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Os Residentes Médicos e o Auxílio Moradia

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Os Residentes Médicos e o Auxílio Moradia. 
Prof. Me. Osvaldo Simonellii. 
 
Art. 1o A Residência em Medicina constitui modalidade do ensino 
de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de 
especialização, caracterizada por treinamento em serviço em 
regime de dedicação exclusiva, funcionando em Instituições de 
saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais 
médicos de elevada qualificação ética e profissional. 
Decreto Federal n. 80.281/77. 
 
1. HISTÓRICO NORMATIVO. 
A Residência Médica é uma forma de aprendizado em serviço, realizada apenas por médicos 
graduados e devidamente inscritos junto ao Conselho Regional de Medicina da respectiva 
jurisdição de atuação. Significa dizer que o Residente é, além de estudante em regime de 
especialização, médico. 
 
A legislação que regulamenta o regime de atuação do Médico Residente concede uma ênfase 
muito maior ao caráter educativo do que de trabalho propriamente, em que pese sabermos 
que, infelizmente, a realidade nem sempre acompanha a norma. 
 
Contudo, a Lei, enquanto em vigor, deve ser cumprida e exigida. 
 
E, neste aspecto, a Lei n. 6.932/81 que, após a edição do Decreto Federal 80.281/77, trouxe 
a regulamentação em vigor até os dias atuais (com as respectivas alterações) a respeito da 
Residência Médica, era absolutamente clara em seu art. 4, § 1º: 
 
Art. 4º. [...] 
§ 1º. As instituições de saúde responsáveis por programa de residência médica oferecerão 
aos residentes alimentação e alojamento no decorrer do período da residência. 
 
Assim, além da bolsa de estudo a ser paga aos médicos residentes, à instituição de saúde 
responsável pela residência médica foi atribuída obrigação direta quanto ao fornecimento de 
alimentação e alojamento durante o período destinado ao aprendizado. 
 
Tal imposição foi novamente determinada em alteração contida na Lei n. 8.138/90 (e sempre 
mantida em modificações anteriores), apenas alterando-se o termo “alojamento” para 
“moradia”, mas com mesma obrigação finalística, qual seja, garantir ao médico residente um 
local para sua habitação enquanto ainda na residência médica. 
 
Todavia, com o advento da Lei n. 10.405/02, houve a revogação expressa da Lei 8.138/90, 
trazendo um debate jurídico quanto à retirada de tal direito dos médicos residentes, 
mantendo-se apenas o pagamento da respectiva bolsa de estudos, e assim permanecendo 
até que fosse promulgada a Lei n. 12.514/11 que, ao trazer nova redação ao antigo artigo 
4º da Lei originária da residência, assim determinou (com redação ainda em vigor): 
 
“Art. 4º.[...] 
[...] 
§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá 
ao médico-residente, durante todo o período de residência: 
I - condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões; 
II - alimentação; e 
III - moradia, conforme estabelecido em regulamento. 
 
Neste sentido, duas informações importantes são extraídas a partir do histórico das normas 
acima indicado: [i] durante o período 2002 a 2011 havia uma discussão quanto a 
obrigatoriedade de tal benefício; [ii] a partir de 24.06.2011, quando publicada a Medida 
Provisória n. 536, convertida posteriormente na Lei n. 12.514, tal obrigatoriedade fora 
expressamente definida como “alimentação” e “moradia, conforme estabelecida em 
regulamento” – e este termo final exige atenção e; [iii] Repouso médico, alimentação e 
moradia são três direitos autônomos do Médico Residente. 
 
2. DO DIREITO AO AUXÍLIO MORADIA E ALIMENTAÇÃO. 
É importante destacar que a concessão de moradia e alimentação previstos na Lei específica 
em nada se relacionam com questões trabalhistas, na medida em que, como já indicado, 
trata-se de um benefício estudantil, e não decorrente do trabalho realizado pelo médico. 
 
Com a deficiência apresentada pelas instituições de saúde no que se refere à concessão de 
tais benefícios legais, começaram a surgir ações judiciais questionando tal posição, 
principalmente para discussão do período em que houve uma lacuna legislativa e o retorno 
da obrigatoriedade, com a Medida Provisória n. 536, em junho de 2011. 
 
