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Breve históriaBreve históriaBreve históriaBreve históriaBreve história de Imperatrizde Imperatrizde Imperatrizde Imperatrizde Imperatriz Sergio Typewritten Text Author. Michael is an author. David is an american author. Breve históriaBreve históriaBreve históriaBreve históriaBreve história de Imperatrizde Imperatrizde Imperatrizde Imperatrizde Imperatriz Adalberto Franklin Série Ciências HumanasCiências HumanasCiências HumanasCiências HumanasCiências Humanas Volume 1 Copyright © 2005 by Adalberto Franklin Todos os direitos reservados Projeto gráfico: Ética Editora Coordenação editorial: Eduardo Franklin Adalberto Franklin Impressão: Ética Editora (Impressão digital) Dados de Catalogação na PublicaçãoDados de Catalogação na PublicaçãoDados de Catalogação na PublicaçãoDados de Catalogação na PublicaçãoDados de Catalogação na Publicação Franklin, Adalberto. 1962- Breve história de Imperatriz. / Adalberto Franklin. — Imperatriz, MA: Ética, 2005. 101 p. ; 18 cm; – (Série Ciências Humanas, v.1) ISBN 85-88172-20-7 1. Maranhão – História. 2. Pará – História. I. Franklin, Adalberto. II. Título. CDD 981.21 Depósito Legal na Biblioteca Nacional SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO 1 O território ....................................................... 11 2 O rio Tocantins ................................................ 19 3 Os aborígenes .................................................. 26 4 As frentes colonizadoras e as missões do Tocantins ....................................... 26 5 Procópio funda a nova Santa Teresa ............... 41 6 Sob o domínio do Maranhão ........................... 49 7 A Vila Nova da Imperatriz ................................ 54 8 A vida na Vila da Imperatriz ............................ 63 9 O Município de Imperatriz .............................. 71 10 À espera do desenvolvimento .......................... 75 11 A estrada para o Nordeste ............................... 81 12 A grande estrada do presidente Juscelino ....... 84 13 Francionamento do território ......................... 87 14 Economia ciclotímica ...................................... 90 15 Dados estatísticos de Imperatriz ..................... 95 Referências ...................................................... 97 7 ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação Este livro nasceu de uma brincadeira entre amigos. No final de uma reunião da Academia Imperatrizense de Letras, discutindo-se a rela- ção dos lançamentos previstos para a III Feira Imperatrizense do Livro, a ser realizada pela AIL dali a três semanas, o escritor Livaldo Fregona aproxima-se de mim e, em voz elevada, para que o também acadêmico Gilmar Pereira, a quem eu acabara de entregar uma prova de um dos seus livros a serem lançados nessa feira, também ouça. Fregona então provoca: – Eu não duvido que o Gilmar vá lançar esses livros na feira, mas aposto que ele somente os re- ceberá faltando um minuto para o lançamento. Sem demora, e com ironia, respondi: – Que nada!, tempo mais curto terei eu, que ainda vou escrever o livro que vou lançar. – E no mesmo momento dirigi-me ao presidente da Aca- demia, Luiz Carlos Porto, em voz alta, solicitando a inclusão de meu nome na relação dos que ti- nham livro para lançamento. 8 Até aí, era uma brincadeira, porém, encerra- da a reunião, pensei seriamente na provocação e perguntei a mim mesmo: – E por que não escrever um livro e publicá- lo no prazo de três semanas, mais de vinte dias? Convenci-me de que havia prazo e condições suficientes para a realização dessa inusitada ta- refa. Na reunião seguinte da AIL, uma semana depois, Livaldo retoma a brincadeira: – E daí, cadê o livro? – Ah!, desisti daquele, comecei a escrever ou- tro ontem – assegurei-lhe. Era verdade! Dirigi-me ao presidente da Casa e solicitei-lhe a mudança do tema e do título do livro informado na semana anterior. Agora seria Breve história de Imperatriz. O anterior, do qual já escrevera dois capítulos, deixei para outra oportu- nidade. Assim começou a história deste pequeno li- vro, que com brevidade trata de uma longa histó- ria. • • • Breve história de Imperatriz, no entanto, não é um trabalho improvisado, é uma obra científica. Contém ele, de forma abreviada, registros, anota- ções e conclusões de vinte anos de pesquisas rela- tivas à história, geografia, antropologia e etnologia 9 que empreendi sobre a região que este trabalho aborda, e que futuramente darão suporte a obra mais densa. O diminuto tempo havido para escrevê-lo, por certo, deve ter deixado lacunas, mas acredito que a escolha dos assuntos abordados tenha sido o essencial, o fundamental para a compreensão da história da povoação de Santa Teresa do Tocan- tins, fundada por Frei Manoel Procópio em 1852. Centenas de livros, relatórios, atas, discursos, documentos oficiais e anotações li sobre o tema nessas duas décadas, muitos destes em meu po- der, aos quais recorri neste curto período de nove dias nos quais este livro foi escrito. Por isso ele é permeado de citações de outros autores que trataram desse tema e mesmo de documentos primários não muito conhecidos ou até inéditos. Procurei neste trabalho dar