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COMENTÁRIOS Lei 8884 DE 1994_versao_3

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EAE541- ECONOMIA E O SISTEMA JURÍDICO DO ESTADO
PROF. DR. MANUEL ENRÍQUEZ GARCIA
COMENTÁRIOS A RESPEITO DA LEI 8884 DE 1994
O SISTEMA DA LEI ANTITRUSTE BRASILEIRA
A lei antitruste brasileira, embora em muitos aspectos possa ser comparada a de outros países, possui aspectos bastante peculiares.
Nos Estados Unidos, o Sherman Act, em seu artigo 1º veda acordos entre empresas e, no artigo 2º veda a posição dominante de uma empresa num determinado mercado. As concentrações, inicialmente julgadas com base nos dispositivos do próprio Sherman Act, em 1914 receberam regulamentação especial com a promulgação do Clayton Act (cf. artigo 7º )
Na Comunidade Européia, o Tratado CE, por sua vez, veda acordos entre empresas que possam prejudicar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum (art. 81)
O sistema brasileiro é um sistema hibrido, que aproveita o europeu no que tange à caracterização do ilícito pelo objeto ou efeito, mas supera esta tradição quanto aquela norte-americano no que tange à tipificação dos atos.
No Brasil, o texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato da concorrência ser um meio, um instrumento para o alcance de outro bem maior, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.” 
Respeitado o que dispõe o artigo 170 da Constituição Federal de 1988, tem-se que, quanto à livre concorrência, a licitude ou ilicitude da prática dos agentes econômicos está fundamentada no artigo 20 da Lei 8.884 de 1994.
Há ilegalidade quando a conduta implicar em atos que acarretem:
Prejuízo à livre concorrência, ou à livre iniciativa;
Domínio de mercado relevante;
Aumento arbitrário de lucros;
Abuso de posição dominante.
VÁLVULAS DE ESCAPE
I – ISENÇÕES E AUTORIZAÇÕES
Embora gerem prejuízos à livre concorrência ou à livre iniciativa, bem como domínio de mercado, o art. 54 da Lei 8.884 de 1994 determina que o CADE autorize atos ou contratos desde que:
5. Tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: 
5.1.aumentar a produtividade;
5.2.melhorar a qualidade de bens ou serviços;
5.3.propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
6. tragam benefícios distribuídos equitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais de outro;
7. não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;
8. observem os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.
OU SEJA, PRÁTICAS RESTRITIVAS DA CONCORRÊNCIA SÃO LÍCITAS DESDE QUE DEVIDAMENTE AUTORIZADAS PELO CADE.
II - O CONCEITO DE MERCADO RELEVANTE
A lei 8.884/94 introduziu a expressão “mercado relevante”. O mercado relevante é aquele em que se travam as relações de concorrência ou atua o agente econômico cujo comportamento está sendo analisado.
Sem sua delimitação, é impossível determinar a incidência de qualquer das hipóteses contidas nos incisos do art. 20 da Lei 8.884/94. O interesse tutelado pelo inciso I do art. 20 da Lei 8.884/94 é a livre concorrência ou a livre iniciativa. Ou seja, aos agentes é assegurada liberdade de desenvolver uma atividade econômica e, para garantir a manutenção do sistema e das regras do jogo, são impostos limites à atuação desses agentes. A atuação estatal deve, portanto, estar dirigida para o que preceitua o artigo 54 acima assinalado.
2.1. O MERCADO RELEVANTE GEOGRÁFICO
O mercado relevante geográfico é a área onde se realizam as transações e deverá ser delimitado para a análise das práticas que estão sendo consideradas restritivas à concorrência.
É a área geográfica na qual o agente econômico, cuja prática está sendo analisada pelo CADE, é capaz de aumentar os preços que pratica sem causar um dos seguintes efeitos:
Perder um grande número de clientes, que passariam a utilizar-se de um fornecedor alternativo situado fora da mesma área;
Provocar imediatamente a inundação da área por bens de outros fornecedores que, situados fora da mesma área, produzem bens similares.
Exemplo:
Vamos supor que uma padaria, localizada no bairro de Pinheiros, na cidade de São Paulo, tenha desenvolvido um sistema de produção de pães e doces que lhe permite reduzir a quantidade de farinha empregada, ao mesmo tempo em que torna o produto mais leve e saboroso, mantendo o seu valor nutritivo. Em decorrência dessa sua vantagem competitiva, os consumidores da região abandonam seus antigos fornecedores e, muito embora algumas vezes a loja seja um pouco mais distante, passam a adquirir produtos desse inovador padeiro.