Neste sentido, podemos indicar como sendo de grande relevância e repercussão a decisão 
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AgRg. REsp. 1.339.798/RS que, ao 
analisar decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reverteu decisão desfavorável aos 
Médicos Residentes, garantindo-lhes o direito, inclusive quanto ao período de “transição das 
leis”, estabelecendo importantes paradigmas no que se refere a tal garantia, destacando-se: 
[i] Auxílio Moradia não está relacionado com o espaço para o descanso médico, durante a 
jornada da residência; [ii] Em não sendo fornecido local para moradia ao Médico Residente 
durante seu período de aprendizado em trabalho, o mesmo deve ser convertido em 
ressarcimento (artigo 247 do Código Civil). 
 
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça acabou, nos autos em questão, por não definir 
qual seria o valor devido a título de auxílio moradia, quando fornecido in natura, devolvendo 
os autos ao Juízo de primeiro grau para arbitramento do valor, de acordo com o caso 
concreto. 
 
Como consequência da decisão Superior, segundo decisão proferida pela primeira instância 
no mesmo caso mencionado, o percentual fixado foi de 20% do valor recebido a título de 
bolsa de estudo, sendo que este é um critério, ainda, individual, diante dos casos concretos, 
com destaque para o fato de que há Tribunais que têm fixado este percentual em 30%. 
 
Merece destaque o fato de que a Turma Nacional de Uniformização também garantiu o 
direito durante o período considerado como controvertido pela legislação, o que garantiu o 
entendimento perante os Juizados Especiais (Processo 2010.71.50.027434-2). 
 
A questão última a ser analisada é a respeito da ‘prescrição’ de tal pretensão, na medida em 
que estamos diante de prestações sucessivas, o que poderia indicar um direito que se 
extingue em cinco anos, a partir da primeira parcela devida, sucessivamente, como a própria 
nomenclatura assim determina, o que faz com que sejam ajuizadas o quanto antes. 
 
Importante, ainda, destacar, que nas respectivas demandas envolvendo o direito dos Médicos 
Residentes ao auxílio moradia deve ser precedida de uma análise prévia do regulamento 
interno da residência junto ao hospital, na medida em que a Lei determina “conforme 
regulamento”, e a ausência desta análise pode levar a uma eventual extinção do processo 
ou, até mesmo, a improcedência do pedido. 
 
Ademais, a Lei também prevê a obrigatoriedade quanto ao fornecimento de alimentação, 
que normalmente é garantida no próprio ambiente hospitalar, mas vale a observação para 
que o Médico Residente verifique se a instituição está, igualmente, cumprindo tal obrigação. 
 
Podemos, portanto, concluir que: 
 
[i] Os médicos residentes possuem o direito a moradia, sob responsabilidade da 
instituição hospitalar/ensino, e não da União; 
[ii] Os respectivos regimentos devem ser analisados. Na ausência de regulamento 
a respeito, fica caracterizada a respectiva falha administrativa, surgindo o direito de 
ação. 
[iii] As instituições podem fornecer tanto in natura (local para residência) quanto 
em pecúnia, quando cobrado a posteriori. 
[iv] Não há um valor fixo. A Jurisprudência tem oscilado entre 20% e 30% do valor 
da bolsa de estudos; 
[v] O direito à moradia não é o mesmo que espaço para descanso médico durante 
os plantões. 
[vi] As ações podem ser ajuizadas durante a residência ou após o seu término. 
Entretanto, como são prestações sucessivas, mensais, há o risco da prescrição cinco 
anos após cada ano da residência. 
[vii] Trata-se de um direito previsto na Lei, independentemente da necessidade do 
Residente quanto a moradia. 
_______________ 
A presente análise/artigo é produzida para fins acadêmicos e 
profissionais. Pode ser reproduzido total ou parcialmente citando-se a 
fonte da seguinte forma: 
 
<https://osvaldosimonelli.com.br/blog/> Os ResidentesMédicos e o 
Auxílio Moradia. Autoria: Osvaldo Simonelli. Ed. Instituto Paulista de 
Direito Médico e da Saúde. São Paulo. Setembro 2021. 
 
 
 
i Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Público. 
Mestre em Ciências da Saúde. 
Especialista em Direito Médico e da Saúde. 
e-mail: contato@ipdms.com.br / Instagram: @osvaldo_simonelli / www.osvaldosimonelli.com.br 
Idealizador do Programa de Formação em Direito Médico e do Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde

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