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BIOQUÍMICA DOS ALIMENTOS Priscila Souza Silva Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a classificação, a definição e as propriedades funcionais dos carboidratos. � Descrever a gelatinização e as reações de escurecimento não en zimático. � Analisar a importância dos espessantes à base de amido. Introdução Os carboidratos são componentes frequentes dos alimentos, sendo consumidos em grandes quantidades. São passíveis de modificações químicas e bioquímicas, as quais são utilizadas comercialmente para melhora das propriedades e para ampliação de suas aplicações (DAMO- DARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). Eles representam a fonte de energia da vida, sendo formados nos vegetais por meio da fotossíntese. São compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio e podem ser divididos em três grupos: monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos. Os carboidratos podem desempenhar funções importantes nos alimentos, atuando como espessante, agente geleificante e conservante e conferindo caramelização, sabor e cor. Neste capítulo, você vai estudar os carboidratos, suas proprieda- des funcionais e as principais reações químicas utilizadas pela indústria alimentícia. Carboidratos e suas propriedades funcionais Os carboidratos constituem mais de 90% da matéria seca de plantas. São abundantes, amplamente disponíveis e de baixo custo. Consistem em com- ponentes frequentes nos alimentos, podendo tanto ser componentes naturais ou adicionados como ingredientes (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). Para compreender melhor a estrutura molecular dos carboidratos, é fundamental entender a química orgânica. Um é aldeído consiste em um composto que contém o grupamento (H — CR = O). Já as cetonas apresentam como unidade funcional o grupamento (R — CR = O). Ambos os grupamentos são caracterizados como grupamentos carbonilos. Os compostos classificados como álcool apresentam o grupamento hidroxila (R-CH2-OH) como unidade funcional. Tanto as cetonas quanto os aldeídos podem se unir ao álcool, formando os carboidratos. Esses compostos são sintetizados pelo organismo e apresentam funções mistas de poliálcool-aldeído e poliálcool-cetona (GONÇALVES, 2010). Assim, os carboidratos são poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas. Apresentam inúmeras cadeias de carbonos, ricos em hidrogênio e oxigênio. Sua fórmula geral é (CH2O)n, sendo que n indica o número das proporções repetidas. Podem apresentar em sua estrutura átomos de nitrogênio, enxofre ou fósforo. Os carboidratos são classificados em três tipos: monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos (KOOLMAN; RÖHM, 2013). Monossacarídeos São os açúcares simples, pois são as unidades básicas dos carboidratos, cons- tituídos por uma única unidade de aldeído (chamados de aldoses) ou cetona (chamados de cetoses), por isso não podem ser hidrolisados para uma forma mais simples. Constituem a principal fonte de energia para os seres vivos. A maioria apresenta sabor doce. Podem ser classificados de acordo com o seu número de átomos de carbono, conforme o Quadro 1 a seguir (PINHEIRO; PORTO; MENEZES, 2005). Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais2 Fonte: Adaptado de Gonçalves (2010). Número de átomos de carbono Aldoses Cetoses 3 Triose Triulose 4 Tetrose Tetrulose 5 Pentose Pentalose 6 Hexose Hexulose 7 Heptose Heptulose 8 Octose Octulose 9 Nonose Nonulose Quadro 1. Classificação de acordo com o número de átomos de carbono Veja a seguir exemplos de monossacarídeos. � Glicose: forma de açúcar encontrada na corrente sanguínea. Produto principal resultante da hidrólise de carboidratos mais complexos. � Frutose: açúcar presente nas frutas. Consiste no açúcar mais doce dos monossacarídeos. � Galactose: açúcar do leite. Não é encontrado livre na natureza, pois combina-se com a glicose para formar a lactose. É proveniente da quebra da lactose durante o processo de digestão (BOBBIO, F.; BOBBIO, P., 2003). Oligossacarídeos Oligossacarídeos são polímeros que contém de 2 a 10 unidades de monossa- carídeos unidos por ligações hemicetálicas. Neste caso, denominadas ligações glicosídicas. Os mais importantes são os dissacarídeos. São açúcares compostos de dois monossacarídeos. Para serem absorvidos, necessitam passar pelo processo de hidrolisação para serem transformados em dois monossacarídeos. Os principais são os seguintes. � Sacarose: glicose + frutose. É o açúcar de mesa. Pode ser encontrado no açúcar de cana, na beterraba e no mel. 3Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais � Lactose: glicose + galactose. É o açúcar presente no leite. É produ- zido nas glândulas mamárias e consiste no açúcar menos doce dos dissacarídeos. � Maltose: glicose + glicose. É o açúcar do malte. Não pode ser encon- trado livre na natureza e por isso é proveniente do processo de digestão feito por enzimas que quebram as moléculas grandes em fragmentos de dissacarídeos. Assim, são convertidos em duas moléculas de glicose para facilitar a absorção. Na indústria alimentícia, é obtido por meio da fermentação de cereais, tais como a cevada, produzindo etanol e dióxido de carbono. Os polióis são açúcares derivados de álcoois, sendo eles os seguintes. � Manitol: açúcar de álcool que tem metade da energia fornecida pela glicose e pode ser utilizado como edulcorante em alguns alimentos. Em tecnologia de alimentos, também é empregado como agente secante em azeitonas, aspargos, batata-doce e cenouras. � Sorbitol: açúcar de álcool encontrado naturalmente em frutas como pera, maçã e ameixa. É utilizado em calda de compotas de frutas com teor reduzido de açúcares (PHILIPPI, 2014). Polissacarídeos Consistem na união de várias unidades de glicose. Diferem apenas no tipo de ligação. São conhecidos também como carboidratos complexos e são menos solúveis e mais estáveis que os açúcares simples. Podem ser divididos em polissacarídeos digeríveis e polissacarídeos não digeríveis (GALISA; ESPE- RANÇA; SÁ, 2008). Polissacarídeos digeríveis Amido: composto por várias unidades de glicose. É a forma de armazenamento de glicose na planta. Está presente nas sementes, nas raízes, nos tubérculos, nos frutos, no caule e nas folhas de vegetais e nos legumes. Consiste na prin- cipal fonte de carboidrato da dieta, sendo encontrado no milho, no arroz, na Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais4 batata, na mandioca e no trigo. A cocção de alimentos ricos em amido melhora seu sabor, suaviza e rompe suas células, facilitando os processos digestivos (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2008). Dextrina: não é encontrada de forma livre na natureza. É obtida durante a digestão do amido. Glicogênio: consiste na forma de armazenamento dos carboidratos nos seres humanos no fígado e no tecido muscular. Auxilia na manutenção dos níveis de açúcar durante períodos de jejum, como durante o sono, sendo também o com- bustível imediato para contrações musculares (BOBBIO, F.; BOBBIO, P., 2003). Polissacarídeos não digeríveis Fibra alimentar: a maioria das fibras constitui polissacarídeos, mas as liga- ções entre as unidades de açúcar não podem ser degradadas pelas enzimas humanas e, portanto, passam pelo organismo sem liberar energia. Podem ser classificadas em solúveis e insolúveis. � Fibras solúveis: substâncias solúveis em água que formam gel, au- mentando o volume alimentar e retardando o esvaziamento gástrico. São os polissacarídeos pectina (encontrada em frutas) e as gomas e mucilagens (encontradas nas secreções de vegetais, sementes e algumas hemiceluloses) (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2008). � Fibras insolúveis: estrutura dura e fibrosa do fruto, dos vegetais e dos grãos, que não se dissolvem em água. São os polissacarídeos celulose e hemicelulose (fazem parte da estrutura da célula vegetal e estimulam o movimento peristáltico) (GALISA; ESPERANÇA;SÁ, 2008). A lignina é uma fibra alimentar insolúvel que não é classificada como carboidrato (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2008). 5Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais Propriedades funcionais Além da importância biológica dos carboidratos, esses compostos são matérias- -primas para indústrias importantes, como as de madeira, papel, fibras têxteis, produtos farmacêuticos e alimentícios. A celulose é o principal carboidrato industrial, com um consumo mundial estimado em quase 1 bilhão de toneladas por ano. Alguns polissacarídeos, como ágar, pectinas e carragenanas, extraídos de algas marinhas, são utilizados — graças a suas propriedades gelatinosas — em cosméticos, remédios e alimentos. Tanto o ágar como a carragenana são usados como espessantes na produção de sorvetes. A sacarose (extraída da cana-de-açúcar) é o principal adoçante empregado na culinária e na indústria de doces. O açúcar “invertido” é menos cristalizável, sendo muito usado