Com isso, as outras padarias da região de Pinheiros diminuem suas vendas e a grande maioria chega, inclusive, a fechar suas portas. Identificamos, assim, a existência de uma relação de concorrência entre esses agentes econômicos, de sorte que integram o mesmo mercado relevante geográfico.
É claro que todas as padarias de São Paulo não integram o mesmo mercado relevante geográfico. O pão é um produto que se adquire quase que diariamente e, com certeza, os consumidores do bairro do Morumbi não atravessarão, todos os dias, a cidade para comprar os pãezinhos especiais. O ganho no preço não compensaria o custo originado pelo deslocamento, isto sem levarmos em conta o custo do tempo.
VARIÁVEIS QUE DEVERÃO SER CONSIDERADAS QUANDO DA DELIMITAÇÃO DO MERCADO RELEVANTE GEOGRÁFICO
Hábitos dos consumidores. Deve ser verificado se o consumidor está disposto a afastar-se do local onde está para adquirir outro produto ou serviço similar ou idêntico. 
Incidência de custos de transporte. A diferença dos preços entre os produtos locais e aqueles que devem ser transportados pode ser tão alta que impede a relação de concorrência entre os fornecedores, isolando-os em diversos mercados relevantes geograficamente. De igual modo, a existência de várias fábricas em diversas regiões indica a existência de mercados relevantes geográficos distintos. Nessas hipóteses, o custo do transporte do produto pode inviabilizar sua comercialização em outras áreas, forçando os agentes econômicos a manterem centros produtivos nas proximidades dos mercados consumidores.
Características do produto, tais como durabilidade, resistência ao transporte, etc. Analisando-se as características dos produtos, é de se supor que os mercados relevantes do leite pasteurizado e do leite fresco não se identificam, isto porque o leite pasteurizado pode “concorrer” em uma área mais ampla que a referente ao leite fresco. Da mesma forma, os mercados relevantes geográficos dos produtos congelados e frescos podem não coincidir.
Incentivos de autoridades locais à produção ou comercialização. Muitas vezes o incentivo governamental impede que os agentes econômicos estabeleçam, entre si, uma relação de concorrência.
Existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado. Se um mercado cria entraves à entrada de novos produtores, provavelmente constituirá um mercado relevante geográfico distinto, pois as empresas que nele atuam não estarão sujeitas à concorrência externa ainda que potencial. Isso ocorre quando aumentam-se os impostos de importação e, com isso, as empresas nacionais não sofrem a concorrência de empresas estrangeiras.
2.2. MERCADO RELEVANTE MATERIAL
1. O mercado relevante material, ou mercado do produto, é aquele em que o agente econômico enfrenta a concorrência, considerado o bem ou serviço que oferece. Sua delimitação, a exemplo do mercado relevante geográfico, parte da identificação das relações de concorrência. Caso se verifique que o consumidor está normalmente disposto a substituí-lo por outro, então, o produto em questão e seu substituto farão parte do mesmo mercado relevante material.
2. Muitas vezes produtos aparentemente semelhantes não fazem parte de um mesmo mercado relevante: uma caneta de plástico e outra de metal precioso, com certeza, não satisfazem idêntica necessidade do consumidor e não estão em uma relação de concorrência. Outras vezes, produtos completamente distintos,com destinação igual, integram um único mercado relevante. Ser que flocos de milho podem ser incluídos no mesmo mercado relevante de todos os alimentos que são consumidos no café da manhã? . O cálculo da elasticidade preço cruzada daria uma boa indicação na medida em que um aumento no preço de um deles acarreta um aumento na procura do outro. Nesse caso, teríamos um indicativo de que os consumidores estão dispostos a substituir um bem pelo outro, o que colocaria ambos em direta relação de concorrência e autorizaria sua integração em um mesmo mercado relevante material.
3. Ainda no que toca à delimitação do mercado relevante material, assumem importância os efeitos dos sinais distintivos dos produtos, tais como as marcas. Regra geral, a identificação do produto por uma marca não é por si só suficiente para caracterizar a existência de um mercado relevante distinto. Entretanto, a partir do momento em que os consumidores não têm por hábito substituir o produto identificado pela marca por outro em tudo semelhante, pode haver a caracterização de vários mercados, derivada da não substituição dos produtos.
