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A Grande Caça

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Título do original alemão. 
“Die Grosse Jagd” 
Copyrigth.t (C) 1965 Verlag C. Bosendahl - Rinteln 
Capa reproduzida do livro La Grande Chasse 
com autorização de editions J'AI LU - Paris 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
Infância e Juventude 
 
Todos conhecem a lenda do "encantador de ratos", que livrou do flagelo a pequena cidade de 
Hameln e que, privado da recompensa prometida, arrastou todas as crianças para as profundezas do 
monte Koppen. 
Ainda hoje, a rua que assistiu a esse trágico êxodo chama-se Koppen - uma rua estreita, mal calçada, 
orlada de casas horríveis, exibindo seus pátios sombrios e sujos. Coberta de poeira no verão, 
lamacenta à época das chuvas da primavera e do outono, cobre-se, quando o inverno é mais forte, de 
considerável camada de neve, para gáudio dos moleques que ali residem. Bastante extensa, atravessa 
um bairro suburbano embrionário, indo perder-se insensivelmente nas plantações que se escalonam 
sobre as primeiras encostas do monte Koppen. 
Foi nessa rua que passei minha infância. Com minha cabeleira revôlta e as incontáveis manchas de 
ruivo sardento, devia ser bem feio. 
Meu pai tinha o posto de ajudante, na lOº companhia do 18º regimento de infantaria. Belo tipo de 
homem e excelente soldado, gozava da estima geral, mesmo quando, depois da primeira guerra. 
 
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A Grande caça 
 
mundial, ingressou como brigadeiro na polícia municipal. Em 1914, recebeu a Cruz de Ferro nons 
campos de batalha de Flandres. Em 1915, foi feito prisioneiro em Ypres e vegetou durante quatro 
anos no campo de Belle-Ille. Em 1919, voltando a Hameln, casou-se com Ana, a mais bonita e 
delicada das filhas do carpinteiro e pedreiro Martens. Ana herdara de seu pai uma obstinação pouco 
comum e boa dose de humor. Ainda hoje, sob uma dupla faixa de cabelos brancos, seus olhos azuis 
têm o brilho de uma alegria combativa. Um ano e oito dias depois do casamento, vim ao mundo, 
bem no meio da noite. Bem depressa meus pais e os vizinhos se deram conta de que eu não tinha 
nada de um menino de coro. Meu pai me educava com rigor. Para incutir-me disciplina, à moda 
prussiana, usava sobretudo uma comprida cinta, que freqüente e dolorosamente marcava-me nas 
nádegas. Militar de profissão e de alma, tratava-me da mesma forma com que devia tratar seus 
"azuis". Não o queria mal por isso, pois sabia que ele me amava. As generosas surras que me 
aplicava eram amplamente justificadas. Meu campo de ação predileto era a caserna, com seu amplo 
pátio, suas cavalariças e seus intermináveis corredores. Aos seis anos já sabia limpar um fuzil e 
conhecia a manobra de colocação de uma metralhadora em bateria. Os soldados eram para mim 
grandes e excelentes companheiros, com os quais me divertia da manhã à noite. 
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Infância e Juventude 
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 E os anos passavam, tranquilos e infinitamente agradáveis. Eram raros os acontecimentos 
importantes em nossa pequenina cidade, encravada bem no meio de um círculo de montanhas 
cobertas de bosques. O Weser, caudaloso rio de águas límpidas, rebentava em espuma sobre os 
planos inclinados das duas barragens que flanqueavam a represa, despejava-se nos enormes canais 
que alimentavam o moinho instalado na ilha, carregava os comboios de chalupas, rebocadores e 
jangadas feitas de troncos de pinheiros. Na época das férias de verão, numerosos Ônibus levavam à 
velha cidade uma multidão de turistas, vindos de todos os recantos do mundo para visitar os 
monumentos históricos e respirar a atmosfera romântica das vielas medievais. No domingo, a banda 
militar desfiava suas notas alegres sob as tílias do jardim público, à margem do rio. Foi nesse quadro 
repousante que passei minha infância, toda ela feliz. Em 1931, passei da escola comunal para o 
liceu, estabelecimento venerável tanto por seus muros como por sua tradição. Naturalmente, nem 
por isso deixei de lado meus talentos de traquinagem. Como minha reputação já estava solidamente 
firmada, os professores quase não ficavam surpreendidos e me puniam com extrema indulgência, 
quase sorrindo. Só um deles, o padre Tribius, achava que eu passava dos limites. Era um homem 
encantador, mas tinha, a meus olhos, um grave defeito de ensinar matemática, química e biologia, 
quando minhas matérias preferidas eram justamente as línguas, história e filosofia. além disso, eu 
praticava 
 
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A Grande Caça 
 
 muito esporte. em 1937, fui eleito vice-presidente de nosso clube de remo. E, por mal dos pecados, 
àquela mesma época tomava lições de dança. Dessa forma, realmente não me sobrava muito tempo 
para os estudos. Forçado a fazer uma opção, resolvi pôr de lado os cursos de química e de biologia. 
Tribius só deu pela coisa ao cabo de seis meses. Foi então que sua cólera explodiu, e ele impôs 
minha definitiva exclusão. Fui chamado pelo diretor. Estaria mentindo se dissesse que entrei no 
gabinete do "chefe" com muita segurança. O diretor, alto, elegante, com um vastíssimo charuto entre 
os dentes, impressionava-me terrivelmente. Entrincheirado por detrás de sua enorme mesa de 
trabalho, encarou-me com ar frio, levemente irônico. A seu lado, afundado numa poltrona, Tribius, 
com sua calva luzidia, assemelhava-se a um gnomo rabugento. O "chefe" continuava a olhar-me 
com ar glacial e eu m e sentia cada vez menos à vontade. Mais um minuto daquele silencioso 
exame, e eu teria fugido. 
Por fim, perguntou-me por que motivo havia "me omitido" de assistir às aulas do professor Tribius. 
Poderia ter inventado uma dor de garganta ou indisposições do estômago, uma dessas clássicas 
desculpas que as gerações de estudantes têm invocado e ainda continuarão a invocar. Mas estava 
resolvido a dizer a verdade, não por fanático amor às verdades que não se devem dizer, mas muito 
simplesmente para não ser chamado de pequeno malandro. 
 
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Infância e Juventude 
 
dro mentiroso. Depois, tinha esperanças de que, usando de toda franqueza, conseguiria evitar o pior. 
E respondi, então, que o ensino do professor Tribius me parecia muito seco, por demais monótono. 
Em suma, que ele me enfadava. Pouco faltou para que Tribius sofresse um ataque. O "chefe" ficou 
paralisado; esperava um pretexto banal e evidente. Durante uns bons cinco minutos, trovejou como 
Júpiter. Os raios, reservou-os ao pobre Tribius. Pude ouvi-los parcialmente, através da porta, e 
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fiquei sinceramente condoído do infeliz, que nem sequer ousava defender-se. O caso encerrou-se 
com uma repreensão, castigo de todo platônico. E Tribius fez o possível para tornar suas aulas mais 
interessantes. Naquele mesmo ano, no começo do outono, no assoalho encerado da Escola de Dança, 
encontrei meu primeiro grande amor. Lise era loira e esbelta. Eu a adorava com todo o ardor 
romântico de meus dezesseis anos. Infelizmente, seu pai era advogado e sua mãe uma dama 
extremamente pedante, que olhava muito de cima para aquele filho de um modesto sargento da 
cidade. Lise parecia bem mais compreensiva. Normalmente , aprendia de cor as pequenas poesias 
que lhe dedicava. Sentia-se orgulhosa por ter um namorado "escritor". De fato, começava a escrever 
reportagens, e até mesmo alguns contos, que vendia aos jornais regionais. Assim, ganhava o 
suficiente para os pequenos gastos. Um ano depois, apaixonei-me por Anne, loira também, mas de 
formas nitidamente mais opulen- 
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A Grande Caça 
 
tas. Ofereci-lhe as mesmas poesias, depois de haver substituído, nos títulos, o nome de Lise pelo 
seu. Ela, por sua vez, igualmente as decorou. 
Sentia-me reconhecido pelo amor que ambas me dedicavam, apesar de minha cabeleira revolta e das 
incontáveis manchas de ruivo sardento. Ainda hoje, Lise e Anne estão entre minhas mais caras 
recordações da juventude, com o clube de remo, os passeios ao longo do rio, as excursões nas 
montanhas próximas. Comovidas recordações, que consolam de muitas, muitas coisas. . .E, contudo, 
fui-lhes infiel, esqueci-me delas no dia em que me fiz aviador. Isso ocorreu aos 6 de junho de 1938, 
dia em que recebi meu batismo do ar. Um velho avião de transporte, reformado mas ainda sólido,viera pousar nas vastas campinas que margeiam o rio, além da cidade. Alguns marcos davam direito 
a quinze minutos de vôo. As primeiras horas da tarde, instalei-me na carlinga e, com o coração a 
bater, vi-me amarrado no assento. Ligado o motor, o grande avião arrancou, rolou aos solavancos 
pelo solo acidentado e, chegando à extremidade da campina, girou sôbre seu eixo, a fim de se 
colocar de frente para o vento. Depois, num ronco ensurdecedor, que a mim pareceu maravilhoso, 
ganhou velocidade, esboçou dois ou três saltos e decolou. Eu estava voando! Já, numa ampla curva 
ascendente, a terra fugia sob nossas asas. Subíamos tranquilamente, sem o menor choque. Diante do 
meu assento, presa às 
 
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Infância e Juventude 
 
 costas das poltronas da frente, havia uma pequena caixa com a inscrição : "Use em caso de enjôo". 
Curioso, levantei a tampa : a caixa continha sacos de papel. Precaução inútil, pelo menos para 
aquele belo dia. Nenhuma oscilação, nenhum vácuo; apenas uma ligeira vibração nas pernas. 
Mais alto, sempre mais alto, para transpor os cimos cobertos de arvoredo, que cercavam minha 
cidade natal! O horizonte se alargava, de certa forma se erguia, enfeitado de diáfana bruma. O solo 
surgia como um desenho geométrico feito de quadriláteros, de triângulos e de retângulos, exibindo 
uma variedade de cores, de todos os matizes : o verde profundo dos prados úmidos, o amarelo vivo 
dos campos de colza, o filete prateado do rio, os tetos vermelhos e marrons das velhas casas. . . Aqui 
um automóvel, ali uma carroça, mais além uma jangada e, bem no fundo, entre duas colinas, o trem 
deslizando sobre seus trilhos. A paisagem se transformara num imenso mosaico, sobre o qual se 
deslocava toda sorte de brinquedos. 
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Uma nova curva, e o mosaico deslocou-se para trás. Erguendo a cabeça, pus-me a contemplar as 
nuvens. Subiríamos além daquela massa, toda feita de flocos ? Ah! Infelizmente não' . O quarto de 
hora já passara, e o avião começava a descer. A terra se aproximava rapidamente, retomando seu 
aspecto familiar, readquirindo suas proporções habituais. Meus pais não puderam deixar de sorrir 
quando, com o rosto afogueado de emoção e de entusiasmo, contei-lhes meu primeiro vôo. 
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A Grande Caça 
 