mais ênfase ao período e circunstâncias que antecederam a fun- dação de Santa Teresa e aos primeiros tempos de colonização de seu território, por serem menos conhecidos e as poucas informações publicadas são às vezes controversas. Sobre o período a partir da construção da rodovia Belém-Brasília, existem diversas publicações acessíveis, como as locais de Edelvira Barros e a Enciclopédia de Imperatriz, coordenada por Edmilson Sanches. Minha intenção é que esta pequena obra sir- 10 va de motivação para um mergulho mais profun- do em direção ao conhecimento histórico sobre a região de Imperatriz e do sul do Maranhão. Sentir-me-ei gratificado em saber que estas breves palavras, acondicionadas em livro de pe- queno formato, auxiliaram alguém a compreen- der melhor o passado e o presente desta região, para que assim possa ajudar a projetar o seu fu- turo. O Autor 11 1 O TERRITÓRIOO TERRITÓRIOO TERRITÓRIOO TERRITÓRIOO TERRITÓRIO Apesar de o litoral maranhense ter recebido o interesse e a presença de exploradores europeus desde o final do século XVI, a parte sul do Mara- nhão somente foi colonizada a partir do final do século XVIII, quase duzentos anos depois da fun- dação de São Luís pelos franceses. Até a segunda metade do século XIX, o povo- amento do Maranhão se resumia à faixa litorânea e a algumas poucas vilas e povoados às margens dos rios Mearim, Pindaré e Itapecuru, sendo Al- deias Altas (atual Caxias) a vila que se localizada mais ao sul e também a mais distante da capital da Província. Havia completo desconhecimento sobre o vasto território ao sul, intensamente povoado pe- las temidas nações indígenas, em sua maioria tim- biras, que provocavam pavor aos habitantes das fazendas instaladas nas margens dos rios navegá- veis, distantes dos povoados e pouco protegidas militarmente. Os governos do Maranhão não haviam se in- teressado em explorar nem colonizar essa região. 12 Por isso não sabiam ao certo onde ficavam as nas- centes dos principais rios que desembocavam no litoral, nem em que latitude o rio Tocantins se parava o Maranhão de Goiás. Somente a partir do surgimento da povoa- ção de Pastos Bons, originada da entrada dos ses- meiros da Casa da Torre no território do Piauí, que afugentavam e aprisionavam índios para alargar as áreas de criação de gado, foi dado início ao pro- cesso de povoamento do sul do Maranhão. Depois de tomar as terras dos indígenas do sul do Piauí e instalar diversas fazendas, os ses- meiros e vaqueiros do senhor da Casa da Torre, sob o comando de Domingos Afonso Mafrense, também conhecido como Domingos Sertão, cru- zaram o Parnaíba e ocuparam as belas pastagens do lado maranhense, território a que denomina- ram “pastos bons”. A vila de Pastos Bons tornou-se o centro de irradiação do povoamento do sul da Província. Lá eram organizadas as “bandeiras”de guerra aos índios e as “entradas” para a ocupação da nova fronteira a ser colonizada. Instalaram novas fazendas e fizeram surgir, nas primeiras décadas do século XIX, as povoa- ções de Riachão, São Pedro de Alcântara (atual Carolina) e Chapada (hoje Grajaú). 13 O termo “sertão dos Pastos Bons” passou então a designar, de acordo com o major Francis- co de Paula Ribeiro, “todo o espaço que do último território de Caxias se descreve até as cabeceiras do rio Parnaíba, Balsas e Manoel Alves Grande” e “se limita com a capitania de Goiás pelas margens deste [rio Tocantins] e por uma parte também das do Turi até defronte da foz do Araguaia”. Os “sertões de Pastos Bons” compreendiam 14 todo o território maranhense abaixo de Caxias, em toda sua extensão leste-oeste, do Parnaíba ao Tu- riaçu. Fica patente que não se considerava o rio Gurupi como linha limítrofe entre Maranhão e Pará. Nesse período, a Corte de Lisboa encaminhou diversas cartas régias aos governadores do Mara- nhão exigindo a organização de expedições de re- conhecimento do rio Tocantins e estudos para sua navegabilidade desde Goiás até Belém, no que não foram atendidos. Somente em 1809, sob pressão de D. João VI, depois de a Corte ter se mudado para o Brasil, foi realizada oficialmente a primeira expedição de reconhecimento da região sul da Província, sob o comando do coronel Sebastião Gomes da Silva Belfort (ou Berford), no governo do capitão-ge- neral Francisco de Melo Manoel da Câmara. O roteiro da viagem de Belfort, que seguiu até o Rio de Janeiro, limitou-se a cruzar o Mara- nhão ladeando o rio Itapecuru e o Alpercatas, de- pois seguindo rumo à confluência do Manoel Al- ves Grande com o Tocantins, entrando daí em Goiás. Do território a leste, não colheu qualquer informação in loco. O “roteiro e mapa da viagem” que produziu para entregar ao Príncipe Regente, no Rio de Janeiro, apesar de ter merecido publica- ção na Imprensa Régia, no ano seguinte, não re- 15 fletia a vastidão deste desconhecido território nem do rio Tocantins. Coube a Francisco de Paula Ribeiro, em 1815, em seu “Roteiro da viagem que fez o capitão Fran- cisco de Paula Ribeiro às fronteiras da Capitania do Maranhão e da de Goiás”, escrever a primeira memória da região, quando foi designado como comissário da Província nas questões de limites entre Maranhão e Goiás, e depois, mais detalhada- mente, em 