na fabricação de balas e biscoitos. O açúcar invertido consiste em um xarope feito a partir da sacarose. A inversão do açúcar acontece quando a sacarose é quebrada em glicose e frutose em razão de seu aquecimento na presença de uma substância ácida, como suco de limão ou ácido acético, presente no vinagre. Essa técnica é utilizada pela indústria alimentícia para a fabricação de balas, doces e sorvetes, com a finalidade de evitar que o açúcar comum cristalize, dando ao produto final uma consistência arenosa. Veja a seguir as principais funções dos carboidratos. � Fonte de energia: servem como combustível energético para o corpo, sendo utilizados para auxiliar na contração muscular. Fornecem 4 kcal por grama. � Regulação do metabolismo proteico: quando as reservas de glicogênio estão reduzidas, a produção de glicose acontece a partir da proteína, reduzindo as reservas corporais de proteína muscular. � Funcionamento do sistema nervoso central: os carboidratos são o combustível do sistema nervoso central, uma vez que o cérebro não armazena glicose. A ausência da glicose pode causar danos irreversíveis para o cérebro. � Proteção contra corpos cetônicos: se a quantidade de carboidratos é insuficiente em razão de uma dieta inadequada, os lipídeos serão Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais6 oxidados, formando uma quantidade excessiva de cetonas que poderão causar acidose metabólica e levar ao coma e à morte (PHILIPPI, 2014). Gelatinização e reações de escurecimento não enzimático: conceito e aplicações Para compreender o processo de gelatinização, é essencial estudar as carac- terísticas do amido. O amido é a fonte mais importante de carboidratos na alimentação humana e o principal responsável pelas propriedades tecnológicas que caracterizam grande parte dos produtos processados. Estruturalmente, o amido é um polissacarídeo composto por cadeias de amilose e amilopectina. A amilose é formada por unidades de glicose unidas por ligações glicosídicas α(1→4), originando uma cadeia linear. Já a ami- lopectina é formada por unidades de glicose unidas em α(1→4) e α(1→6), formando uma estrutura ramificada. As proporções em que essas estruturas aparecem diferem entre as diversas fontes, entre variedades de uma mesma espécie e, ainda, em uma mesma variedade, de acordo com o grau de matu- ração da planta. Essas variações podem resultar em grânulos de amido com propriedades físico-químicas e funcionais diferenciadas, o que pode afetar sua utilização em alimentos ou aplicações industriais. Apresentando somente ligações α-glicosídicas, o amido é potencialmente digerível pelas enzimas amilolíticas secretadas no trato digestivo humano. Para propósitos nutricionais, o amido pode ser classificado como glicêmico ou resistente. O amido glicêmico é degradado à glicose por enzimas no trato digestivo, podendo ser classificado como amido rapidamente digerível (ARD) ou amido lentamente digerível (ALD) no intestino delgado. Já o amido resis- tente é aquele que resiste à digestão no intestino delgado, mas é fermentado no intestino grosso pela microflora bacteriana. Praticamente todos os setores industriais utilizam o amido ou seus derivados. As fontes mais comuns de amido alimentício são o milho, a batata, o trigo, a mandioca e o arroz (DE- NARDIN; SILVA, 2009). O amido pode ser encontrado no endosperma dos cereais. Os grânulos de amido não danificados são insolúveis em água fria, mas podem absorver água de modo reversível, ou seja, eles podem inchar um pouco e, então, retornar a seu tamanho original ao secar. Quando aquecidas em água, as moléculas iniciam um processo vibratório intenso, ocorrendo quebra das pontes de hidrogênio intermoleculares. Esse processo permite a entrada de água que promove a ge- 7Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais latinização do amido (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). Durante o processo de gelatinização, o grânulo intumesce e a viscosidade aumenta. A gelatinização consiste na ruptura da ordem molecular no interior dos grânulos e ocorre acima de uma faixa de temperatura. Cada fonte de amido tem uma temperatura de gelatinização diferente, sendo que a das raízes e dos tubérculos apresentam temperatura de gelatinização menor, conforme o Quadro 2 a seguir. Fonte: Adaptado de Denardin e Silva (2009). Fonte Temperatura de gelatinização Milho 63ºC a 80ºC Mandioca 52ºC a 65ºC Batata 58ºC a 65ºC Trigo 52ºC a 85ºC Arroz 65ºC a 73ºC Quadro 2. Temperatura