4. Na Europa e nos Estados Unidos já foi decidido que:
a) o mercado de bananas não se identificava com aquele de frutas frescas, uma vez que apenas as primeiras satisfaziam uma necessidade específica de determinada classe de consumidores, composta de pessoas idosas, doentes e crianças;
b) não há mercado relevante material específico para papel celofane, mas sim o mercado de papéis flexíveis de embalagem.
c) distinguem-se os mercados relevantes de peças para máquinas registradoras e de máquinas registradoras;
d) cada tipo de vitamina constitui um mercado relevante material distinto, vitamina A, B1,B2,B3,B6,C,E,H,B12,D, PP,k e M;
e) pneus novos colocados nos caminhões na fábrica e aqueles (novos) utilizados para substituí-los constituem mercados relevantes materiais distintos, pois os primeiros são vendidos aos fabricantes de automóveis e os segundos a distribuidores profissionais;
f) diferenciam-se os mercados das embalagens para o leite fresco e leite pasteurizado;
g) são mercados distintos, o mercado de creme de leite para chantilly e o mercado de creme de leite em geral, pois o primeiro é utilizado por fabricantes de doces e sorvetes e o segundo, por donas de casa;
h) distinguem-se os mercados de espaços de publicidade televisiva daquele de espaços publicitários em jornais e revistas;
i) açúcar industrial, vendido em sacos de 50 kg e açúcar vendido a granel não participam do mesmo mercado relevante;
j) jornais vendidos nas bancas, no entender da autoridade antitruste francesa, não fazem parte do mesmo mercado relevante dos jornais vendidos por assinatura;
Enfim, o conceito de mercado relevante visa identificar as relações concorrenciais, delimitando-as, de modo a valorar-se corretamente o comportamento do agente econômico e suas conseqüências sobre o mercado, ou seja, valorar se há prejuízo à concorrência e à livre iniciativa, mencionadas no artigo 170 da CF/88.
Convém lembrar o teor do artigo 173 par. 4º da CF/88 que enfatiza que “ a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
DOMÍNIO DE MERCADO E ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE
Conforme já salientado nem toda restrição à concorrência implica em domínio ilícito do mercado pois ela pode ser derivada de uma vantagem competitiva, nos termos do artigo 20, par 1º. 
Quando se faz referência à “ posição monopolista” , pode-se pensar em termos da existência de apenas um agente econômico em determinado mercado. Contudo, é comum na doutrina jurídica e na econômica, que a expressão “posição monopolista” seja utilizada para referir aquela do agente econômico que não é o único a atuar no mercado relevante.
Presume-se que mesmo um agente econômico que não seja único no mercado pode deter poder econômico tal que lhe permita atuar de forma independente e com indiferença à existência ou comportamento dos outros agentes. Se assim age presume-se que detenha uma posição dominante.
A empresa que se encontra em uma posição dominante tende a adotar o comportamento típico de um monopolista, aumentando preços, não prezando a qualidade de seu produto ou serviço ou ainda impondo aos outros agentes econômicos práticas que não adotariam caso houvesse concorrência naquele mercado.
Devemos lembrar que a posição dominante resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do art. 20. Se há mais eficiência, nada se deve punir.
O art. 20 em seu parágrafo 2º estabelece que “ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa”.
Para a determinação da posição dominante é necessário delimitar o mercado relevante.
Delimitado esse mercado temos alguns critérios:
Parcela de mercado x poder de mercado
Presume-se que quanto maior a parcela que o agente detém no mercado relevante, maior deve ser seu poder de mercado. Inversamente temos que, quanto menor a participação da empresa menos esta é capaz de afetar o mercado com o seu comportamento.
Barreiras à entrada de novos agentes econômicos
A ausência de concorrência potencial em mercados concentrados é vista como indicativo da posição dominante de uma empresa. Por exemplo, a atuação de agentes estrangeiros representa uma concorrência potencial se há a possibilidade de seu ingresso no mesmo mercado interno.
Obs.art. 20, §3.º da lei n.º 8884/94) A POSIÇÃO DOMINANTE é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29/06/95). 
Bibliografia básica
Paula A. Forgioni, Os Fundamentos do Antitruste. Editora Revista dos Tribunais.
Farina, Elizabeth, Azevedo Paulo, Saes, Maria Sylvia, Competitividade:mercados, Estado e organizações. São Paulo:Singular, 1997.

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