 Muito tempo depois, ainda haveriam de sorrir, quando seu filho, transformado num veterano com 
duas mil missões, lhes falava com o mesmo entusiasmo de suas aventuras em pleno céu. 
E chegou o verão de 1939. Um verão magnífico, com dias ensolarados e noites quentes e 
movimentadas. Um ano cheio de acontecimentos graves, de súbitas inquietações e inconfessados 
temores. As férias que gozava marcaram o fim de minha maravilhosa juventude. 
Percorri pela Ultima vez os bosques das montanhas, sonhei sob a ramagem das florestas de faias, 
errei ao longo do rio. Acompanhado de Anne, vadiei pelas galerias dos claustros do mosteiro de 
Mollen, escutei o órgão da igreja da abadia de Fischbeck, escalei as ruínas dos castelos-fortes que 
guardavam os desfiladeiros. BronZeados e felizeS, rodávamos em minha pequena motocicleta 
através dos maciços da Porta Vestfálica, escalávamos os penhascos avermelhados de Hohenstein, 
nadávamos nas ondas verdes do Weser. Em nossa despreocupação, nem sequer notávamos a 
tempestade que se formava no horizonte político. Uma jovem e um rapaz, lançados no maravilhoso 
Universo das férias - como poderíamos ter pensado, um só instante que fosse, naquelas estúpidas 
ameaças ? 
 Em fins de junho, estava inscrito no curso de cadete da Luftwaffe. Queria unir o útil - o ofício 
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Infância e Juventude 
 
das armas - ao agradável - a inebriante liberdade do aviador. 
Em 5 de agosto fui convocado ao centro de recrutamento, para submeter-me a um exame de 
admissão. Foi uma verdadeira provação, que deveria durar quatro dias. Uma comissão integrada por 
oficiais, médicos, técnicos e psiquiatras auscultou minuciosamente o corpo e o espírito dos 
candidatos. No primeiro dia enfrentamos não sei quantos especialistas - otorrino, dentista, 
radiologista e tutti quanti; no segundo, tivemos que redigir sobre vários temas, improvisar 
conferências, responder a toda sorte de inesperadas perguntas. No terceiro, a coisa foi pior. de 
início, prenderam-nos na " cadeira de três dimensões", para nos sacudir, balançar, jogar em todos os 
sentidos; depois, submeteram-nos a testes complexos, a fim de verificar a rapidez de nossos 
reflexos. Tivemos que rastejar em compartimentos de pressão atmosférica variável, respirar um ar 
rarefeito, montar, em tantos segundos, complicadas engrenagens. Tínhamos a impressão de estar 
submetidos a uma versão modema das torturas medievais. 
O último dia estava destinado às provas desportivas: corrida de velocidade e de fundo, salto de 
altura e de extensão, lançamento do disco e do dardo, barra fixa e boxe. 
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Soubemos à noite que, dos cinco candidatos do meu grupo, dois tinham sido aprovados. Um desses 
felizes eleitos era eu. 
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A Grande Caça 
 
27 de Agosto de 1939. 
 
Desde o meio-dia, nossa escola está transformada em caserna. O Exército convoca reservistas. Em 
Varsóvia, em Berlim e ao longo da fronteira germano-polonesa, os acontecimentos se precipitam. 
Durante toda noite, os comissários percorrerão as ruas, para distribuírem as convocações 
individuais. 
28 de Agosto de 1939. 
 
 O govêrno do Reich decreta a mobilização geral. A guerra é iminente. Em nosso velho liceu, 
constitui-se um batalhão de reserva. As outras escolas da cidade também são requisitadas, pois os 
dois quartéis tornam-se insuficientes para receber todos os soldados. O cinza oliva dos uniformes já 
domina as ruas. 
 29 de agosto de 1939. 
 
Acabo de ser notificado de minha inscrição definitiva nas relações da Luftwaffe. Provàvelmente 
serei chamado antes da data normal. Todos os meus companheiros de classe se engajaram como 
voluntários. À noite, a maioria deles já está envergando o uniforme. 
30 de agosto de 1939. 
 
 Hoje à tarde, na estação de mercadorias, deu-se o embarque dos primeiros batalhões de marcha. 
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Infância e Juventude 
 
Os trens, enfeitados de flores, partem na direção leste. As fisionomias são graves. Vi alguns colegas 
do liceu. Como parecem jovens, muito mais jovens, em seu ar severo t. Com exceção de um só, 
demonstravam grande alegria. Nunca mais tornei a vê-los. 
 
1 de setembro de 1939 
 
As cinco horas e quarenta e nove minutos da manhã de hoje as tropas alemãs cruzaram a fronteira 
polonesa. É a guerra! 
 E o fim de minhas últimas férias da juventude . . . 
 
5 de setembro de 1939. 
 
Anteontem, Goering anunciou a criação da Defesa Passiva. Ontem, a Grã-Bretanha e a França nos 
declararam guerra. Hoje, pela primeira vez, as sirenas lançam seu uivo sinistro por sobre os velhos 
tetos de Hameln. Bombardeiros britânicos atacam os estuários do golfo da Alemanha (1). 
 
11 de setembro de 1939. 
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Esta manhã meu Pai partiu para a Polônia com um grupo móvel de Polícia. 
 
 
- (1) Golfo que se estende da Frísia ao Slesvig, no qual desembocam o Ems, o Weser e o Elba. 
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A Grande Caça 
 
 Em Wangerooge, uma das ilhas da Frísia, minha irmã está bem colocada para observar a intensa 
atividade da aviação inglesa. 
 Em casa, a vida tornou-se muito calma. Eu e minha mãe estamos sós. Dentro em breve, também 
partirei. . .Na Polônia a guerra termina. 
Varsóvia caiu em 8 de setembro. O exército polonês se desagrega rapidamente. Será que estaremos 
de novo reunidos no Natal, em torno de uma árvore ? 
 Agora fui eu que solicitei a antecipação de minha convocação. A grande aventura da guerra exerce 
sobre mim uma atração mal definida, é certo, mas estranhamente intensa. Temo que tudo termine 
sem que eu possa dizer. “Também estava lá!". Respondem-me que chegará minha vez de ser 
chamado. Isso é por demais vago. 
24 de Setembro de 1939. 
 
 Concluí meu curso de bacharelado. Recebi hoje de manhã o diploma. Disse adeus ao liceu, Aquela 
" caixa" tão amaldiçoada e tão querida. Fui despedir-me do velho e bondoso Tribius, que passou 
umaesponja na afronta que eu lhe fizera, fugindo aos seus cursos de biologia e de matemática. 
Apertou-me as mãos demorada e afetuosamente, desejando-me boa sorte. Ontem ficamos sabendo 
da morte de dois colegas do liceu - os primeiros, . . .Tombaram durante os combates em tôrno de 
Radom. 
 
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Infância e Juventude 
 
3O de outubro de 1939. 
 
 Enfim, aqui está: recebi minha convocação. 
Deverei apresentar-me em 15 de novembro no quartel do 11 regimento de instrução da Luftwaffe, 
estacionado em Schoenwalde, perto de Berlim. 
A campanha da Polônia terminou. A oeste, ao longo da linha Siegfried, tudo está relativamente 
calmo. Só nossos aviões realizam, diariamente, certo número de missões. 
 Chegarei a tempo para fazer também uma incursão ofensiva ? 
 
13 de novembro de 1939. 
 
 Como estas duas semanas me pareceram longas, fastidiosas, exasperantes ! Nunca me senti tão 
impaciente. Dentro de quarenta e oito horas serei soldado. 
 Hoje é o Ultimo dia que passo em casa. Mamãe fala sobre tudo, menos sobre minha partida. Já 
limpou minha mala e, agora, cuida da roupa. 
 Marca cuidadosamente as camisas, as peças de lã, as meias. Olho seus cabelos, que começam a 
embranquecer. Mamãe.. . Pensar que nunca fui tão meigo e afetuoso como ela desejaria! Amanhã 
ela chorará tanto. . . 
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A Grande Caça 
 
1 de Novembro de 1939. 
 
 Deixei Hameln ao meio-dia. Na plataforma da estação, minha mãe e Anne agitavam seus lenços, 
ensopados de lágrimas. Esta noite, em Berlim, viverei minhas derradeiras horas de civil. 
15 de novembro de 1939. 
 
As 15h 15m entro no "quartel" de SchOnwalde, ocupado pelo 119 regimento de instrução da 
Luftwaffe. No gabinete da 4. companhia, um mal-humorado ajudante risca meu nome numa lista e, 
com letra redonda e fina, o inscreve em outra. Eis-me soldado. No almoxarifado de roupas, dão-me 
uma calça muito larga, uma túnica excessivamente estreita, botas por demais pesadas e um quepe 
ridiculamente pequeno. 
Como recuso o quepe, o suboficial se encoleriza. Aconselha-me a calar a boca, afirmando que o 
quepe está perfeito, que minha cabeça é que é muito grande. 
Não sei, realmente, se ela é muito grande, mas sinto-a rodar. Este quartel é um formigueiro. O passo 
normal é o de ginástica. O bater das botas ferradas martelam um ritmo sempre precipitado nos 
corredores sonoros. Todo mundo corre, se agita, se azafama. Uniformes, só uniformes, nada mais 
que uniformes. É verdade que tenho centenas de companheiros, mas me sinto terrivelmente só 
naquele universo novo, desagradável e prosaico! 
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Infância e Juventude 
 
Noite de Natal. 
 
 No fundo, a guerra já deveria estar terminada há muito tempo. Ao longo do fronte, aliados e 
alemães mantêm uma reserva que, salvo erro, parece um tácito entendimento. É o primeiro Natal 
que passo longe de casa. 
Em Hameln, as ruas certamente estão cobertas por um belo tapete de neve. Aqui, chove da manhã à 
noite. Durante as últimas semanas, recebemos um tratamento duro, muito duro mesmo. Não tivemos 
um só minuto de descanso. Exercícios no pátio e no campo de manobras, exercícios de tiro com 
fuzil e com metralhadora, esportes, cursos teóricos, faxinas, chamadas, revistas. . . Dir-se-ia que os 
instrutores desejavam matar-nos! Tanto quanto no liceu, também aqui não fiz bela figura. Meu 
caporal afirma que deixará o exército se, algum dia, eu conseguir chegar a oficial. Às vezes, quando 
bancamos macacos, no pátio, sinto vontade de arrebentar a coronha de meu fuzil em sua cabeça. 
Sinto-me esfalfado, esgotado, vazio. 
Amanhã à noite estarei de guarda. Por conseqüência, depois de amanhã poderei dormir mais uma 
hora. Esses sessenta minutos de sono suplementar constituirão meu melhor presente de Natal. 
 
26 de dezembro de 1939. 
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Os “azuis” estão retidos no quartel. Pulo o muro, porque do outro lado uma jovem procurava 
 
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A Grande Caça 
 
por seu irmão. Ajudei-a a procurá-lo, mas, como é natural, não o encontramos : a noite já caíra. Mas 
aproveitamos para passear durante duas horas pelos bosques. Abracei-a, e ela não se mostrou nada 
agastada. Voltará no próximo domingo, sempre na esperança de ver seu irmão. Assim, é quase certo 
que poderei abraçá-la novamente. Pelo que pude adivinhar, no escuro, ela não é nada má. De 
qualquer forma, gostaria de certificar-me melhor, à luz do dia. 
 Felizmente, o suboficial de dia não deu por minha ausência. Minha pequena fuga poderia ter-me 
valido três dias de prisão. 
 