1819, quando elaborou a “Descrição do território de Pastos Bons”. O litígio territorial com Goiás se deu porque o comerciante goiano José Pinto de Magalhães – que em Belém vendia couro de gado e índios aprisio- nados e retornava com mercadorias de interesse dos sertanejos goianos – se impôs como “coman- dante” da nascente povoação de São Pedro de Al- cântara, onde fundou um porto e estabeleceu pacto com os índios macamecrãs (Krahô) para fazer guerra a outras tribos, a partir do que, em vista da inexistência de qualquer autoridade ma- ranhense na região, passou a proclamar estas ter- ras como de domínio da província vizinha, com o consentimento do governo de Goiás. Os limites entre as das províncias somente ficaram definidos em 1816, com intervenção do Príncipe Regente, depois de difíceis negociações, nas quais Paula Ribeiro foi o comissário represen- 16 tante do Maranhão. Esse mesmo conflito ressur- giu em 1834, tendo sido definitivamente resolvi- do somente em 1854, pela Câmara dos Deputa- dos, no Rio de Janeiro. Até 1852, o avanço da colonização sertaneja não havia conseguido ultrapassar o rio Farinha, afluente do Tocantins, abaixo de São Pedro de Al- cântara. O temor aos índios timbiras, especialmen- te aos Canelas, aos Gaviões e aos Krikatis, unidos contra os invasores, fez estacionar a marcha dos criadores de gado durante quase quarenta anos. Esse receio se fortaleceu a partir de 1815, depois que uma bandeira repressiva saiu de Pas- tos Bons para vingar a destruição do Porto da Cha- pada e a morte de seus habitantes pelos Sacame- crãs e Picobigês, resultando numa batalha em que os colonizadores foram derrotados em cima de uma montanha que ficou conhecida como “Ser- ra da Desordem”, Usando bordunas contra armas de fogo, os índios mataram 86 homens das tropas de Pastos Bons e os demais, sem munição, em- preenderam fuga. Com isso, a região abaixo do Farinha, onde dominavam os Canelas, a do alto Grajaú e Pinda- ré, habitada pelos Gaviões, e as margens do To- cantins, até a foz com o Araguaia, onde viviam os Krikati e haviam outras aldeias dos Gaviões, consti- tuíram-se em território de alto risco para os colo- 17 nizadores e viajantes do Tocantins até a fundação de Santa Teresa, atual cidade de Imperatriz. Esse temos é comprovado no relato do cien- tista francês Francis Castelnau, que em agosto de 1844 subiu o Tocantins a partir da foz do Araguaia e, entre os dias 24 e 25 cruzou o território onde oito anos mais tarde frei Manoel Procópio estabe- leceria a povoação de Santa Teresa. Em sua Expe- dição às regiões centrais do Brasil, ele diz: Instalamos o nosso acampamento na mar- gem esquerda do rio, por sabermos que, até Boa Vista [atual Tocantinópolis], havia perigo em ficar do lado oposto, por causa dos índios bravos que aí residem e são conhecidos pelo nome de Gaviões. [...] Mais de um pescador infeliz encontrou a morte sob suas flechadas, por ter querido apanhar algum peixe daquele lado. [...] A margem esquerda, pelo contrário, é habitada pela tribo pacífica dos Apinajés. Mais acima, e sempre na margem direita, acham- se os Caracatis, tribo perigosa [...]. As cachoeiras de Santo Antônio, acima, e as de Itaboca, abaixo, onde hoje se localiza a usina hidrelétrica de Tucuruí, lugares em que os nave- gantes tinham que retirar as cargas das embar- cações para ultrapassar as corredeiras e canais, 18 também se constituíam em dificuldades para o povoamento dessa área. A quase totalidade dos barcos que de Goiás desciam rumo ao Pará utili- zavam o Araguaia, melhor navegável que o Tocan- tins. Faziam esse trajeto pelo Tocantins, de ida e volta, geralmente os que partiam de Porto Real, a atual Porto Nacional. Protegidos pelos obstáculos naturais e pela valentia dos timbiras, o sudoeste maranhense foi, portanto, o último recanto nordestino de resis- tência à colonização sertaneja. EMBARCAÇÃO DO RIO TOCANTINS Embarcação típica do rio Tocantins no início do século XIX. Desenho do explorador inglês William John Burchell, feito às 6h30 do dia 10 de maio de 1829, próximo à embocadura do rio Farinha, início das “matas gerais’. 19 2 O RIO TOCANTINSO RIO TOCANTINSO RIO TOCANTINSO RIO TOCANTINSO RIO TOCANTINS O rio Tocantins foi o caminho pelo qual os colonizadores conseguiram alcançar e tomar pos- se das terras do cerrado e da pré-Amazônia, regi- ões conhecidas somente um século depois da che- gada de Cabral. Alguns historiadores apontam a última déca- da do século XVI como o período de descoberta das nascentes do Tocantins, por bandeirantes pau- listas, e creditam ao bandeirante Domingos Ro- drigues Velho o mérito de ser seu primeiro explo- rador, a partir a partir de suas nascentes. Pouco se sabe, porém, de suas descobertas. Há consenso entre os historiadores de que a primeira expedição a navegar o Tocantins rio aci- ma foi comandada pelo francês La Blanjartier, em 1610, pouco antes da fundação de São Luís (1612) e Belém (1616). La Blanjartier teria subido o To- cantins a partir de sua foz e alcançado a Serra dos Pacajás (Carajás), esbarrando nas cachoeiras e corredeiras de Itaboca, local de difícil passagem para embarcações. 