de gelatinização A partir da temperatura de 52°C, os amidos começam a se romper liberando cadeias de amilose ao meio aquoso e, posteriormente, amilopectina, fazendo com que toda água livre seja absorvida formando uma pasta viscosa. É res- ponsável por espessamento, estrutura e textura. Existem muitos fatores que afetam essa temperatura de gelatinização, sendo o principal deles a presença de água. Isso ocorre porque a água atua como agente plastificante nos cristais de amido, além de exercer efeito na condução de energia. Com isso, sua presença diminuirá a temperatura de transição vítrea, diminuindo, consequentemente, a temperatura de fusão (desorganização) dos cristais e aumentando a susce- tibilidade do amido à digestão pelas amilases do trato gastrointestinal. As propriedades de inchamento e gelatinização são controladas, em parte, pela estrutura molecular da amilopectina (comprimento de cadeia, extensão de ramificação, peso molecular), composição do amido (proporção amilose: amilopectina e teor de fósforo) e arquitetura granular (proporção de regiões cristalinas e amorfas). Normalmente, altas temperaturas de transição têm sido associadas a altos graus de cristalinidade, os quais fornecem a estabilidade estrutural e tornam os grânulos mais resistentes à gelatinização (DENARDIN; SILVA, 2009). A utilização da gelatinização em produtos de panificação afeta Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais8 muito suas propriedades, incluindo comportamento no armazenamento e taxa de digestão (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). Reações de escurecimento não enzimático Antes de consumidos, os alimentos sofrem processamento térmico, o que garante a segurança microbiológica, a inativação de algumas enzimas, a degradação de substâncias tóxicas e, ainda, o desenvolvimento de substâncias responsáveis pelo aroma, pela cor e pelo sabor, melhorando a sua palatabilidade (SHIBAO; BASTOS, 2011). O fenômeno em que os alimentos escurecem à medida que são aquecidos é provavelmente conhecido desde a descoberta do fogo. As reações químicas que resultam nesse fenômeno foram primeiramente descritas em 1912 pelo bioquímico francês Louis-Camille Maillard, que pu- blicou o primeiro estudo sistemático mostrando que aminoácidos e açúcares redutores iniciam uma complexa cascata de reações durante o aquecimento, resultando na formação final de substâncias marrons chamadas de melanoidinas (SHIBAO; BASTOS, 2011). Nesse sentido, o escurecimento nãoenzimático é conceituado por meio de reações que envolvem açúcares ou compostos relacionados com açúcares e podem ser de dois tipos: reações de Maillard e caramelização. Reação de Maillard A reação de Maillard se inicia com o ataque nucleofílico do grupo D-carbonílico de um açúcar redutor, ao grupamento amina de proteínas. A ocorrência da reação em alimentos depende de vários fatores: temperaturas elevadas (acima de 40ºC), atividade de água na faixa de 0,4 a 0,7, pH na faixa de 6 a 8 (pre- ferencialmente alcalino), umidade relativa de 30% a 70% e presença de íons metálicos de transição como Cu2+ e Fe2+, que podem catalisar a reação. Além desses fatores, a composição do alimento também influencia na ocorrência da reação de Maillard. O tipo de açúcar redutor interfere na velocidade de reação com os grupamentos amina, sendo o açúcar redutor mais reativo a xilose, seguida de arabinose, glicose, maltose e frutose, indicando que as pentoses são mais reativas do que as hexoses. Além dos açúcares, os tipos de aminoácidos também interferem na velocidade de reação. A lisina é cerca de duas a três vezes mais reativa quando comparada aos outros aminoácidos, em razão da presença de grupamentos D e H-amino em sua estrutura. Na sequ- 9Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais ência, os aminoácidos básicos e não polares (arginina, fenilalanina, leucina, isoleucina e valina) são os mais reativos, seguidos dos aminoácidos ácidos (ácido glutâmico e ácido aspártico). A reação de Maillard é dividida em três fases: inicial, intermediária e final. Alguns dos compostos formados são identificados como característicos de cada uma dessas fases, que, no entanto, não ocorrem de forma sequencial, mas em cascata (SHIBAO; BASTOS, 2011). Fase inicial: ocorre a condensação da carbonila de um açúcar redutor, com um grupamento amina proveniente de aminoácidos livres ou de proteínas, levando à formação de glicosil/frutosilaminas. Esse é o primeiro produto estável formado. Em