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CAPÍTULO II 
 
Na Escola de Pilotagem 
 
Fim de Janeiro de 1940. 
 
Á há três semanas estou na Escola de Guerra. Embora promovidos a aspirantes, quase não nos sobra 
tempo nem de sorrir. O treinamento à prussiana continua com o mesmo rigor. Agora já me habituei 
a isso. 
- Vocês devem tornar-se duros como o aço forjado por Krupp!- repetem incansavelmente os 
instrutores. Os que amolecerem serão impiedosamente desligados. Nossa vida se desenvolve entre o 
pátio do quartel e o anfiteatro. Nos dormitórios, trabalhamos até quase meia-noite. Nossos chefes de 
classe, oficiais, suboficiais e engenheiros se esforçam por nos incutir o máximo de conhecimentos : 
tática aérea e terrestre, técnica de vôo, meteorologia, mecânica. Quanto às lições de pilotagem, terão 
início tão logo o tempo fique bom. 
 
17 de Fevereiro de 1940. 
 
Exatamente às treze horas, decolei para meu primeiro vôo, a bordo de um Focke-Wulf 44, bipla- 
 
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A grande Caça 
 
no de instrução, com duplo comando. Meu professor é o suboficial van Dieken, um veterano que já 
formou dezenas de pilotos. 
24 de Fevereiro de 1940. 
 
Efetuei trinta e cinco vôos durante a semana passada. Como o campo está coberto por espessa 
camada de neve, os aviões foram equipados com glissadores, largos esquis que substituem as rodas 
do trem de aterrissagem. Minha trigésima-sexta decolagem é supervisionada pelo nosso chefe de 
grupo, o tenente Woll. A noite, ele me diz que minha performance não o deixou muito bem 
impressionado. 
3 de abril de 1940. 
 
 Agora, já tenho em meu ativo oitenta e três vôos de instrução. Nas duas últimas vezes, o tenente 
Woll assistiu às minhas proezas. - O que você faz não são aterrissagens diz-me, abanando a cabeça; 
no máximo, são quedas vagamente dirigidas! A tarde, quando estou voando ao redor do campo, 
percebo ainda uma silhueta que acompanha, ao binóculo, minhas evoluções. Nervoso, atrapalho-me 
nas manobras de pedal e do manche, confundo as três dimensões do espaço. . . e o avião, derrapando 
sobre a asa esquerda, vibrando e assobiando, entra em piqué mergulhando reto sobre um 
campanário. 
 
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Na Escola de Pilotagem. 
 
No último momento, van Dieken reduz o gás e recobra o domínio do avião enlouquecido. Depois, 
vira-se para mim. Sinto a cabeça enfiar-se nos ombros. 
- Idiota! - grita ele. Quer que minha mulher fique de luto ? E como eu trato de ficar calado, repete 
num tom de arrasador desprezo : 
 - Seu grande idiota! 
 Na chamada da noite, o tenente comunica que vai me dar uma última oportunidade. E que eu trate 
de aplicar-me ao máximo : os alunos desligados da Escola de Guerra serão enviados à D.C.A. (2). 
Oxalá o destino me poupe dessa suprema humilhação ! 
 
3 de abril de 1940. 
 Acabo de completar minhas dez últimas decolagens, sempre com Van Dieken. Todos os outros 
alunos já há muito tempo têm o direito de voar sozinhos. Amanhã, o tenente me fará passar pelo 
exame definitivo. Meu grupo de instrução compreende, além de mim, os aspirantes Geiger, 
Menapace e Hain. Ocupamos, os quatro, o mesmo alojamento. 
Geiger, pomeraniano ambicioso e circunspecto, é o terceiro filho de um simples operário. Graças 
(2) D. C. A. : defesa antiaérea por artilharia vertical. (N. do T.) 
 
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A Grande Caça 
 
a uma bolsa, esse rapaz extremamente inteligente pôde obter seu bacharelado e escolher a carreira 
de oficial. 
Menapace e Hain são austríacos, ambos originários do Tirol. Sepp Menapace, pequeno, moreno, de 
tocante timidez, é sem dúvida alguma o melhor pilôto de nós todos. Devepossuir uma espécie de 
sexto sentido, com certeza adquirido nas montanhas de seu país natal, que lhe permite evoluir no ar 
com espantosa segurança. Os movimentos de seu corpo musculoso, que no solo parecem 
desajeitados e lerdos, transformam-se e ficam extraordinariamente ágeis no espaço aéreo. Em 
poucas semanas, conseguiu perfeito domínio de seu avião. Hain conseguiu também, depois de sua 
quadragésima lição, o direito de voar sozinho. Os três companheiros assistiram às minhas três 
últimas aterrissagens, e tratam de encorajar-me.- Tudo correrá bem, você vai ver !. - afirma Geiger, 
num tom que náo admite réplica. No dia seguinte, às 14 horas, preparo-me para voar sozinho pela 
primeira vez. O motor já está rodando. O tenente grita-me aos ouvidos :- Em seu lugar, procuraria 
dominar o avião dois metros acima do solo, e não um metro abaixo dele ! Coloco o cinto de 
segurança, abro a admissão de combustíve1 e eu puxo o manche, O avião começa a rolar. Quase 
imediatamente as rodas deixam o solo. Se as coisas continuarem assim, passarei facilmente pelo 
exame. 
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Na E scola de Pilotagem 
 
Nas pontas das asas, fitas vermelhas anunciam : - Cuidado'. Noviço largado sozinho nos ares! Se 
têm amor à pele, mantenham-se a respeitosa distância ! Dou voltas sobre o campo por vários 
minutos. 
Pouco a pouco, livro-me da obsessão das manobras que tenho de realizar. Logo mais, encorajo-me a 
um olhar prudente para a terra, que corre sob minhas asas. A sombra disforme de uma nuvem 
desliza lentamente sobre a pista. Sinto vontade de gritar de alegria! A vida é bela, visto que estou 
voando, que estou voando sozinho, livre como a gaivota, o grou, a águia! Agora, a aterrissagem. 
Faço a tomada de terreno. A terra sobe em minha direção, com terrível velocidade. Corto o 
combustível, domino o avião... um choque... e eis-me de novo em terra firme! Milagre dos milagres 
: o trem de pouso resistiu! Evidentemente, não foi uma aterrissagem bonita. Nem as quatro seguintes 
o foram. Mas o trem aguentou sempre. Enfim, o essencial é isso! 
 
16 de maio de 1940. 
Nas últimas semanas, graças ao tempo favorável, nossa instrução progrediu consideravelmente. De 
minha parte, realizei cerca de duzentos e cinquenta vôos. No momento, estamos aprendendo 
particularmente as figuras da acrobacia aérea. Além disso, treinamos com velhos aviões de com- 
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A Grande aaça 
 
bate - Arados 65 e 68, Heinkel 45 e 46, aviões de reconhecimento de curta distância, etc. Alguns 
Junker W 34 - foi com a primeira versão dêsse aparelho que, quinze anos antes, Kohl e Hunefeld 
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cruzaram o Atlântico - são usados para os vôos de distância e de orientação. Ontem, a caminho da 
Prussia Oriental com um antigo GO 45, tive uma pane de motor. Como estava voando, no máximo, 
a quinhentos metros, não tive tempo de escolher um terreno apropriado. Tive de aterrissar num 
campo esburacado. Dessa vez, o trem de pouso não resistiu e quebrou-se na hora.. O avião capotou. 
Consegui safar-me depois de quinze minutos de esforços frenéticos. O principal conduto de 
combustível estava arrancado, e meu couro cabeludo bastante esfolado. Fui obrigado a voltar de 
trem. 
Nas estações, todos imaginavam que aquele aviador com a cabeça enfaixada com longas tiras de 
gaze era um ferido da campanha da França. Por nada no mundo confessaria que eu, simplesmente, 
sofrera um acidente. 
19 de Maio de 1940. 
 
A falta de sorte continua. 
 
Hoje, quando pousava no campo de Altdamm, destruí novamente o trem de aterrissagem. É verdade 
que o tempo estava horrível. Contra aquela violenta tempestade, meu arcaico avião realmente não 
podia lutar. É a segunda vez que tenho de voltar de trem. 
 
3O 
 
 
 
 
 
Na Escola de Pilotagem 
 
26 de agosto de 1940. 
 
Consegui meu diploma de piloto. A instrução de base terminou. Deixamos a Escola de Guerra.Eu e 
Menapace somos destinados à aviação de caça. 
Nossa transferência para o campo de Werneuchen nos foi comunicada anteontem.Começamos hoje 
o treinamento "real", sob a direção do ajudante Kugel. Trata-se de um ás que trouxe, das campanhas 
da França e da Polônia, uma bonita folha de citações e magnífica coleção de condecorações. Ele nos 
faz descrever um tumultuoso carrossel. De volta ao campo, com a camisa ensopada de suor, sinto a 
cabeça zunir. Menapace, apesar de seu proverbial sangue frio, está no mesmo estado. Uma pequena 
amostra do que nos espera no fronte! 
12 de outubro de 1940. 
 
Esperava ser enviado a uma unidade combatente antes do fim do mês. Infelizmente, nossa instrução 
está bem mais atrasada do que o previsto. O mau tempo nos prende no solo um dia, em cada dois. 
Como em Schonwalde, o serviço no campo de Werneuchen é extremamente duro. Durante as seis 
Ultimas semanas nossa esquadrilha teve oito mortos! Hoje foi o suboficial Schmitt, o mais velho dos 
cinco homens que compõem meu grupo. Vínhamos, 
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A Grande Caça 
 
 
 11
 
 
 
 
desde vários dias, sendo preparados teoricamente na pilotagem do famoso Messerschmitt 109, 
magnífico avião, mas de manejo difícil, e até perigoso.A preparação é tão intensa que me acredito 
capaz de executar as manobras necessárias, mesmo dormindo. Esta manhã, pela primeira vez, 
levamos Me 109 à pista de decolagem. Como todos e impacientes para experimentar esse avião 
ultramoderno, tiramos a sorte. É Schmitt q ganha. Sua decolagem é perfeita. O Me 109 entanto, é 
sujeito a terríveis guinadas enquuanto ainda está no solo. Arrancado muito cedo, o avião 
inevitàvelmente, derrapa sobre a asa esquerda. ainda teria de assistir, centenas de vezes, a e quedas 
fulminantes. Quase sempre, dos destroços só se retirava um cadáver. Depois de sobrevoar o campo 
duas vezes, Schmitt prepara-se para aterrissar. Mas subestima sua velocidade - o Me 109 pousa a 
cento e cinquenta quilômetros por hora, mais ou menos -, é levado para muito longe e tem que 
recomeçar tudo. A segunda tentativa também falha. À terceira passagem, o avião, dessa vez com 
perda de velocidade, derrapa brutalmente sobre a asa esquerda e se abate, a algumas centenas de 
metros dos limites do campo. Com a violência do impacto os tanques explodem. Precipitamo-nos na 
direção do braseiro. Sou eu o primeiro a chegar. Schmitt, projetado para fora do avião, jaz talvez a 
dez metros dos escombros incandescentes. Está coberto de sangue e urra como um animal. 
Debruçando-me sobre seu cor- 
 