20 Em 1613, Daniel de La Touche, o fundador de São Luís, chefiou uma grande expedição de reconhecimento do Tocantins. A partir da foz, essa expedição conseguiu ultrapassar as cachoeiras de Itaboca, já sob o comando de La Planque, e che- gar à confluência do Araguaia, onde se dividiu em duas: uma para subir e explorar o Araguaia, a ou- tra, o Tocantins. La Planque ficou no comando da expedição que subiu o Tocantins, uma viagem que teria du- rado nove meses. Resolvera ele permanecer nas margens do Tocantins, embusca de riquezas mi- nerais, e quando desejou retornar a São Luís sou- be da expulsão dos franceses do litoral maranhen- se, depois que Daniel de La Touche e seus homens haviam sido derrotados pelos portugueses na co- nhecida Batalha de Guaxenduba, em 1614. Com isso, La Planque se estabelecera entre os índios do Tocantins, com quem teria vivido durante 13 anos. Em dezembro de 1653, o padre Antônio Vi- eira, superior dos jesuítas no Maranhão, coman- dou uma grande expedição de catequese e explo- ração pelo rio Tocantins, a partir de Belém. Sua frota contava com vinte canoas e trezentos ho- mens – duzentos eram índios. Depois de subir 130 léguas e ultrapassar com dificuldades as ca- choeiras de Itaboca, o escritor dos Sermões se viu diante de uma trama montada pelo governador 21 do Pará, que não desejava a implantação da cate- quese jesuíta em seu Estado, por ser essa congre- gação contrária à escravização dos índios. Sem que Vieira soubesse, o governador mandara contra- ordem ao comandante militar da expedição para impedir as pretensões do sacerdote. Ao tomar co- nhecimento disso, decide então Vieira encerrar a expedição e voltar ao Maranhão. Outras importantes expedições de catequese e exploração do Tocantins foram realizadas até o final do século XIX, dentre as quais destacamos algumas. w Em 1719, o governador e capitão-general do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo, man- dou organizar uma expedição “com dez canoas armadas em guerra” com o fim de “descobrir o curso do rio Tocantins”, sob o comando do capi- tão Diogo Pinto de Gaia. O seu regimento deter- minava que ela deveria subir o Tocantins até a con- fluência com o Araguaia e daí continuar por este, coletando drogas e buscando minérios. Equivo- cadamente, Berredo acreditava que “segundo as melhores notícias, o rio Araguaia desemboca no reino do Peru, que é das Índias de Espanha”. w Em 1780, um grupo de comerciantes, com auxílio do governador do Pará, Tristão da Cunha Menezes, envia uma expedição para reconheci- mento do Tocantins até sua nascente, em Goiás. 22 w Em 1792, Thomaz de Souza Villa Real deu início a uma expedição de reconhecimento dos rios Vermelho, Araguaia e Tocantins, com finali- dade mercantil, desde Vila Boa, então capital de Goiás, até Belém.] w Em agosto de 1844, o conde Francis Cas- telnau, naturalista, empreendendo sua Expedição às regiões centrais da América do Sul, sobe o To- cantins em missão científica a partir do presídio de São João das Duas Barras, confluência com o Araguaia. Em suas anotações, faz interessante re- gistro sobre a navegação do Tocantins e as primei- ras habitações de colonos na região: Passaram [...] duas grandes embarcações que tinham subido o rio desde Belém, gastando nada menos de três meses em percorrer esse curto trajeto, o que poderá dar idéia dos obs- táculos que o rio oferece à navegação. A este gênero de embarcação dá-se no país o nome de botes. Têm elas a aparência de choças flu- tuantes e deslocam cerca de vinte toneladas; fazem sempre a viagem de Belém a Porto Imperial e sua tripulação é constituída geral- mente de vinte a trinta homens. Descem car- regados de couro de boi, que em Goiás valem aproximadamente dois francos e 50 cêntimos e alcançam oito francos no Pará. Esse trajeto é feito em vinte e cinco ou trinta dias, ao pas- so que a subida do rio demanda quatro ou cinco meses. 23 E st a ob ra f oi d is po ni bi liz ad a gr at ui ta m en te e m m ei o di gi ta l pe lo a ut or , pa ra f in s ed uc ac io na is , po de nd o se r re pr od uz id a pa rc ia l ou t ot al m en te , de sd e qu e m en ci on ad a a au to ri a e pr es er va do o c on te úd o. É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . Configuração do rio T ocantins [Exerto. 1795?] 24 w Em 1897, o geógrafo e naturalista francês Henri-Anatole Coudreau, contratado pelo gover- nador paraense Lauro Sodré, fez uma expedição científica pelos rios Tocantins e Araguaia que re- sultou no livro Voyage au Tocantins-Araguaya, publicado em Paris nesse mesmo ano. * * * Desde a expedição francesa de La Blanjar- tier, em 1610, até a construção da rodovia Be- lém-Brasília e da barragem de Tucuruí, apesar de suas perigosas cachoeiras e corredeiras, o rio Tocantins foi a principal estrada de ligação dos sertões e do cerrado brasileiro com a Amazônia. Por ele navegavam militares, religiosos, cientistas, comerciantes e exploradores, no cumprimento de suas missões públicas ou interesses privados. A professora e escritora sertaneja Carlota Car- valho, no livro O Sertão, avaliou que não fossem seus “obstáculos irremovíveis, Tauiri e Itaboca”, o Tocantins seria “um dos maiores rios do mundo, talvez o mais belo”, “o caminho preferido para importação de mercadoria manufaturada fora do país e para exportação das riquezas naturais do vasto sertão de Goiás, Mato Grosso e Maranhão grograficamente uno”. 