alimentos que contenham proteína, o grupamento amino do resíduo de lisina é o alvo principal para o ataque de açúcares redutores. Os produtos formados nessa etapa não têm cor, fluorescência ou absorção característica (SHIBAO; BASTOS, 2011). Fase intermediária: na fase intermediária, prolongando-se o aquecimento ou o armazenamento, os produtos dão origem a uma série de reações (desidrata- ção, enolização e retroaldolização), resultando em compostos dicarbonílicos, redutonas e derivados do furfural, ou ainda em produtos da degradação de aminoácidos. Nessa fase, é observado o aumento da geração de produtos fluorescentes (SHIBAO; BASTOS, 2011). Fase final: na fase final da reação de Maillard, os produtos intermediários (dicarbonílicos), muito reativos, podem reagir com resíduos de lisina ou arginina em proteínas, formando compostos estáveis. Nessa fase ocorrem reações de fragmentação e polimerização, com a geração de melanoidinas (compostos de coloração marrom e alto peso molecular) e de compostos fluorescentes (SHIBAO; BASTOS, 2011). Ao longo do processo são formados compostos voláteis, tais como cetonas e aldeídos, que conferem o aroma característico aos produtos termicamente processados. A reação de Maillard nos alimentos confere e influencia atri- butos sensoriais fundamentais para a aceitação de alimentos termicamente processados, em razão da geração de compostos voláteis, responsáveis pelo aroma e pelo sabor (aldeídos e cetonas), bem como pela cor (melanoidinas) e pela textura. Por outro lado, pode originar compostos que são adversos à saúde humana, como a acroleína e as aminas heterocíclicas aromáticas (SHIBAO; BASTOS, 2011). Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais10 Produtos da reação de Maillard Correspondem a um grupo heterogêneo de compostos químicos, com ampla variação no peso molecular, formados em alimentos. Compostos dessa reação encontrados em alimentos são: carboximetilisina, hidroximetilfurfural, pen- tosidina, carboxietilisina, pirralina, vesperlisina A, dímero de glioxal-lisina, dímero metilglioxal-lisina e glicosepana. Os produtos da reação de Maillard estão presentes em alimentos submetidos a qualquer tipo de tratamento tér- mico, incluindo alimentos fritos, assados em churrasqueiras, cozidos em forno convencional ou de micro-ondas, sendo a temperatura o parâmetro crítico relativamente a essa reação. Assim, métodos mais brandos de cozimento e com alta atividade de água, como preparações ensopadas e a vapor, geram teores menores de produtos da reação de Maillard (SHIBAO; BASTOS, 2011). Caramelização É um tipo de escurecimento não enzimático e não deve ser confundida com a reação de Maillard. Se dá pela degradação de açúcares em ausência de aminoácidos ou proteínas e pode ocorrer tanto em meio ácido quanto em meio básico. Envolve temperaturas elevadas acima de 120 °C e tem como produtos finais compostos escuros de composição química complexa. Envolve várias reações: hidrólise, degradação, eliminação e condensação. A caramelização é, em alguns pontos, similar à reação de Maillard, mas a temperatura de ativação deve ser muito maior. Essa reação não se dá no pão, pois requer temperaturas mais altas que a que alcança a crosta do pão, ou ela seria de pouca intensidade. Assim, a reação mais importante é a reação de Maillard. Normalmente, a caramelização é utilizada no dia a dia das pessoas, porém ela não é muito percebida. É muito utilizada na fabricação de doces, balas, refrigerantes, entre outros. Para se obter a caramelização, é necessário que um açúcar seja levado a uma temperatura acima do seu ponto de fusão, ocorrendo assim uma desidratação do açúcar, tendo a formação do hidroximetilfurfural, que, com sua polimerização, tem a formação das melanoidinas, um pigmento responsável pela cor escura característica da caramelização. Essa reação é muito similar à reação de Maillard em alguns aspectos. Por exemplo, ambas produzem como produto final as melanoidinas. Porém, elas têm diferenças, por exemplo, na reação de Maillard, são utilizados açúcares redutores, o que na caramelização não faz diferença (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). 11Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais Espessantes à base de amido: conceito e importância Os espessantes são utilizados nos alimentos para aumentar a viscosidade de soluções, de emulsões e de suspensões. São amplamente aplicados nos setores de panificação, alimentos açucarados, produtos cárneos, bebidas e sorvetes. São hidrossolúveis e hidrofílicos, sendo utilizados para dispersar, estabilizar ou evitar a sedimentação de substâncias em suspensão. Emprega-se em tecnologia de alimentos e bebidas como agente estabilizador de sistemas dispersos, como suspensões (sólido-líquido), emulsões (líquido-líquido) ou espumas (gás-líquido) (QUIROGA, 2017). Espessantes alimentares frequen- temente são baseados em quaisquer polissacarídeos (amidos, gomas vegetais e pectina) ou proteínas. Um amido em pó sem sabor utilizado para esse fim é a fécula. Essa categoria inclui amidos como araruta, amido de milho, amido de batata, sagu, amido de tapioca e derivados de amido. As gomas vegetais usadas como espessantes de alimentos incluem goma guar, goma de alfarroba e goma xantana. Diferentes espessantes podem ser mais ou menos adequados numa dada aplicação, em razão de diferenças de gosto, transparência e suas respostas às condições químicas e físicas. Por exemplo, para alimentos ácidos, araruta é uma esco- lha melhor do que amido de milho, que perde potência de espessamento em misturas ácidas. Se o alimento é para ser congelado, tapioca ou araruta são preferíveis do que amido de milho, que se torna esponjoso quando congelado (QUIROGA, 2017). O amido constitui uma importante reserva de nutrição de todos as plantas superiores (sementes, tubérculos, rizomas e bulbos). Apesar de serem utilizados como espessantes, eles são considerados como alimentos. São polissacarídeos,ou seja, estão formados pela combinação de centenas de monossacarídeos, com muitas unidades repetitivas de glicose. Pelo fato de ser facilmente hidrolisado e digerido, é um dos elementos mais importantes da alimentação humana. Trata-se da mais importante fonte de carboidratos. Sua estrutura é constituída por dois polímeros: a amilose e a amilopectina. A amilose forma géis firmes após o resfriamento e tem grande tendência a precipitar, enquanto a amilopectina apresenta geleificação lenta, precipitação lenta e textura gomosa e coesiva (Figura 1). As fontes mais comuns de amido são cereais e raízes, como arroz, milho, trigo, batata e mandioca. O amido não é doce, não é solúvel em água fria e representa de 70 a 80% das calorias ingeridas na dieta humana. Eles apresentam baixo custo, grande disponi- bilidade e facilidade de armazenamento e manipulação. Para entender sua Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais12 aplicação como espessante, é importante que se conheça os seus polímeros (SALINAS, 2002). Figura 1. Estrutura da amilose e da amilopectina. Fonte: Adaptada de chromatos/Shutterstock.com. Amilose Amilopectina Amilose Polissacarídeo linear, a amilose tem vários usos na indústria de alimentos, como na produção de filmes transparentes para empacotamento de produtos alimentícios, tais como café instantâneo, sopas, chás e coberturas de salsichas. Em razão da tendência de formar géis, rapidamente, estáveis e dispersíveis em água, a amilose é útil no preparo de pudins e molhos de carne. Amido de milho com alto conteúdo de amilose é útil como espessante de produtos assados. Ésteres de amilose podem ser usados como agentes espessantes para produtos alimentícios, aumentando seu ponto de fusão. Eles fazem os alimentos gordurosos, tais como margarina, pasta de amendoim, chocolates 13Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais e assados contendo gorduras, tornarem-se mais estáveis contra as variações de temperatura (SALINAS, 2002). Amilopectina A amilopectina é uma molécula muito grande e altamente ramificada. As ramificações de suas moléculas são agrupadas e apresentam-se como hélices duplas. Em razão de sua massa molecular, a amilopectina está entre as maiores moléculas encontradas na natureza. Sua estrutura química permite interação forte com a água por meio de pontes de hidrogênio. Ela constitui mais ou menos 75% da maioria dos amidos comuns. Alguns amidos são constituídos inteiramente de amilopectina, sendo denominados como cerosos ou amidos de amilopectina (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010). É usada como espessante, estabilizante e adesivo (SALINAS, 2002). Critérios de escolha de espessante Esse tipo de aditivo é usado em pequenas proporções (menos que 0,5%), devendo apresentar as seguintes características. � Ter sabor neutro. � Ser de fácil dispersão. � Ser termoestável. � Conferir mais corpo e maior resistência às variações de temperatura. � Ter baixa relação custo-benefício (SALINAS, 2002). Utilização