32 
 
Na escola de Pilotagem 
 
po, vejo que teve as pernas arrancadas. Não sabendo o que fazer, apoio sua cabeça em meu braço. 
Seus gritos deixam-me completamente alucinado. 
 O sangue jorra em minhas mãos e respinga sobre minhas botas. Nunca, até então, me senti tão 
desamparado e sem forças. Depois, de subito, há um profundo silêncio. Schmitt está morto. 
Uma hora depois, levo outro Me 109 para a pista. O comandante dos cursos de instrução ordena o 
prosseguimento imediato do treinamento. 
Lavei as mãos, para limpá-las do sangue. Os mecânicos me prendem no assento. Sinto as batidas 
descompassadas do coração repercutindo até na garganta. A decolagem é rápida. Os 2.000 cavalos 
do motor arrancam o pesado avião num ruído ensurdecedor. Na primeira curva, quando lanço um 
olhar instintivo para a terra, vejo, com o canto dos olhos, manchas de sangue em minha roupa de 
vôo. Imediatamente, a imagem do morto se sobrepõe ao quadro de bordo. E eu sinto medo um medo 
que me deixa pálido, lívido, um medo ignóbil. Felizmente, não há ninguém comigo para percebê-lo ! 
Fico dando voltas sobre o campo por vários minutos. Pouco a pouco, meus nervos se acalmam. 
Descrevo uma curva ampla e me preparo para pousar. Tudo corre bem. Torno a decolar por mais 
duas vezes, e aterrisso sem qualquer dificuldade. 
Com gestos desajeitados, empurro a capota da cabina e salto sobre a asa. Quando pulo ao chão, dou-
me conta de que meus joelhos estão batendo... 
33 
 
A Grande Caça 
 
 O repentino aparecimento de nosso chefe, coronel von Kornatzki, não melhora as coisas. Seus olhos 
cinzentos me fixam com dureza : 
- Então, sentiu mêdo ? - Bem... eu... sim, meucoronel!- É um mau hábito. Trate de perdê-lo E me 
 12
vira as costas. Desejaria que a ter abrisse a meus pés e me tragasse. 
 
14 de outubro de 1940. 
 
 Realizou-se hoje de manhã o funeral do suboficial Schmitt. Fui um dos seis aspirantes que 
carregaram seu caixão. Lá pelo fim da tarde, dois alunos da 3.'~ esquadrilha colidiram sôbre o 
campo. Por azar, novamente fui dos primeiros a chegar ao lugar em que os aviões caíram, 
encaixados um no outro. Do amontoado disforme de chapas retorcidas, onde o combustível corre, 
retiro um dos pilotos. Seu crânio não passa de uma pasta de carne, de ossos, de matéria 
cerebral...Nesse ritmo, logo me habituarei à visão dos mais horríveis cadáveres. 
17 de outubro de i9~0. 
 
 Werneuchen fica poucos quilômetros distante do suburbio berlinense. Por isso, é-me possível 
passar regularmente os fins de semana naquela grande cidade, que cada vez mais amo e admiro. 
Fico num 
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Na Escola de Pilotagem 
 
 
 
 
 dos pequenos hotéis do bairro de Friedrichstrasse. 
Nas noites de sábado, perambulo pelos bares e pequenas boates noturnas. O domingo é reservado 
aos museus e teatros. Divirto-me, instruo-me e aprendo a conhecer a vida. 
Que pena que minha carteira não seja mais recheada ! 
 
8 de novembro de 1940. 
 
Ordem do grupo de caça : os aspirantes Hopp, Harder e Knoke, o ajudante Kuhl e o mecânico de 
bordo Hense lev antarão vôo com um avião CEKE (um Junker 160) para Munster-Loddenheide, a 
fim de receberem três Messerschmitt 109, que conduzirão a Werneuchen.O velho CEKE é um avião 
de transporte da Lufthansa, mobilizado na aviação de guerra.Em virtude do mau tempo, só 
conseguimos decolar lá pelas dez horas da manhã.Mal o avião levanta vôo começam os 
aborrecimentos : é impossível recolher a parte esquerda do trem de pouso; o avião não ganha altura 
normalmente. Kuhl, crispado sobre o manche, mantém o controle com grande dificuldade, talvez a 
uns cinquenta metros. Ao cabo de vinte minutos, o mecanico consegue desemperrar a "perna" do 
trem de pouso. Subimos até duzentos metros. Kuhl cedeme seu lugar e, enquanto me instalo nos 
comandos, volta-se para a carlinga, onde os outros estão afundados em confortáveis poltronas. 
35 
 
 
A Grande Caça 
 
Contorno Berlim pelo sul e depois, acompanhana auto-estrada, tomo o rumo oeste. 
 À esquerda, emergem da bruma as antenas de KOnigswusterhausen. Estamos, agora, voando 
ligeiramente mais alto que as pontas dos gigantescos pilares, a cêrca de trezentos metros. 
 De súbito, percebo que o motor não funciona bem. A pressão da alimentação de combustível baixa 
ràpidamente. Apesar de meus esforços, o avião perde altitude. 
 13
O motor falha, emite uma série de soluços, para logo parar em definitivo. Voltando-me para trás, 
grito ao pessoal da carlinga : 
 - Aterrissagem forçada! Apertem os cintos ! 
 
Ao meu lado, o mecânico ergue os braços para proteger o rosto. 
Sob minhas asas há uma floresta fechada; à esquerda, um conjunto de instalações industriais;à 
direita, uma estreita faixa de terreno, com árvores recentemente replantadas. Vou aterrissar ali; as 
árvores novas amortecerão o choque... 
 
No ultimo momento, bem na frente do nariz do avião, percebo uma linha de alta tensão. 
 Desta vez é o fim! 
 
Surge ao meu lado o rosto lívido de Kuhl. Arranco o avião, que cabreia e passa raspando por sôbre 
os fios. Depois, um violento safanão, com o vento siflando contra as bordas de ataque... 
 Um estrondo terrível! 
 
 
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Na Escola de Pilotagem 
 
 
 As árvores se quebram como fósforos, a asa esquerda desprende-se, a fuselagem se abate com um 
ruído surdo, desliza uns trinta metros, num rasgar de chapas. 
A cabeça de Kuhl, projetada para frente, vai bater com toda força contra o painel de bordo. 
 E vem o silêncio, um silêncio profundo, sinistro. 
Logo mais, ouço um ruído de líquido que escorre - mil litros de gasolina que escapam dos tanques 
arrombados. 
Kuhl perdeu os sentidos. Com a cabeça toda em sangue, desmoronou a meus pés. Também 
mecânico desmaiou. Quanto a mim, um profundo talho no couro cabeludo deixa correr o sangue, me 
cega. Tento, inutilmente, empurrar a capota do pôsto de pilotagem. Não sou mais feliz com a porta 
que leva à carlinga : por mais que force, não consigo movê-la. 
 
O cheiro da gasolina começa a deixar-me louco. 
Se o avião se inflamar, nós todos vamos ficar torrados! 
Bato desesperadamente com os dois punhos contra os vidros de plexiglass. 
Finalmente, vejo surgirem, lá fora, os rostos angustiados de Hopp e de Harder. Afastam a capota a 
pontapés. Saio para fora, apoiando-me nos rebordos. Retiramos Kuhl e o mecânico e fazemos 
curativos sumários em seus ferimentos. Harder vai procurar socorro. 
E novamente regresso de trem. 
 
 
37 
 
 
A Grande Caça 
 
 18 de dezembro de 1940. 
 
Hoje, durante grandiosa cerimônia no Palácio dos Esportes, em Berlim, o Fuhrer dirigiu-se a três mil 
 14
aspirantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Nas próximas semanas, todos êsses jovens 
serão nomeados oficiais e enviados ao fronte. 
E, nos próximos anos, a maior parte dêles vai morrer . 
 
 
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 CAPÍTULO III 
 
Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
2 de janeiro de 1941. 
 
O ASPIRANTE Knoke, tendo feito os cursos da 1. escola da aviação de caça, é designado para o 
52°. grupo de caça, a partir de 2 de janeiro de 1941".No contrôle central, um ajudante-chefe 
inscreve-me na primeira esquadrilha. O tenente Vhlhauer, que a comanda, recebe-me com glacial 
indiferença. Lentamente, como se o lastimasse, me estende sua mão - mão frouxa, pastosa, pouco 
viril. Com seu rosto balofo e seus olhos de peixe morto, causa-me uma impressão de extrema 
antipatia. E parece que essa antipatia é recíproca. Isso prometet .Um subtenente entra na peça. 
Pequeno, franzino, tem o ar de um colegial. Apresento-me. Êle me olha, da cabeça aos pés, com mal 
disfarçada arrogância, e me agrada tanto quanto seu chefe.O 52.9 grupo de caça é uma unidade 
complementar. Compõe-se de duas esquadrilhas e de uma companhia de estado-maior. Como o 
define um oficial, é ao mesmo tempo uma oficina de acabamento e um reservatório de material 
humano. A instrução dos pilotos provindos de diferentes esco- 
39 
 
A Grande Caça 
 
 las é concluída e aperfeiçoada, para, em seguida, de acôrdo com as necessidades, serem êles 
enviados para as unidades engajadas no fronte. Por ora, somos uns dez aspirantes, aqui. 
Provàvelmente não seremos enviados ao fronte antes de obtermos o pôsto de subtenente. Enquanto 
esperamos, cumprimos o máximo de treinamento e prosseguimos no estudo das mil obrigações que 
incumbem ao oficial em campanha.; Estou saturado dessa vida fastidiosa! Quero que me dêem 
ocasião de lutar . 
1O de fevereiro de 1941 
Já há quinze dias nosso grupo está estacionado na França, em Cognac. Nossa base é um velho 
campo militar francês, de instalações primitivas e com pistas extremamente mas. É uma cidade 
velha, cinzenta, adormecida. No entanto, é célebre em todo o mundo, graças a esse néctar que é o 
conhaque. Maravilhosa consolação, que faz esquecer tantas coisas... 
 
7 de Março de 1941. 
 
 Regressamos à Alemanha. 
 
 O grupo instalou-se em Doberitz, no grande subúrbio de Berlim. Fomos encarregados de participar 
da proteção aérea da capital. Mas os Tommies só realizam suas incursões à noite. 
40 
 
Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 15
 
 Desde o término da campanha da França, o centro de gravidade da guerra transferiu-se da terra 
firme para o ar. Considerados sob o aspecto numérico, os resultados conseguidos pela Luftwaffe 
sôbre a Mancha e a Inglaterra são encorajadores. No que diz respeito mais particularmente à caça, 
os combates dos meses anteriores constituíram significativa prova. Mais uma vez, passo meus fins 
de semana regularmente em Berlim. Ontem reencontrei-me com uma conhecida do ultimo ano. Uma 
jovem maravilhosa. Passamos juntos o dia todo - um dia magnífico !.Tão magnífico que, agora, 
estou preso na mais velha armadilha do mundo. Por muito que lute, nada resta a fazer. estou 
loucamente apaixonadopor Lilo !. 
 