25 Sobre o rio TSobre o rio TSobre o rio TSobre o rio TSobre o rio Tocantinsocantinsocantinsocantinsocantins O rio Tocantins nasce numa altitude aproxi- mada de 1.100 metros, na serra do Paranã, cerca de 60 quilômetros ao norte de Brasília, com o nome de rio Maranhão, tomando o nome de Tocantins após a confluência com o rio Paranã. Após um per- curso total de cerca de 2.400 quilômetros, desem- boca na baía de Marapatá (rio Pará), nas proximi- dades de Belém. As principais cidades banhadas pelo rio Tocan- tins são: No Tocantins: Porto Nacional, Miracema e Tocantinópolis; no Maranhão: Carolina, Estrei- to, Porto Franco e Imperatriz; no Pará: São João do Araguaia, Marabá, Tucuruí e Cametá. Afirma-se atualmente que o Governo Federal tem projetos para a construção de 40 usinas hi- drelétricas nas bacias nos rios Tocantins, onde já estão em pleno funcionamento as de Tucuruí, Ser- ra da Mesa, Lajeado e Cana Brava e uma está em construção (Peixe Angical); quatro em processo de licitação (São Salvador, Estreito, Santa Isabel e Couto Magalhães) e nove prontas para serem lici- tadas (Marabá, Serra Quebrada, Araguanã, Ipuei- ras, Tupiratins, Maranhão, Torixoréu, Novo Acordo e Mirador). Fontes: 1. Ministério dos Transportes [http://www.transportes.gov.br/ bit/hidro/detriotocantins.htm] 2. O mundo de Carolina [http://www.carolina.com.br/ int_desabafo.asp?id=10] 26 3 OS ABORÍGENESOS ABORÍGENESOS ABORÍGENESOS ABORÍGENESOS ABORÍGENES Na época do descobrimento do Brasil, os ín- dios tupis dominavam praticamente toda a costa brasileira. Seus diversos subgrupos, nos quais pre- dominavam os tupiniquins, os tupinambás, os tamoios e os caetés, viviam em permanente guer- ra entre si. Os potiguaras e os tupinambás eram os senhores de todo o litoral nordestino. Os sertões eram ocupados pelos “tapuias”. Esse termo designava os “povos do sertão” e de- mais grupos não falantes da língua tupi. Também designava os inimigos, os não-tupis. Nestes se in- cluíam as diversas nações timbiras que ocuparam as margens dos rios São Francisco, Parnaíba e To- cantins. Desde a segunda metade do século XVI, após a fundação de Salvador e instalação do forte de Tatuapara, onde se levantou a Casa da Torre, de Garcia d’Ávila, os tapuias passaram a ser persegui- dos e afugentados por bandeiras de apreamento e extinção, que visavam desocupar terras para a ins- talação de fazendas de gado. Os senhores da Casa da Torre – Garcia d’Ávila 27 e seus descendentes – patrocinaram por mais de duzentos anos as expedições de “entradas” e “ban- deiras” que devastaram os índios do sertão nor- destino, da Bahia ao Piauí, e formaram o maior latifúndioconhecido na história do Brasil. O seu poderio militar e econômico intimidava até a Cor- te portuguesa, de quem exigiam e obtinham con- cessões de sesmarias a cada favor concedido ao príncipe e governadores. Ocuparam o sul do Piauí e fundaram a vila da Mocha, que logo se transformou em Oeiras, primeira povoação e capital do Piauí. Extermina- ram e afugentaram índios, tomando para si todo aquele território. Muitas tribos remanescentes fugiram para o Maranhão, outras para o norte de Goiás, ao longo dos rios Itapecuru, Alpercatas, To- cantins e Manoel Alves Grande. Por volta de 1750, os sesmeiros e vaqueiros da Casa da Torre atravessaram o Parnaíba e funda- ram a povoação de Pastos Bons, que se tornou a primeira vila ao sul da Província do Maranhão e de onde partiram as primeiras bandeiras de conquis- ta e povoamento dos sertões maranhenses, esta- belecendo-se por isso uma nova frente de batalha entre colonizadores e aborígenes. Na primeira década do século XIX, quando se intensificou o processo de povoamento do sul do Maranhão, dezenas de nações indígenas habita- 28 vam este território, com predominância dos po- vos timbiras. O militar português Francisco de Paula Ri- beiro, que comandou o Destacamento Militar de Pastos Bons entre 1800 e 1823, e foi o primeiro historiador destas terras e gentes, em sua Memó- ria das nações gentias que presentemente habi- tam o continente do Maranhão, cita mais de quin- ze diferentes povos habitantes na região dos “sertões de Pastos Bons”, tais como os amanajós, angetgês, apinajés, augutgês, canaquetgês, capie- crãs, gamelas, guajajaras, macamecrãs, norocoa- gês, piocobgês (gaviões), poncatgê (krikatis), po- necras, purecamecrãs, sacamecrãs, tacamedus, xavantes e xerentes. GUERRILHA TAPUIA Gravura “Guerrilha”, do desenhista alemão Johann Moritz Rugendas, que fez uma “viagem pitoresca pelo Brasil” a partir de 1821 29 Relatos de outros estudiosos e viajantes apon- tam que o sudoeste maranhense, a partir da barra do rio Farinha até as matas do Gurupi; e das mar- gens do Tocantins até o Grajaú, era ocupado pelos índios Timbira, com destaque para os gaviões, poncatgês (designados também caracatigês e ca- racatis, depois krikatis) e canelas. Curt Nimuendaju, o mais conhecido etnólo- go do Brasil, que por volta de 1945 elaborou o trabalho que ficou conhecido como Mapa etno- histórico de Curt Nimuendaju, confirma a pre- sença dos krikatis e gaviões, na metade do século XIX, espalhados desde as nascentes do Pindaré