médio Avaliação clínica da anemia no adulto A anemia ocasiona vários sintomas e sinais de acordo com a sua classificação e sistema comprometido. Pode, inclusive, provocar morbidade significativa se não for tratada. As pessoas muitas vezes estão assintomáticas, ou com uma clínica vaga de sintomas mínimos, sobretudo quando a instalação é de forma insidiosa e provocada por qualquer causa de sangramento prolongado. Anamnese Podem-se encontrar indivíduos com níveis de Hb baixos sem que haja qualquer manifestação clínica, o que decorre do mecanismo adaptativo e compensatório, porém as extremidades etárias são as mais sensíveis aos efeitos. Na anamnese da pessoa com anemia ferropriva, deve-se investigar sinais e sintomas, tais como: • Palidez; • Visão de moscas volantes; • Zumbidos; • Dores de cabeça; • Anorexia; • Perda do paladar; • Dor na língua; • Perda de pelos ou cabelos; • Diminuição do rendimento intelectual; • Sonolência; • Fraqueza; • Cansaço; • Letargia; • Estado anímico (irritabilidade, tristeza, apatia); • Dispneia progressiva aos exercícios físicos; • Palpitações; • Angina; Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 85 • Síncope; • Dor nas pernas; • Perda da libido; • Hemorragias; • Hábito de doações repetidas de sangue; • Parasitoses intestinais; • Uso crônico de anti-inflamatórios, corticoides, ácido acetilsalicílico, anticoagulantes e inibidores de bomba de prótons (IBPs). • Se a anemia for acentuada, evolui com distúrbios alimentares (pica), pelo desejo incontrolável da ingesta de alimentos crus como macarrão e arroz, ou substâncias específicas não nutritivas, tais como terra ou gelo. Crianças: o picacismo é capaz de ocorrer naquelas que ingerem lascas de tinta contendo chumbo, correlacionando-se a deficiência de ferro ao saturnismo. Mulheres: a anemia ferropriva é capaz de desenvolver-se em consequência do aumento das necessidades da gestação (principalmente nas gemelares) e do aleitamento materno. Naquelas em idade fértil, pode ocorrer devido ao fluxo fisiológico menstrual excessivo, com a visualização de coágulos, ou pelo uso do dispositivo intrauterino de cobre (DIU). Na pós-menopausa, o sangramento uterino duradouro pode se relacionar ao câncer de endométrio. Cirurgia bariátrica: pessoas submetidas a este tipo de procedimento comumente apresentam deficiência de ferro após o procedimento. Vômitos com características de borra de café, hematêmese, melena e sangramento através do reto são invariavelmente relacionados a hemorragia digestiva alta (HDA) e baixa (HDB), respectivamente. Indivíduos com doença celíaca, doença de Crohn, espru tropical, ressecção e tuberculose intestinal apresentam má absorção duodenojejunal ao ferro. Consumo abusivo de álcool: tem relação com o desenvolvimento de gastrite, de úlcera gástrica e de varizes esofágicas com a perda de sangue. Câncer de cólon direito: em homens acima de 50 anos é uma condição vista no achado de anemia por sangramento retal misturado com as fezes. Hérnia de hiato e a gastrite colonizada pelo Helicobacter pylori também se associam à deficiência de ferro. Idosos: a tolerância progressiva do quadro anêmico se dá com a instalação de claudicação intermitente, angina e insuficiência cardíaca (IC) excluindo-se outras causas. Nessa faixa etária, as pessoas anêmicas com queixa de disfagia para sólidos, na presença de esofagite, correm o risco de apresentar síndrome de Plummer-Vinson. Trata-se de uma complicação rara, com potencial de desenvolvimento de carcinoma epidermoide da faringe e do esôfago. Anemia de doença crônica: em uma variedade de doenças inflamatórias crônicas, como as colagenoses, as infecções crônicas ou as doenças neoplásicas, seus sintomas gerais têm intensidade leve a moderada, como taquicardia, cansaço, palpitações, taquipneia ou até mesmo inexistem. É a causa mais comum de doentes hospitalizados. Sintomas da deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico que devem ser pesquisados: estão ligados à má absorção dos alimentos ricos nessas substâncias, como a carne, o leite, os ovos, os queijos e os vegetais folhosos verde-escuros, respectivamente. Dieta vegetariana rigorosa, por exemplo, implica na diminuição de vitamina B12, e o alcoolismo aumenta o risco de deficiência de ácido fólico. • Uso crônico de metformina, biguanidas, omeprazol, colchicina e neomicina associam-se ao déficit de vitamina B12. • Já os anticonvulsivantes (fenitoína, fenobarbital, primidona), metotrexato, trimetoprima, contraceptivos orais e diuréticos poupadores de potássio levam a deficiência de ácido fólico. • A carência de vitamina B12 pode provocar insônia, problemas neurológicos de parestesia associada à neuropatia periférica, propriocepção diminuída, déficit de memória e transtornos psiquiátricos, incluindo irritabilidade, depressão, demência e, raramente, psicoses. Anemia perniciosa: é causa frequente de déficit de vitamina B12, com predominância no sexo feminino e mediana de idade de 60 anos devido a uma gastrite crônica atrófica autoimune. Pode combinar-se a outras doenças autoimunes, tais como vitiligo, hipoparatireoidismo, tireoidite de Hashimoto e doença de Addison. Os achados da deficiência de ácido fólico são os mesmos da vitamina B12, porém não há sintomas neurológicos. Exame Físico Na avaliação geral da pessoa, além de aferir os sinais vitais, observar o aparente estado de saúde física, mental, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 86 nutricional e de hidratação, para poder marcar a falta do desenvolvimento estatural e muscular, comuns nas anemias. Linfonodos Os aumentos devem ser examinados relacionando seus achados à suspeição de doenças hematológicas. Regiões a examinar: • Cervical (anterior e posterior); • Submandibular e submentoniana; • Supraclavicular e infraclavicular; • Axilar; • Inguinal; • Epitroclear. Características a descrever: • Localização; • Número; • Tamanho: em centímetros; • Consistência: mole, firme ou endurecido; • Mobilidade: móvel ou aderido a planos profundos; • Sensibilidade: doloroso ou indolor à palpação; • Supuração/presença de calor ou rubor: sinais flogísticos locais. Cabeça o aparecimento da “face do roedor”, em virtude de alterações no desenvolvimento dos ossos e no tamanho e desalinhamento dos dentes incisivos, é característico da talassemia. No crânio, bossas com proeminência dos ossos frontal e parietal com o maxilar aumentado indicam β-talassemia. Olhos Na região ocular, o descoramento da mucosa é observado na anemia grave, e a esclera poderá estar ictérica. No fundo de olho as alterações são de rara importância diagnóstica, e a retinopatia grave é denominada manchas de Roth. Papiledema relacionado apenas à anemia pode ocorrer e regride com a sua correção. Boca Na cavidade oral, a língua despapilada, lisa (mais visível nos cantos), edemaciada, encarnada (com aspecto de carne bovina) é denominada glossite atrófica. É dolorosa e provoca odor ruim. Nos lábios, aparecem sinais de maceração, além de fissuras no ângulo da boca, denominadas estomatite ou queilite angular. Pele, anexos e mucosas Com uma luz adequada, de preferência natural, inspeciona-se idealmente toda a pele e as mucosas. A incidência de palidez é melhor observada no descoramento da palma das mãos, mucosas da boca, conjuntiva, lábios e leito ungueal, muito embora tenha baixa sensibilidade. Palma da mão: torna-se pálida, mas as linhas palmares mantêm a coloração até que a Hb caia abaixo de 7 g/dL. Pele: icterícia leve, tipo amarelo-limão, é comum na anemia megaloblástica, assim como nas anemias hemolíticas e eventualmente na anemia perniciosa. As máculas acrômicas circunscritas, caracterizadas pelaalteração da cor da pele no vitiligo, poderão ser observadas nos portadores de anemia perniciosa. As lesões vásculo-sanguíneas e pigmentadas, as petéquias e equimoses aparecem em consequência da anemia aplástica, da coagulopatia e das leucemias consequentes da plaquetopenia. Cabelos: a ueda de cabelos pode ocorrer na anemia ferropriva; no entanto, o aparecimento precoce de cabelos grisalhos e finos sugere anemia perniciosa. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 87 Unhas: a a cor rosada do enchimento capilar é pálida. A coiloníquia, unhas adelgaçadas de lâminas côncavas com extremidades elevadas semelhantes a uma colher, denota o sinal clássico e tardio presente na anemia megaloblástica, perniciosa e na ferropriva de longa data. Pernas e mãos: as úlceras localizadas nas extremidades das pernas, em torno dos maléolos (que se apresentam com má cicatrização e cronicidade), são típicas de indivíduos com anemia falciforme. Dactilite, (também conhecida como síndrome mão-pé) é uma manifestação inicial da anemia falciforme. Cardiovascular e Pulmonar Os achados são proporcionais ao tempo de evolução da anemia. Nos casos agudos, manifestações importantes surgem com taquicardia reflexa e hipotensão postural com lipotímia, acometendo com maior frequência os idosos. As pessoas referem dispneia, taquicardia e hipotensão postural. A fluidez do sangue periférico em geral resulta no aparecimento de sopro cardíaco sistólico ejetivo no foco pulmonar e no ápice, sendo observado tanto em repouso como após os exercícios. Gastrintestinal No abdome, a úlcera péptica é por vezes assintomática ou associada com dor à palpação, à defesa e à rigidez da sua parede. Na palpação de massas, investigar a possibilidade de tumor. A circunferência volumosa ascítica é oriunda, entre outras causas, da cirrose decorrente do uso de álcool, direcionando o raciocínio para anemia por doença hepática. Cálculos biliares são encontrados na hemólise crônica de adultos, embora já tenham sido relatados em crianças. Hepato ou esplenomegalia sugerem uma provável hipertensão porta por anemia hemolítica. Considerar a realização do toque retal para descartar carcinoma colorretal e perda de sangue devido às hemorroidas. Na anemia falciforme, o hipoesplenismo ou até a autoesplenectomia ocorrem pelos sucessivos infartos característicos dessa forma hereditária de anemia. Genital O exame das mamas, genitais feminino e masculino não poderão ser negligenciados, buscando-se alterações que justifiquem tanto a anemia como as neoplasias silentes. O priapismo surge como uma das complicações da anemia falciforme. OBS.: priapismo é uma ereção peniana persistente e dolorosa que ocorre sem estímulo sexual e dura mais de 4 horas. Neurológico Na anemia por deficiência de vitamina B12, é importante verificar o tônus, a força muscular, a sensibilidade, a coordenação e os reflexos. Déficits da sensibilidade vibratória e da propriocepção são manifestações precoces de disfunção do sistema nervoso central (SNC). A falta de coordenação muscular durante os movimentos voluntários, sinal de Babinski e espasticidade são sinais tardios. As pernas e os pés são afetados mais frequentemente do que os membros superiores. Exames Complementares Apenas o hemograma é suficiente para a abordagem inicial das anemias que deve ter em conjunto a contagem de reticulócitos e o esfregaço de sangue periférico. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 88 Após a caracterização da anemia, é feita sua classificação de acordo com o tamanho celular com base no algoritmo de investigação: O diagnóstico diferencial das anemias microcíticas facilita a abordagem: Manejo clínico e tratamento dos tipos mais comuns de anemia na APS (anemia microcítica, normocíticas e macrocíticas) Tratamento da anemia ferropriva Dieta Reforçar uma dieta adequada, com a ingesta de carnes vermelhas e frutas ricas em vitamina C, que aumentam a absorção de ferro. Alimentos que inibem a absorção de ferro: • Fibras em excesso, como farelo de trigo; • Fitatos: presentes em grãos integrais, leguminosas e sementes. • Polifenóis: encontrados em café, chá preto, chá verde, vinho tinto e cacau. • Cálcio: leite, queijos e derivados. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 89 Medicamentos que inibem a absorção de ferro: anti- inflamatórios, corticoides, ácido acetilsalicílico, anticoagulantes e inibidores de bomba de prótons (IBPs). Aleitamento materno: no RN normal, deve ser encorajado e priorizado pelo menos até o 6o mês, obedecendo à suplementação de ferro entre 6 e 18 meses, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde (MS). Tratamento Farmacológico • Crianças a termo, com peso de nascimento ≥ 2.500g: iniciar suplementação com 1 mg/kg/dia de ferro elementar, a partir dos 6 meses até os 24 meses de idade. • Crianças pré-termo ou com baixo peso (Ocorre pelo aumento de reticulócitos, em 4 a 7 dias, com pico no 10o dia. Com uma adequada reposição, um aumento de pelo menos 2 g/dL na Hb deve ocorrer em 2 a 3 semanas de tratamento, mas o VCM continuará baixo por 2 a 3 meses. Em 2 meses, a Hb e o Ht voltam ao normal. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 90 Após a correção da anemia ferropriva, a suplementação é mantida, em crianças, por 3 a 4 meses (ou por mais 2 meses, quando houver a normalização da hemoglobina); Para adultos, a recomendação é tratar por 4 a 6 meses. Se a Hb não atingir o nível desejado, considerar investigação. Ferritina: para restaurar os estoques de ferro, são necessários de 2 a 6 meses, ou até obter-se valor de ferritina de pelo menos 15 ng/mL para crianças e 30 ng/mL para adultos. Alguns autores sugerem que a reposição ideal corresponda a níveis de ferritina da ordem de 50 ng/mL, sendo importante a correlação ou não com processos inflamatórios. Tratamento da deficiência de vitamina B12 Os estoques têm longa duração, mas, se a perda diária ocorrer entre 3 a 5 mg sem qualquer absorção, a deficiência pode levar mais de 3 anos. É confirmada com níveis abaixo de 200 pg/mL. O tratamento está indicado nas pessoas com absorção enteral diminuída, doença hereditária ou naquelas com anemia perniciosa comprovada. Embora existam evidências de que a reposição oral traga bons resultados, o tratamento tradicional é por via parenteral, existindo vários esquemas posológicos eficazes, que variam de acordo com a apresentação clínica. Dieta As principais fontes de vitamina B12 são as carnes, os ovos e o leite (a dieta deve ser reforçada para todos os indivíduos). Tratamento Farmacológico Crianças: • A dose típica é de 50 a 100 µg de vitamina B12 intramuscular, 1 vez por semana, até que a deficiência seja corrigida. Se for necessário tratamento por toda a vida, aplicar 1 vez por mês. Adultos: • A dose é de 1.000 µg/dia de vitamina B12 IM, por 7 dias, seguidos de 1.000 µg por semana, por 3 semanas, e, após, 1.000 µg/mês indefinidamente, se a condição clínica não puder ser corrigida. A injeção de vitamina B12 é dolorosa e deve ser aplicada na região glútea, via IM, ou subcutânea (SC), e nunca por via intravenosa (IV). Resposta ao tratamento • O aumento dos reticulócitos ocorre em 5 a 7 dias, e em 2 meses se observa uma melhora do quadro hematológico. • A degeneração neurológica é reversível se tratada com pouco tempo de evolução, idealmente em menos de 6 meses. • A correção da deficiência pode causar hipocalemia aguda, ou seja, o monitoramento da queda de potássio é obrigatório, e a suplementação deve ser instituída, quando necessária. Algumas pessoas podem desenvolver hipocalemia durante a semana inicial do tratamento, uma vez que há uma absorção marcada de potássio durante a produção de células sanguíneas novas, mas é improvável que seja clinicamente significativa. Tratamento da deficiência de ácido fólico Os estoques têm duração de 4 a 5 meses. A deficiência é confirmada com níveis abaixo de 5 ng/mL. Na suspeita de deficiência combinada de ácido fólico e vitamina B12, deve-se sempre suplementar as duas vitaminas, pois a administração apenas de ácido fólico na presença de deficiência de vitamina B12 levará à piora progressiva do quadro neurológico. Há evidências de que o uso de ácido fólico no período pré- concepcional e durante o primeiro trimestre da gravidez pode prevenir os defeitos do tubo neural do feto. Dieta As principais fontes de ácido fólico são os vegetais folhosos verdes escuros, frutas cítricas, cereais, grãos, nozes e carnes. Tratamento Farmacológico O tratamento tanto para crianças como adultos se faz com 5 mg, 1 vez ao dia, por 1 a 4 meses, ou até a normalização dos níveis terapêuticos. Efeitos adversos, como discreto rubor, rash cutâneo, distensão abdominal, entre outros, podem ocorrer. Resposta ao tratamento O aumento dos reticulócitos ocorre em 5 a 7 dias, e a melhora hematológica, em 2 meses. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 91 Tratamento da anemia de doença crônica O tratamento é direcionado para a causa de base, como nas doenças inflamatórias, nas neoplasias e nas infecções crônicas. Na doença renal, porém, deve-se considerar o uso da eritropoetina como otimização da resposta hematológica. Quando Referenciar Os pacientes poderão ser referenciados ao hematologista se houver uma hemoglobinopatia identificada, se a suspeita diagnóstica não for confirmada ou não responder à terapia oral proposta. A coordenação desse cuidado, além de ampliar a capacidade de resolubilidade da APS, agrega conhecimento ao profissional que discute e referencia o caso. Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.891. ISBN 9788582715369. SEMANA 13: POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE VOLTADAS PARA POPULAÇÃO NEGRA– DATA: 21/04/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Relações étnico-raciais de forma a conhecer as Políticas Públicas de saúde voltadas para população negra. Objetivos Específicos • Conhecer as políticas públicas de saúde voltadas para a população negra; • Conhecer as doenças genéticas mais comuns na população negra; • Discutir sobre os determinantes sociais de saúde da população negra; • Conhecer as diretrizes e objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Políticas Públicas Voltadas para a População Negra Em consonância com o ParticipaSUS, o Ministério da Saúde instituiu, 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Essa Política tem como marca: o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde. Seu objetivo é promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico- raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e nos serviços do SUS. Além da criação da própria PNSIPN, é possível identificar outros avanços nas ações voltadas à saúde da população negra, com destaque para: a) Plano Juventude Viva – Prevê ações de prevenção para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica. b) Portaria nº 1.391, de 16 de agosto de 2005, que institui, no âmbito do SUS, as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. c) Incorporação do transplante de medula para tratamento da doença falciforme no âmbito do SUS (Portaria SCTIE n° 30, de 30 de junho de 2015). d) Curso de ensino a distância sobre saúde da população negra promovido pelo MS e Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), lançada em 27 de outubro de 2014). e) Comitê Técnico de Saúde da População Negra – Instituído no âmbito do Ministério da Saúde, é um espaço consultivo de participação e controle social, com representantes da gestão, pesquisadores e movimentos negros. f) Publicação da Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017, que padroniza e torna obrigatória a coleta e o preenchimento do quesito raça/cor do paciente em todos os sistemas de informação do SUS, conforme a classificação do IBGE, que define cinco categorias autodeclaradas: branca, preta, amarela, parda e indígena. g) Publicação, em 30 de março de 2017, do III Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 92 (Resolução nº 16, de 30 de março de 2017). O III Plano Operativo foi pactuado e aprovado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – foro permanente de negociação e articulação das esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Com vigência para o triênio 2017/2019, o III Plano Operativoestabelece ações de implementação da referida política para as gestões federal, estadual e municipal do SUS. h) Publicação da Portaria nº 142, de 21 de julho de 2017, que institui o Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Igualdade Racial e dá outras providências. Conforme o art. 1°, fica instituído o Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Igualdade Racial com a finalidade de explanar aos órgãos e às entidades governamentais e não governamentais dos estados e municípios as ações de promoção da igualdade racial das políticas públicas federais, assim como de propor metas e prioridades aplicáveis à realidade local. Doenças Genéticas mais Comuns na População Negra Anemia Falciforme Doença hereditária, decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos, no continente africano. A doença, que chegou ao Brasil pelo tráfico de escravos, é causada por um gene recessivo, que pode ser encontrado em frequências que variam de 2% a 6% na população brasileira em geral, e de 6% a 10% na população negra. Diabetes Mellitus (tipo II) Esse tipo de diabetes se desenvolve na fase adulta e evolui causando danos em todo o organismo. É a quarta causa de morte e a principal causa de cegueira adquirida no Brasil. Essa doença atinge com mais frequência os homens negros (9% a mais que os homens brancos) e as mulheres negras (em torno de 50% a mais do que as mulheres brancas). Hipertensão Arterial A doença, que atinge 10% a 20% dos adultos, é a causa direta ou indireta de 12% a 14% de todos os óbitos no Brasil. Em geral, a hipertensão é mais alta entre os homens e tende ser mais complicada em negros, de ambos os sexos. Deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase Afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo. Apresenta frequência relativamente alta em negros americanos (13%) e populações do Mediterrâneo, como na Itália e no Oriente Médio (5% a 40%). A falta dessa enzima resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica e, por ser um distúrbio genético ligado ao cromossomo X, é mais frequente nos meninos. Determinantes Sociais de Saúde da População Negra Discutir os determinantes sociais de saúde da população negra é essencial para compreender as desigualdades em saúde no Brasil. Esses determinantes são fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e políticos que influenciam o estado de saúde das pessoas e grupos sociais — e afetam de forma desproporcional a população negra, contribuindo para iniquidades históricas e estruturais. Principais determinantes sociais que afetam a saúde da população negra Racismo estrutural e institucional O racismo está na base da exclusão social da população negra. No contexto da saúde, ele se manifesta no acesso desigual a serviços, menor qualidade de atendimento, e invisibilização das especificidades étnico-raciais nos dados e nas políticas públicas. Pobreza e desigualdade socioeconômica A população negra é maioria entre os que vivem em situação de pobreza ou vulnerabilidade social. Isso impacta diretamente o acesso a saneamento básico, moradia adequada, alimentação saudável, educação e trabalho digno. Baixa escolaridade e barreiras de acesso à informação Menor escolaridade contribui para a desinformação sobre direitos em saúde, reduz a autonomia no cuidado e afeta o acesso a melhores empregos e renda. Precarização do trabalho Muitos trabalhadores negros estão em empregos informais e de maior risco, sem proteção social, aumentando a exposição a doenças ocupacionais e acidentes. Violência e segurança pública A juventude negra é a mais afetada por mortes violentas e pela ação seletiva do Estado, o que representa um grave problema de saúde pública. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 93 Acesso desigual aos serviços de saúde A distância geográfica, o preconceito racial e a falta de formação dos profissionais de saúde em diversidade étnico- racial dificultam o acesso a um cuidado adequado e humanizado. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) reconhece esses determinantes e orienta a construção de estratégias no SUS para: • Reduzir iniquidades raciais em saúde. • Promover equidade no acesso e no cuidado. • Enfrentar o racismo institucional. • Valorizar práticas de saúde da cultura afro-brasileira. Diretrizes e Objetivos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra Diretrizes Gerais I. Inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na saúde; II. Ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em consonância com os princípios da gestão participativa do SUS, adotados no Pacto pela Saúde; III. Incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; IV. Promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; V. Implementação do processo de monitoramento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desigualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas de governo; e VI. Desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades. Objetivo Geral Promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e discriminação nas instituições e serviços do SUS. Objetivos Específicos I. Garantir e ampliar o acesso da população negra residente em áreas urbanas, em particular nas regiões periféricas dos grandes centros, às ações e aos serviços de saúde; II. Garantir e ampliar o acesso da população negra do campo e da floresta, em particular as populações quilombolas, às ações e aos serviços de saúde; III. Incluir o tema Combate às Discriminações de Gênero e Orientação Sexual, com destaque para as interseções com a saúde da população negra, nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social; IV. Identificar, combater e prevenir situações de abuso, exploração e violência, incluindo assédio moral, no ambiente de trabalho; V. Aprimorar a qualidade dos sistemas de informação em saúde, por meio da inclusão do quesito cor em todos os instrumentos de coleta de dados adotados pelos serviços públicos, os conveniados ou contratados com o SUS; VI. Melhorar a qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, processamento e análise dos dados desagregados por raça, cor e etnia; VII. Identificar as necessidades de saúde da população negra do campo e da floresta e das áreas urbanas e utilizá-las como critério de planejamento e definição de prioridades; VIII. Definir e pactuar, junto às três esferas de governo, indicadores e metas para a promoção da equidade étnico-racial na saúde; IX. Monitorar e avaliar os indicadores e as metas pactuados para a promoção da saúde da população negra visando reduzir as iniquidades macrorregionais, regionais, estaduais e municipais; X. Incluir as demandas específicas da população negra nos processos de regulação do sistema de saúde suplementar; Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 94 XI. Monitorar e avaliar as mudanças na cultura institucional, visando à garantia dos princípios antirracistas e não discriminatório; e XII. Fomentar a realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra. Bibliografia BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: umapolítica para o SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. – 3. ed. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_naciona l_saude_populacao_negra_3d.pdf. Acesso em: 14 mai. 2025 SEMANA 14: MANEJO DAS TONTURAS E VERTIGENS NA APS – DATA: 28/04/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o manejo das tonturas e vertigens na atenção primária. Objetivos Específicos • Caracterizar vertigem e sua abordagem diagnóstica (história clínica, exame físico e exames complementares); • Conhecer as principais causas de vertigem; • Conhecer os tratamentos, farmacológico e não farmacológico, para as vertigens; • Compreender pré-síncope e síncope e suas principais causas. • Identificar outros tipos de tonturas. Tontura e Vertigem Avaliar a causa da tontura pode ser algo desafiador para o médico de família e comunidade porque podem ser muitas as suas possíveis causas, desde neurite vestibular à estenose de valva aórtica. Tontura é um sintoma comum e inespecífico que congrega quatro padrões sindrômicos distintos: Vertigem Sensação de movimento ilusório. O paciente pode descrever a sensação de que as coisas ao seu redor estão se movendo ou que seu corpo está se movendo, quando na verdade está parado. Pré-síncope Sensação de desfalecimento. Pacientes descrevem como sensação de desmaio iminente. Desequilíbrio Sensação de que o controle sobre seus movimentos e equilíbrio está prejudicado. No desequilíbrio, não há sensação de movimento ilusório (vertigem) ou sensação de desfalecimento (pré-síncope). Hiperventilação Apresenta a descrição mais vaga entre todos os padrões e, em geral, é descrita como a sensação de “cabeça vazia”, ou sensação de estar desconectado do ambiente. Como a descrição do sintoma geralmente é muito vaga, a investigação do problema inicia-se no seu reconhecimento, muitas vezes relatado pela pessoa como “tontura”, “tonteira”, “zonzeira”, “sensação de que vou cair”, ou até mesmo “um mal-estar”. O padrão sindrômico vertigem é o que está relacionado mais diretamente à queixa “tontura”, contudo, alguns pacientes podem, ainda assim, referir o que estão sentindo, seja sensação de desfalecimento ou de desequilíbrio, como tontura. Durante a anamnese, é necessário que se encontrem informações relevantes, como fatores desencadeantes, tempo de duração e de evolução, e sintomas associados, a fim de definir melhor o padrão sindrômico e as possíveis causas do problema. Vertigem A grande maioria dos casos é de etiologia benigna e autolimitada, não necessitando de grandes investigações. Vestibulopatias de origem central são muito menos comuns do que as periféricas e geralmente se apresentam com outros sintomas neurológicos associados. Além disso, apresentam sintomas com uma duração maior durante a crise. Há um consenso entre os estudos de que as três causas mais comuns de vertigem são a VPPB (42%), a neurite vestibular Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 95 (40%) e a doença de Ménière (10%), que, juntas, são responsáveis por mais de 90% das causas de vertigem. Principais Vestibulopatias de Origem Periférica Vertigem Paroxística Posicional Benigna (VPPB) A apresentação clínica da VPPB é a de crises de vertigem com duração menor do que um minuto e desencadeadas por movimentos da cabeça, como deitar-se e levantar-se da cama e inclinar a cabeça para trás ou para frente. Trata-se de um quadro autolimitado, que pode durar de algumas semanas até alguns meses. Fisiopatologia da VPPB Envolve a formação de pequenos cristais de carbonato de cálcio (otólitos) na endolinfa dentro do utrículo, que migram para os canais semicirculares e estimulam mecanicamente os receptores das células ciliares. As informações equivocadas transmitidas a partir dessas células, quando processadas no SNC e integradas aos demais estímulos do corpo, geram a sensação de vertigem, de nistagmo e de náuseas percebidos pela pessoa. Manifestações Clínicas Inicialmente, os sintomas são mais fortes, levando o paciente a sentir náuseas, vômitos e a evitar movimentos que desencadeiem sintomas. O nistagmo na VPPB é caracteristicamente posicional, com latência de alguns segundos, duração breve (geralmente menos de 30 segundos) e apresenta fadiga com a repetição do movimento. Ele é direcional e estereotipado, variando conforme o canal semicircular afetado: • No comprometimento do canal posterior (o mais comum), o nistagmo é torsional e vertical para cima (upbeat), batendo em direção à orelha inferior; • No canal horizontal, é horizontal puro, podendo ser geotrópico ou ageotrópico; e • No canal anterior, é torsional com componente vertical para baixo (downbeat). A presença dessas características ajuda a diferenciar a VPPB de causas centrais de vertigem. Neurite Vestibular Fisiopatologia da Neurite Não se sabe qual é a causa da neurite vestibular, mas fisiopatologicamente se trata de uma inflamação do nervo vestibular que não apresenta perda auditiva. Casos em que tanto o nervo vestibular quanto o labirinto estejam comprometidos podem cursar com comprometimento da audição e zumbidos, sendo definidos como labirintite. Algumas teorias falam em possível reativação do vírus herpes simples tipo 1 (HSV-1), de infecções virais, da oclusão vascular ou de mecanismos autoimunes. Manifestações Clínicas Trata-se de um quadro de vertigem espontânea e prolongada, podendo durar algumas semanas, na qual as crises são intensas e duradouras, diferente dos poucos segundos observados na VPPB. As crises de vertigem e seus sintomas associados costumam ser mais pronunciados na primeira semana da doença, ocorrendo resolução completa do quadro dentro do prazo de 6 semanas. Deve-se suspeitar de neurite vestibular em pacientes que apresentem vertigem associada a desequilíbrio com tendência de queda sempre para o mesmo lado (lado acometido), nistagmo horizonto-torsional espontâneo e sem comprometimento auditivo. Geralmente, são casos em que o paciente se encontrará doente, com muitos sintomas autonômicos associados, como náuseas, vômitos, mal-estar e sudorese. Síndrome de Ménière É uma condição rara com crises espontâneas e recorrentes de vertigem e perda auditiva (em geral, frequências baixas), sensação de plenitude na orelha acometida e zumbido, sintomas que não necessariamente estão presentes ao mesmo tempo no paciente. Fisiopatologia da S. de Ménière Tanto as causas quanto a fisiopatologia da doença são incertas, o que dificulta o tratamento. Algumas literaturas afirmam que pode ser causada por uma hidroplasia endolinfática idiopática. A hidropsia endolinfática existe quando ocorre um aumento da pressão hidrostática da endolinfa, levando a uma estimulação anômala dos receptores vestibulares. Como o sistema vestibular se comunica com a cóclea, ocorre tanto um aumento da pressão hidrostática no aparelho vestibular quanto no referido órgão, desencadeando uma vertigem associada a sintomas auditivos. Apesar de ser uma condição rara e por se tratar de uma vertigem recorrente, estima-se que uma equipe de saúde da família com 4.000 pacientes possa ter entre quatro e oito pacientes com esta doença. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 96 Manifestações Clínicas As crises costumam ser fortes e com duração de 20 minutos. Em longo prazo, os pacientes costumam ter alívio das crises agudas de vertigem, persistindo com a perda auditiva e com uma sensação vaga de desequilíbrio. Para obter o diagnóstico, é necessário que o paciente apresente crises de vertigem com duração ao redor de 20 minutos, perda auditiva de baixa frequência, flutuação dos sintomas de aura (plenitude, perda auditiva, zumbido) e exclusão das principais causas de vertigem (VPPB e neurite vestibular). Contudo,por ser uma doença incomum e com quadro bastante indefinido, a avaliação do otorrinolaringologista pode ser útil para elucidar sua causa. Cinetose É uma vertigem benigna, com história bem delimitada pela exposição ao fator desencadeante, que é a hiperestimulação do sistema vestibular, ocasionada, em geral, por movimentação em viagens de carro, avião ou barco. É um problema comumente autodiagnosticado pelo paciente e que deve ser reconhecido pelo médico de família, para, primeiramente, excluir outras possíveis causas do problema e orientar o paciente quanto aos cuidados em situações futuras. Principais Vestibulopatias Centrais Enxaqueca – Migrânea Vestibular Uma porção considerável de pacientes com migrânea e aura (~30%) experimentam sintomas de vertigem durante as crises. Tais sintomas podem tanto aparecer na fase da aura quanto persistir durante a fase da cefaleia, concomitantemente. As crises de vertigem variam de minutos a horas e, em geral, se associam a outros sintomas prodrômicos (foto e fonofobia). Quando o problema se encontra ainda na fase diagnóstica, deve-se afastar a possibilidade de vertigens com duração prolongada, como neurite vestibular ou síndrome de Ménière. Insuficiência Vertebrobasilar Condição que leva a um quadro de vertigem de padrão central e é uma das causas mais lembradas por médicos como causa de vertigem. Contudo, é um problema raro e relacionado de forma direta à doença aterosclerótica. Costuma ser mais comum em homens idosos, porém a sua prevalência estimada é de 1 caso para cada 100.000 habitantes. A apresentação clínica mais comum dos pacientes com insuficiência vertebrobasilar é diminuição do nível de consciência, hemiparesia ou quadriplegia assimétrica e sintomas pseudobulbares, como disartria, disfagia e disfonia. Vertigem estará presente apenas nos casos em que a oclusão aconteça no segmento proximal da artéria. Pacientes com insuficiência vertebrobasilar levantarão a suspeita de acidente vascular cerebral (AVC) ou ataque isquêmico transitório (AIT) e, com vertigem ou não, deverão ser prontamente reconhecidos e referenciados ao serviço de referência, a fim de se tentar trombólise para desobstruir a artéria comprometida. Pré-síncope Síncope é definida como a perda abrupta, completa e temporária da consciência, associada à impossibilidade de manter o tônus postural (queda), com remissão rápida e espontânea. Não deve ter sintomas clínicos associados com outras causas de perda da consciência, como convulsão e trauma craniencefálico (TCE). Pré-síncope, também chamada lipotímia, refere-se aos sintomas que precedem a síncope, como sensação de cabeça vazia, desequilíbrio e alterações visuais (visão tunelizada, visão escurecendo) e variáveis graus de alteração de consciência, porém sem a sua completa perda. Síncopes, assim como tonturas no geral, são problemas que geram preocupação quanto a causas graves e a risco de morte. Síncope vasovagal É a mais comum de todas e geralmente relacionada, mesmo pelo paciente, a fatores estressores desencadeantes, como calor excessivo, dor e momentos de ansiedade (p. ex., ao realizar um procedimento médico). Em casos em que a história não esteja tão clara, pode ser o principal diagnóstico de exclusão, após investigadas outras causas de síncope. Hipotensão ortostática É também uma causa comum e está relacionada à queda brusca da pressão arterial (PA) ao levantar da posição deitada ou sentada e pode ser causada por uma combinação de fatores, como idade avançada, calor excessivo, desidratação, neuropatia autonômica, períodos prolongados deitado e medicamentos diversos. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 97 Síndrome da Hiperventilação Uma causa comum de tontura e que comumente é classificada dentro das pré-síncopes é a síndrome da hiperventilação (light headedness). A base fisiológica está na alcalose metabólica causada pela hipocapnia (pCO2 – 25 mmHg) decorrente da hiperventilação. Isso leva a uma vasoconstrição das arteríolas e, consequentemente, a um hipofluxo cerebral. A descrição que os pacientes fazem destes quadros é bastante vaga, como “sensação de cabeça vazia”, “como se meu corpo não estive ali”. Geralmente, a sensação dura alguns minutos e é acompanhada por sintomas físicos, como amortecimentos em face e extremidades, dor no peito, incômodo na barriga. As pré-síncopes são causas comuns de tontura, sendo, com frequência, subdiagnosticadas ou tratadas de forma estigmatizada. Em geral, situações de sofrimento psíquico e transtornos mentais podem originar hiperventilação, e seu diagnóstico não é a solução do problema, mas sim a necessidade de se investigar mais profundamente o que está acontecendo com o paciente. Nesse momento, retomar perguntas abertas, explorar ideias e preocupações do paciente e aspectos psicológicos, familiares e ocupacionais é o caminho para melhor avaliá-lo. Desequilíbrio Se caracteriza por sensação de instabilidade postural, em que não há sintomatologia de vertigem ou de pré-síncope. É importante salientar que muitos pacientes com desequilíbrio podem queixar-se de tontura ao seu médico, porém muitos não referem tontura alguma, acreditando que sua dificuldade de caminhar é decorrente da idade. O equilíbrio depende da ação integrada de um conjunto de órgãos e sistemas, em que estão incluídos o sistema vestibular, a musculatura esquelética, a propriocepção, a audição e a visão. Portanto, a origem do problema pode estar ligada à disfunção de algum desses elementos ou do SNC (tronco cerebral e cerebelo), que recebe e integra os dados enviados por esses órgãos. Assim, é evidente a existência de uma relação direta entre as causas mais comuns de desequilíbrio e problemas associados com o envelhecimento. Além dos prejuízos e limitações que a perda do equilíbrio traz para a pessoa, desencadeando uma série de mudanças indesejadas em sua vida, o médico de família e comunidade deve estar atento a um problema de grande importância do ponto de vista da saúde pública, por sua magnitude e transcendência: o risco de quedas em idosos. Em 75% dos casos, a causa da tontura por desequilíbrio é multifatorial, havendo comprometimento de uma ou mais das estruturas envolvidas na fisiologia e/ou anatomia do equilíbrio. Entre as causas comuns, podem-se citar: fraqueza da musculatura de MMII ou da musculatura postural, baixa acuidade visual e/ou auditiva, mau condicionamento físico, uso de determinadas medicações (sobretudo se mais de quatro classes), doenças da coluna cervical, neuropatia periférica e disfunção vestibular. Para os pacientes com tontura do padrão de desequilíbrio, um acrônimo simples de ser lembrado – I HATE FALLING – é proposto por Barros para orientar a investigação clínica, a fim de que ela seja focada nos fatores mais comumente relacionados ao risco de quedas que são possíveis de serem modificados. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 98 Diagnóstico Anamnese É essencial detalhar junto ao paciente qual é o sintoma e os seus fatores desencadeantes, sempre guiando sua anamnese em direção às hipóteses mais prováveis: • Tempo de duração do sintoma. • Fatores desencadeantes ou situação em que o sintoma ocorre (movimentação da cabeça, viagem de carro, situação de estresse intenso). • Sintomas associados (náuseas, vômitos, perda auditiva, dificuldade de andar, déficits neurológicos). • Perda da consciência. • Uso de medicações para a tontura, ou que possam ser causa da queixa (hipoglicemiantes em excesso, ou anti-hipertensivos). • Quedas. • Fatores de risco para DCV. • Fatores de risco para queda. • Explorar acerca da experiência de doença trazida pela pessoa em relação à tontura, quais as suas preocupações e medos e como isso impacta sua funcionalidade. O desequilíbrio em geral tem causas multifatoriais para organizar a investigação clínica tais causas são divididas em: Fatores intrínsecosHistória prévia de quedas, idade, sexo feminino, uso de medicamentos psicoativos, antiarrítmicos e hipotensores, condições clínicas que comprometam a marcha e o equilíbrio, sedentarismo, medo de cair, déficit cognitivo, nutricional, visual e funcional. Fatores extrínsecos Qualquer fator relacionado ao ambiente ao redor pode ser considerado como fator extrínseco. Precariedade de calçadas e vias públicas são fatores predisponentes a quedas que estão além do alcance do clínico. Contudo, dentro do domicílio, pode haver superfícies escorregadias, escadas sem apoio e obstáculos que ponham o paciente em risco de queda, bem como calçados e roupas inadequados. Fatores comportamentais Pessoas muito inativas e pessoas muito ativas apresentam um risco maior de queda, devido a maior fragilidade, no primeiro caso, e à maior exposição a situações que podem culminar em queda, no segundo. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 99 Exame Físico Deve-se fazer um exame neurológico sumário, buscando déficits focais que indiquem vestibulopatia central. Nistagmo O nistagmo pode ajudar a compreender qual canal semicircular está acometido. • Nistagmos torsionais que apontam para cima são os mais comuns (85%), pois estão relacionados ao canal semicircular posterior, sendo aqueles no sentido horário provocados pelo canal esquerdo, e os anti-horários, pelo canal direito à localização. • Nistagmos horizontais e torsionais que apontam para baixo são incomuns e correspondem ao acometimento dos nistagmos com o canal semicircular anterior e semicircular horizontal, respectivamente. Teste de impulsão da cabeça Apresenta sensibilidade de 86% e especificidade de 100% para neurite vestibular. Nesse teste, o paciente deve ser posicionado sentado de frente para o examinador, que deve segurar a cabeça do paciente com ambas as mãos e movê-la lateralmente para ambos os lados em um ângulo de 35 a 45o, pedindo para que o paciente fixe o olhar entre os olhos do examinador. Após sentir que a sua cabeça está relaxada, o examinador impulsiona a sua cabeça para um dos lados, sendo que o resultado esperado é que o olhar do paciente não se desvie do ponto fixo. Caso o olhar do paciente seja desviado para o lado que a cabeça foi impulsionada, este será o lado acometido e o teste será considerado positivo para lesão do nervo vestibular, confirmando o quadro de neurite vestibular. HINTS Acrônimo que designa três manobras de exame físico: Head Impulse Test (HIT) – Teste de impulsão cefálica Como é feito: o examinador move rapidamente a cabeça do paciente para um lado enquanto o paciente fixa o olhar em um alvo. • Resultado normal (olhos mantêm o foco) = reflexo vestíbulo-ocular (VOR) preservado → indica origem central. • Resultado anormal (olhos “escapam” e fazem sacada corretiva) = VOR prejudicado → sugere lesão periférica (ex: neurite vestibular). Nystagmus – Nistagmo espontâneo • Nistagmo unidirecional (bate sempre para o mesmo lado, independentemente da posição do olhar): típico de lesão periférica. • Nistagmo bidirecional ou vertical puro (bate para lados diferentes dependendo da direção do olhar ou é vertical): sugere origem central, como AVC de tronco. Test of Skew – Teste de desvio vertical ocular (skew deviation) Como é feito: o examinador alterna a cobertura de um olho de cada vez (teste do cover-uncover). • Resultado positivo: desvio vertical súbito de um dos olhos quando destampado → sugere lesão central (tronco encefálico ou cerebelo). • Resultado negativo: sem desalinhamento vertical significativo → compatível com causa periférica. Interpretação do HINTS Teste Lesão Periférica Lesão Central (AVC) Head Impulse Anormal (sacada presente) Normal Nystagmus Unidirecional horizontal Bidirecional ou vertical Test of Skew Negativo Positivo (desvio vertical) Essas três manobras simples podem ser usadas para diferenciar uma vertigem periférica, em geral neurite vestibular, de uma causa central em pessoa com vertigem. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 100 Para pacientes com alto risco para AVC essas manobras têm sensibilidade de 100% e especificidade de 96%, sendo uma manobra mais sensível do que a ressonância magnética (RM) precoce nesses casos. Por isso, um desses exames alterados deve levar o médico a referenciar a pessoa ao pronto-socorro, ao passo que uma manobra HINTS totalmente normal tranquiliza o médico. Dix-Hallpike Tem sido empregada como exame definitivo para a VPPB, porém, apenas 75% dos pacientes com VPPB terão o exame resultando positivo. Dessa forma, a maioria dos casos de VPPB pode ser facilmente diagnosticada a partir da anamnese, sem necessidade de confirmação por meio da manobra de Dix-Hallpike. Para aqueles casos de vertigem que não preencham os dois critérios anteriores, deve-se então proceder à manobra de Dix-Hallpike. Passos necessários para a sua correta realização: 1. Pedir autorização à pessoa para realizá-la. 2. Explicar à pessoa sobre como a manobra é feita, sendo que ela poderá causar os mesmos sintomas de vertigem no paciente (ele não pode ser pego de surpresa pela tontura). 3. Posicionar a pessoa sentada na maca, de forma que, ao deitá-la, sua cabeça fique pendente para o lado de fora da maca. 4. Posicionar-se atrás do paciente e lateralizar a cabeça dele a 45º para a direita e estendendo-a a 20º para trás. 5. Após posicionar corretamente a cabeça, peça para que o paciente se deite na maca. Sustente sua cabeça para que o paciente não se machuque. 6. Mantenha-o na posição de decúbito dorsal com a cabeça lateralizada a 45º e estendida a 20º durante um minuto. 7. A manobra será positiva caso os sintomas referidos pelo paciente sejam desencadeados durante o exame. 8. Caso o paciente não tenha apresentado nenhum sintoma, após um minuto, volte o paciente à posição inicial do exame, lateralize sua cabeça para o lado oposto e repita a manobra. 9. Caso a manobra seja positiva, você terá encontrado o lado acometido. Tome cuidado com pacientes idosos com limitação da coluna cervical. Com esses pacientes, pode ser útil a presença de um auxiliar no consultório durante a manobra, para garantir mais conforto ao paciente e mais precisão à manobra. Não há necessidade que o paciente apresente nistagmo para que a manobra seja positiva, apenas o desencadeamento dos sintomas é o suficiente para tornar o teste positivo. Avaliação de quedas e desequilíbrio A melhor forma de estimar o risco de quedas em idosos é a Avaliação Multifatorial, já que testes simples como o Get Up- and-Go, embora fáceis de aplicar, têm baixa capacidade discriminativa como rastreamento isolado, sendo mais úteis em idosos com alterações de marcha e equilíbrio. Pré-síncope Se a pessoa apresentar tontura de pré-síncope, deve-se focar o exame no sistema cardiovascular, procurando dados que indiquem doença mais grave, como valvopatias e insuficiência cardíaca (IC) descompensada. Também é necessário aferir a PA e a frequência cardíaca (FC). Hipotensão postural Na suspeita clínica deve-se fazer a prova da hipotensão postural. Para esse exame, deve-se colocar o paciente em decúbito dorsal por pelo menos 5 minutos, e aferir sua PA. Depois, o paciente deve ficar em pé por três minutos, e sua PA deve novamente ser aferida. Caso aconteça: 1. queda da PAS > 20 mmHg; 2. queda da PAD > 10 mmHg; ou 3. PASA audiometria pode ser útil em pacientes com queixa de perda auditiva. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 101 Fluxograma de paciente com tontura VPPB, vertigem paroxística posicional benigna; DCV, doença cardiovascular; PA, pressão arterial; TCE, traumatismo craniencefálico. Fonte: Adaptada de Post e Dickerson. Tratamento Tratamento não farmacológico Tratamento da VPPB - Manobra de Epley Esta manobra de reposição canalicular, tem por objetivo mover os otólitos circulantes nos canais semicirculares em direção ao utrículo, cessando, assim, com os sintomas e resolvendo o problema. A manobra deve ser feita no momento do diagnóstico e não é difícil de ser realizada. Caso a manobra seja bem-sucedida, os sintomas não reaparecerão mais e a pessoa estará livre da vertigem. Não há necessidade de recomendar ao paciente que evite movimentos bruscos com a cabeça durante os primeiros dias ou que retorne para reavaliar e repetir a manobra para garantir a sua efetividade. Modo de realização da manobra de Epley: 1. Pedir autorização ao paciente para realizá-la. 2. Explicar ao paciente sobre como a manobra será realizada, orientando que ela poderá causar os mesmos sintomas de vertigem no paciente (ele não pode ser pego de surpresa pela tontura). 3. Posicionar o paciente sentado na maca, de forma que, ao deitá-lo, sua cabeça fique pendente para o lado de fora da maca. 4. Posicionar-se atrás do paciente e lateralizar a cabeça dele a 45º para o lado acometido e estendê-la a 20º para trás. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 102 5. Após posicionada corretamente a cabeça, peça para que o paciente se deite na maca. Sustente sua cabeça para que o paciente não se machuque. 6. Mantenha-o na posição de decúbito dorsal com a cabeça lateralizada a 45º e estendida a 20º durante 1 minuto. 7. Gire a cabeça do paciente para o lado oposto, mantendo-a lateralizada a 45o por 1 minuto. 8. Continue o giro da cabeça para o mesmo sentido do passo anterior, agora girando todo o corpo do paciente, que deverá terminar a manobra em decúbito lateral, com a cabeça ainda lateralizada a 45o e fletida a 20o. O paciente estará nesta fase com a face voltada para o chão. 9. Durante a manobra, é comum que o paciente se sinta tonto. Diga que será passageiro, orientando para que, caso aconteça, ele mantenha os olhos fechados, a fim de aliviar o mal-estar. 10. Volte o paciente à posição inicial. Algumas recomendações costumam ser dadas aos pacientes, como evitar estender a cabeça (olhar para cima) durante 3 dias, ou realizar movimentos bruscos, mas essas medidas carecem de evidências. Alguns profissionais utilizam também a manobra de Semont, por considerá-la uma alternativa mais simples do que a manobra de Epley e com eficácia semelhante. Reabilitação vestibular A reabilitação vestibular, envolvendo exercícios em grupo com dificuldade gradualmente aumentada na forma de desafios de equilíbrio e de coordenação motora, tem sido eficaz nos casos de neurite vestibular. Apesar de estudos não diferenciarem os pacientes clinicamente – pacientes com VPPB, doença de Ménière e neurite vestibular avaliados em conjunto –, há alívio da sensação de tontura nesses pacientes. Orientações Cinetose Podem ser orientadas medidas adaptativas, como a diminuição do estímulo visual por meio da fixação da visão em um ponto imóvel ou fechando os olhos, diminuindo, com isso, a quantidade de informações conflitantes no SNC. Doença de Ménière Apesar de não haver evidências de que dieta hipossódica seja benéfica é comum que esta prescrição seja feita, assim como os diuréticos, que também apresentam seus efeitos colaterais inerentes. Síndrome de hiperventilação O diagnóstico traz a necessidade de se investigar mais profundamente o que está acontecendo com o paciente. Nesse momento, retomar perguntas abertas, explorar ideias e preocupações do paciente e aspectos psicológicos, familiares e ocupacionais será o melhor caminho para avaliá-lo. Medidas preventivas para minimizar quedas em idosos A prática de exercícios físicos com abordagem de múltiplos componentes (coordenação, flexibilidade, equilíbrio, força, Tai Chi Chuan, entre outros) reduz de forma significativa a taxa de quedas, o seu risco e as fraturas decorrentes de quedas em idosos não hospitalizados, seja quando realizados em grupo ou em planos de exercício domiciliar. Também há fortes evidências de que intervenções para segurança do paciente no domicílio são efetivas para a redução da ocorrência de quedas e do seu risco, sendo essas intervenções aparentemente mais efetivas quando feitas com a participação de um terapeuta ocupacional. É importante notar que tais mudanças na conformação e na mobília do domicílio devem ser estimuladas não apenas para minimizar o risco de acidentes, mas também para melhor adaptação do idoso à sua casa, como, por exemplo, instalação de corrimão e barras de apoio, fixação de tapetes no chão ou sua retirada, uso de cadeiras ou bancos dentro do chuveiro. Intervenções multifatoriais e suspensão gradual de medicações psicotrópicas se mostraram efetivas para redução da ocorrência de quedas. A polifarmácia é um capítulo importante no tratamento do paciente idoso. Tratamento Farmacológico Em momentos de crise, podem ser usados medicamentos sedativos, com o intuito de aliviar os sintomas, porém alguns cuidados devem ser tomados. Medicamentos para supressão dos vômitos e antivertiginosos, como benzodiazepínicos, anticolinérgicos (escopolamina) e anti-histamínicos (cinarizina, flunarizina, dimenidrinato e prometazina), não devem ser dados por um período maior do que 3 dias, para evitar prejuízos à compensação central, importante para a resolução do quadro. Dos medicamentos para alívio dos sintomas, a ondansetrona, apesar de mais cara, mostrou-se superior à metoclopramida quanto ao tempo de recuperação do paciente e quanto à duração do tempo de internação. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 103 Cinetose O dimenidrinato é uma opção segura e eficaz, inclusive para crianças, bem como a clorfeniramina. Doença de Ménière A betaistina, na dose de 16 mg, em três doses diárias, consegue reduzir a frequência e a severidade das crises de alguns pacientes, sendo usada como profilaxia. Migrânea vestibular O tratamento procura seguir as recomendações para o tratamento das migrâneas com aura clássica. Evitar o uso excessivo de antivertiginosos parece ser a melhor conduta. Uso crônico de antivertiginosos O uso crônico de antivertiginosos em pacientes com tontura é problemático por dois motivos principais: primeiro, esses medicamentos suprimem os estímulos vestibulares e dificultam a neuroadaptação natural, prolongando os sintomas e levando à dependência; segundo, estão associados a efeitos adversos graves a longo prazo, como o parkinsonismo induzido por medicamentos, especialmente com o uso prolongado de fármacos como flunarizina e cinarizina. Por isso, seu uso deve ser restrito a curto prazo (até 3 dias), especialmente em casos como neurite vestibular, e evitado em tonturas crônicas, sendo essencial investigar adequadamente a causa, muitas vezes relacionada à VPPB ou desequilíbrio. Erros mais frequentes • Iniciar a avaliação da queixa de tontura perguntando se é do tipo que “roda”. • Pensar que tonturas estão sempre relacionadas a problemas graves no SNC. • Pensar que é necessário solicitar exames de imagem e laboratoriais em todos os casos de tontura. • Prescrever antivertiginosos por mais do que três dias para tonturas. • Não realizar a manobra de Epley como tratamento para a VPPB. Dicas • Procure delimitar a tontura entre os três grandes grupos – vertigem, síncope e desequilíbrio. • Considere síndrome de hiperventilação como um diagnóstico a ser levado em conta durante a investigação, mas sempre como diagnóstico de exclusão. • Lembre-se da prevalência:VPPB, síncope vasovagal e desequilíbrio são os principais responsáveis pelas tonturas. • Fique tranquilo com as possibilidades de doenças graves: causas cardiológicas ou neurológicas graves necessariamente virão com um quadro clínico característico, apontando para a causa. • Na síncope, sempre faça uma avaliação clínica rigorosa do aparelho cardiovascular, com anamnese e exame físico. • Muito cuidado com os antivertiginosos! Sempre reavalie os pacientes que fazem uso crônico de medicamentos que podem induzir parkinsonismo. • Lembre-se de que o desequilíbrio não possui um medicamento que o trate, e o paciente com desequilíbrio tem risco de quedas. Quando Referenciar Em geral, pacientes com tontura e perda auditiva devem ser referenciados ao otorrinolaringologista para avaliação e iniciar tratamento para doença de Ménière, por ser a doença mais incomum, com quadro, às vezes, sem uma definição clara. Na suspeita de causa central de tontura, como AVC, deve-se referenciar o paciente ao serviço de emergência. Equipe multiprofissional Devido à natureza multifatorial do desequilíbrio, é essencial uma rede de cuidado multiprofissional e familiar, que permita uma avaliação ampla do paciente e de seu ambiente. O médico de família tem papel central ao identificar o risco de queda e iniciar a investigação, já que não há tratamento medicamentoso para o desequilíbrio. Profissionais como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, equipe de enfermagem, e, em casos associados à ansiedade e hiperventilação, psicólogos ou psiquiatras, são fundamentais para um plano terapêutico eficaz. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 104 Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1926. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 18 mai. 2025. SEMANA 15: MANEJO DAS DIARREIAS E CONSTIPAÇÃO NA APS – DATA: Objetivos da Semana Objetivo Geral • Compreender o manejo das diarreias e constipação na atenção primária. Diarreia Aguda e Crônica Ao abordar uma pessoa com diarreia, deve-se sempre avaliar o seu grau de desidratação (lembrar-se dos sinais de alerta para desidratação). Em um episódio de diarreia aguda sem complicações, os exames complementares geralmente não são necessários. No tratamento da desidratação, deve-se sempre iniciar, o mais rápido possível, o plano de hidratação mais adequado para o grau de desidratação e orientar a pessoa a continuar com a alimentação habitual. A maioria dos episódios de diarreia aguda é autolimitada e, por isso, não exige de antibioticoterapia. Porém, em certas circunstâncias, o seu uso é necessário: diarreia com sangue e/ou muco, quadro de septicemia, suspeita de infecção por Vib rio cholerae, com desidratação grave associada, e quadro de giardíase ou amebíase confirmado por exame laboratorial. Na diarreia crônica, avaliam-se os sintomas que diferenciam síndromes funcionais de doenças orgânicas (descartando sinais de alerta vermelho para doenças orgânicas) e categoriza-se o quadro de diarreia, quanto às características das fezes, em aquosa, gordurosa ou inflamatória. A frequência da evacuação normal varia de três vezes por semana a três vezes por dia. Assim, um aumento de volume das fezes acompanhado por diminuição da sua consistência e maior número de evacuações configura um quadro de diarreia. A diarreia é uma doença frequente na atenção primária à saúde (APS) e está entre as principais causas de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento. Estudos mostram a ocorrência de, em média, dois a três episódios de diarreia por criança, por ano, em áreas desenvolvidas, e até ou mais episódios nos países em desenvolvimento. Também são apontadas como consequências diretas da diarreia infantil nesses países a desnutrição, o retardo do crescimento e o prejuízo do desenvolvimento cognitivo. Tanto a incidência como o risco de mortalidade por patologia diarreica são maiores entre as crianças menores de 1 ano, e, depois disso, os números diminuem. No Brasil, é importante destacar o papel dos agentes comunitários de saúde (ACS) para a conscientização da população sobre a importância dos cuidados com a criança desidratada. Ao abordar um indivíduo com suspeita de diarreia, é necessário, em primeiro lugar, classificar o quadro que ele apresenta: Tipos de Diarreia Diarreia Aquosa Diarreia Osmótica Ocorre quando substâncias osmoticamente ativas permanecem no lúmen intestinal, puxando água para dentro do intestino por osmose. Comum em má digestão (ex.: intolerância à lactose) ou má absorção de nutrientes (ex.: doença celíaca). A diarreia cessa com o jejum. Exemplo: ingestão de sorbitol ou manitol em excesso. Diarreia Secretória Caracteriza-se pela secreção ativa de água e eletrólitos pela mucosa intestinal, independentemente da ingestão de alimentos. Não melhora com o jejum. Geralmente causada por toxinas bacterianas (como a do Vibrio cholerae), hormônios tumorais ou doenças intestinais. Exemplo: cólera ou diarreia associada a VIPoma (tumor secretor de peptídeo vasoativo intestinal). Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 105 Diarreia Gordurosa (Esteatorreia) É causada por má digestão ou má absorção de gorduras, resultando em fezes volumosas, brilhantes, flutuantes e de odor fétido. Ocorre em doenças pancreáticas, biliares ou intestinais. Exemplo: insuficiência pancreática crônica, doença celíaca ou síndrome do intestino curto. Diarreia Inflamatória Decorre de inflamação da mucosa intestinal, com exsudação de muco, sangue e pus, além de prejuízo na absorção. É frequente em doenças inflamatórias intestinais (DII) ou infecções invasivas (ex.: Shigella, E. coli entero-invasiva). Exemplo: retocolite ulcerativa ou infecção por Salmonella. Tipo de Diarreia Mecanismo Fisiopatológico Principais Causas Características Clínicas Resposta ao Jejum Osmótica Presença de substâncias osmoticamente ativas no lúmen intestinal, que atraem água. Intolerância à lactose, uso de laxantes osmóticos, má absorção de carboidratos. Fezes aquosas, melhora com jejum, pH fecal ácido, aumento do gap osmótico fecal. Melhora com jejum Secretória Secreção ativa de íons e água pela mucosa intestinal, inibindo a absorção. Cólera, toxinas bacterianas, tumores secretores (VIPoma), doenças endócrinas. Diarreia aquosa em grande volume, persistente mesmo em jejum, desidratação rápida. Não melhora com jejum Gordurosa (Esteatorreia) Má digestão ou má absorção de gorduras, resultando em excesso de lipídios nas fezes. Doença celíaca, insuficiência pancreática, doença hepato- biliar, síndrome do intestino curto. Fezes volumosas, brilhantes, flutuantes, fétidas; perda de peso frequente. Parcial ou variável Inflamatória Inflamação da mucosa intestinal com exsudato de muco, pus ou sangue e lesão epitelial. Doença de Crohn, retocolite ulcerativa, infecções invasivas (Shigella, E. coli EIEC). Fezes com muco, sangue, pus; dor abdominal, febre, urgência evacuatória. Não melhora com jejum Sintomas versus provável etiologia da diarreia aguda Nos quadros de diarreia aguda, as infecções virais, principalmente por rotavírus, são responsáveis por 75 a 90% dos casos. As infecções bacterianas são a causa de 10 a 20% dos casos, com destaque para as infecções secundárias à Escherichia coli (diarreia do viajante). Por sua vez, as infecções parasitárias causam menos de 5% dos quadros diarreicos. É importante que o médico de família esteja atento, a fim de fazer o diagnóstico diferencial de doenças que podem ter episódios de diarreia aguda como seus sintomas. Por exemplo, infecções gastrintestinais (doença inflamatória intestinal [DII], intussuscepção,enterocolite pseudomembranosa, apendicite, alergia alimentar, deficiência de lactase) ou outras doenças (sepse bacteriana, otite média, pneumonia, meningite, infecção do trato urinário). Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 106 Características clínicas da infecção devida a determinados patógenos específicos que produzem diarreia Classificação da diarreia crônica e causas Mg²⁺: íon magnésio PO₄³⁻: íon fosfato SO₄²⁻: íon sulfato Diagnóstico das Diarreias Anamnese História na diarreia aguda A avaliação inicial da diarreia aguda deve priorizar sinais de gravidade e sintomas de desidratação. A observação dos pais quanto à ingestão de líquidos, diurese, diarreia e êmese é útil na identificação de desidratação clinicamente relevante. A investigação etiológica orienta o tratamento e inclui: • Início, frequência e volume das evacuações; • Características das fezes (presença de bile, sangue ou muco); • Presença de vômitos e febre; • História médica, uso de medicamentos, imunossupressão e comorbidades; • Fatores epidemiológicos (viagens recentes, surtos etc.). História na diarreia crônica Ao se avaliar uma pessoa com história de diarreia por mais de 30 dias, deve-se, inicialmente, explorar alguns pontos fundamentais: A partir desses dados, pode-se diferenciar sintomas sugestivos de uma síndrome orgânica daqueles de uma síndrome funcional: A ausência dos alertas vermelhos associada à presença de dor abdominal aliviada com a defecação, ao aumento da frequência de evacuações e à diminuição da consistência das fezes no início da dor, à passagem de muco pelo reto, ao tenesmo e ao relato de distensão abdominal, bem como um exame físico sem alterações sugerem a presença de uma síndrome funcional No entanto, esse quadro clínico não exclui a presença de uma possível doença orgânica. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 107 Alertas vermelhos de doença orgânica, que indicam a necessidade de uma avaliação mais detalhada e imediata, com provável referenciamento a um especialista focal: diarreias factícias, causadas pela ingestão de laxantes omitida pelo paciente, devem ser consideradas em todos aqueles com história de diarreia crônica associada à de transtornos alimentares, à de ganhos secundários ou à de má digestão. • Diarreias factícias: causadas pela ingestão de laxantes omitida pelo paciente, devem ser consideradas em todos aqueles com história de diarreia crônica associada à de transtornos alimentares, à de ganhos secundários ou à de má digestão. A caracterização das fezes é fundamental para a diferenciação do tipo de diarreia crônica: • Nas formas inflamatórias e secretórias, observa-se a presença de fezes pastosas associadas a muco ou sangue. • Na disabsortiva, há esteatorreia e passagem de fezes claras, fétidas e volumosas pela ampola retal. Exame Físico Diarreia Aguda O aspecto mais importante a ser avaliado na diarreia aguda é o nível de hidratação dos indivíduos. Os principais sinais de desidratação que devem ser identificados são o prolongamento do tempo de reperfusão capilar e a alteração do padrão respiratório. Esses sinais, no entanto, quando examinados isoladamente, não oferecem uma boa acurácia para o diagnóstico, ao contrário do que ocorre quando avaliados em associação ou quando presentes em escalas de classificação de desidratação. Vale ressaltar que uma meta- nálise de 13 estudos mostrou que os três melhores sinais de exame para determinar a desidratação das crianças são padrão respiratório anormal, turgência cutânea e tempo prolongado de recarga capilar. Classificação da gravidade da desidratação segundo parâmetros clínicos proposta pelo Centers for Disease Control and Prevention (cdc): Escala da OMS (2005), fundamentada em parâmetros clínicos rapidamente acessíveis: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 108 Alertas vermelhos de desidratação: sinais ou sintomas que indicam risco aumentado de progressão para quadro de choque: • Deve-se, ainda, aferir a temperatura corporal, com o intuito de investigar a presença de febre associada, e mensurar o peso, sobretudo na avaliação de crianças. Isso é necessário porque a comparação entre as medidas obtidas antes e depois da reidratação é um método-padrão para o diagnóstico da desidratação nessa população. • Além disso, deve-se avaliar pulso, frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial. • No exame abdominal, deve-se focar em alterações dos ruídos hidroaéreos, presença de distensão, presença de massa ou de dor à palpação, bem como defesa e sinal de descompressão súbita. Diarreia Crônica O exame físico na avaliação da diarreia crônica é, na maioria das vezes, inespecífico ou inalterado. Pode, em alguns casos, sugerir importantes pistas para o diagnóstico etiológico, como: • Presença de úlceras orais; • Sinais de aterosclerose grave; • Linfadenomegalia; • Sinais de disautonomia e rash cutâneo; • Rubor ou hiperpigmentação da pele. O exame físico deve incluir o peso, a altura e o perímetro cefálico em um padrão gráfico de crescimento. Os sinais de deficiências nutricionais devem ser investigados, como a dermatite perianal, na deficiência de zinco, e alguma deformidade nas pernas, na deficiência de vitamina D. O abdome pode apresentar distensão nas síndromes de má absorção ou excesso de crescimento bacteriano no intestino, ou pode ser muito sensível em um estado inflamatório. O exame do reto também é importante e pode revelar doença perianal na DII, por exemplo, ou perda de tecido subcutâneo da região na doença celíaca e em outros estados de desnutrição. Exames complementares Diarreia Aguda Na maioria das vezes, não é necessária a realização de exames complementares, devido os episódios serem curtos e autolimitados. A identificação de germes patógenos, bactérias, vírus ou parasitas na amostra fecal de uma criança com diarreia não indica, em todos os casos, que isso seja a causa da doença. Coprocultura: deve ser solicitada apenas em casos graves, inflamatórios e com presença de sangue, e em casos de diarreia persistente ou em vigência de um surto. Na suspeita clínica e/ou epidemiológica de um surto/epidemia de cólera, talvez seja necessária a identificação de V. cholera e. Exame parasitológico de fezes (EPF): é raramente recomendado, sendo restrito a situações de persistência dos sintomas por mais de 2 semanas. Eletrólitos: podem ser úteis na avaliação da desidratação grave, para apoiar o médico na suplementação de eletrólitos (especialmente potássio e bicarbonato de sódio). Diarreia Crônica Na maioria das vezes, as informações fornecidas pela anamnese e pelo exame físico são insuficientes na investigação etiológica, sendo necessário a realização de alguns exames preliminares: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 109 Sobretudo com o intuito de categorizar a diarreia em aquosa, gordurosa ou inflamatória. O valor dos exames de imagem para os casos de diarreia crônica é limitado: • Radiografias abdominais: podem apresentar constipação ou dilatação do intestino delgado. • Tomografia computadorizada ou a ressonância magnética: podem ser úteis na DII, pois podem mostrar engrossamento do intestino. • Teste respiratório com hidrogênio expirado: pode evidenciar a má absorção de carboidratos. • Endoscopia: pode ser útil para revelar acúmulo de vilosidades duodenais e linfócitos intraepiteliais na doença celíaca ou na DII. Tratamento O tratamento da diarreia deve ter quatro importantes objetivos: • Prevenir a desidratação. • Tratar a desidratação, quando presente. • Prevenir/tratar a desnutrição. • Diminuir a duração e a gravidade do quadro atual de diarreia, bem como prevenir futuros episódios. Esses objetivos podem ser alcançados por meio do uso adequado da terapia de reidratação oral, da manutenção de uma alimentaçãodo homem obeso. Obesidade do tipo ginóide Quando a gordura se distribui, principalmente, na metade inferior do corpo, particularmente na região glútea e coxas. É típica da mulher obesa. IMC – índice de Massa Corporal O IMC é recomendado como uma estimativa prática de sobrepeso em adultos, mas necessita ser interpretado com cautela porque não é uma medida direta da adiposidade. Em adultos com grande massa muscular, o IMC superestima a adiposidade. Não se recomenda como rotina o uso da bioimpedância para medida da adiposidade geral. O acúmulo de gordura pode ser mensurado por meio do índice de massa corporal (IMC), calculado pela divisão do peso em quilogramas pelo quadrado da altura em metros. O IMC correlaciona-se com os fatores de risco à saúde e é utilizado para classificar o grau de obesidade: 𝐼𝑀𝐶 = 𝑃𝑒𝑠𝑜 𝐴𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎! Classificação do índice de massa corporal e do risco de comorbidades em adultos: Em crianças e adolescentes, o limite de normalidade é estabelecido por curvas de percentil do IMC, nas quais o sobrepeso corresponde ao IMC entre 85 e 95% para faixa etária e sexo, e a obesidade corresponde ao valor acima de 95%. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 7 A avaliação da gordura abdominal – medida da circunferência – deve ser usada em adultos com IMC menor do que 35 kg/m2. Na criança, essa medida não é recomendada como rotina, mas pode ser usada como uma avaliação adicional de risco. Complicações A adiposidade está relacionada a outras doenças por vários mecanismos: o tecido adiposo em excesso se acompanha de aumento de macrófagos e outras células imunes que secretam mediadores inflamatórios que contribuem para o desenvolvimento de resistência à insulina; a adiposidade generalizada nos tecidos leva a problemas mecânicos (compressão renal, refluxo gastresofágico [RGE], sobrecarga das articulações, entre outros) e metabólicos, como, por exemplo, lipotoxicidade dos ácidos graxos livres, levando à esteatose e à cirrose. A obesidade também provoca alterações socioeconômicas e psicossociais: • Discriminação educativa, laboral e social; • Isolamento social; • Depressão e perda de autoestima. Diagnóstico da Obesidade Anamnese Na avaliação inicial, deve ser investigada a história do excesso de peso: • Idade de início; • Maior e menor pesos alcançados; • História familiar de obesidade; • Tentativas anteriores de emagrecimento; • Sucessos obtidos; • Fatores precipitantes das recaídas. Estilo de vida: é necessário investigar sobre o comportamento alimentar e padrão de atividade física pessoal e familiar, suas expectativas relacionadas ao peso desejado, isto é, quanto a pessoa espera pesar ao final do tratamento, a velocidade de perda esperada e as consequências da perda de peso dos pontos de vista psíquico e físico. Esses dados permitem avaliar as possíveis causas da obesidade, assim como suas repercussões psicológicas. Consequências físicas: são avaliadas pela presença de comorbidades, como DM2, hipertensão, DCV, osteoartrite, dislipidemia, apneia do sono e outros problemas clínicos. Raramente, a obesidade pode estar associada a causas secundárias. Deve-se buscar sintomas de: • Doenças endócrinas: sintomas de hipotireoidismo, síndrome de Cushing, acromegalia. • Uso de medicamentos associados ao ganho de peso: antidiabéticos (insulina, sulfonilureias, tiazolidinedionas), hormônios esteroides, antipsicóticos, estabilizadores do humor (lítio), antidepressivos (tricíclicos, paroxetina, mirtazapina, inibidores da monoaminoxidase), anticonvulsivantes (valproato, gabapentina, carbamazepina), beta- bloqueadores. • Transtornos psiquiátricos: depressão, estresse pós-traumático, ansiedade, transtorno do humor bipolar, uso de drogas, transtorno do Binge e bulimia são comumente associados à obesidade, e seu manejo deve ser providenciado. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 8 Exame Físico Além das medidas antropométricas do paciente e do cálculo do IMC, deve-se, no exame físico, buscar sinais de doenças associadas à obesidade secundária: pele seca, fria e descamativa, cabelos finos e secos, voz rouca, madarose, edema duro, presença de bócio (hipotireoidismo), obesidade centrípeta e com giba, presença de acantose nigricante, estrias purpúricas (síndrome de Cushing), aspecto facial característico de acromegalia com prognatismo e feições rudes, mãos grandes e com aumento dos tecidos moles. Exames Complementares Em geral, é suficiente a medida de perfil lipídico, glicemia e pressão arterial (PA). Quando existe suspeita de doenças causando a obesidade, deve-se proceder à investigação apropriada. Tratamento O tratamento da obesidade é complexo e multidisciplinar. As mudanças comportamentais necessárias à perda de peso só serão possíveis em pessoas motivadas. Assim, é sempre necessário avaliar se a pessoa deseja perder peso e oferecer informações e apoio, respeitando sua autonomia. O nível de intervenção proposto inicialmente deve basear-se: Classificação do IMC: • Sobrepeso: ≥ 25-29,9 Kg/m2 – risco aumentado; • Obesidade Grau I: ≥ 30-34,9 Kg/m2 – risco moderado; • Obesidade Grau II: ≥ 35-39,9 Kg/m2 – risco intenso; • Obesidade Grau III: ≥ 40 Kg/m2 – risco muito intenso. Circunferência Abdominal: • Normal: homens atéadequada e, em alguns casos, do uso criterioso de medicação sintomática. Passo 1: Definir o grau de desidratação para se escolher o plano de tratamento mais adequado. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 110 Passo 2: Definir o plano de tratamento para cada situação clínica Passo 3: Iniciar, imediatamente, o manejo da pessoa com queixa de diarreia de acordo com o plano definido no passo 2. Abordagem Medicamentosa Em certas circunstâncias, o uso de antibioticoterapia é necessário. Segundo a OMS, o tratamento com antibióticos só está indicado nos seguintes casos: • Diarreia com sangue e/ou muco, sendo a Shig ella e a Salmonella os principais agentes etiológicos responsáveis pelo quadro. • Septicemia. • Suspeita de infecção por V. cholerae com desidratação grave associada. • Quadro de giardíase ou amebíase com diagnóstico confirmado por exame laboratorial. Prescrição de antibioticoterapia de acordo com o quadro clínico apresentado: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 111 É importante destacar, no entanto, que, assim como em qualquer outro tratamento, a pessoa deve ser reavaliada pelo médico até 48 horas após o início da antibioticoterapia.3 Isso deve ser feito com o intuito de investigar uma possível falha terapêutica e com a necessidade de se ampliar o espectro do fármaco, ou até mesmo reconsiderar outras hipóteses diagnósticas. • O uso de medicações antidiarreicas (“constipantes”), sabe-se que isso é contraindicado. • Fármacos antieméticos: especificamente a metoclopramida, não há evidências de suporte adequado com o seu uso em crianças que apresentam vômitos. Dessa forma, orienta-se que ela deve ser evitada, uma vez que a sedação pode prejudicar a adesão ao tratamento com SRO. • Suplementação de zinco: o impacto do uso tanto na redução da gravidade do episódio diarreico quanto na redução de episódios subsequentes de diarreia em crianças menores de 5 anos, tem sido demonstrado nos últimos anos. É importante destacar que a maioria dos estudos que sustentam essa prática foi realizada em regiões pobres e com crianças em maior risco de desenvolver episódio diarreico mais grave. A dose recomendada é: o 20 mg de zinco por dia, durante 10 dias, para todas as crianças com diarreia. o Os lactentes de 2 meses ou menores deveriam receber 10 mg por dia durante 10 dias. • Probióticos: probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades apropriadas, conferem benefício à saúde do hospedeiro. Alguns probióticos, como Lactobacillus reuteri ATCC 55730 , L. rhamnosus GG, L. casei DN- 114 001 e Saccharomyces cer evisiae (boulardii) são úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em, aproximadamente, 1 dia a duração da doença. Tratamento da Diarreia Crônica Deve ser realizado de acordo com a sua possível causa. Assim, diante de um diagnóstico, cabe ao médico de família procurar pelas melhores evidências relativas ao tema e avaliar a conduta mais adequada de acordo com a realidade em que trabalha. Além disso, são fundamentais as medidas de reidratação, de combate à desnutrição e de reposição das vitaminas e dos sais minerais, para melhora dos sintomas, ou pelo menos para o suporte ao paciente enquanto se realizam as intervenções diagnósticas e terapêuticas necessárias. Vigilância Epidemiológica A diarreia aguda não consiste em doença de notificação compulsória nacional, em vigência de diagnóstico de casos isolados, ao contrário do que ocorre em suspeita de surtos. Portanto, na suspeita de um surto de doença diarreica transmitida por alimento, com a ocorrência de, no mínimo, dois casos de diarreia aguda semelhantes após a ingesta do mesmo alimento ou de água de mesma origem, é importante lembrar-se sempre de realizar a notificação. Quando Referenciar • Pessoa que apresente desidratação grave. • Pessoa com diarreia crônica que necessite de avaliação do especialista focal para o estabelecimento do diagnóstico e/ou continuidade do tratamento. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 112 Papel da Equipe Multiprofissional no Manejo da Diarreia • Enfermeiro: avalia inicialmente o paciente com diarreia na APS, iniciando rapidamente a reposição hidroeletrolítica com SRO. Pode conduzir casos leves e auxiliar nos moderados a graves. • ACS: atua na prevenção, com orientações sobre higiene e água segura, além de fazer vigilância ativa e encaminhamento precoce em casos de desidratação. • Nutricionista: avalia e orienta pacientes com diarreia crônica, ajudando no controle da desidratação, desnutrição e ajustando dietas em casos de intolerâncias alimentares. Árvore de Decisão Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1473. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 06 jun. 2025. Constipação A constipação, primária ou funcional, é a queixa mais comum em ambulatórios de atenção primária à saúde (APS) e está relacionada com a dieta e o estilo de vida, como o baixo consumo de fibras e o sedentarismo, além de distúrbios de motilidade idiopáticos do cólon. É importante tentar estabelecer o que realmente a pessoa considera como constipação e quais são as suas expectativas de um hábito intestinal normal. Sintomas de longa data, com melhoras e pioras ao longo do tempo, tendem a ser Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 113 relacionados à constipação funcional, ao passo que causas orgânicas se apresentam de forma mais aguda. A história psicossocial e familiar deve ser abordada – sintomas depressivos, de ansiedade, transtornos alimentares, somatizações, traumas na infância e abuso físico e sexual podem estar associados à constipação. Não há evidências suficientes que permitam indicar o uso rotineiro de exames de sangue, radiológicos ou endoscópicos na avaliação de pessoas com constipação. Os exames complementares devem ser realizados para avaliação de uma possível causa secundária apenas quando a anamnese e o exame físico levantarem alguma suspeita específica. Estudos recentes, utilizando como desfecho a constipação segundo os critérios de ROMA III, têm se aproximado de uma prevalência média de 25,2 e 26,9%. É um problema mais comum em mulheres (37,2%, contra 10,2% nos homens), em pessoas não brancas, com mais de 65 anos, que possuem baixa renda, com baixo nível socioeducacional e em pessoas que não praticam atividades físicas. Algumas pessoas se consideram constipadas pela consistência mais endurecida das fezes, e outras referem menor frequência ou maior dificuldade para evacuar. Fundamentando-se nas queixas dos pacientes, a constipação pode ser referida como fezes endurecidas, esforço excessivo no ato evacuatório, evacuações infrequentes, sensação de evacuação incompleta e até mesmo demora excessiva no banheiro. Classificação e Diagnóstico Diferencial Constipação Primária Também chamada de funcional, é a causa mais comum de consulta em ambulatórios de APS. Suas principais causas são dietéticas e de estilo de vida, como o baixo consumo de fibras e o sedentarismo, além de distúrbios de motilidade idiopáticos do cólon. A definição para constipação funcional, que é recomendada na maioria dos consensos e diretrizes, foi estabelecida pelo Consenso de Roma III, a qual pode ser utilizada tanto para fins diagnósticos como de pesquisa. A constipação funcional pode ser dividida em três grupos fisiopatológicos que frequentemente se encontram sobrepostos, os quais são de difícil distinção na avaliação clínica. • O primeiro grupo caracteriza-se por trânsito intestinal normal, porém apresentando dificuldades para o ato evacuatório. • O segundo grupo apresentatrânsito intestinal lento. • O terceiro grupo caracteriza-se por disfunção do assoalho pélvico, ocorrendo incoordenação da musculatura pélvica e esfincteriana, bloqueio anorretal e necessidade de esforço evacuatório. Critérios de Roma III para diagnóstico de Constipação Funcional 1. Dois ou mais dos seguintes achados: • Esforço presente em pelo menos 25% das evacuações. • Fezes endurecidas ou fragmentadas em pelo menos 25% das evacuações. • Sensação de esvaziamento incompleto em pelo menos 25% das evacuações. • Sensação de obstrução ou bloqueio anorretal em pelo menos 25% das evacuações. • Manobras manuais para facilitar pelo menos 25% das evacuações (p. ex., manobras digitais para evacuar, apoio pélvico ou vaginal). • Menos de três evacuações espontâneas por semana. 2. Fezes amolecidas são raras na ausência de uso de laxativos. 3. Critérios para SII não estão presentes. Os sintomas devem estar presentes nos últimos 3 meses e devem ter se iniciado há pelo menos 6 meses. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 114 Constipação Secundária Quando é associada a alguma condição patológica ou ao uso de medicamentos. Causas Comuns em Constipação Secundária Diagnóstico Anamnese História clínica: é importante tentar estabelecer o que realmente a pessoa considera como constipação e quais são as suas expectativas de um hábito intestinal normal. Em estudos, apenas 50% das pessoas que referiram constipação preenchiam os critérios de ROMA III. Técnica de medicina centrada na pessoa: permite a exploração da sua experiência com o problema, além do seu contexto pessoal, familiar e comunitário, sendo fundamental para esclarecer as situações em que há constante dificuldade com a defecação e/ou redução da qualidade de vida. Esse pode ser um critério mais inclusivo e que permite identificar melhor as pessoas que necessitam de avaliação e tratamento. Sintomas de longa data, com melhoras e pioras ao longo do tempo, tendem a ser relacionados à constipação funcional, e causas orgânicas apresentam-se de forma mais aguda. Uma escuta qualificada exige a determinação não somente da frequência e da consistência fecais, mas também de dificuldades enfrentadas (dor, sangramento, tamanho das fezes). A anamnese deve ser direcionada para a detecção de causas secundárias e dos alertas vermelhos. A presença dos alertas vermelhos não é indicativa absoluta de referenciamento e depende da disponibilidade de exames na APS. No entanto, indica uma condição de maior probabilidade para doença orgânica e, em geral, necessita de investigação do trato digestivo baixo. Hábitos de vida e dietéticos: pessoas que ingerem mais de 15 g de fibras insolúveis por dia têm o dobro do número de movimentos intestinais semanais do que aquelas que ingerem fibras de forma irregular. A inatividade física, seja por sedentarismo ou por doenças, também tem um papel importante na redução dos movimentos intestinais. Uso de medicamentos: a correta avaliação do uso de medicamentos não pode ser esquecida, pois a motilidade colônica pode ser reduzida com o uso continuado de laxantes, enemas e outros medicamentos que não são essenciais. Sensação de esvaziamento retal incompleto, associada com uso de força excessiva para extrusão das fezes e manobras manuais frequentes para desimpactação direcionam para alterações obstrutivas/mecânicas anorretais, que incluem doença de Hirschprung, estreitamento anal, câncer, prolapso retal, retoceles ou disfunções do assoalho pélvico. História psicossocial e familiar: intomas depressivos, de ansiedade, transtornos alimentares, somatizações, traumas na infância e abuso físico e sexual podem estar associados à Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 115 constipação. Esses achados, em geral, apontam para a constipação funcional. Doença de Hirschsprung (DH): pessoas ue tenham constipação de início na infância, com sintomas bastante expressivos, envolvendo uso de enemas para desobstrução e frequência de evacuação muito baixa (podendo ficar até mais de 2 semanas sem movimento intestinal) são suspeitas de aganglionose colônica congênita ou DH. Doença de Chagas (DC): em áreas endêmicas para DC, deve- se levar em consideração a ocorrência de megacolo adquirido em pessoas com constipação de difícil tratamento. Exame Físico Deve ser direcionado pelos achados da anmnese e com o objetivo de detectar causas secundárias e alertas vermelhos. O exame abdominal comumente revela dor (fraca e sem dor à descompressão) e distensão abdominal, mesmo nas constipações funcionais crônicas. Massas intestinais são de difícil palpação, porém, quando encontradas, devem ser investigadas. Fecalomas localizados em regiões mais altas do intestino também podem ser palpados e são representados por massas endurecidas, móveis, em topografia intestinal e indolores. O peso e o estado nutricional devem ser observados para registrar emagrecimento e desnutrição. A palidez mucosa é um sinal indireto de anemia e deve sempre ser investigada. O exame anorretal é realizado com o paciente em decúbito lateral esquerdo e pode trazer importantes informações: • A inspeção em repouso e dinâmica (com manobra de Valsalva) identifica fissuras agudas e crônicas, escoriações, hemorroidas externas ou prolapsos retais, que podem ser causadas pela constipação ou podem produzir dor que leve à constipação crônica. • Podem-se identificar causas infecciosas, como herpes genital ou abscessos perianais, além de fístulas. • Durante o exame, ao solicitar que a pessoa realize a contração anal (como se fosse defecar), a observação de assimetria na abertura do ânus ou a sua abertura excessiva denotam distúrbio neurológico que altera a função esfincteriana. • O toque retal pode revelar massas, úlceras ou fecalomas; em homens, o exame também pode revelar aumento do tamanho da próstata. A retocele é verificada em exame ginecológico, pela proeminência da parede posterior da vagina ao solicitar que a paciente realize contração pélvica. Exames Complementares Os exames complementares devem ser realizados para avaliação de uma possível causa secundária apenas quando a anamnese e o exame físico levantarem alguma suspeita específica. Colonoscopia: a realização da colonoscopia de rotina em pessoas constipadas não diagnostica doenças orgânicas mais frequentemente do que na população assintomática. A presença dos alertas vermelhos indica necessidade de investigar o TGI, devido a um aumento na probabilidade de haver uma doença orgânica associada, sobretudo neoplasias. Nesses casos, é recomendada a realização de colonoscopia ou retossigmoidoscopia flexível, sendo a colonoscopia um exame mais sensível, especialmente para detecção de câncer colorretal e lesões que provoquem estreitamento do cólon Diabetes e hipotireoidismo: a probabilidade pré-teste de hipotireoidismo ou diabetes não é maior em pessoas constipadas do que em assintomáticos, não justificando, somente pela constipação, a realização de testes para rastreamento dessas patologias na avaliação inicial. Pesquisa de sangue oculto nas fezes: é importante lembrar- se de que, após a idade de 50 anos, há recomendação para realização de rastreamento universal para câncer colorretal. Pode-se indicar a pesquisa de sangue oculto nas fezes para os indivíduos constipados com mais de 50 anos, para pesquisa de sinal de alerta e rastreamento de neoplasia colorretal. Esse exame é, em geral, mais disponível e de fácil realização quando comparado com colonoscopia ou retossigmoidoscopia. Alguns exames podem identificar causas secundárias de constipação e são indicados nos casos em que a anamnese e o exame físico forem sugestivos de alguma etiologia específica: • Hemograma completo: anemia, que pode sugerir neoplasias; • Glicose em jejum: diabetes; • Pesquisa de sangue oculto nas fezes: sangramento oculto, neoplasias; • Hormônio estimulante da tireoide(TSH): hipotireoidismo. • Potássio sérico: hipocalemia; • Cálcio sérico: hipercalcemia; Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 116 • Exame comum de urina e creatinina sérica: doença renal. • Enema opaco: é o exame de preferência quando houver suspeita de estreitamento colônico (por aderências, doença inflamatória intestinal ou diverticulose) ou suspeita de megacólon congênito ou adquirido. Exames bastante específicos que são utilizados para avaliação do trânsito colônico e do funcionamento da musculatura do assoalho pélvico: trânsito colônico, teste da expulsão de balão, manometria anorretal, ressonância magnética pélvica dinâmica e defecografia. Provável que a utilização deles deva ser avaliada e indicada em conjunto com o gastrenterologista, o proctologista ou por meio de consultorias, podendo ter utilidade nos casos refratários e mais graves. São testes com pouca disponibilidade, mesmo em redes de atenção terciária. Tratamento Não Medicamentoso Orientações O tratamento da constipação funcional crônica envolve inicialmente educação para a saúde e mudanças de estilo de vida. Assegurar ao paciente a ausência de doença grave é um importante passo inicial, dado que muitas pessoas relacionam a constipação ao medo de câncer intestinal. A pessoa deve ser esclarecida sobre a variação da frequência de movimentos intestinais que são esperados e que não há necessidade de evacuações diárias para a manutenção da saúde. A necessidade de evacuar não deve ser ignorada e pode-se estimular a regularização do hábito intestinal encorajando a pessoa a permanecer sentada no vaso sanitário por alguns minutos diariamente, sobretudo após refeições e pela manhã, aproveitando o reflexo gastrocólico. Dieta e Atividade Física As principais orientações no início do tratamento da constipação funcional crônica referem-se ao aumento da ingestão de fibras e líquidos, além de manutenção de atividade física regular. Recomenda-se uma quantidade de 25 a 35 g de fibras diárias. As fibras provenientes de alimentos podem ser complementadas por farelos (cereais) integrais, adicionando, por exemplo, duas a seis colheres de sopa de farelo de trigo, aveia ou linhaça a cada refeição, seguidos por um ou dois copos de água ou outro líquido. O aumento do consumo de líquidos deve sempre ser estimulado para melhor funcionamento da técnica. • É importante também explicar ao indivíduo que o aumento do consumo de fibras e líquidos produz efeitos em 7 a 10 dias. • O aumento do consumo de fibras pode associar-se à dor abdominal, distensão e flatulência, devendo-se aumentar a dose diária gradualmente, para atenuar os efeitos colaterais. Técnicas de biofeedback Consistem em treinamento para aprimorar o relaxamento da musculatura pélvica, associada a esforço evacuatório, para melhor atingir a defecação. Essa técnica encontra evidências de benefício em casos refratários e, principalmente, nas pessoas com disfunção do assoalho pélvico. Esses últimos são mais propensos a responder ao biofeedback do que a laxantes Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 117 e dieta. É uma técnica ainda pouco disponível, que requer treinamento de equipe e instrumental para sua realização, além de carecer de normatização. Medicamentoso Nos casos que não responderem adequadamente às medidas anteriores, pode-se prescrever o uso de agentes laxativos. Encontram-se melhores evidências de que a lactulose, o polietilenoglicol e o psyllium podem aumentar a frequência ou reduzir a consistência das fezes, sendo mais eficazes do que placebo. Os agentes laxativos podem ser utilizados de forma intermitente, por períodos de alguns dias intercalados com intervalos sem medicamentos, ou de forma crônica. O uso de laxativos deve levar em consideração o custo e a efetividade individual. Parece adequado utilizar laxantes de forma escalonada, e sem sobreposição: • Primeiramente, agentes formadores de bolo fecal, os quais são seguros e de baixo custo, em conjunto com o aumento de fibras, de líquidos e a realização de exercícios físicos. Lembrar-se de que os formadores de bolo demoram 7 a 10 dias para produzirem efeitos. • Posteriormente, pode ser utilizado um laxante osmótico, se necessário. Os laxantes osmóticos têm um tempo de início de ação de 24 a 48 horas. • Em seguida, prescrever os laxantes estimulantes e emolientes, que devem ser usados apenas na ausência de resposta aos agentes anteriores. Os laxantes emolientes (óleo mineral, docusato) necessitam de atenção em pessoas com disfagia, pelo elevado risco de aspiração. Além disso, em prazo mais prolongado, podem prejudicar a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K). • Laxativos procinéticos: a prucaloprida é um agonista serotoninérgico enterocinético que age aumentando os movimentos intestinais em pacientes com constipação severa. A lubiprostona é um estimulador seletivo dos canais de cloro tipo 2, localizados na membrana apical do epitélio gastrintestinal. Como resultado, há um aumento na secreção de líquido intestinal rico em cloro, o que estimula os movimentos intestinais e facilita a passagem de fezes amolecidas (hidratadas) através do intestino. Ambos são recomendados em constipação severa e não responsiva aos demais laxantes, devendo-se usá-los como tratamento de exceção. São, ainda, de custo mais elevado e menos disponíveis. Enemas (glicerinados ou de água morna) Em pessoas com constipação de difícil tratamento, como idosos que têm pouca mobilidade ou doenças neurológicas, mudanças dietéticas e laxantes podem não ter efeito. Nesses casos, se a evacuação não ocorre a cada 3 dias e houver sintomas de desconforto, ou, ainda, quando houver fecaloma, podem ser utilizados enemas (glicerinados ou de água morna) por alguns dias consecutivos (sugere-se não exceder 3 dias) e fragmentação digital do fecaloma, para promover a Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 118 desimpactação fecal, e, após uma adequada limpeza do trato digestório, manter uso de laxantes diariamente para manutenção e facilitação da evacuação. Nesses casos, a preferência é pelos laxantes com melhor evidência de benefício, como os osmóticos (polietilenoglicol e lactulose), seguidos dos laxantes estimulantes. Em pacientes acamados ou demenciados, pode ser necessária a manutenção de enemas, uma ou duas vezes na semana, para evitar recorrência na impactação, além do uso de supositórios de glicerina associados aos laxantes, uma vez que estes também auxiliam na liquefação das fezes. Quando Referenciar O encaminhamento deve considerar a presença de patologias associadas, resposta ao tratamento e os recursos disponíveis. Constipação funcional crônica refratária pode exigir avaliação por equipe multiprofissional (gastroenterologista, proctologista, nutricionista, psicólogo). Exames especializados (ex.: trânsito colônico, manometria anorretal, defecografia) ajudam a indicar tratamentos como biofeedback, toxina botulínica ou cirurgia. Doenças anorretais dolorosas (fissuras, prolapsos, hemorroidas, abscessos) devem ser avaliadas por proctologista se refratárias. Retocele só deve ser encaminhada se o esvaziamento for incompleto, mesmo com manobras manuais. Alterações estruturais (estreitamento colônico, megacolo/retreto, doença de Hirschsprung) requerem avaliação cirúrgica. Sinais de alerta (ex.: suspeita de neoplasia) demandam encaminhamento urgente. Pessoas acamadas ou com demência, sem resposta a laxantes/enemas, podem precisar de desimpactação hospitalar. Quadros de abdome agudo ou oclusão intestinal deve ter referenciamento cirúrgico imediato. Papel da Equipe Multiprofissional Enfermeiro: • Importante na escuta e triagem de casos que exigem atenção médica. • Atua no seguimento de pacientes com medidas não farmacológicas. • Auxilia na detecção de casos refratários. • Essencial em pacientes acamados, orientando famíliassobre cuidados como enemas e supositóriosdomiciliares. Nutricionista: • Indicado para orientar ajustes dietéticos, como o aumento de fibras, líquidos e uso de coquetéis laxativos naturais. Psicólogo: • Contribui nos casos com aspectos emocionais relevantes ou resistência ao tratamento, comuns na constipação crônica. Árvore da Decisão Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1481. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 06 jun. 2025. SEMANA 16: DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO DAS PRINCIPAIS PARASITOSES INTESTINAIS NA APS – DATA: Objetivos da Semana Objetivo Geral Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 119 • Compreender o diagnóstico e acompanhamento das principais parasitoses intestinais na APS. Parasitoses Intestinais As parasitoses intestinais são doenças cujos agentes etiológicos são helmintos ou protozoários que, em pelo menos um dos períodos do ciclo evolutivo, se localizam no aparelho digestório do homem. A via oral-fecal é a principal fonte de infecção, bem como água ou alimentos contaminados. As parasitoses intestinais são um problema de saúde pública mundial. Elas pertencem ao grupo de doenças infecciosas negligenciadas (DINs), em especial as helmintíases transmitidas pelo solo (HTSs). Saneamento básico e medidas individuais e coletivas de higiene são de extrema importância para se evitar a transmissão de parasitas. Em condições de grande vulnerabilidade, o tratamento periódico das parasitoses intestinais diminui a sua prevalência, principalmente se associado a medidas de saneamento básico e higiene. Em condições de higiene e saneamento básico adequados, a suspeita diagnóstica deve basear-se na anamnese, no exame físico e, se necessário, em exames complementares. Não é necessário o tratamento periódico para parasitoses intestinais nesses casos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu as HTSs (Ascaris, Trichuris e Ancylostoma) entre as DINs, bem como no plano mundial de desparasitação (deworming), para reduzir a prevalência entre crianças em idade escolar nas áreas de alto risco. No Brasil, a quimioterapia preventiva visando ao controle da HTS foi regulamentada em um plano nacional para o controle de DINs. Os parasitas que mais comumente causam parasitoses intestinais são Giardia lamblia (giardíase), Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura (helmintíases) e Ancylostoma duodenale. Menos prevalentes são as parasitoses causadas por Strongyloides stercoralis (helmintíase) e Enterobius vermicularis (enterobíase ou oxiuríase). Quanto à amebíase, em algumas das referências pesquisadas, esse parasita aparece com baixa prevalência. Em outras, evidencia-se como uma das enteroparasitoses mais prevalentes, junto com Giardia, Ascaris e Trichuris. Os agentes causadores de teníase (Taenia solium e Taeni a saginata), apesar da baixa prevalência quando comparados aos parasitas supracitados, são importantes devido às graves complicações do complexo teníase/cisticercose, devendo ser lembrados em momentos de diagnósticos diferenciais, principalmente em regiões com precárias condições de saneamento. A localização mais frequente da cisticercose é o sistema nervoso central (SNC), sendo responsável por muitas formas de epilepsia. O Schistosoma mansoni, causador de esquistossomose, apesar da baixa prevalência e de ser endêmico em regiões restritas do Brasil tem sua relevância clínica pelo número expressivo de formas graves e óbitos. Entamoeba coli e Endolimax nana são parasitas encontrados com frequência nos exames coproparasitológicos; porém, normalmente não têm ação patogênica. Quando Pensar Sempre se deve pensar em parasitoses intestinais em locais onde há condições de higiene precárias. Os principais condicionantes das enteroparasitoses são as circunstâncias de higiene e o saneamento básico, bem como o nível socioeconômico e a escolaridade da população analisada. As maiores prevalências ocorrem em situações de condições mais precárias, o mesmo ocorrendo para o poliparasitismo. As crianças (2-6 anos) que frequentam creches apresentam maior prevalência de parasitoses quando comparadas às crianças que não frequentam essas instituições. Tais Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 120 diferenças mantêm-se tanto para helmintos como para protozoários. Nos casos de enterobíase, as maiores prevalências estão associadas ao baixo nível de escolaridade materna, a habitações em áreas rurais e às precárias condições de higiene, principalmente após a defecação. Sintomas Sintomas podem ou não estar presentes, variando de ausência a estado subagudo ou crônico. Os sintomas, muitas vezes, são vagos e inespecíficos, o que dificulta o diagnóstico clínico, salvo exceções de prurido anal em casos de enterobíase (oxiuríase) e quando há eliminações de vermes na ascaridíase. Os sintomas podem manifestar-se por: • Diarreia: aquosa, mucoide, aguda, persistente, intermitente; • Dor abdominal: desconforto vago a cólicas; • Dispepsia; • Anorexia; • Astenia; • Emagrecimento; e • Distensão abdominal. Em crianças com enteroparasitas, observaram-se: • Sintomas intestinais: diarreia, vômito, epigastralgia, perda de apetite, flatulência; • Sintomas cutâneos: prurido; • Sintomas respiratórios: tosse, dor de garganta, secreção nasal. Associação significativa: • Ascaridíase → epigastralgia; • Giardíase → dor abdominal, diarreia e flatulência. Entamoeba histolytica não apresentou associação com sintomas. Morbidades associadas: déficit pôndero-estatural e anemia ferropriva. Principais Parasitoses Ascaridíase e Tricuríase Transmissão Sua transmissão pode ocorrer através de alimentos vegetais mal lavados (hortaliças), terra contaminada e água não tratada (ausência de rede de distribuição e de coleta), entre outros fatores em que ocorra exposição ao meio ambiente contaminado. O parasita adulto habita o trato gastrintestinal (TGI), produz ovos, que são eliminados através das fezes para o meio ambiente, onde requerem período de maturação para se tornem infectantes. Complicações da Ascaridíase Obstrução intestinal, perfuração intestinal, volvo, colecistite, pancreatite, abscesso hepático, manifestações pulmonares (broncospasmo, hemoptise, pneumonite – síndrome de Löefler –, eosinofilia importante). Complicações da Tricuríase Anemia severa, em grandes infestações, e o decorrente atraso no desenvolvimento de crianças, em condições crônicas. Giardíase Transmissão A transmissão ocorre pelo contato entre humanos (oral-fecal), mesmo em ambientes saneados, também podendo ocorrer por água contaminada, visto que a eliminação do parasita infectante ocorre desde o momento de eliminação das fezes. Complicações Síndrome de má absorção. Enterobíase Transmissão A transmissão se dá pelo contato interpessoal. As fêmeas adultas depositam ovos na região perianal, causando como sintomatologia o prurido. Os ovos podem ser transmitidos diretamente para os contatos da pessoa infectada, indiretamente através de poeiras, alimentos ou roupas contaminados, e, também, pode haver a retroinfestação, com a migração das larvas para as regiões superiores do intestino. Complicações Vulvovaginites, salpingites, infecções devido às escoriações provocadas pela coçadura, granulomas pélvicos. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 121 Estrongiloidíase e Ancilostomíase Transmissão São transmitidas pela penetração da larva filarioide através da pele, chegando aos pulmões e, destes, ao TGI, onde se desenvolve o indivíduo adulto. As formas adultas liberam larvas não infectantes que, no meio externo, podem tornar-se infectantes ou indivíduos adultos de vida livre, com capacidadede acasalamento, mantendo o ciclo de infestação. Animais domésticos (gatos e cachorros), além do homem, podem ser reservatórios deste parasita. Complicações da Estrongiloidíase Síndrome de má absorção, síndrome de Löefler. Em imunocomprometidos, em uso de corticoides ou com desnutrição grave: edema pulmonar, superinfecção, infecção oportunística. Formas sistêmicas: sepse. Complicações da Ancilostomíase Anemia, hipoproteinemia (insuficiência cardíaca, anasarca), hemoptise, pneumonite (quando larvas migram para os pulmões). Amebíase Transmissão A transmissão ocorre pela ingesta de água e/ou alimentos contaminados por dejetos contendo cistos do protozoário. Complicações Granulomas (amebomas) no intestino grosso, abscesso hepático, abscesso cerebral, abscesso pulmonar, colite fulminante, empiema, pericardite. Teníase Transmissão A teníase ocorre por ingesta de carne crua ou mal passada de animais com cisticercose, seja ela por cisticerco de T. saginata (carne de vaca) ou cisticerco de T. solium (carne de porco). Fatores econômicos, culturais (hábitos alimentares) e religiosos tendem a expor certos grupos de indivíduos em maior ou menor grau, como o uso de carne crua. A cisticercose humana ocorre quando o homem se torna hospedeiro intermediário após a ingesta de ovos de T. solium. Após 1 a 3 dias da ingestão de ovos, ocorre liberação dos embriões no duodeno e jejuno. As larvas alcançam a circulação sanguínea e se fixam em diversos tecidos. A teníase é um fator importante para o aparecimento da cisticercose humana, havendo inter-relação estreita entre teníase e cisticercose. O homem adquire cisticercose pela ingestão de ovos de T. solium por meio de alimentos contaminados, uso de água de irrigação e em área de criação de porcos. Outra fonte importante de contaminação são os manipuladores de alimentos, e o próprio portador de teníase, em razão de maus hábitos de higiene, também pode auto contaminar-se. Complicações da Teníase/cisticercose Quando há ingesta, pelo homem, de ovos da tênia adulta, os embriões podem migrar para o SNC, causando a neurocisticercose, sendo considerada a mais grave das infecções parasitárias do sistema nervoso humano, podendo causar convulsões, hipertensão intracraniana, cefaleia e meningite. A cisticercose pode localizar-se também no globo ocular, causando cegueira, e no tecido muscular, causando cãibras. A neurocisticercose é considerada a causa isolada mais comum de epilepsia. Esquistossomose Transmissão É adquirida pelo contato pele e mucosas em consequência do contato humano com águas de lagoas contendo formas infectantes do S. mansoni (larvas cercárias). Quando a larva cercária penetra na pele ou mucosa do homem, atinge a circulação sanguínea e se instala preferencialmente no fígado até atingir a fase adulta do verme, deslocando-se para os vasos mesentéricos no intestino grosso e delgado, iniciando a postura de ovos pelas fezes, que são eliminados em lagoas. Os ovos na água se transformam em miracídios que, em contato com o caramujo Biomphalaria, fazem ciclo intermediário no intestino do animal, transformando-se em larvas cercárias que penetram no ser humano, e o ciclo se reinicia. A transmissão da doença depende da presença do homem infectado, excretando ovos do helminto pelas fezes, e dos caramujos Biomphalaria que vivem em água-doce, que atuam como hospedeiros intermediários, liberando larvas infectantes (cercárias) do verme nas coleções hídricas utilizadas pelos seres humanos. Complicações A partir da penetração das larvas cercárias na pele ou nas mucosas e todo o ciclo realizado na circulação sanguínea, Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 122 fígado, intestino, a doença apresenta a forma aguda, e a crônica, a partir de 120 dias do início do ciclo. A forma aguda se caracteriza por diarreias sanguinolentas, e a fase crônica pode apresentar a forma hepatoesplênica, que pode causar cirrose, aumento do fígado e baço; em situações descompensadas, ascite. Pode causar também hipertensão porta, com o aparecimento de varizes esofágicas que podem provocar hemorragia digestiva alta, além de anemia. Diagnóstico Diferencial • O diagnóstico diferencial deve considerar critérios clínicos e epidemiológicos. • Parasitoses podem se confundir com infecções por vírus e bactérias, sobretudo devido à diarreia aguda e sintomas gastrointestinais semelhantes. • A etiologia varia conforme território, saneamento básico e meios de transmissão (água, alimentos, animais, contato interpessoal). • Estudo em hospital universitário de São Paulo revelou: o Bactérias como principais agentes (especialmente E. coli e Clostridium); o Vírus (com destaque para rotavírus) em segundo lugar, isoladamente ou associados às bactérias; o Parasitas, em menor proporção. • A avaliação clínica deve incluir exame físico detalhado e análise do estado de hidratação, especialmente em crianças e idosos. • A maioria das diarreias virais e bacterianas é autolimitada e tratável com hidratação oral e orientação alimentar. • Casos graves exigem hidratação venosa e, quando necessário, antibióticos, principalmente nas infecções bacterianas. Principais agentes etiológicos e formas de transmissão para diagnóstico diferencial em diarreias agudas Prevenção Um plano de tratamento periódico, somado às medidas de higiene e saneamento básico nas populações vulneráveis, em longo prazo, é importante para a diminuição da prevalência das parasitoses intestinais nestas comunidades. O mesmo não se aplica aos casos de baixa vulnerabilidade, que devem ser avaliados conforme anamnese, exame físico e exames complementares, quando indicados. Prevenção Primária Envolve medidas de saneamento básico, armazenamento e coleta de lixo adequada, higiene pessoal, de animais domésticos e de alimentos, além de medidas de educação para a saúde. Prevenção secundária e terciária Inclui programa de desparasitação periódica para populações vulneráveis, tendo em vista a alta prevalência de enteroparasitoses nestas populações. Os dois tipos de prevenção se somam, pois nas populações vulneráveis são mais custo-efetivos; além disso, tratar o grupo periodicamente traz mais benefícios do que riscos para os indivíduos não contaminados, sem a necessidade de diagnóstico laboratorial Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 123 para tratar somente os casos. Além disso, os indivíduos com desnutrição e déficit no desenvolvimento se beneficiarão com o tratamento, caso estejam com enteroparasitose. Quimioterapia preventiva Indicada para as HTSs. A OMS defende uma estratégia de controle global contra helmintíases mais prevalentes, enfatizando a quimioterapia preventiva voltada para comunidades de alto risco, em combinação com educação em saúde e melhoria de saneamento sempre que os recursos permitirem. A OMS/OPAS, com apoio do CDC, recomenda desparasitação periódica (deworming) em crianças em idade escolar, especialmente na América Latina e Caribe. Objetivo: reduzir a prevalência de helmintíases transmitidas pelo solo (HTSs) de >50% para 50% → tratar todas as crianças duas vezes ao ano. • Prevalência entre 20% e 50% → tratar uma vez ao ano. Medicamentos em dose única: • Mebendazol 500 mg: todas as idades. • Albendazol 200 mg: crianças de 12 a 23 meses. • Albendazol 400 mg: crianças com mais de 23 meses. Prevenção Quaternária Deve-se evitar uso excessivo e desnecessário de medicamento em populações que não pertençam àquelas cujos condicionantes para as enteroparasitoses se façam presentes, bem como evitar realização excessiva de exames para diagnóstico e confirmação de tratamento nas populações vulneráveis, cujas prevalências dasenteroparasitoses são altas. Tratamento A infecção por enteroparasitas é mais comum em crianças que frequentam creches e vivem em áreas com saneamento básico precário. A abordagem deve incluir: • Educação em saúde, com foco em hábitos de higiene. • Tratamento antiparasitário periódico, mesmo sem confirmação laboratorial (exame coproparasitológico), visando controle da transmissão e reinfecção. O tratamento empírico é considerado seguro e mais econômico. É recomendado a partir dos 2 anos de idade, pois a segurança e dosagem dos antiparasitários não estão estabelecidas para menores de 2 anos, exigindo avaliação individual. Fármaco de escolha em ausência de dados locais: preferir antiparasitário de amplo espectro. Albendazol (uso a cada 4 meses): cobre ascaridíase, enterobíase, ancilostomíase, estrongiloidíase e giardíase, embora não seja a primeira escolha para giardíase, principalmente se for avaliada sua baixa eficácia 21 dias após o tratamento; porém é a opção mais abrangente (no caso de se usar uma única medicação) visando ao controle das parasitoses mais prevalentes em geral. • Alta prevalência de giardíase: considerar associação com tinidazol ou metronidazol. Objetivo: controle individual e redução da prevalência comunitária. Efeitos adversos comuns e geralmente transitórios: gosto metálico, náuseas, epigastralgia, cefaleia, tonturas e urticária. Medicamentos com mais efeitos colaterais: imidazólicos, cloroquina e praziquantel. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 124 Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1495. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 06 jun. 2025. SEMANA 17: ABORDAGEM DAS INFECÇÕES DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES, RESFRIADO COMUM E GRIPE NA APS – DATA: Objetivos da Semana Objetivo Geral • . Objetivos Específicos • . Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 125 SEMANA 18: POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER (PNAISM) – DATA: 21/04/2025 Objetivos da Semana Objetivo Geral • Reconhecer Climatério e menopausa. Objetivos Específicos • Compreender os conceitos e discutir as mudanças hormonais do climatério e menopausa. • Reconhecer os aspectos clínicos e a abordagem da mulher no climatério na APS. • Compreender as condutas propostas, seus riscos e benefícios. • Identificar terapias alternativas. Climatério e Menopausa O climatério é definido pela Organização Mundial da Saúde como uma fase biológica da vida e não como um processo patológico. Com a expectativa de vida das mulheres chegando aos 80 anos em vários países, calcula-se que, atualmente, elas passem cerca de um terço de suas vidas no climatério. O espectro clínico do climatério é amplo, incluindo desde mulheres assintomáticas até aquelas com múltiplos sintomas. A abordagem integral da mulher é indispensável, e ferramentas como o método clínico centrado na pessoa e o autocuidado apoiado devem ser incluídas na prática do médico de família e comunidade. O atendimento individual deve incluir o entendimento da sintomatologia, do momento de vida, do contexto familiar e ocupacional da mulher, além da pesquisa da presença de fatores de risco para doenças comuns neste período. Todas as mulheres nesse período de suas vidas devem ser questionadas e receber orientação sobre as opções de manejo dos sintomas indesejáveis. Além disso, devem receber aconselhamento sobre os benefícios esperados e os riscos potenciais do manejo escolhido no plano conjunto de cuidados. Tradicionalmente, o climatério é dividido em pré e pós-menopáusico. A menopausa é definida por 12 meses de amenorreia após o último período menstrual. Reflete uma depleção folicular completa ou quase completa e deficiência extrema da secreção ovariana de estrogênio. A menopausa ocorre em torno dos 50 anos de idade e corresponde à data da última menstruação em consequência da falência ovariana. Seu diagnóstico é retrospectivo, após 12 meses de amenorreia. A menopausa é classificada como natural ou artificial (iatrogênica) e como precoce (antes dos 40 anos) ou tardia (após os 55 anos). A nomenclatura para as diferentes fases deste período foi uniformizada pelo STRAW: A transição menopáusica começa com variações na duração do ciclo menstrual e elevação do FSH sérico e termina com o último período menstrual, que só é reconhecido após 12 meses de amenorreia. • Estágio –2 (precoce): é caracterizado por uma duração variável do ciclo (com mais de 7 dias de diferença da duração normal, que é de 21 a 35 dias). FSH elevado. • Estágio –1 (tardio): é caracterizado pela falha de dois ou mais ciclos e um intervalo de amenorreia ≥ 60 dias, sendo este um período no qual os fogachos são comuns. FSH elevado. • Perimenopausa: começa no estágio –2 da transição menopáusica e termina 12 meses após o último período menstrual. FSH elevado. • Pós-menopausa divide-se em dois estágios: o Estágio +1 (precoce): compreende os primeiros 5 a 8 anos após a última menstruação. É caracterizado por decréscimo adicional e completo da função ovariana e perda óssea acelerada, com persistência frequente dos fogachos. FSH elevado. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 126 o Estágio +2 (tardio): começa 5 a 8 anos após o último período menstrual e termina com a morte. FSH elevado. Entre mulheres que apresentam sintomas vasomotores frequentes (ou seja, fogachos e/ou sudorese noturna em 6 ou mais dias nas últimas 2 semanas), observou-se que: • Esses sintomas duram, em média, 7,4 anos no total. • Mesmo após a menopausa, os sintomas ainda persistem por cerca de 4,5 anos. • A duração pode ser ainda maior em mulheres afro- americanas, conforme mostram os estudos. • Fatores emocionais e psicológicos, como: ansiedade, estresse percebido e sintomas depressivos estão associados à maior intensidade e duração dos sintomas. Manifestações Clínicas Deve-se suspeitar de que uma mulher está no climatério quando estiver na faixa dos 45-50 anos. Pode ser assintomática ou buscar assistência por motivos não relacionados ao climatério. Quando sintomática, mais frequentemente se apresenta com irregularidade menstrual, fogachos, alterações de humor, distúrbios do sono e/ou outros sintomas inespecíficos. Sintomas da Síndrome Urogenital (SUG) do climatério podem estar presentes, como: • Ressecamento vaginal e incontinência urinária; • Ardor, prurido e dor na relação sexual (dispareunia); • Urgência miccional e infecções urinárias recorrentes; • Diminuição da lubrificação e da elasticidade vaginal; • Redução da libido (pode estar relacionada ou não à SUG). Diagnóstico Anamnese É fundamental uma abordagem integral e multidisciplinar. A atenção à mulher precisa abranger promoção da saúde, prevenção de doenças, assistência aos sintomas apresentados e manejo de possíveis dificuldades apresentadas nessa fase da vida. Principais queixas apresentadas: • Fogachos • Irritabilidade • Alterações no padrão do sono • Artralgias/mialgias • Palpitações • Diminuição da memória e do interesse pelas atividades de rotina • Diminuição da libido, dispareunia e sintomas geniturinários (estes últimos devem ter sua presença questionada, uma vez que ocasionalmente não se apresentam como queixas iniciais da mulher, e muitas questões deixando de ser feitas por vergonha ou falta de informação). A idade da menarca e a data da última menstruação são importantes, assim como a presença de irregularidades menstruais. Também é ocasião propícia para investigar o método contraceptivo utilizado e exposição sexual de risco. Antecedentes pessoais, situações familiares, alterações menstruais, sexuais, dados obstétricos e orientaçãosexual da mulher auxiliam no entendimento do momento vivenciado. Nos antecedentes familiares, a investigação sobre a ocorrência de doenças crônico-degenerativas, assim como de neoplasias (mama, útero, ovários ou outros), indica a necessidade de maior atenção quanto à investigação de tais patologias. Dados sobre o trato gastrintestinal e ocorrência de sintomas urinários, como infecções ou incontinência, são muito importantes. Na história social é imprescindível investigar os hábitos alimentares, atividades físicas, existência de patologias e uso de medicações. Nunca deve ser esquecida a presença de fatores de risco, como fumo e álcool em excesso. Exame Físico Antropometria A verificação do peso e da altura, para cálculo do índice de massa corpórea (IMC), e a medida da circunferência abdominal demonstram a necessidade de maior atenção com a nutrição. Pressão Arterial (PA) A aferição da PA é uma oportunidade para rastreamento de alterações: dependendo da sintomatologia, será importante como abordagem investigativa diferencial. Ausculta Ausculta cardíaca e pulmonar. Palpação Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 127 Palpação da tireoide, do abdome. Também pode ser útil a avaliação das mamas, axilas e cadeia ganglionar. A palpação abdominal e da pelve é direcionada à investigação de anormalidades na parede e na cavidade, como dor ou alterações nas características dos órgãos. Inspeção Observação dos membros inferiores. Deve-se proceder à inspeção da vulva, com atenção para alterações do trofismo, coloração ou adelgaçamento da pele e mucosa. Na inspeção dinâmica, são comuns as distopias com prolapsos genitais, sendo um bom momento para indicar avaliação cirúrgica e/ou orientação da necessidade de exercícios para melhora da tonicidade muscular da pelve. Exame Especular A avaliação da rugosidade da mucosa e da lubrificação do colo e da vagina pode refletir a situação hormonal e indicar necessidade de tratamento para melhorar o trofismo da mucosa, para diminuir o desconforto urogenital ao coito e em relação à predisposição a infecções. Importante Pode haver necessidade de estrogenização previamente à coleta do exame citopatológico do colo uterino, tanto por dificuldades na coleta quanto por prejuízo da amostra prévia por atrofia e por colpite atrófica. Nesta situação, indica-se creme vaginal de estriol 0,1% por 1 a 3 meses, o qual deve ser utilizado por 21 dias seguidos com pausa de 7 dias, ou 2 vezes por semana, com pausa 48 horas antes da coleta. Por se qualificar como mínima a absorção sistêmica do estrogênio tópico, o Ministério da Saúde não considera que exista contraindicação em caso de história de câncer de mama, exceto em mulheres que utilizam inibidores da aromatase. Exames Complementares Na maioria das vezes, as dosagens hormonais são desnecessárias, sendo o diagnóstico do climatério essencialmente clínico. Dosagem do FSH Quando a menopausa for cirúrgica ou houver dúvida em relação à situação hormonal, a dosagem do FSH é suficiente para o diagnóstico de hipofunção/falência ovariana quando o resultado for maior do que 40 mUI/mL. Papel da equipe multiprofissional Enfermeiro(a)/médico(a) e outros profissionais de nível superior de acordo com as atribuições das categorias • Cuidados não farmacológicos das queixas no climatério. • Práticas integrativas e complementares, em especial a fitoterapia: o Alguns fitoterápicos podem auxiliar no alívio dos sintomas presentes no climatério, particularmente os fogachos – alteração transitória que pode comprometer a qualidade de vida das mulheres nesse período. o Entre os fitoterápicos presentes na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), o único que está associado ao tratamento dos sintomas do climatério é a isoflavona da soja. • Abordagem motivacional quanto ao estilo de vida saudável (alimentação, atividade física, higiene do sono) e elaboração de novos projetos e objetivos para essa nova fase da vida. • Atenção às redes de apoio social e familiar, relações conflituosas e situações de violência. • Realizar ações de prevenção de forma individualizada, em especial quanto a doenças crônico-degenerativas cardiovasculares, metabólicas e neoplásicas, de acordo com faixa etária, história, fatores de risco e comorbidades: o Não há indicação da realização de exames de rotina no climatério, eles devem ser orientados de forma individualizada, quando necessário. o Não está indicado o rastreamento universal da osteoporose com realização de densitometria óssea. Médico • Terapias não hormonal e hormonal – em casos selecionados. • Avaliação de necessidade, indicações, contraindicações absolutas e relativas. • Uso racional de medicamentos. • Acompanhamento clínico periódico das mulheres em uso de terapia farmacológica, sobretudo a hormonal. Equipe multiprofissional Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 128 Realizar orientação individual e coletiva para as mulheres acerca de: • Ressignificação do climatério: o Abordar a vivência da mulher nessa fase, do ponto de vista biopsicossocial. Enfatizar que, como nas demais fases da vida, esta também pode ser experimentada de forma saudável, produtiva e feliz. o Incentivar e promover a troca de experiências entre as mulheres e a realização de atividades prazerosas, de lazer, de trabalho, de aprendizagem, de convivência em grupo, de acordo com os desejos, necessidades e oportunidades das mulheres e coletivos. • Queixas do climatério. • Exercícios da musculatura perineal. • Alimentação saudável. o Estimular a alimentação rica em vitamina D e em cálcio, por meio do consumo de leite, iogurte, queijos (principais fontes), couve, agrião, espinafre, taioba, brócolis, repolho, sardinha e castanhas. • Manutenção do peso normal. • Prática de atividade física: o Orientar a prática de 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada/semana (sejam ocupacionais ou de lazer), sendo ao menos 10 minutos de atividades físicas de forma contínua por período. o Promover a realização de atividades de fortalecimento muscular duas ou mais vezes por semana, além de práticas corporais que envolvem lazer, relaxamento, coordenação motora, manutenção do equilíbrio e socialização, diariamente ou sempre que possível. • Alterações e medidas de promoção à saúde bucal. • Infecções sexualmente transmissíveis, HIV, hepatites. • Transtornos psicossociais. • Prevenção primária da osteoporose e prevenção de quedas: o Informar sobre a prevenção primária da osteoporose e o risco de fraturas associadas. o Orientar dieta rica em cálcio (1.200 mg/dia) e vitamina D (800-1.000 mg/dia). • Aconselhar exposição solar, sem fotoproteção, por pelo menos 15 minutos, diariamente, antes das 10h ou após as 16h. o A suplementação de cálcio e vitamina D só está recomendada se não houver aporte dietético adequado desses elementos e/ou exposição à luz solar. o Recomendar exercícios físicos regulares para fortalecimento muscular e ósseo, melhora do equilíbrio e da flexibilidade. o Aconselhar a cessação do tabagismo e a redução do consumo de bebidas alcoólicas e de cafeína. o Avaliar fatores de risco para quedas: ambiência doméstica, uso de psicotrópicos, dosagem de medicamentos anti- hipertensivos, distúrbios visuais e auditivos. Conduta As pacientes que apresentam sintomas vasomotores leves devem ser orientadas quanto a mudanças de estilo de vida, não sendo indicado inicialmente o tratamento farmacológico. Resfriar o ambiente, vestir-se atenta ao clima, tomar banhos frequentes, dieta saudável e controle do peso, prática de exercícios físicos regulares e cessação do tabagismo podem melhorar os sintomas de boa parcela das mulheres. Terapia Hormonal (TH) A TH permanece o tratamento mais eficaz para os sintomas vasomotores (SVMs) e para a síndrome genitourinária da menopausa (SGM) e, além disso, demonstrouprevenir a perda e fratura óssea. Os riscos da TH diferem dependendo do tipo, dose, duração do uso, via de administração, momento da iniciação, bem como se um progestogênio é usado. O tratamento deve ser individualizado para identificar o tipo de TH, a dose, a formulação, a via de administração e duração do uso, empregando a melhor evidência disponível para maximizar os benefícios e minimizar os riscos, com reavaliação periódica sobre continuar ou interromper a TH. O conceito mais apropriado é a “dose, duração, regime e via apropriada de administração”. Dado o perfil de segurança mais favorável do estrogênio sozinho, durações mais longas podem ser mais apropriadas. Estratificação de risco por idade e tempo desde a menopausa é recomendada. As doses transdérmicas ou menores de TH podem diminuir o risco de tromboembolia venosa e acidentes vasculares cerebrais. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 129 Para as mulheres com idade inferior a 60 anos ou que estão dentro de 10 anos do início da menopausa e não têm contra- indicações, a relação risco-benefício é mais favorável para o tratamento dos SVMs incômodos e para aqueles com alto risco de perda ou fratura óssea. Mulheres que iniciam TH mais de 10 ou 20 anos após o início da menopausa ou têm 60 anos ou mais apresentam maiores riscos absolutos de doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral (AVC), tromboembolia venosa e demência. O início do tratamento neste grupo etário mais idoso deve, consequentemente, ser abordado com cautela, embora uma discussão sobre os benefícios e os riscos da TH em mulheres mais velhas possa ser considerada para aquelas que optam por iniciá-la ou reiniciá-la. Maiores durações da terapia devem ser para indicações documentadas, como SVM persistente ou perda óssea, com tomada de decisão compartilhada e reavaliação periódica. Para sintomas genitais de SGM não aliviados com medidas conservadoras ou para quando sintomas genitourinários isolados são causados pela menopausa, baixa dose de terapia estrogênica (TE) tópica vaginal é recomendada sobre a TE sistêmica como primeira escolha de tratamento. Com a interrupção da TH, praticamente todas as mulheres perderão densidade mineral óssea, com risco aumentado de fraturas ósseas e excesso de mortalidade por fratura do quadril. Além disso, não há evidências para apoiar a interrupção de rotina da TH após a idade de 65 anos. As decisões sobre uma duração mais longa da terapia devem ser individualizadas e consideradas para indicações como SVMs persistentes ou perda óssea, com tomada de decisão compartilhada, documentação e reavaliação periódica. E os riscos de um uso prolongado de TH podem ser minimizados com o uso de doses mais baixas de estrogênio e progestogênios, o uso de terapias transdérmicas para evitar o efeito de primeira passagem hepática, ou a combinação de estrogênio conjugado com o bazedoxifeno, que fornece proteção endometrial sem necessidade de progesterona. A TH pode ser inadequada para algumas mulheres, incluindo aquelas com maior risco de doença cardiovascular, aumento do risco de doença tromboembólica ou risco aumentado de alguns tipos de câncer (câncer de mama, em mulheres com útero). O risco de câncer de endométrio em mulheres com útero que usam TH somente com estrogênio está bem documentado. TH não é indicada para a prevenção primária ou secundária de doenças cardiovasculares ou demência, nem para a prevenção da deterioração da função cognitiva em mulheres pós-menopáusicas. Embora a TH seja considerada eficaz para a prevenção da osteoporose pós-menopáusica, geralmente é recomendada como opção apenas para mulheres com risco significativo, para as quais as terapias não estrogênicas não são adequadas. Mulheres com insuficiência ovariana prematura (IOP), com menopausa cirúrgica ou natural precoce têm maiores riscos de perda óssea, doença cardíaca e demência ou distúrbios afetivos associados à deficiência de estrogênio. Em estudos observacionais, esse risco parece aproximar-se do normal se TE é administrada até a idade mediana da menopausa, momento em que as decisões de tratamento devem ser reavaliadas. Continuar a terapia permanece uma decisão individual em mulheres selecionadas e bem aconselhadas com mais de 60 ou 65 anos. Não há dados para apoiar a interrupção da rotina em mulheres com idade de 65 anos. Apesar de existirem alternativas terapêuticas para o alívio de SVMs, nenhuma tem se mostrado tão efetiva quanto o estrogênio. O progestagênio sempre deve ser acrescentado em mulheres que não são histerectomizadas. A individualização com tomada de decisão compartilhada é essencial, com reavaliação periódica para determinar um perfil individual de risco-benefício para a mulher. Benefícios da TH Podem incluir alívio de SVMs incômodos, prevenção da perda óssea para mulheres com alto risco de fratura, tratamento de SGM e melhora do sono, bem-estar ou qualidade de vida. Riscos atribuíveis absolutos • Mulheres na faixa etária de 50 a 59 anos ou dentro de 10 anos do início da menopausa: os riscos são baixos. • Mulheres a partir de 60 anos de idade com mais de 10 anos do aparecimento da menopausa: riscos parecem ser maiores, particularmente para aquelas idosas de 70 anos ou mais ou que estão com mais de 20 anos de início da menopausa. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 130 Atrofia Urogenital Estrogenioterapia tópica vaginal Indicação: mulheres com sintomas exclusivamente urogenitais (ex.: vaginite atrófica, síndrome uretral, incontinência urinária). Fármacos recomendados: • Estriol ou promestriene: 2 cc (2 mL) do creme, 1– 2x/semana. • Estrogênios equinos conjugados: indicado em casos de atrofia intensa e necessidade de resposta rápida (1–2 cc, 1–2x/semana). Cuidados: risco de efeitos sistêmicos, como: • Mastalgia • Alterações endometriais (em mulheres idosas ou sensíveis) Evidências (Revisão Cochrane, 2016): • Sem diferença de eficácia entre preparações estrogênicas intravaginais. • Comparado ao placebo: melhora dos sintomas de atrofia vaginal. • Espessamento endometrial: associado ao uso de creme (possivelmente pela dose mais alta), em comparação ao anel. • Eventos adversos: sem diferenças relevantes entre os tipos de preparações ou com placebo. Tibolona • Descrição: esteroide sintético com ação estrogênica, androgênica e progestogênica. • Indicação: tratamento dos sintomas vasomotores e preservação da densidade mineral óssea. • Dose usual: 2,5 mg/dia. Comparação com TH combinada: • Menor eficácia no alívio dos sintomas da menopausa. • Menor incidência de sangramento vaginal. Segurança a longo prazo: • Contraindicada em mulheres com histórico de câncer de mama – aumenta o risco de recorrência. • Maior risco de AVC em mulheres > 60 anos. Contraindicações a TH História de câncer de mama, câncer de endométrio, sangramento genital não esclarecido, doença arterial coronariana, porfiria, antecedentes de doença tromboembólica ou AVC, doença hepática em atividade ou aquelas pacientes de alto risco para o desenvolvimento de tais complicações. Em mulheres saudáveis, o risco de um evento adverso é baixo, sendo seguro para a maioria das pacientes. Riscos e Benefícios Em relação ao tromboembolia venosa, estudos observacionais mostram que a terapia estrogênica aumenta o seu risco. Em estudo realizado com aproximadamente 16.000 mulheres mostrou que o regime combinado aumentou o risco de doença arterial coronariana, câncer de mama, AVC e tromboembolia venosa. O estudo também encontrou um risco diminuído de câncer colorretal, fraturas de quadril e fraturas em geral com TH combinada. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 131 Outro estudo apenas com estrogênio conjugado, em mulheres sem útero, mostrou que aquelas que tomavam apenas estrogênio não apresentaram alteração significativa no risco de doença coronariana ou câncer de mama e,semelhante ao estudo de estrogênio combinado e progesterona, aumento de AVC e tromboembolia venosa. Uma revisão de ambos os estudos, após um acompanhamento médio de 13 anos, revelou que as mulheres em terapia hormonal combinada tiveram aumento significativo no risco de câncer de mama e tromboembolia venosa, e uma redução na fração de fratura do quadril. Em contraste, as mulheres que tomavam apenas estrogênio tinham um risco reduzido de câncer de mama. A “hipótese do tempo” sugere que a terapia hormonal no começo da menopausa (em comparação com o início 10 anos ou mais após o começo da menopausa) pode ser cardioprotetora devido à aparente habilidade do estrogênio em diminuir a progressão da aterosclerose em mulheres mais jovens. A TH não deve ser iniciada, contudo, para prevenção de doença. Quanto ao diabetes tipo 2 (DM2), o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) indica que se explique à mulher que o uso de TH não está associado com aumento do risco de desenvolver diabetes, e a NAMS destaca que a TH reduz a incidência de DM2, mas que não está indicada para esse propósito. Terapia não hormonal para o tratamento dos sintomas vasomotores do climatério Existem tratamentos alternativos para as mulheres que não desejam ou não podem usar hormônios. Para mulheres com ondas de calor moderadas a severas ocorrendo durante o dia e a noite, sugerem-se terapias não hormonais, tais como: • ISRN, ISRS ou gabapentina. Para mulheres com sintomas moderados a graves e predominantemente diurnos, sugere-se: • Paroxetina ou citalopram como medicamentos de primeira escolha. Para mulheres com sintomas predominantemente noturnos, sugere-se: • Gabapentina (B): normalmente, usa-se uma dose única para dormir (300 mg, ou até mesmo 100 mg, se necessário, titulando até 900 mg, de acordo com o alívio dos sintomas ou efeitos colaterais), o que aproveita o efeito sedativo da gabapentina e minimiza a sedação diurna. OBS.: uma vez que os SVMs diminuem gradualmente sem terapia na maioria das mulheres pós-menopáusicas, o medicamento pode ser diminuído gradualmente após 1 a 2 anos de administração. As pacientes devem ser instruídas em como diminuir os SSRIs e SNRIs para evitar sintomas de abstinência. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 132 Para as mulheres em uso de tamoxifeno por qualquer indicação, sugere-se: • Citalopram, escitalopram ou venlafaxina para tratar ondas de calor, pois apresentam efeitos mínimos para bloquear a CYP2D6. • Outra opção, com menor eficácia, é a clonidina (podendo ser considerada no caso de pacientes hipertensas). • Quanto à sulpirida, não há evidências suficientes que sustentem sua utilização. Terapias Alternativas e Complementares Saúde da mulher no climatério Do ponto de vista populacional, é recomendado o rastreamento de câncer de colo uterino e de mama. Há destaque para a falta de evidências de rastreamento de neoplasias de endométrio e de ovário e, também, para a necessidade de se evitar o uso indiscriminado da densitometria óssea. Avaliação Endometrial É indicada ultrassonografia transvaginal para avaliação endometrial nas seguintes situações: mulheres, mesmo assintomáticas, utilizando TH, moduladores seletivos dos receptores de estrogênios (SERMs), tibolona, fitoterápicos e qualquer outro tratamento que apresente ação estrogênica. • É considerada normal na fase pós-menopáusica uma espessura endometrial de até 5 mm (e até 8 mm nas mulheres usuárias de TH). • Nos casos de espessamento, é mandatória a investigação por histeroscopia e biópsia endometrial. É muito importante uma avaliação endometrial adequada antes do início da TH, garantindo que um possível sangramento irregular no início do tratamento não seja atribuído à patologia orgânica. Contracepção no Climatério Gravidez é possível na perimenopausa → orientar contracepção até: • Ausência de menstruação por 12 meses consecutivos, ou • FSH em níveis pós-menopausa. Todos os métodos anticoncepcionais podem ser usados, desde que: • Não haja contraindicações clínicas individuais; • Avaliem-se riscos e benefícios conforme o perfil da paciente. Métodos hormonais: Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 133 • Podem mascarar o diagnóstico de menopausa; • TH deve ser iniciada após suspensão dos anticoncepcionais hormonais. Dupla proteção é recomendada: • Uso de preservativo (masculino ou feminino) associado a outro método contraceptivo (hormonal ou não hormonal). Quando Referenciar Bibliografia GUSSO, Gustavo; LOPES, José M C.; DIAS, Lêda C. Tratado de medicina de família e comunidade - 2 volumes: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2019. E- book. p.1154. ISBN 9788582715369. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788 582715369/. Acesso em: 18 mai. 2025. SEMANA 19: DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO DO CORRIMENTO VAGINAL/URETRAL – DATA: Objetivos da Semana Objetivo Geral • . Objetivos Específicos • . Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 134Os benefícios da indução de cetose, que seriam saciedade maior e bem-estar, não são comprovados (B). Além disso, essa dieta por um período longo de tempo leva à deficiência de micronutrientes, sendo necessária a suplementação. • Dieta balanceada: a grande vantagem dessa dieta é a maior opção de substituição de alimentos, o que facilita sua manutenção pela diversidade. Com a escolha correta de alimentos, a dieta balanceada não necessita de suplementação. Além disso, reduz o colesterol lipoproteína de baixa densidade (LDL), os triglicérides e os níveis de PA. • Dieta pobre em gordura e dieta rica em vegetais: com baixa quantidade de gorduras, açúcares e farinhas, reduz o peso em longo prazo, se o balanço energético for negativo. É importante salientar que dietas muito pobres em gorduras podem ser deficientes em vitaminas E, B12 e zinco. • Substituição de refeições: substituir refeições por shakes, barras de cereais ou sopas pode ser uma estratégia interessante para perda de peso inicial ou quando o objetivo individual é a redução de pouco peso. Não há evidências de tratamentos por grandes períodos de tempo (mais de cinco anos). Atividade Física O exercício físico promove benefícios antropométricos, metabólicos, neuromusculares e psicológicos ao indivíduo obeso. Quando realizado de forma regular, melhora a resistência cardiorrespiratória, o perfil lipídico, o bem-estar geral, a energia, promove a elevação da sensibilidade dos tecidos à insulina, auxilia no controle do DM2, reduz riscos cardiovasculares, mesmo quando não ocorre perda de peso. Autoestima, imagem corporal, humor, redução da ansiedade e depressão também são alterados de forma positiva. O paciente deve ser estimulado a uma vida mais ativa, reduzindo o tempo total gasto em atividades sedentárias e intercalando sessões curtas de atividade física entre períodos de atividade sedentária, independentemente do seu hábito de exercício físico. A recomendação atual é a prática de exercícios físicos de, no mínimo, 150 minutos de exercícios moderados por semana para a manutenção do peso e da saúde e mais de 150 minutos por semana para promover o emagrecimento e evitar a recuperação do peso. Há uma relação entre dose e resposta, ou seja, quanto maior a duração, a frequência e a intensidade, maiores serão os benefícios. Tanto as sessões contínuas quanto múltiplas sessões de pelo menos 10 minutos são aceitáveis para acumular a quantidade desejada de exercício físico diário. Para os indivíduos com níveis muito elevados de IMC, em função da dificuldade da execução de exercícios físicos, estas metas menores podem ser benéficas para a saúde, mesmo que não apresentem impacto sobre o peso. O hábito da prática de exercícios físicos deve ser gradual, e o médico de família pode motivar o paciente auxiliando-o a planejar sua atividade física. Tratamento Comportamental Baseia-se em análise e modificações de comportamentos disfuncionais associados ao estilo de vida da pessoa. O objetivo é implementar estratégias que auxiliem no controle do peso, reforçando a motivação e ajudando a evitar a recaída. As técnicas enfatizam a busca e a experimentação de soluções que levem em conta as características do indivíduo e estimulem mudanças globais em outras esferas do comportamento, como aumento da autoestima, melhor qualidade de relacionamentos, gerenciamento do estresse associado à rotina de trabalho, atividade física, sono e lazer. As principais técnicas comportamentais utilizadas são: • Automonitoramento: registro por escrito realizado pela própria pessoa sobre o tipo e a quantidade dos alimentos ingeridos, incluindo horários, episódios compulsivos, fatores desencadeantes, pensamentos e sentimentos relacionados. Esses registros são úteis para planejar mudanças na dieta e nas atividades diárias para enfrentar as compulsões alimentares. Além disso, quando associados ao Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 10 registro dos pensamentos e sentimentos relacionados aos alimentos ingeridos, os registros podem ser utilizados para identificar os pensamentos disfuncionais e promover uma reestruturação cognitiva. • Controle dos estímulos: planejamento de estratégias que favoreçam a modificação de comportamentos disfuncionais. Exemplos da aplicação dessas estratégias são planejar as compras de alimentos, evitando ou reduzindo a compra de itens que possam atrapalhar a dieta, como doces, pães e bolos; aumentar a atividade física utilizando escadas e usando menos o automóvel; planejar atividades novas em horários habituais de compulsão, evitando as atividades associadas à compulsão, como comer assistindo à televisão etc. • Resolução de problemas: busca identificar estratégias que auxiliem a resolver os problemas diários relacionados ao peso e à adesão ao tratamento. Essas técnicas envolvem desde como lidar com situações estressantes até como participar de reuniões com amigos, como festas e jantares. A pessoa deve ser estimulada a testar e a discutir as estratégias. • Reestruturação cognitiva: consiste em identificar crenças e pensamentos disfuncionais com relação ao peso e à alimentação. Uma vez identificados os pensamentos disfuncionais, deve-se questioná-los para auxiliar a pessoa a examiná-los e reformulá-los em uma base mais realista. Os pensamentos e crenças costumam ser explorados por meio da contestação dos pensamentos, verificando quais as evidências os corroboram ou não. Essa técnica remete ao questionamento socrático. A contestação do pensamento busca estimular o exame, a ponderação, a avaliação e a síntese de diversas fontes de informação, objetivando uma avaliação independente e racional dos problemas e de suas soluções. Não se costuma corrigir respostas, pois, em geral, não há “certo” e “errado”. Quando bem utilizada, tem forte impacto sobre a organização cognitiva da pessoa, mas é um processo que requer paciência e tempo. Alguns exemplos de pensamentos disfuncionais comumente encontrados no obeso são: 1. Abstração seletiva: prestar atenção e dar mais valor a informações que confirmem as suas superstições, como, por exemplo: “Ter comido este doce indica que eu não sou capaz de exercer controle sobre o meu comportamento alimentar e não tenho poder sobre a comida”. 2. Pensamento dicotômico: pensar em termos extremos: “Ou eu sigo a dieta perfeitamente e emagreço rápido ou não faço nada e sou um fracasso” ou “Os alimentos são proibidos ou permitidos”. 3. Pensamento supersticioso: acreditar que existe relação entre situações não relacionadas: “Se eu for ao shopping sairei da dieta”. 4. Idealizações: almejar resultados que não dependem necessariamente de emagrecer, por exemplo: “Acredito que, quando ficar magra, saberei melhor o que quero”, “Quando ficar magra, serei mais clara nas minhas relações”. • Tratamento em grupo ou individual: não há evidências de benefícios maiores com tratamentos individuais ou em grupo. Nos tratamentos em grupos, otimiza-se o suporte social, há maior número de ensaios comportamentais, podendo ser testadas, na prática, algumas estratégias para solução de problemas, como realizar confraternizações com alimentos pouco calóricos e exercícios em grupo. Na estratégia de saúde da família (ESF), em que atividades em grupo são bastante empregadas, é importante não perder a perspectiva dos objetivos terapêuticos e utilizar, sempre que possível, as técnicas comportamentais, estimulando sempre a realização da automonitoração. Alguns estudos mostram que o número de encontros com a equipe de atendimento apresenta uma correlação positiva com a perda de peso. • Benefícios da terapia comportamental: em estudos controlados, a perda de peso média em terapia cognitivo-comportamental (TCC) é de 4,7 kg (0,2-12,9 kg) e se dissipa após 3 anos de seguimento. Não há evidência de benefícios de uma técnica comportamental sobre as outras, sendo que estratégias multimodais sãomais efetivas. Medicamentos É importante salientar para a pessoa que os medicamentos são auxiliares na redução de peso e que seu uso não substitui a reeducação alimentar associada à atividade física, assim como a necessidade de visitas regulares à equipe de saúde. A perda de peso associada à medicação é modesta, em torno Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 11 de 5 kg e não há evidências que comprovem que um fármaco é mais eficaz que outro. O uso de medicamentos para emagrecer é bem descrito em indivíduos maiores de 18 anos e com IMC maior do que 30 kg/m2 ou com IMC entre 25 e 30 kg/m2 e comorbidades. Nas pessoas com sobrepeso, o uso de medicamento deve ser analisado individualmente. Entre os medicamentos mais utilizados, estão: • Orlistat: Inibidor da lipase gástrica e pancreática, promove má absorção e reduz a absorção de gorduras em aproximadamente 30%. Redução média de peso em 2,7 a 2,9 kg. Não apresenta risco cardiovascular, podendo ser usado em pacientes cardiopatas, assim como em crianças obesas acima de 12 anos como parte do manejo que inclui educação alimentar, exercício físico, suporte emocional. Como efeitos colaterais pode provocar surgimento de gordura nas fezes, flatulência e diarreia, o que, muitas vezes, faz o paciente descontinuar o tratamento. Esses efeitos indesejáveis podem ser controlados pela redução da gordura na dieta. Dessa forma, tem papel no treinamento comportamental do manejo da dieta. O paciente mantém a perda de peso com a continuidade do uso. Está contraindicado na gestação e em pacientes com má absorção crônica. É apresentado em comprimidos de 120 mg, que devem ser utilizados com as refeições principais três vezes por dia. • Liraglutida: é um hipoglicemiante, agonista do peptídeo 1 similar ao glucagon (GLP-1), que provoca atraso no esvaziamento gástrico e reduz a ingesta calórica por ação central. Reduz a glicemia e hemoglobina glicada, sendo uma boa opção para o uso em diabéticos, mas também pode ser utilizado em pessoas não diabéticas, e geralmente não causa hipoglicemia. A dose inicial é 0,6 mg em dose única diária em injeção subcutânea. A dose pode ser aumentada semanalmente até atingir 3 mg (dose utilizada nos estudos para redução de peso). A perda ponderal em média varia de 4,2 a 5,9 kg. O uso em pessoas com pré-diabetes reduziu o desenvolvimento de diabetes. Os efeitos colaterais são náusea, vômitos, constipação, hipoglicemia, diarreia, fadiga, tontura, dor abdominal e aumento dos níveis de lipase. Tais efeitos colaterais costumam ser transitórios. Seus principais inconvenientes são a administração parenteral e o alto custo. • Semaglutida: age estimulando a produção de insulina pelo pâncreas e diminuindo a produção de glucagon. Com a utilização desse medicamento e uma dieta saudável com prática de exercício físico, haverá uma redução dos níveis de glicose na corrente sanguínea. Pode ser indicada para pacientes com obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2) ou excesso de peso (IMC ≥ 27 acom DM na APS; • Compreender o tratamento medicamentoso e não medicamentoso da pessoa com DM na APS; • Abordar a prevenção das complicações do DM na APS. Diabetes Mellitus (DM) DM é uma síndrome caracterizada por hiperglicemia crônica, resultante de defeitos na ação da insulina, na secreção de insulina ou em ambas. A classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde e pela Associação Americana de Diabetes (ADA), e recomendada pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), inclui quatro classes clínicas: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional (DMG). Há ainda duas condições, referidas como pré-diabetes, que são a GJ alterada e a tolerância à glicose diminuída, nomeadas atualmente como risco aumentado de diabetes. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 15 Dos casos de diabetes melito (DM), 90 a 95% são do tipo 2 (DM2), e, destes, 80% estão relacionados a sobrepeso ou obesidade. A busca ativa do diagnóstico do DM2 deve ser orientada pela presença de fatores de risco, uma vez que muitos indivíduos acometidos podem permanecer assintomáticos durante muito tempo. O DM2 é uma doença evolutiva, e, independentemente da adesão adequada ao tratamento, com o tempo, muitas pessoas precisarão de terapia combinada com ou sem insulina. A recomendação terapêutica atual para o DM2 de diagnóstico recente inclui o uso de metformina. O tratamento do DM tipo 1 (DM1) é sempre insulinoterapia intensiva. No plano terapêutico, deve-se enfatizar a diminuição do risco cardiovascular global por meio de mudanças no estilo de vida (MEVs), incluindo alimentação, aconselhamento sobre tabagismo, uso de álcool e outras drogas e atividade física. A abordagem centrada na pessoa e a participação em grupos de suporte, reflexão e educação em saúde permitem a livre expressão, pelos pacientes, de suas dúvidas, escolhas e desafios em relação ao seu próprio cuidado. Epidemiologia Devido ao envelhecimento populacional, à crescente prevalência de obesidade e ao sedentarismo e à maior sobrevida dos pacientes, o diabetes está atingindo proporções epidêmicas em todo o mundo. No Brasil, a prevalência de DM foi estimada em 7,6%. Segundo dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico realizado pelo Ministério da Saúde (MS), na população com idade igual ou maior de 18 anos, no conjunto das 27 capitais, a frequência do diagnóstico médico prévio de diabetes foi de 8,9%, sendo menor entre homens (7,8%) do que entre mulheres (9,9%) e mais comum com o avanço da idade para ambos os sexos. Esse percentual pode ser utilizado pelas equipes da estratégia de saúde da família para estimar o número de diabéticos do seu território e comparar com o número de cadastrados, avaliando a necessidade ou não de intensificar ações de busca ativa do diagnóstico. Etiologia Classificação Classe Pré – Clínica 1. Intolerância a glicose. 2. Disglicemia: corresponde à alteração glicêmica em outros tempos da curva (exceto tempos 0 e 120 minutos). Classes Clínicas 1. DM1: doença autoimune órgão- específica. Maioria de início na infância ou na adolescência. Apresentação de sintomas graves de cetoacidose. Pode ocorrer em adultos. 2. DM2: doença metabólica, desencadeada por resistência insulínica, tem evolução insidiosa, frequentemente com complicações instaladas já no diagnóstico. 3. DM secundário a quadro clínico não DM1 e não DM2: uso exógeno de glicocorticoides, pós pancreatite, doenças endócrinas (como síndrome de Cushing ou acromegalia), uso de medicamentos (como antipsicóticos), tumores pancreáticos. 4. Diabetes gestacional. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 16 Rastreamento O U.S. Preventive Services Task Force recomenda rastreamento apenas para pacientes assintomáticos que tenham pressão arterial sistólica (PAS) maior do que 135 ou pressão arterial diastólica (PAD) maior do que 80 mmHg, ambas sustentadas. É importante conhecer os critérios clínicos recomendados pela ADA para orientar o rastreamento: Critérios para rastreamento do diabetes em adultos assintomáticos segundo a American Diabetes Association* IMC > 25 kg/m2 e 1. Sedentarismo 2. História familiar (1o grau) para diabetes 3. HAS 4. Dislipidemia (triglicérides ≥ 250 mg/dL ou HDL ≤ 35 mg/dL) 5. História de DMG ou RN com mais de 4 kg 6. SOP 7. História prévia de alteração do nível glicêmico 8. Acantose nigricante 9. História de DCV * Na ausência dos critérios anteriores, o rastreamento deve ser iniciado a partir dos 45 anos. Indicações para rastreamento de diabete melito tipo 2 em indivíduos assintomáticos, não gestantes, sem diagnóstico prévio da doença. (Fonte: PCDT DM2 – Ministério da Saúde) Indivíduos com idade a partir de 45 anos – Sugestão de exames anualmente Indivíduos de qualquer idade com sobrepeso ou obesidade e pelo menos um dos seguintes fatores de risco: • Etnia negra, hispânico ou latina, asiática ou indígena; • História familiar de DM – Parente de 1º grau com DM; • Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS); • Doença cardiovascular prévia; • HDL-c 250 mg/dL; • Síndrome de ovários policísticos; • Sedentarismo; • História prévia de diabete melito gestacional (DMG); • Pré-diabete; • Presença de acantose nígricans; • Apneia obstrutiva do sono; • Indivíduos vivendo com HIV/AIDS; • Indivíduos com fibrose cística; • Indivíduos que realizaram transplante de órgão. Outras condições associadas à resistência insulínica, como obesidade grave e acantose nígricans. Sugestão de exames: Glicemia de Jejum e se valores normais repetir anualmente. Se alterada, seguir protocolo. Crianças ³ 10 anos, ou início da puberdade se ocorrer antes dos 10 anos IMC > percentil 85% associado a 1 ou 2 dos seguintes fatores de risco: • História familiar de DM2 em parentes de 1º. e 2º. Grau; • Sinais de resistência insulínica (acantose nigricans, ovários policísticos, HDL baixo e/ou TG alto, pequena para idade gestacional – PIG); • História materna de DM ou DMG. Exames e periodicidade: Glicemia de Jejum e se valores normais repetir anualmente. Se alterada seguir protocolo. As seguintes apresentações, contudo, devem levantar a suspeita de diabetes: • 4 “P’s”: poliúria, polidpsia, polifagia com perda ponderal não explicada. A hiperglicemia leva à glicosúria, que é responsável pelos sintomas clássicos. • Cansaço, alteração visual (“visão embaçada”) ou candidíase genital (vaginite ou balanopostite). • No DM1, o início geralmente é abrupto, com emagrecimento rápido e inexplicado, hiperglicemia grave associada à desidratação, à cetonemia e à cetonúria. • A cetoacidose diabética (DM1) e o coma hiperosmolar não cetótico (DM2) são formas de Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 17 apresentação mais graves, que podem exigir remoção imediata para unidades de emergência. Diagnóstico Critérios Diagnósticos O diagnóstico de DM é feito de acordo com o valor da GJ, glicemia casual e glicemia 2 horas pós-sobrecarga de 75 g de glicose (TOTG). Recentemente, a HbA1c (ou A1C) foi recomendada como critério diagnóstico devido à correlação bem estabelecida entre seus níveis e o risco para complicações tardias do DM. Isso não quer dizer que a HbA1c deva substituir os critérios por glicemia plasmática, pois, apesar de ser um exame específico, é menos sensível que os demais. • Na presença de sintomas sugestivos, uma glicemia casual acima de 200 mg/dL confirma o diagnóstico. • Em indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves, são necessárias duas GJ acima de 126 mg/dL. É importante orientar o usuário a não mudar sua alimentação antes da realização dos exames confirmatórios, a fim de evitar o mascaramento do diagnóstico. • Para indivíduos com forte suspeita clínica (presença de dois ou mais fatoresde risco) de diabetes e GJ alterada, entre 100 e 126 mg/dL, o TOTG está indicado para complementar a investigação. • Em algumas raras situações, em especial em adultos jovens, é necessário solicitar anticorpos anti-ilhota (ICA, do inglês islet-cell antibody), anti-insulina (IAA) e antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD) para diferenciar DM1 e DM2 (presentes no tipo 1). É preciso verificar, em cada realidade, quais dosagens estão disponíveis. Anamnese A avaliação inicial deve englobar uma história completa para classificação do diabetes, a identificação de comorbidades (outros fatores de risco cardiovascular ou transtornos mentais, como ansiedade e depressão, que interferem na adesão) e de complicações crônicas, além da revisão de tratamentos e controle glicêmico anterior (incluindo efeitos colaterais ou episódios de hipoglicemia). É essencial dar ênfase às dificuldades, expectativas e medos em relação à doença e ao futuro e ampliar a escuta sobre o exercício da sexualidade, visando à elaboração de um plano terapêutico conjunto, que inclua abordagem familiar e/ou a participação em grupos educativos. Exame Físico Deve ser orientado para a verificação da presença de outros fatores de risco cardiovasculares e de complicações micro e macrovasculares. Frequentemente negligenciado na prática clínica, o exame dos pés, que inclui avaliação da sensibilidade superficial (monofilamentos de 10 g) e profunda (diapasão), palpação de pulsos e avaliação sobre a presença de feridas, infecções, deformidades e alterações de trofismo, deve ser realizado no mínimo anualmente. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 18 Exames Complementares Uma vez estabelecido o diagnóstico de diabetes, o controle glicêmico é feito mediante a avaliação dos parâmetros tradicionais: • GJ, glicemia pós-prandial e HbA1c. Os testes de glicemia refletem o nível glicêmico no momento exato em que foram realizados, e a HbA1c revela a glicemia média pregressa dos últimos 2 a 4 meses. A HbA1c deve ser solicitada quando a GJ atinge as metas desejáveis para um bom controle. Estima-se que, para a HbA1c de 6%, corresponderia a uma glicemia média de 126 mg/dL e que, para cada 1 ponto percentual a mais de HbA1c, haja uma elevação de 30 mg/dL na média das glicemias. A glicemia média pode ser calculada por meio da seguinte fórmula: Glicemia média estimada: 28,7 x HbA1c – 46,7 Nos casos em que a GJ já normalizou e a HbA1c permanece elevada, deve-se suspeitar de hiperglicemia pós-prandial, que pode ser evidenciada pelo automonitoramento da glicemia capilar (AMGC), quando disponível. A GJ e a HbA1c devem ser pedidas a cada 3 meses para aqueles que precisam de reavaliação do esquema terapêutico para o alcance das metas de HbA1c. Ainda que o MS recomende tiras de glicemia capilar apenas para quem usa insulina, AMGC pode ser necessário eventual e temporariamente para pacientes com DM2 que não usam insulina, em casos de descompensação metabólica por estresse clínico ou cirúrgico, uso de corticosteroides ou hipoglicemias graves. As metas do tratamento do DM envolvem, além da redução de níveis glicêmicos e pressóricos, a adequação do peso e do perfil lipídico, mas estas devem ser flexibilizadas conforme cada pessoa, dependendo de uma série de fatores, especialmente comorbidades. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 19 Como o nível de HbA1c se correlaciona com o risco progressivamente maior de complicações crônicas, define- se como 7% a meta de HbA1c para adultos com diabetes e na ausência de gravidez, acima do qual está indicada a revisão da terapia em vigor. Para pessoas com diagnóstico recente, longa expectativa de vida, sem doenças cardiovasculares (DCVs) e pouco risco de hipoglicemias, pode-se ser mais rígido, com metas de HbA1c entre 6,0 e 6,5%. Entretanto, para crianças, adolescentes, idosos fragilizados e pessoas com expectativa de vida limitada, um controle mais flexível com HbA1c entre 7,5 e 8,5% pode ser aceito. Demonstrou-se que o controle metabólico muito rígido em DM2 com comorbidades importantes e alto risco cardiovascular pode aumentar a mortalidade e o número de episódios de hipoglicemia grave. Lipidograma: nos indivíduos estáveis, a GJ deve ser solicitada a critério clínico, e a HbA1c, a cada 6 meses. Em relação ao perfil lipídico, se estiver na faixa aceitável, deve ser monitorado anualmente ou com mais frequência se tiver sido instituído tratamento para dislipidemia. Função Renal: exame qualitativo de urina, creatinina com estimativa do clearance e pesquisa de microalbuminúria devem ser avaliados anualmente a partir do diagnóstico do DM2 e após 5 anos do diagnóstico do DM1. Exame oftalmológico (fundo de olho): deve ser avaliado anualmente a partir do diagnóstico do DM2 e após 5 anos do diagnóstico do DM1. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 20 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 21 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 22 Tratamento A caracterização do bom controle glicêmico requer a normalização conjunta dos três parâmetros: • Glicemia média semanal (GMS); • Perfil glicêmico; e • Variabilidade glicêmica (VG) * O conceito de VG está mais comprovado em pacientes com DM1 ou naqueles que utilizam insulina. **GMS = 150 mg/dL é equivalente à HbA1c= 6,9%. Os parâmetros de GMS, VG e perfil glicêmico são calculados com o auxílio de softwares especiais equipando os monitores de glicemia. Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes. O sucesso terapêutico depende da implicação da própria pessoa no seu autocuidado. Para isso, tornam-se fundamentais as intervenções de educação em saúde, individuais ou em grupo, pela equipe de saúde. Tratamento Não Farmacológico As MEVs – incluindo dieta adequada, atividade física regular, aconselhamento sobre o uso de álcool, cigarro e outras drogas – têm efeito sobre o controle glicêmico, semelhante aos antidiabéticos orais, além de reduzirem o risco cardiovascular global. Um plano alimentar balanceado combinado à prática regular de atividades físicas é considerado terapia de primeira escolha para DM. O grau de obesidade e a inatividade física afetam a sensibilidade insulínica, podendo perpetuar um descontrole metabólico, independentemente do tratamento farmacológico. A alimentação indicada ao portador de diabetes deve ser individualizada de acordo com sexo, idade, peso e gasto calórico habitual. É importante ressaltar os meios de evitar hipoglicemia ao usar secretagogos ou insulina, como obedecer aos horários das refeições, evitar bebidas alcoólicas e incluir uma ceia noturna antes de deitar-se. A atividade física reduz a HbA1c, independentemente da redução de peso, diminui o risco cardiovascular e melhora a autoestima. O exercício físico, por mais de 150 minutos semanais de intensidade moderada a vigorosa, é altamente recomendado para prevenção e controle do DM2 e na prevenção das DCVs em diabéticos. Preferencialmente, a combinação de exercícios aeróbicos e de resistência é recomendada tanto para a prevenção como para o controle do DM. Há maior risco de hipoglicemia durante a atividade física, principalmente naqueles que utilizam insulina, de modo que ajustes na quantidade e tipo de carboidratos na alimentação, bem como nas doses e locais de aplicação da insulina, podem ser necessários. Retinopatia proliferativa e neuropatia autonômica grave contraindicam exercícios vigorosos, e alteração da sensibilidade ou lesões nos pés requerem cuidados com o calçado e o tipo de atividade realizada. Para os indivíduos com risco aumentado para diabetes, a MEV – redução de 5 a 10% de peso corporal caso apresentem sobrepeso ou obesidade e aumento da atividade física, como caminhadas, de pelo menos 150 minutos por semana – deve ser recomendada, pois pode reduzir em até 58% o risco de desenvolver DM. Além da MEV, o uso de metformina(indicação prioritária, sobretudo em portadores de obesidade) pode ser considerado. Tratamento Farmacológico Diabetes Melito 2 O tratamento é feito em etapas, com complexidade crescente. O tratamento inicial indicado é a MEV associada ao uso de metformina. Caso o controle esteja inadequado, mesmo com essas medidas, recomenda-se a introdução progressiva de outros fármacos, evoluindo também para insulinoterapia. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 23 Figura 1: PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DIABETE MELITO TIPO 2 – Ministério da Saúde Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 24 Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 25 Considerações Gerais: • Metformina: pacientes com TFG menor do que 30 mL/min têm absoluta contraindicação para o uso da metformina. Valores de TFG de 30 a 59 mL/min precisam alertar sobre outros fatores de risco para acidose láctica antes da prescrição ou da continuidade do uso da metformina. Deve-se ter cautela no pré e pós-operatório e em pacientes submetidos a exames de imagem com contraste. • Sulfonilureias: não é a primeira escolha em DM2 com emagrecimento por estimular um aumento da secreção pancreática de insulina e provocar ganho de peso. Devem ser usadas com cautela em idosos pelo risco de hipoglicemia (principalmente a clorpropamida e a glibenclamida). Não devem ser utilizados em pacientes com perda significativa de função renal (TFG menor do que 30 mL/min), com exceção da gliclazida, que pode ser usada com muita cautela. • Gliptinas: a sitagliptina, a vildagliptina, a saxagliptina e a alogliptina requerem ajuste posológico na insuficiência renal (IR), e a linagliptina é o único agente desta classe que não requer redução de dose. A utilização das gliptinas em monoterapia pode promover redução modesta da HbA1c e são neutras quanto a efeitos no peso. Esses medicamentos podem ser usados associados a metformina, glitazonas, sulfonilureias e, mais recentemente, surgiram estudos com insulina. • Agentes da classe de incretinas – exenatida, liraglutida e lixisenatida: o primeiro, um mimético do GLP-1; os dois últimos, análogos ao GLP-1. São indicados como terapia adjunta para melhorar o controle da glicose em pacientes com DM2 que estão em tratamento com metformina, uma sulfonilureia, ou na combinação com esses dois medicamentos, quando não obtiveram resultados satisfatórios. O diabético obeso em monoterapia ou combinação de agentes orais com HbA1c > 7% é o melhor candidato, em razão da possibilidade de obter melhor controle com menor risco de hipoglicemia acompanhado da perda de peso e possível redução no risco cardiovascular. Embora o perfil desses três agentes seja semelhante, a exenatida e a liraglutida apresentam mais efeitos gastrintestinais, ao passo que a lixisenatida oferece maior risco de hipoglicemia sintomática. A liraglutida é a única da classe aprovada para uso em monoterapia. • Inibidores do SGLT2: promovem glicosúria, por impedirem a reabsorção de glicose nos túbulos renais. Apresentam baixo risco de hipoglicemia, promovem perda de peso de 2 a 3 kg e redução da PAS de 4 a 6 mmHg. Podem ser combinadas com todos os agentes orais e insulina; por outro lado, têm risco aumentado para infecções genitais e de trato urinário. Apresentam ação diurética (glicosúria) e podem levar à depleção de volume (no caso do paciente específico com risco de depleção de volume, reduzir a dose ou não usar). Tal classe não deve ser indicada na IR moderada ou grave. OBS.: a hiperglicemia pós-prandial é um fator independente de risco para a doença macrovascular, impactando também no risco das seguintes complicações: retinopatia, aumento da espessura da camada íntima média da carótida, estresse oxidativo, inflamação e disfunção endotelial, redução do fluxo sanguíneo do miocárdio, aumento do risco de câncer e comprometimento da função cognitiva em idosos com DM2. Insulinoterapia O declínio progressivo da função das células beta faz parte do processo natural da doença, sendo a prescrição de insulina reconhecida atualmente como necessária para a maioria dos portadores de DM2. Seu uso é indicado ao diagnóstico, quando a sintomatologia for proeminente, ou no curso do tratamento, quando houver falha ou contraindicação aos agentes orais, ou, ainda, em situações especiais, como na gestação ou em intercorrências clínicas – infecção, cirurgia, após infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral, IH e IR. Quando há o diagnóstico, nessa situação, a insulinoterapia deve ser plena e pode ser temporária. Na prática, contudo, observa-se que a insulinoterapia ainda é pouco utilizada ou iniciada tardiamente devido ao receio por parte de médicos e pacientes. A introdução da insulinoterapia em dose única, antes de deitar-se (bed time), associada aos antidiabéticos orais (terapia combinada), é considerada a estratégia preferencial para início da terapia insulínica no DM2, pois costuma ser bem recebida pelos usuários e tem o benefício de requerer menores doses de insulina e reduzir o risco de hipoglicemia. Basicamente, existem quatro modalidades de apresentações comerciais de insulinas no mercado brasileiro: humanas isoladas; humanas em pré-mistura; análogos de insulina humana isolados; e análogos bifásicos ou pré-mistura de insulina humana. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 26 A insulinoterapia deve ser intensificada de forma progressiva e adequada, para facilitar a adesão e evitar hipoglicemia, que podem ser uma barreira para alcançar o bom controle glicêmico. Ao se iniciar a terapia de combinação injetável, o tratamento com metformina deve ser mantido, e os demais tratamentos com agentes orais podem ser continuados respeitando-se a individualização do tratamento, para evitar esquemas complexos e de alto custo. Débora Janaína UNIGRANRIO - Afya Medicina 27 Considerações Gerais: • A hipoglicemia pode ocorrer com o uso dos antidiabéticos orais (sulfonilureias e glinidas) ou insulina. Em geral, ocorre por omissão de refeição, diminuição da quantidade de carboidratos da refeição e/ou excesso de exercício físico. Palidez, extremidades frias, sudorese, tremores, palpitações, sensação de fome, dor abdominal, dor de cabeça, tontura, fadiga, sonolência, alteração do humor (irritabilidade) ou do comportamento são os sinais e sintomas mais comuns. • Usuários e familiares devem ser orientados a reconhecer o quadro, realizar o pronto diagnóstico por meio da glicemia capilar (