24 de março de 1941. 
 
Ficamos noivos hoje pela manhã. Se tudo correr bem, nos casaremos no outono. Até lá, de qualquer 
forma, os "senhores" do serviço do pessoal terão me enviado a necessária autorização. Para 
completar, hoje é meu aniversário. O tenente Ohlhauer aproveita para me dizer que, em sua opinião, 
é um erro que eu queira casar-me agora. 
 - Você é muito môço - diz êle. -Espere o fim da guerra. 
 E se essa guerra durar trinta anos ? 
 Julgo ter adivinhado a intenção desse " caro" Ohlhauer. 
 
41 
 
A Grande Caça 
 
Fica rodeando Lilo, pavoneando-se, procurando ser espiritual. Mas se algum dia se atrever a pôr as 
patas amolecidas em minha noiva, mato-o como a um cão t. 
24 de abril de 1941. 
 
"EM NOME DO FUHRER, nomeio o aspirante da Luftwaffe, 
 Heinz KNOKE, no grau de subtenente. 
 Procedo a essa nomeação na esperança de que o interessado, fiel a seu juramento, cumprirá 
escrupulosamente suas obrigações profissionais e justificará a confiança nêle depositada. 
 Berlim, 22 de abril de 1941. 
 
 O ministro da aviação e comandante em chefe da Luftwaffe, 
 
 Hermann Goring ”. 
 
Acabo de receber esse documento das mãos do coronel comandante de nosso grupo de caça, ao 
mesmo tempo que minha espada de oficial. 
 Meu primeiro objetivo está alcançado. 
 
Quanto ao segundo - minha designação para uma unidade do fronte - já me parece bem mais 
próximo. 
42 
 
Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste 
 
22 de maio de 1941. 
 16
 
 Até à vista, Lilo! 
Lentamente, o expresso abarrotado deixa o pátio da estação da Silésia. Lilo, depois de muita luta, 
conseguiu um lugar na janela de seu compartimento e agita seu lenço. Amanhã, estará em Hameln, 
na casa de meus pais. Corro ao lado do trem, até a extremidade da plataforma. Dentro de poucos 
minutos também deixarei a capital, pelo trem que leva os licenciados a Cherburgo.Agora sim! Estou 
com meu passe de viagem no bolso. O trem pára, logo depois de ter partido. As luzes se apagam. 
Sôbre os tetos de Berlim, as sirenas lançam seus uivos terríveis. São os Tommies que chegam... 
23 de maio de 1941. 
 
 O P.C. da 2 esquadra, do 52.9 grupo de caça, acha-se nos limites leste do campo de Ostende. O 
"patrão", capitão Woitke, é um verdadeiro gigante. Seu aperto de mão me faz dobrar os joelhos. Isso 
me livra do moleirão do Ohlhauer. Em seu gabinete, Woitke me oferece um conhaque e me faz 
algumas perguntas objetivas. Esse colosso é rudemente simpático. Oficial de carreira e piloto 
experimentado, detentor da Cruz de 
43 
A Grande Caça 
 
Ferro, abateu, durante a batalha da Inglaterra, quinze aviões britânicos, quase todos Spitfires. Pouco 
depois, manda-me levar em seu carro ao campo da 6.~ esquadrilha, à qual fui designado.Nosso 
chefe é o tenente Rech. Com êle, somos ao todo quatro oficiais. Os demais pilotos são suboficiais. 
Todos têm, pelo menos, a Cruz de Ferro de segunda classe. E todos me olham mais ou menos de 
través. É manifesto que não têm muita consideração pelo subtenente recém-formado que sou. E 
quando me ouvem dizer que não sei jogar cartas, deixam de me olhar de uma vez. Meus galões ? 
Não lhes dão a mínima importância! Num box perfeitamente camuflado, o mecânico-chefe mostra-
me um Messerschmitt-109. -Aí está seu avião. Bem velho, mas ainda voa muito bem. "Muito bem 
para o que êsse bico-branco fará com êle" - deve estar pensando. Tenho a impressão de que lhe 
inspiro bem pouca confiança. Uma hora depois, decolo para algumas voltas sobre o campo. Minhas 
aterrissagens são lamentáveis. Agora, até os soldados rasos me olham com desdenhosa piedade. À 
tarde, o chefe pede-me que o escolte, num vôo de exercício. Milagre dos milagres: ele não se 
mostra muito descontente! 
 
24 de maio de 1941. 
 
O estado de alerta começa às quatro horas da madrugada. O carro do chefe nos leva da pequena 
44 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
localidade de Middelkerke, onde estamos alojados, até o campo ainda invadido pela cerração. 
Municionam as armas do meu avião. Ligo o motor, que ruge num ritmo igual. - Todos os pilotos ao 
gabinete do chefe! 
Rech anuncia o programa da jornada. A esquadrilha fará duas sortidas, em caça livre, sobre a costa 
sul da Inglaterra. Primeira decolagem às oito horas. segunda, perto das dezessete horas. No 
intervalo, a esquadrilha permanecerá em estado de pré-alerta, a fim de realizar qualquer missão 
imprevista de que possa vir a ser encarregada. A 4.~ esquadrilha, nossa vizinha de campo, manterá 
uma secção em estado de alerta reforçado ( pilotos instalados em seus aviões, prontos para 
decolagem imediata).Na primeira incursão, farei parte da 3.~ seção, comandada pelo ajudante-chefe 
Grunert, um berlinense fleumático, de ar sonso e tão pouco marcial quanto se possa imaginar. Tem 
 17
sempre o aspecto de quem abafa um bocejo. Recebidas as instruções, todo mundo se acomoda, para 
uma hora de sono, nas poltronas e espreguiçadeiras do mess. Isolado de todos, não consigo dormir. 
Algo comovido, saio para um passeio nas pistas, para olhar os aviões e inspecionar o céu. Alguns 
homens do pessoal de terra olham-me com ar divertido. Voltando ao mess, tento inutilmente 
interessar-me em alguma das revistas amontoadas sobre as mesas. Depois de umas dez missões, com 
Mess: salão"refeit6rio dos oficiais. (N. do T.) 
 
45 
A Grande Caça 
 
certeza também poderei dormir. Como invejo os companheiros, que roncam tranquilamente! Lá 
pelas sete horas, um ordenança traz, em dois cestos, um copioso desjejum. Sinto uma fome de lobo. 
 O tenente Rech veste seu colete salva-vida e anuncia : 
 
 - Decolagem dentro de dez minutos. Vamos! Lá fora, o pessoal de terra retira os aviões de seus 
abrigos camuflados. Meu "zinco" está na extremidade oposta do campo, ao lado do de Grunert. Sigo 
o ajudante-chefe que, com suas pernas curtas, ginga como um pato e boceja sem parar. - Se houver 
luta, trate de ficar sempre ao meu lado, tenente. Caso contrário, se arriscará a ver suas bonitas calças 
novas queimadas por algum Spitfire. São 7h 55m. Prendo os cintos, ajudado por um mecânico.7h 
58m. Sinto um medo terrível. O chefe levanta o braço. Ligo o motor. O mecânico fecha a capota do 
cockpit. O motor arranca imediatamente. Uns após outros, os aviões rolam na pista. Um minuto 
depois, toda a esquadrilha já decolou. Rech vira imediatamente para o mar. A visibilidade é má : 
espessa camada de nuvens plana a cento e cinquenta metros, no máximo. Em poucos 
Cockpit.. cabina do posto de pilotagem. (N do T.) 
 
46 
 
Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste 
 
segundos, a cerração já escondeu a costa aos nossos olhos. Meu avião é muito lento. Sou obrigado a 
acelerar para não ficar atrás. 
Voamos reto na direção oeste, quase rentes às ondas. O mar está calmo e deserto. Não se vê um só 
barco de pesca. O rádio mantém-se em silêncio. 
 Emerge à nossa frente uma faixa acinzentada : 
 é a costa inglêsa. Cruzamo-la ao norte de Deal. 
 
Rech nos leva ainda por alguns minutos para o interior do território inimigo, na direção de 
Canterbury. Depois, obriga-nos a seguir uma linha férrea. Nas aldeias, as pessoas se agrupam e 
erguem as cabeças para nos ver. Com aquela cerração, devem tomar-nos por Spitfires. 
De súbito, à nossa esquerda, surgem os jatos alaranjados das traçadoras. Rech derrapa brutalmente e 
pica sobre um objetivo que nem sequer consigo adivinhar. Seguindo-o, meu chefe de seção também 
mergulha e metralha uma vaga mancha cinzenta. Distingo, agora, uma posição de D.C.A.: sacos de 
areia ao redor de um canhão de 20mm, em carreta quádrupla. Uma enfiada de balas passa bem na 
frente do nariz de meu avião. Desço bem baixo - ainda mais baixo -, até ficar rente às ondulações de 
um campo de aveia. Grunert, depois de rápida guinada de afastamento, ataca novamente. Armo as 
metralhadoras e acendo o colimador, num gesto nervoso. Ao meu redor, os colares das traçadoras 
vão-se cruzando cada vez mais, tecendo no céu acinzentado inquietadora rede. 
47 
 
 18
A Grande Caça 
 
Tenso, esgotado, esforçando-me em seguir as manobras rápidas deGrUnert, só consigo colocar uma 
rajada. Espero, a cada instante, ver nuvens de Spitfires surgindo da cerração. De súbito, o carrossel 
infernal se detém. A esquadrilha se reagrupa e toma o rumo leste. Atrás de nós, alguma coisa arde 
em chamas. 
 Ao norte da estrada que sobrevoamos encontram-se os campos de Ramsgate e de Nargate, bases da 
caça inglêsa. Mas, nesta manhã, os Spitfires e os Hurricanes com certeza estão ocupados alhures. 
Ainda bem, pois estou voando na cauda da formação, e, como se diz em minha terra natal, é sempre 
aos ultimos que se agarram os cães. Sobretudo quando se trata de um novato, tão perturbado como 
eu! Pousamos em Ostende às 9h 14m. 
 No relatório, Rech dirige-se a mim : 
 - Então, agradou-lhe ? Atingiu alguma coisa ? 
 - Não, meu tenente : nada. 
 - Ah! Como foi possível! ? 
Baixo a cabeça, envergonhado. Nunca me senti tão idiota. - Nem sequer disparei - digo-lhe, 
corando. 
Rech se põe a rir. 
- Está bem, está bem; irá atirar da próxima vez. Você aprenderá : o tempo é um grande mestre. As 
17h 2m decolamos para a segunda incursão do dia. Dessa vez ninguém teve oportunidade de atirar. 
Voamos sobre a Mancha durante mais de uma hora, 
 
48 
 
 Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
entre Folkestone e Douvres. Com esse tempo infame, os Tommies preferem ficar em casa. A 
cerração ainda é bastante espessa sobre a Inglaterra. Não se consegue ver a cinqüenta metros. 
 
 27 de Maio de 1941. 
 