até as margens do Tocantins. Em seu livro The eastern timbira, publicado em 1946 nos Estados Unidos, Nimuendaju cha- ma a atenção para o fato de que os krikatis foram muitas vezes confundidos com os gaviões (pico- bgês), o que explicaria o aparecimento tardio do termo “caracati” nas fontes históricas, e diz que esse erro foi cometido também por Paula Ribeiro, o que teria sido “o único erro que cometeu esse bom conhecedor dos antigos timbira”. A resistência desses índios, impedindo o avan- ço da colonização sertaneja oriunda de Pastos Bons até a metade do século XIX, tornou-os temidos e evitados até pelos navegadores do Tocantins. A destruição que provocaram na nascente povoa- 30 ção do Porto da Chapada (futura Grajaú), em 1813, e na colônia militar de Leopoldina, instala- da nas margens do alto Grajaú pelo governo do Maranhão, em 1817, para pacificá-los, concorreu para desencorajar as investidas dos colonizadores por muitos anos. Com isso, as “matas gerais” – ter- mo com que se designava o território a oeste, ocu- pado pelos timbiras – tornou-se o último reduto indígena do nordeste não alcançado pelos vaquei- ros e fazendeiros que, a partir do século XVI, devas- saram e ocuparam os sertões nordestinos. Mais amedrontados ficaram os colonizado- res, ainda, depois da fragorosa derrota imposta pelos timbiras a uma bandeira de Pastos Bons, no dia 28 de junho de 1813, no lugar que ficou co- nhecido como “Serra da Desordem”. Esse fato é assim nararado em O Sertão, de Carlota Carvalho: Derrubados pelas balas, arremessadas em inces- sante fuzilar, passando sobre seus mortos e feridos e avançando sempre, os timbiras entraram em meio dos bandeirantes e se apoderaram da carga de mu- nições sem saber o que tomavam. [...] Mortos a tacape ficaram 86 bandeirantes em cima da serra. [...] Os que escaparam levaram a Pastos Bons a notícia da “desordem acontecida”. Tratando da ribeira do Grajaú, na sua Descri- ção do Território de Pastos Bons, datada de 1819, Paula Ribeiro assevera que esta região 31 [...] fica cercada de muitas povoações timbiras, que a hostilizam, especialmente os piocobgês, sendo estes aqueles que mais cruelmente a tem persegui- do, não só obstando o aumento de sua população, mas diminuindo-lhe aquela que já está promovida. Do outro lado do rio, terras goianas, ao longo de toda a margem do Tocantins, desde Boa Vista (Tocantinópolis) até a confluência com o Ara- guaia, habitavam os pacíficos Apinajés, que desde o início do século XIX mantinham bom relaciona- mento com navegantes e colonizadores, chegan- do a permitir até o estabelecimento de alguns em suas terras. 32 4 AAAAAS FRENTES COLS FRENTES COLS FRENTES COLS FRENTES COLS FRENTES COLONIZADORONIZADORONIZADORONIZADORONIZADORAAAAASSSSS E AE AE AE AE AS MISSÕES DO TOCANTINSS MISSÕES DO TOCANTINSS MISSÕES DO TOCANTINSS MISSÕES DO TOCANTINSS MISSÕES DO TOCANTINS Na primeira metade do século XIX, quatro frentes colonizadoras avançavam em direção à pré- Amazônia maranhense: 1.A frente pastoril nordestina, originária das entradas e bandeiras da Casa da Torre, que a partir da vila de Pastos Bons ocupou o sul do Maranhão, tendo sido forçada a estacionar antes das mar- gens do rio Farinha, na povoação de São Pedro de Alcantara, pelos índios timbiras. 2.A frente de expansão litorânea, patroci- nada pelo governo do Maranhão para a conquis- ta e povoamento do seu território, que avançava lentamente pelas margens dos rios melhores na- vegáveis, como o Itapecuru, o Mearim, o Pindaré e o Grajaú. 3.A frente de ocupação goiana, de interes- ses mercantis, que se dava a partir de Vila Boa de Goiás, capital da Província, Natividade e Porto Imperial, buscando a exploração mineral, a cria- ção de gado e o comércio com o Pará, através dos rios Araguaia e Tocantins. Chegou a tomar posse 33 de uma parcela do território maranhense, atra- vés do domínio de São Pedro de Alcantara (Caro- lina), tendo depois em Boa Vista (Tocantinópolis) a sua povoação mais ao norte. 4.A frente colonizadora do Pará, que des- de o século XVII avançava ao longo das margens do rio Tocantins, até sua confluência com o Ara- guaia, instalando missões religiosas para cateque- se dos índios, fortificações militares e povoados, para apoio à difícil navegação desse rio. As “matas gerais” da pré-Amazônia, porém, continuavam inacessíveis, sob a proteção dos tim- biras. Mais de 300 quilômetros das margens do Tocantins, do lado maranhense, desde os últimos currais da ribeira do Farinha até a confluência com o Araguaia, divisa com o Pará, tinham como habi- tantes apenas os índios. A Província do Pará tinha um interesse es- pecial pelo melhoramento da navegação do To- cantins, o que lhe favoreceria no comércio com Goiás, na exploração das desconhecidas riquezas de suas margens e na posse definitiva da região, através da instalação de missões religiosas e mi- litares para aldeamento e pacificação dos índios, dando com isso segurança aos navegantes e aos empreendimentos governamentais. Desde a metade do século XVIII, o governo do Pará apelava à Corte portuguesa pedindo que 34 fosse incentivada a navegação do Tocantins. Os governos do Maranhão, sem qualquer plano de ocupação da região do Tocantins, não via interes- se