na indústria alimentícia O amido tem sido muito utilizado pela indústria alimentícia como ingrediente calórico e como melhorador de propriedades físico-químicas. É utilizado para alterar ou controlar diversas características, como textura, aparência, umidade, consistência e estabilidade no armazenamento. Pode também ser usado para ligar ou desintegrar, expandir ou adensar, clarear ou tornar opaco, reter a umidade ou inibi-la, produzir textura lisa ou polposa e produzir coberturas leves ou crocantes. Também serve tanto para estabilizar emulsões quanto para formar filmes resistentes ao óleo. O emprego industrial do amido se deve à sua característica única de poder ser usado diretamente na forma de grânulos, de grânulos intumescidos, na forma dispersa, como filme obtido da secagem de uma dispersão ou após extrusão, depois da conversão a uma mistura de Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais14 oligossacarídeos ou glucose, que pode ser isomerizada enzimaticamente para frutose. Os amidos são amplamente empregados com o objetivo de auxiliar na textura e na estabilidade dos produtos, como iogurtes, sobremesas prontas, sobremesas em pó, bebidas lácteas e queijos processados que estão na categoria de produtos lácteos. A fécula de mandioca é amplamente utilizada nessa cate- goria de produto em virtude do seu sabor mais neutro. No caso do segmento de bebidas, os amidos podem ser empregados em emulsões, contribuindo para a estabilidade do produto. No setor de molhos, maioneses, ketchups, sopas, temperos e condimentos, o papel dos amidos é proporcionar consistência, estabilidade e corpo aos produtos. Já para o segmento de confeitos, os amidos são bastante utilizados na fabricação de balas de gomas, conferindo uma textura característica ao produto. Também são utilizados nos moldes, auxi- liando na secagem das balas. Para a área de panificação, os amidos podem ser utilizados com o objetivo de obter uma padronização da força do glúten. Na fabricação de bolos, auxilia na textura do produto. Para a fabricação de pães de queijo, contribui para o processo e para a obtenção de textura. Para o setor de produtos cárneos, a fécula de mandioca é mais utilizada, pois apresenta uma alta capacidade de absorção de água, proporcionando maior suculência, rendimento e maciez aos produtos. Para sistemas de empanamento, os amidos auxiliam na adesividade, viscosidade, crocância e redução da absorção de óleo durante a fritura. Os amidos têm uma imensidade de aplicações em todos os setores alimen- tícios, devendo sua aplicação ser conduzida com base nas legislações vigentes de cada país (DENARDIN; SILVA, 2009). 15Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais BOBBIO, F.; BOBBIO, P. A. Introdução à química de alimentos. 3. ed. São Paulo: Livraria Varela, 2003. DAMODARAN, S.; PARKIN, K. L.; FENNEMA, O. R. Química de los alimentos. 3. ed. Zaragoza: Editorial Acribia, 2010. DENARDIN, C. C.; SILVA, P. L. Estrutura dos grânulos de amido e sua relação com pro- priedades físico-químicas. Ciência Rural, v. 39, n. 3, p. 945-954, maio/jun. 2009. GALISA, M. S.; ESPERANÇA, L. M. B.; SÁ, N. G. de. Nutrição: conceitos e aplicações. São Paulo: M.Books, 2008. GONÇALVES, E. C. B. A. Análise de alimentos, uma visão química na nutrição. 3. ed. São Paulo: Varela, 2012. GONÇALVES, E. C. B. A. Química dos alimentos: a base da nutrição. São Paulo: Varela, 2010. KOOLMAN, K.; RÖHM, K. Bioquímica: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. PHILIPPI, T. S. Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2014. PINHEIRO, D. M.; PORTO, K. R. de A.; MENEZES, M. E. da S. A química dos alimentos: car- boidratos, lipídios, proteínas e minerais. Maceió: EDUFAL, 2005. (Conversando sobre ciências em Alagoas). QUIROGA, A. L. B. Dossiê espessantes. Food Ingredients Brasil, n. 40, p. 20-44, 2017. Disponível em: <http://revista-fi.com.br/upload_arquivos/201703/2017030190080001489666223. pdf>. Acesso em: 30 set. 2018. SALINAS, R. D. Alimentos e nutrição: introdução a bromatologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. SHIBAO, J.; BASTOS, D. H. M. Produtos da reação de Maillard em alimentos: implicações para a saúde. Revista Nutrição, v. 24, n. 6, p. 895-904, nov./dez. 2011. Leitura recomendada BELITZ, H. D.; GROSCH, W.; SCHIEBERLE, P. Química de los alimentos. 3. ed. Zaragoza: Editorial Acribia, 2009. Carboidratos: definição, classificação e propriedades funcionais16
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