Durante dois dias, o nevoeiro tomou conta do espaço entre a costa belga e os penhascos da 
Inglaterra. É a inatividade total, para ambos os lados. Hoje, às 7h 17m e às 10 horas, decolamos para 
atacar um campo auxiliar perto de Ramsgate. O permanente mau tempo nos obriga a voar rente à 
terra (ou às vagas). Na primeira incursão, eu e Grunert tomamos por alvo o depósito de combustível 
do campo. Os aviões ingleses que esperávamos surpreender no solo estão invisíveis. Ou levantaram 
vôo ou então se encontram admiravelmente camuflados. Metralhamos tudo que se move. A D.C.A., 
reduzida a umas poucas peças leves, oferece fraca reação. Próximas do depósito de combustível, 
duas ou três carretas estão em chamas. Na segunda incursão, descubro um canhão antiaéreo na 
margem oeste do campo. Ataco imediatamente, voando a dois ou três metros do solo. Os serventes, 
longe de se porem a salvo, respondem vigorosamente. Os jatos das traçadoras me enquadram, 
passando a poucos centímetros sobre meu avião. Minhas rajadas se perdem no parapeito de sacos de 
areia. Com o canto dos olhos, vejo Gru- 
49 
A Grande Caça 
 
nert atirar-se contra um box camuflado, no qual adivinha um Hurricane. À terceira passagem, 
consigo finalmente colocar uma rajada de balas no canhão. O primeiro artilheiro ergue-se e cai 
pesadamente para trás. 
 19
 De repente, um grito nos fones : 
 
 - Atenção! Spitfire !. 
 
 Seis, sete, oito pontos brilhantes, vindos do norte, descrevem uma curva fechada para nos 
interceptar. Colo-me imediatamente na traseira de Grunert. Para falar a verdade, não sei muito bem 
o que devo fazer. 
Durante vários minutos, trava-se encarniçada caça. Ouço nos fones as vozes dos companheiros que 
mutuamente se previnem contra os fulminantes ataques dos Tommies. De quando em quando, 
Grunert me repete, aos gritos, que não me afaste dele "um milímetro". Voamos sempre à distância 
de poucos metros. 
Quando dou uma guinada seca para acompanhar Grunert, minha asa esquerda quase se enrosca na 
copa de uma árvore. Um Spitfire passa por cima de mim como um furacão. Outro vem colocar-se, 
no lapso de um segundo, bem na frente de minhas metralhadoras. Imediatamente abro fogo. O inglês 
cabreia e desaparece nas nuvens. 
 - Peguei um! - grita uma voz. 
 
Julgo reconhecer nela a voz áspera do tenente Barkhorn. Volto-me bem a tempo de ver um Spitfire, 
transformado numa bola de fogo, abater-se atrás de um dique. 
 
50 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
 Já há vários minutos Grunert tenta colocar-se atrás de dois Tommies que voam em formação 
cerrada. Cada vez que julga tê-los apanhado, eles escapam, numa guinada brutal, e se refugiam nas 
nuvens. Manifestamente, têm muito mais maneabilidade que nossos Messerschmitt. Impondo ao 
meu avião uma guinada tão seca assim, arriscar-me-ia à queda fatal. 
O combustível começa a escassear. É tempo de regressarmos. A lâmpada vermelha que indica o 
limite de segurança pode acender-se em meu painel de bordo a qualquer instante. 
Rech toma o rumo leste. Só em Ostende, depois da aterrissagem, é que constatamos a ausência de 
um dos nossos. 
 O suboficial Obauer não voltou. 
 
28 de maio de 1941. 
 
 Desde o amanhecer, a R.A.F. lança incursões contra as costas continentais da Mancha. 
Às quatro horas da manhã, logo que chegamos ao campo, um grupo de Hurricanes passa roncando 
sobre os diques e metralha o hangar onde se instala nossa oficina de reparações. Os alertas irão 
Suceder-se durante todo o dia, sem descanso. Meu avião está fora de combate, o que me deixa 
bastante aborrecido. Os mecânicos fazem o que podem, mas só ao início da tarde é que estará 
consertado. Mas, na primeira decolagem, manifestasse um defeito no sistema hidráulico. Não 
consigo 
 
51 
 
A Grande Caça 
 
recolher a "perna" esquerda do trem de aterrissagem. Somente por volta das dezoito horas é que 
 20
consigo decolar com a 3.~ seção. E mais uma vez devo contentar-me em ser a "sombra" de Grunert. 
Na região de Dunquerque foram assinalados diversos Blenheim, escoltados por Spitfires. Nossa 
D.C.A. já os alvejou, naturalmente sem qualquer êxito. esses rapazes da D.C.A. são terrivelmente 
pretensiosos; desperdiçam quantidades incríveis de munições, e, quando se lhes diz que não sabem 
atirar, ficam zangados. Subimos a cinco mil metros. O céu se mostra absolutamente límpido, 
incendiado no oeste pelo sol poente. Todos riem de mim, quando descubro "aviões inimigos na 
frente, a direita, bem distantes", e que não passam de minúsculos salpicos de óleo nos vidros do meu 
cockpit. A torre de controle me leva até Calais, onde, ao que parece, os bombardeiros estão 
passeando. Corro os olhos pelo céu, rigorosamente vazio. 
Subitamente, Grunert descreve rápida e seca guinada. Uma formação de Hurricanes surgiu atrás de 
nós. Como é evidente, estiquei o pescoço para olhar a direita e a esquerda, mas em instante nenhum 
pensei em olhar para trás. E, todavia, há um velho princípio conhecido por todo caça digno desse 
nome. "Localiza-se facilmente o que vem pela frente. mas é preciso, sobretudo, ver aquele que 
chega pela retaguarda". Os ingleses tentam colocar-se em nossa esteira. 
Empinamo-nos ao máximo e, depois de uma curva que lhes haveria de deixar os cabelos em pé, 
caímos 
52 
Sôbre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
sobre eles. Os inimigos tentam escapar a toda velocidade, na direção do mar. Graças a nossa 
velocidade superior, alcançamo-los em menos de dois minutos. Trava-se, então, um combate 
confuso, selvagem, cujas fases se desenvolvem com vertiginosa rapidez. Consegui colar-me atrás de 
um Blenheim. O piloto me viu a tempo e começa a descrever violentos ziguezagues, na esperança de 
escapar-me. Idéia infeliz, pois a cada guinada seu avião cruza minhas rajadas. De repente, entra 
numa espiral ascendente. Subo em sua perseguição. Maldição! O animal sobe na direção do sol, que 
acaba de rasgar a cerração. Não consigo enxergar mais nada. Com uma das mãos protegendo os 
olhos, examino inutilmente o céu. Sinto vontade de chorar de raiva. Dizer que eu poderia ter 
registrado minha primeira vitória ! 
Daqui em diante, nunca mais voarei sem óculos de sol. 
 3O de maio de 1941. 
 
Hoje, o comunicado da missão nos deixa o máximo de liberdade : "Caça livre no triângulo Douvres-
Asford-Canterbury". Um pequeno passeio, como dizem os veteranos do grupo. 
O tempo está fechado, com o teto de nuvens muito baixo. Depois de ter varrido o espaço durante 
hora e meia, aterrissamos sem ter avistado um único avião inimigo. 
53 
 
A Grande Caça 
 
21 de junho de 1941. 
 
Já há três semanas o grupo não faz nenhuma incursão.Estamos estacionados em Souvalki, um antigo campo polonês, próximo da fronteira russa. 
Juntamente conosco, várias esquadrilhas de Stukas se mantêm permanentemente em estado de 
alerta. 
 Durante as ultimas semanas, a Wehrmacht concentrou poderosas forças ao longo da fronteira do 
leste. Todos se perguntam por quê. 
Segundo alguns, com a concordância da Russia, vamos avançar pelo Cáucaso até as regiões do 
Oriente Próximo, a fim de nos apossarmos das jazidas de petróleo, ocupar os Dardanelos e bloquear 
 21
o canal de Suez. 
Segundo outros, vamos, muito simplesmente, atacar a Rússia. 
 Vamos ver. . . 
 
À noite, chega a ordem de abater o avião comercial soviético da linha Berlim-Moscou. 
O "patrão" decola com a seção de estado-maior. Regressam calados; o enorme Douglas escapuliu 
entre seus dedos. 
Até meia-noite, ficamos na grande sala do mess entregues ao jogo falacioso das hipóteses. 
A operação "Barba Rossa" - gigantescos preparativos do Alto Comando diante da Rússia - tem 
algum sentido exato ? Trata-se de manobra política ou de uma denuncia de tratados ? 
 
54 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
 Evidentemente, a ordem de interceptar o avião soviético indica, com mais evidência, uma ação 
ofensiva contra o comunismo. 
22 de junho de 1941. 
 
 Quatro horas da madrugada. 
 
Alerta geral. Na parte do campo reservada Stukas reina a mesma atividade febril. 
 Por toda a noite ouvi, ao longe, o desfilar de colunas de tanques e caminhões. A fronteira está a 
poucos quilômetros apenas. Às 4h 30m, há uma conferência dos pilotos, no gabinete do chefe de 
esquadra. 
O comandante lê a ordem do dia que o Fuhrer dirige a Wehrmacht : a Alemanha ataca a União 
Soviética ! Decolamos as cinco horas. 
 
Quatro aviões de nossa esquadrilha, entre êles o meu, o n° 6, estão equipados com lança-bombas. 
Durante as ultimas semanas, participei de não sei quantos exercícios de bombardeio. Hoje, levo sob 
o ventre do meu bravo "Emil" 104 bombas de dois quilos. Sob nossas asas, intermináveis comboios 
rodam para o leste, através da planície monótona. Por sobre nós voam compactas formações de 
bombardeiros e, dos lados, enxames de irrequietos Stukas. Nossa missão é atacar, a baixa altitude, o 
G . Q. G. de um exército soviético, cujas instalações se situam nos bosques a leste de Drouskieniki. 
 
55 
 
A Grande Caça 
 
Dir-se-ia que, na Rússia, todos estão dormindo. Não há viva alma nas ruas do campo onde se acha 
instalado esse estranho G. Q. G . Pico sobre uma barraca e, com um golpe de punho, aciono o lança-
bombas. Sinto que meu "zinco", aliviado de sua carga, dá um salto para a frente. Quase 
simultaneamente, os outros aviões de minha seção largam suas bombas. Jatos de lama espirram de 
todos os lados. Por vários segundos, a fumaça e a poeira ocultam a terra. Três barracas já estão em 
chamas. Vários caminhões, despojados de suas camuflagens pelas explosões, jazem tombados ou 
capotados, com as rodas para o ar. Agora, os "Ivãs" já acordaram. O campo se assemelha a um 
formigueiro eventrado por violenta bengalada de algum transeunte a passeio. Soldados semivestidos 
espalham-se pelos bosques circundantes. Distingo vagamente algumas peças leves de D . C . A. 
Escolho uma delas, coloco-me de maneira a poder enquadrá-la no meu colimador e aciono o gatilho 
das armas. Meu avião estremece - os dois canhões instalados nas asas e as metralhadoras da 
 22
fuselagem vomitam aço por suas quatro bocas. Um homem, em ceroulas, tomba por detrás de sua 
peça. Aponto o meu "zinco" para outro canhão. Seus dois artilheiros, com sublime coragem, 
continuam a disparar. Seus obuses passam sobre a capota de meu avião, talvez a um metro. Levado 
pelo meu impulso, ultrapasso o alvo; 
uma curva fechada, rente as árvores, e regresso disparando como um louco. Os russos estão dei- 
56 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
tados de bruços, atrás do anteparo blindado de seus canhões. Mas a tensão tornou-se insuportável 
para seus nervos. De subito, erguem-se e em rápidos saltos se refugiam num pequeno bosque 
próximo. 
Continuo atacando - já em minha quinta ou sexta passagem. Nossos bombardeiros regressaram, 
deixando o campo livre aos Stukas (5) e aos Messerschmitt, que não se fazem de rogados para agir. 
Parecem uma nuvem de vespas enraivecidas, atirando-se contra sua presa. Agora, quase todas as 
barracas estão em chamas. Com um único obus, incendeio um caminhão, que tomba sobre outro 
veículo, esmagando-o. 
Ordem de reagrupar. regressamos a base. Às 5h 56m, a esquadrilha aterrissa em impecável 
formação. 
No campo, reina uma atividade febril. O pessoal de terra reabastece apressadamente os aviões, 
remuniciam suas armas e enchem os tanques. Os Stukas novamente decolam, para apoiarem as 
pontas avançadas de nossas unidades blindadas. Nós os seguimos. 
Exatamente as 6h 30m, apenas quarenta minutos depois de nosso regresso a base, decolamos ainda 
uma vez. Já não precisamos perscrutar a paisagem para descobrir nosso objetivo. A espessa fumaça 
que sobe das barracas incendiadas é visível de longe. 
 