em sua exploração; acreditavam que isso traria mais vantagens ao Pará que ao Maranhão. Mesmo assim, em 1755, o governador e capitão-general do Maranhão, Gonçalo Pereira Lobato de Souza, encaminhou carta ao rei João I solicitando a orga- nização de expedições aos rios Mearim, Grajaú, Tocantins e Itapecuru e o aldeamentodos índios encontrados. Em 1798, o então príncipe regente de Portu- gal, do João, futuro dom João VI, determinou em carta régia que o então governador do Maranhão, dom Fernando Antônio de Noronha, cumprisse um plano de navegação do rio Tocantins propos- to pelo governador do Grão-Pará, dom Francisco de Souza Coutinho, para a navegação dos rios To- cantins e Araguaia. Essa determinação, e outras posteriores, nesse sentido, não foram cumpridas. Em 1840, através da Lei Provincial n.º 76, de 2 de outubro, a Província do Pará criou cinco mis- sões, uma delas a de São João do Araguaia, na con- fluência dos rios Araguaia e Tocantins, fronteira com o Maranhão. Em 1844, em discruso à Assembléia Provin- cial, o presidente da Província do Pará, desembar- 35 gador Manoel Paranhos da Silva Vellozo, infor- mou que a missão de São João do Araguaia ain- da não tinha missionário designado e revelou sua pretensão de estabelecer uma missão no Reman- são, nas proximidades das cachoeiras de Itaboca. Na confluência do Tocantins com o Araguaia já funcionava, desde 1797, um registro para cobran- ça de impostos e o forte de São João das Duas Barras. O melhoramento da navegação do Tocantins vinha recebendo largo apoio do governo imperial, que em 1844 chegou a nomear um engenheiro para “fazer a exploração das cachoeiras e indicar os meios de melhorar nelas a navegação”. Che- gando à vila de Baião, porém, o engenheiro adoe- ce e pede exoneração dessa comissão. Empossado na presidência da Província do Pará em 5 de agosto de 1848, o conselheiro do Império Jerônimo Francisco Coelho, militar cata- rinense, atendendo à meta provincial, deu conti- nuidade às tentativas de redução das dificuldades de navegação do Tocantins e estabelecimento de missões militares e religiosas em suas margens. Assim, nesse mesmo ano, tratou de provinden- ciar a instalaçõa da missão de Itaboca, anunciada em 1844. À falta de missionários experientes no trato com os indígenas, o presidente da Província do 36 Pará contratou o carmelita baiano frei Manoel Procópio do Coração de Maria, que se deslocou para o Pará especialmente para essa missão. Em 29 de janeiro de 1849, o conselheiro Je- rônimo Francisco Coelho recebeu um aviso im- perial incumbido-o de “remover aqueles obstá- culos impostos pela natureza à livre navegação e comércio do Tocantins”, motivo por que “prepa- rou logo uma expedição encarregada de fundar uma colônia militar no centro das cachoeiras, a qual teria o nome de Santa Teresa”. De acordo com o relatório do secretário da Província do Pará, Francisco Paraibuna dos Reis, publicado em 1864, o presidente do Pará Confiou a execução de seu plano ao tenente-coro- nel reformado Ayres Carneiro, reputado como um dos militares paraenses de maior capacidade para desempenhar tão importante comissão. Este hon- rado oficial, porém, por falta de conhecimento das condições do rio, escolhendo o local Remansão para assento da colônia, condenou, sem o prever, o nas- cente estabelecimento a uma próxima destruição. A expedição organizada por Jerônimo Fran- cisco Coelho, composta por onze embarcações e muitos colonos, deixou o porto de Belém no dia 26 de junho de 1849 sob o comando do tenente- coronel João Roberto Ayres Carneiro, tendo como 37 capelão Frei Manoel Procópio do Coração de Ma- ria, jovem frade da Ordem do Carmo, então com 35 anos, experiente na lida com tribos indígenas. Três meses depois da partida dessa expedi- ção, o próprio presidente da Província do Pará, em fala à Assembléia Legislativa Provincial, no dia 1.º de outubro, deu detalhes sobre essa por ele denominada “Missão do Alto Tocantins”. Adjunto à comitiva, que em junho deste ano partiu para o Tocantins superior, a fundar a colônia mili- tar de Santa Teresa, e de que tratarei em lugar próprio, foi o missionário religioso carmelita Frei Manoel Procópio do Coração de Maria, conventual da Província da Bahia, e que a rogo meu ao Exmo. Arcebispo metropolitano, veio para este fim espe- cial. Vai ele incumbido de missionar e aldear onde for mais conveniente, e segundo a oportunidade das circunstâncias, as tribos que habitam não só as margens do Tocantins, mas as do seu confluente Araguaia, até onde chegam as extremas da Provín- cia com a de Goiás. A determinação, em obediência ao aviso im- perial, portanto, era de “estabelecer um presídio e colônia militar perto da cachoeira de Itaboca, a mais difícil e perigosa” do rio Tocantins. Logo acima das primeiras corredeiras de Ita- boca, no Remansão, mesma região em que, em 1653, o padre Antônio Vieira paralisou e encer- 38 rou sua expedição pelo Tocantins, Ayres Carneiro e frei Manoel Procópio instalaram a “Colônia Mili- tar de Santa Teresa”. Em seu relatório, Paraibuna dos Reis deta- lhou as circunstâncias em que a expedição ali se instalou: Estava-se então em outubro, época em que o Tocantins apresenta o aspecto mais encanta- dor e