(5) Sobre o papel desempenhado pelos Stukas na Rússia, veja-se "Piloto de Stuka", de Hans Rudel, 
edição F1amboyant. 
57 
 
 
A Grande Caça 
 
Os russos se recompuseram. Sua D. C. A. nos acolhe com nutrido fogo. E são os mesmos colares de 
pérolas alaranjadas que já vira subir em minha direção, dos campos da Inglaterra, que ressurgem. 
Naquela época, não me sentia nada tranqüilo. agora, já me sinto um pouco melhor - não de todo 
bem, naturalmente. ..Pico novamente sobre a D.C.A. Uma enfiada de bombas atinge em cheio um 
ninho de metralhadoras pesadas. Quando a enorme coluna de terra, de poeira e de fumaça dissipou-
se, onde havia a trincheira circular só se pode ver gigantesca cratera :metralhadoras, sacos de areia, 
os soldados russos - tudo desapareceu. Os "Ivãs" devem ter-se ocultado com seus veículos nos 
bosques que circundam o campo. Varremos sistematicamente a floresta com nossas armas de bordo. 
De vários pontos irrompem chamas, provavelmente originárias de depósitos de combustível. Atiro 
contra tudo que se move, e continuo atirando até ouvir os estalidos secos, informando-me que se 
esgotaram as munições. Isso tudo constitui, indubitavelmente, o melhor exercício para o desajeitado 
novato que sou. Aterrissamos as 7h 20m. O pessoal de terra mais uma vez se movimenta em torno 
de nossos aviões. Ajudamo-lo, ao mesmo tempo em que vamos contando os episódios essenciais do 
ataque. Num tempo recorde de vinte e dois minutos, ficamos prontos para partir. Não resta muita 
coisa das instalações do G.Q.G. soviético. Despejamos bombas e obuses sobre os bosques onde 
ainda se escondem vários grupos de homens enlouqueci- 
 23
58 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
dos. A D. C. A. soviética, esmagada, pulverizada, aniquilada, já não reage mais. Quando, cinqüenta 
minutos depois, voltamos ao nosso campo, admiramo-nos de ouvir a ordem do comandante, 
anunciando uma pausa. Em nossa excitação, nos esquecemos da hora do rancho. À tarde, nossa 
formação é lançada numa operação diferente. Os reconhecimentos aéreos assinalaram, na estrada 
Grodno_Zytomia_Skidel_Szczuczyn, comboios soviéticos que fogem na direção do leste. Nossos 
destacamentos blindados os perseguem sem piedade, e nossa intervenção deve precipitar sua 
derrota. Atingimos rapidamente Grodno. O centro da cidade está totalmente congestionado. Em 
todas as ruas, unidades soviéticas tentam abrir caminho para o leste. Os Stukas se afastam de nós 
para atacar posições de artilharia nos bosques vizinhos. É preciso, a qualquer custo, impedir que o 
inimigo se reorganize, fustigá-lo incessantemente, levá-lo de roldão, se ele tentar resistir. 
Agora começo a compreender por que razão a ordem de ataque do Alto-Comando chegou tão 
depressa, de modo tão brutal. Por toda parte vêem-se poderosas concentrações de tropas e de 
material, do lado russo. Tem-se a nítida impressão de que o exército vermelho se preparava para 
atacar. De qualquer forma, nosso Alto-Comando provavelmente sepersuadira disso. O fulminante 
desfechar de nossa ofensiva suprime em definitivo essa ameaça. Para todos nós, as imagens deste 
dia ficarão inesquecíveis. Ao longo da imensa fronteira, de 
59 
A Grande Caça 
 
norte a sul, nossas tropas progridem rapidamente. 
 Nossas pontas avançadas penetram num impulso irresistível no dispositivo inimigo a dentro. É 
manifesto que os russos foram surpreendidos, quando esperavam nos surpreender. Por toda parte, 
refluem em desordem. Pelas estradas, nossos infantes erguem a cabeça e nos fazem sinais amigos. 
Sabem que a Luftwaffe vai fazer um trabalho preparatório de que logo mais se aproveitarão. 
Trabalho que, para dizer a verdade, é muito fácil. É impossível errar as massas compactas das 
unidades soviéticas em fuga. Todos os golpes acertam no alvo. Nossas bombas, nossos obuses, as 
rajadas de nossas metralhadoras abrem claros sangrentos naquelas tropas desamparadas. 
Às vinte horas, decolamos para a sexta incursão do dia. A caça russa continua invisível. Estamos 
sozinhos no céu, que, pouco a pouco, a cerração glauca da noite vai invadindo. 
 
23 de junho de 1941. 
 
As 4h 45m decolamos novamente, sempre para atacar as colunas cinzentas que cobrem as estradas 
caminhos e até as menores veredas. 
A essa hora matinal ainda faz frio. Ontem, sentia-me banhado de suor, e agora tirito. Mas a 
atmosfera límpida prenuncia um dia tórrido. Ainda não vi um único avião soviético. Mas eles 
existem. Os pilotos da 4.' esquadrilha assina- 
60 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
 lam os primeiros combates e as primeiras vitórias, sobre Grodno. De acordo com seus relatórios, os 
russos não são exatamente o que se poderia chamar de " ases". Seus aviões são bem mais lentos que 
os nossos, mas com maneabilidade bastante maior. Jovens pilotos que, como eu, acabam de chegar 
de um campo de instrução conseguem abater seu "primeiro". Os veteranos aumentam seus quadros 
 24
de caça. Nosso chefe de grupo abate três Rata, numa só incursão. E eu?.. 
 
25 de junho de 1941. 
 
 Lançar bombas, mais bombas, sempre bombas! 
Isso começa a irritar-me. Os companheiros da 4. e da 5.esquadrilhas, e mesmo as duas primeiras 
seções da minha, em suma, todos que já pilotam o novo Messerschmitt 109 F, constantemente têm 
oportunidade de combater com os Ivãs. Mas nós outros, com nossos "Emília" relativamente 
asmáticos, somos sempre usados como bombardeiros auxiliares. Isso já se torna fastidioso. Pois, 
afinal, também eu desejo abater o meu "primeiro". Entrementes, o exército de terra conseguiu 
espantosas vitórias. Os russos são incapazes de deter nosso avanço. Até agora, não conseguiram 
reagrupar suas forças, ou, mais exatamente, o que resta delas. Quanto a aviação soviética, só muito 
raramente intervém, como que hesitando. Alguns bombardeiros Martin atacam objetivos a nossa 
retaguarda, sem causar danos importantes. A caça vermelha observa prudente reserva. Aliás, reserva 
bem compreensível. 
61 
 
A Grande Caça 
 
Falta experiência aos pilotos russos. Sua tática é tão primitiva quanto seus aviões. O Rata está longe 
de comparar-se ao nosso Messerschmitt. Todavia, é bem verdade que, em três ou quatro semanas, 
eles terão aprendido a se defender, e mesmo a atacar. Os sucessos iniciais não nos devem deixar 
muito otimistas. O soldado russo sabe por que luta. O comunismo transformou-o num fanático, 
fanático tanto mais temível quanto sua mentalidade é primitiva. É essa, talvez, sua maior força. 
2 de julho de 1941. 
 
Soa, estridente, a campainha do telefone. É do gabinete central do grupo. O subtenente Knoke deve 
apresentar-se imediatamente ao "patrão". Que será que o "velho" quer comigo ? 
Afivelo o cinto e, algo inquieto, dirijo-me para o gabinete. Diante da pequena barraca, o capitão 
Woitke, estirado numa espreguiçadeira, toma seu banho de sol. Bato os calcanhares. O capitão se 
levanta e, sorrindo, estende-me a mão.- A partir de hoje, você está afeto a primeira esquadra de caça. 
Procure dirigir-se o mais depressa possível para a base de Husum, na Frísia. Decolo uma hora 
depois, a bordo do meu fiel "n.6". É o avião mais antigo do grupo - um avião já muito cansado para 
servir no fronte. Eu o levarei até a escola de caça de Werneuchen, onde acabará sua carreira como 
avião de instrução. 
62 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
Para ser sincero, estou decepcionado. Tanto que esperava recolher meus primeiros lauréis na Rússia, 
onde os acontecimentos se precipitam! Mas de nada valem as recriminações : uma ordem é uma 
ordem. Evidentemente, sou o mais jovem de todos os oficiais da esquadrilha e, quase com certeza, o 
pior piloto. Então, o "velho" deve ter cantado louvores com tanta eloquência a meu respeito, que me 
reclamaram alhures. É o método mais elegante para se ficar livre de um peso morto. 
A tardinha, pouso em Werneuchen. Amanhã cedo tomarei o trem para Husum, via Hamburgo. 
Que pena que Lilo não esteja em Berlim! 
 
30 de julho de 1941. 
 
 25
 No momento, a primeira esquadra de caça só consiste em um único grupo. Os outros dois serão 
formados nos próximos meses. 
 Levamos uma existência extremamente calma e rotineira. Já participei de inúmeras sortidas, mas 
ainda não vi um único Tommy. 
 Fui designado para a 3. esquadrilha, cujo chefe também veio do fronte da Rússia. Tanto quanto eu, 
sente-se descontente por ter sido "reenviado" para o oeste, como diz ele, onde, no momento, nada 
acontece. 
Diariamente fornecemos patrulhas de cobertura para os comboios da Marinha de guerra 
que cir- 
63 
 
A Grande Caça 
 
culam entre os portos da Mancha e do golfo da Alemanha(6). As vezes, os ingleses lançam contra 
esses comboios pequenas formações de Blenheim e de Beaufighter. E, de quando em quando, 
conseguimos abater um deles. Mas, no conjunto, os combates aéreos são raros. Nossos aviões foram 
equipados com tanques suplementares. Voamos com qualquer tempo. Pouco a pouco, adquirimos 
uma espécie de sexto sentido, que nos permite orientar-nos sobre o mar, mesmo em plena cerração. 
26 de agosto de 1941. 
 
Cerca das dez horas o adjunto do chefe, tenente Rumpf, me chama ao telefone, para me comunicar 
que acaba de chegar autorização para meu casamento. Até que enfim! 
O grande "patrão" me recebe muito amavelmente. Concede-me na hora a licença que solicito, 
gaguejando, e chega mesmo a pôr a minha disposição o pequeno avião de turismo, reservado, em 
princípio, aos deslocamentos oficiais. Não fosse isso e eu teria sido obrigado a fazer mais de mil 
quilômetros por estrada de ferro. 
 Se partir imediatamente, poderei casar-me com a pequena Lilo depois de amanhã, logo cedo. 
 
(6) Entre as ilhas da Frisia e a Dinamarca. 
 
64 
 
Sobre a Inglaterra e o F'ronte Leste 
 
 Decolo ao meio-dia e, depois de uma volta em torno do campo, tomo a direção que me leva ao 
casamento. Como é bom sobrevoar esta paisagem calma de verão! No céu resplendente de sol, 
flutuam majestosamente alguns cúmulos brancos como a neve. O motor roda valentemente em seu 
canto modesto, tão diferente do zumbido sonoro do Messerschmitt. De quando em quando, 
mergulho na direção de um campo, onde os camponeses fazem a sega, ou para um lago onde 
banhistas de pele bronzeada se divertem alegremente. Como é bom viver!. Mais vinte e quatro 
horas, e estarei apertando minha noiva entre os braços! Pouso as três horas em Prenzlau, reabasteço-
me e torno a partir. Rumo.. felicidade. O céu, agora, está menos límpido. Vinte minutos depois, 
violento aguaceiro se abate sobre o avião. Violentas rajadas de vento sacodem-me duramente e a 
visibilidade diminui para tornar-se praticamente nula. Percebo que não conseguirei chegar ainda 
hoje a Poznan, minha segunda escala. É inútil querer tentar o impossível. Lilo quer desposar um 
piloto vivo, e não transformado em massa. Depois de uma última hesitação, mudo de rumo. Às 16h 
30m pouso em Werneuchen, debaixo de forte aguaceiro. 
 
27 de agosto de 1941. 
 26
Pretendia levantar vôo logo ao amanhecer, mas em virtude do péssimo estado do tempo a torre de 
 
65 
A Grande Caçacontrole só me autoriza a decolar as nove horas. Continua chovendo e a visibilidade continua 
medíocre. 
Levo cerca de três horas para alcançar o campo de Poznan. Agora, as nuvens se arrastam rentes as 
árvores e a chuva se transformou numa espécie de cascata. O controlador, mais razoável do que eu, 
não quer autorizar minha partida. Ele não deixa de ter razão, mas acontece que tenho de rever Lilo 
esta noite, e não amanhã. Furioso, fico andando de lá para cá, na grande sala do mess. Por todos os 
malditos demônios do inferno! 
 Por fim, o céu torna a fechar suas comportas. 
 Mas o controlador continua irredutível. 
 
- Espere que as nuvens se ergam - repete obstinado. Você aqui não está muito mal, não é mesmo? 
Vamos dar um jeito de arranjar-lhe uma cama; você partirá amanhã cedo. 
No campo, dois grupos de alunos reiniciaram o treinamento diário. Os pequenos biplanos decolam, 
dão duas ou três voltas no campo, aterrissam e tornam a decolar. Observo-os distraidamente. De 
súbito, ocorre-me uma idéia! 
Subo em meu "moinho", ligo o motor e rolo até a entrada da pista, onde um aluno registra as 
partidas de seus companheiros num enorme quadro. 
Faz-me um sinal para que me detenha, aproxima-se e, como meu rosto lhe é estranho, pergunta meu 
nome. Explico-lhe que desejo apenas experimentar o motor sobre o campo, e que não lhe é preciso 
fazer meu registro. Então, ele nota meus 
66 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
galões de oficial e, muito marcial, bate os calcanhares. 
 - As suas ordens, meu tenente !. 
 
 Fiz uma força danada para não rir. 
 
 O rapaz ergue sua bandeira verde. Decolo, faço evoluções durante cinco minutos sobre o campo, 
num céu nublado, e aterrisso. Quando me apresento de novo a entrada da pista de decolagem, o 
rapaz retifica apressadamente sua posição e, sempre com a mesma solenidade, agita sua bandeira. 
De passagem, faço-lhe um rápido sinal de inteligência. 
Depois, arranco meu avião e tomo imediatamente a direção de uma colina coberta de arvoredo. 
Depois de transpô-la, desço até ficar a uns vinte metros do solo e tomo o rumo de Lodz. Rio 
sozinho ao pensar na cara que fará o controlador de Poznan, quando descobrir que lhe escapei. 
Mais ou menos cem quilômetros além, já não sinto vontade de rir. As nuvens, mais espessas do que 
nunca, agarram-se aos cimos das árvores, verdadeiras trombas de água limitam cada vez mais a 
visibilidade e rajadas de vento fustigam brutalmente meu avião, que cambaleia como um bêbado. 
Sou obrigado a voar em rasante. Nas aldeias, de ruas enlameadas, rostos espantados se erguem para 
mim. 
Perto de Kalisch, descubro finalmente a via férrea Breslau-Lodz. Deixo escapar um suspiro de 
alívio. Estou salvo! Agora, só me resta acompanhar os trilhos, que me levarão, apesar dessas 
malditas nuvens, ao ponto final desta viagem impossível. 
 
 27
67 
 
A Grande Caça 
 
Ainda assim não me sinto tranquilo. Com a visibilidade próxima de zero, uma aterrissagem forçada 
significaria um avião destruído, com uma condenação pelo tribunal militar a algum tempo na prisão. 
Seria um belo presente de núpcias! Seis meses de cadeia, no mínimo, e a perda de meus galões! 
Mas o impossível acontece. De fato, as nuvens sobem sensivelmente, a chuva diminui e logo mais 
cessa de todo. Decididamente, há um Deus para os loucos da minha espécie t. 
Ainda alguns minutos de vôo, e vejo-me sobre a pequena cidade de Sieradz. É ali que meu pai 
exerce, desde a ocupação da Polônia, as funções de oficial de polícia. É ali que se encontra Lilo. 
 Entro em chandelle e depois, virando o aparelho, mergulho sobre a praça do Mercado. Endireito o 
avião rente aos tetos, torno a subir, novamente mergulho. Nas ruas, os transeuntes se agrupam para 
observar e comentar as manobras insensatas daquele piloto, que deve ter perdido a razão. No 
primeiro andar de um grande edifício, abre-se bruscamente uma porta janela que dá para um balcão, 
e vejo meus pais surgirem. Atrás deles, Lilo agita alegremente seu lenço. 
 Uma última passagem, quase tocando os pinhões das velhas casas, e sigo na direção de Lodz, onde 
aterrisso num campo auxiliar. Tenho a sorte de ali encontrar um carro. 
Hora e meia depois, estreito Lilo entres os braços. Quando lhe comunico que casaremos na 
68 
 
 
 
Sobre a Inglaterra e o Fronte Leste 
 
manhã seguinte, ela quase não acredita. Meus pais mostram-se tão surpreendidos quanto ela. Como 
sempre, esqueci-me de lhes comunicar minha visita. 
 
28 de agosto de 1941. 
 
Parece que a guerra acordou nossos funcionários! Conseguimos liquidar todas as formalidades no 
curso de uma só manhã. E sabe Deus como elas são numerosas! 
Às quinze horas, casamentos. Entrementes, o apartamento de meus pais transformou-se numa 
exposição de flores. Que dizer do restante do dia, senão que somos felizes, extraordinariamente 
felizes ? 
eu e Lilo saímos da sala dos 
 
29 de agosto de 1941. 
 
Passeio novamente em pleno céu, já há algumas horas. 
Depois de duas escalas, em Francfort-sobre-o-Oder e em Cassel, pouso as dezenove horas no campo 
de minha esquadrilha. Naturalmente, meus companheiros imediatamente me arrastam ao mess, para 
me fazerem pagar uma rodada geral. Pouco depois, antes do cair da noite, os alto-falantes começam 
a gritar. . alerta! Alguns Blenheim 
 
69 
 
A Grande a Caça 
 
 28
rondam ao longo da costa. Decolamos imediatamente, mas os Tommies não 
são avistados. 
E dizer que, durante os três últimos dias, nem sequer me 1embrei de que estamos em guerra e de que 
sou um soldado ! . . . . 
 
70 
 
CAPÍTULO IV 
 
1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda 
 
1.de janeiro de 1942. 
 
Agora posso dizer que conheço o golfo da Alemanha e o mar do Norte como a palma de minha mão. 
Tenho em meu ativo uma boa centena de incursões, quase todas com mau tempo : missões de 
escolta para os comboios da Marinha, interceptação de bombardeiros britânicos, algumas 
escaramuças sem resultado. 
A oeste, a guerra se desenvolve vagarosamente. 
Os bombardeiros britânicos quase não se aventuram sobre o continente, durante o dia. Nosso 
trabalho não passa de simples rotina, nem é mais perigoso ou mais fácil que o trabalho de um piloto 
civil. Cumprimos nossa obrigação conscienciosamente, mas sem entusiasmo. Quanto as vitórias a 
obter e as condecorações a serem ganhas, nem é bom pensar nisso. Só os caças noturnos têm 
oportunidade de combater. 
Na frente leste, ao contrário, a situação tornou-se dramática. A Wehrmacht, depois de ter alcançado 
extraordinários êxitos, chocou-se contra um inimigo invencível : o inverno russo. Nossos solda- 
71 
 
 
A Grande Caça 
 
dos, insuficientemente equipados, sofrem e lutam com admirável coragem. Na Alemanha, as 
autoridades se esforçam por conseguir as pressas tudo quanto os homens de gabinete esqueceram : 
cobertores, roupas quentes, botas forradas, líquido anticongelante. Conquanto não seja muito tarde. 
.. Acabo de receber notícias do 52 grupo de caça, minha primeira unidade. Vários de meus antigos 
companheiros foram mortos. Por outro lado, o número de aviões russos abatidos tornou-se 
impressionante. O tenente L, da 6. esquadrilha, e o capitão S, chefe da 4a, totalizam mais de cem 
vitórias cada um. O subtenente Gentzen, velho companheiro desde os tempos da escola de aviação, 
morreu ao decolar de uma pista coberta de gelo. Uma hora antes, havia abatido seu décimo oitavo 
Rata. E dizer que já não faço parte dessa unidade gloriosa! É de arrancar os cabelos! Aqui, o único 
episódio interessante já data de vários meses. No último outono, fomos enviados, por uns oito dias, 
para a região de Kiel, no Báltico. Participamos de exercícios combinados com o encouraçado 
Tirpitz, recém colocado em serviço. Cheguei mesmo a fazer um estágio a bordo do gigantesco 
navio, como oficial de ligação. 
 
8 de fevereiro de 1942. 
 
As ilhas da Frísia estão bloqueadas pelos gelos. Além de nossas missões de escolta, temos de 
assegurar o reabastecimento, o correio e, em casos 
 
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1942: Mar do Norte, Noruega e Holanda 
 
urgentes, o transporte dos doentes. Não

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