aprazível. A beleza das margens, a abun- dância da caça, de peixes e de frutas, a altura e a fertilidade do terreno, a excelência das águas, a situação no centro das cachoeiras e o espetáculo grandioso das cataratas, tudo in- dicava que aquele lugar reunia ao feliz con- curso dessas circunstâncias a mais perfeita salubridade. Sabe-se qual foi o triste resultado dessa agra- dável perspectiva: com a entrada do inverno, a ilusão dissipou-se e a realidade apareceu ter- rivelmente. A caça, o peixe, a beleza, a salu- bridade, tudo desapareceu; e a peste afugentou dali os que a morte ainda havia poupado. Pouco tempo, portanto, existiu a Colônia Mi- litar de Santa Teresa fundada por Ayres Carneiro e frei Manoel Procópio. O presidente da Província foi informado desse insucesso, no qual morre- ram muitos colonos que acompanharam a expe- dição. 39 Nesse período, Jerônimo Francisco Coelho adoece e solicita ao governo do Império sua exo- neração. No relatório entregue na posse do seu sucessor, Fausto Augusto d’Aguiar, ele trata dessa expedição dizendo que O religioso carmelita Frei Manoel Procópio do Coração de Maria, tendo partido desta capital com a comitiva que foi fundar a Colônia Mili- tar de Santa Teresa seguiu, depois da extinção desta, para o presídio de São João do Araguaia, destinando-se a catequisar os índios que vivem nas margens do Tocantins e Araguaia. As famílias dos colonos remanescentes da extinta colônia foram levadas para Belém, de onde seguiram no brigue Niterói para a Colônia do Ara- guari, novo local para onde foram encaminhados pelo governo. Algumas destas, por ordem do pre- sidente do Pará, seguiram com o tenente Cons- tâncio Dias Martins, o frei Manoel Procópio e al- guns soldados “para fundar uma nova colônia em São João do Araguaia”, onde já existia o presídio e registro de São João das Duas Barras. Essa nova colônia, segundo o mesmo relató- rio, encontrou “mais felicidade”: “até as últimas notícias não havia experimentado as contrarieda- des com que teve de lutar na Itaboca e às quais sucumbira”. Contava então ela com “57 colonos de ambos os sexos, os quais se empregam na cul- tura de mandioca e outros gêneros”. 40 TRÍPLICE FRONTEIRA (MA/PA/GO) Produzido a partir de recorte do “Mapa Orográfico Brasileiro”, carta desenhada por Cândido de Souza Bispo sob a direção de Carlota Carvalho 41 5 PROCÓPIO FUNDAPROCÓPIO FUNDAPROCÓPIO FUNDAPROCÓPIO FUNDAPROCÓPIO FUNDA A NOVA NOVA NOVA NOVA NOVA SANTA SANTA SANTA SANTA SANTA TERESAA TERESAA TERESAA TERESAA TERESA A partir da Colônia de São João do Araguaia, na confluência com o rio Tocantins, divisa tríplice das províncias do Pará, Goiás e Maranhão, frei Manoel Procópio dá início, em 1850, aos contatos com os índios da região, buscando aldeá-los de acordo com o termo firmado com o governo do Pará. Primeiramente, buscou ele contato com os apinajés, que habitavam a margem esquerda do Tocantins, território de Goiás, desde a povoação de Boa Vista até a confluência com o Araguaia, considerados pacíficos pelos muitos navegadores que os contataram. Estranhamente, o carmelita não tem sucesso com estes, que, pouco depois deaceitarem se aldear, rebelam-se e retornam às matas. Frei Manoel Procópio inicia então contatos com os temidos caracatis (krikatis) e gaviões, ha- bitantes da margem direita do Tocantins, em ter- ritório ainda indefinido se maranhense ou para- ense. 42 Com estes, surpreeendemente, o frade con- seguiu estabelecer relações de amizade, depois de visitar suas aldeias. Ganhou a confiança e a pro- messa dos tuxauas, os chefes das tribos, de se al- dearem sob sua direção. Frei Manoel Procópio es- colheu, então, o lugar denominado “Campo dos Frades” (atual povoado de Frades, nas margens do rio Tocantins, agora município de Cidelândia), que achou mais apropriado para esse estabeleci- mento, e, também, por se situar próximo da Colô- nia de São João do Araguaia. Só a tribo dos gaviões teria “perto de mil almas”, de acordo com a esti- mativa do próprio missionário. Apesar da dedicação e esforços do frei Ma- noel Procópio, ressaltados em diversos relatórios dos presidentes da Província do Pará, o aldeamen- to dos índios do Araguaia-Tocantins se mostrava de difícil consolidação. Em relatório apresentado ao seu sucessor na presidência da Província do Pará, José Joaquim da Cunha, dia 20 de agosto de 1852, o comendador Fausto Augusto d’Aguiar relata que A missão do Alto Tocantins não tem produzi- do resultados satisfatórios. Creio no zelo do religioso, que dela está incumbido; mas infe- lizmente os índios que habitam essa parte da província e cujas principais tribos são as dos apinajés, caracatis, caracatigês e gaviões, aferra- 43 dos aos hábitos da vida erradia, têm resistido aos seus esforços. Por vezes tem ele conseguido persuadir algumas dessas tribos a estabelece- rem-se as aldeias, mas pouco depois as abando- naram, regressando para o estado que ante- riormente se achavam. É de esperar, porém, que a insistência por mais tempo no emprego de meios brandos vença essas dificuldades com que se luta. Foi exatamente a persistência do frei Manoel Procópio que manteve de pé sua missão e a exis- tência da Colônia de São João do Araguaia, num período em que se reduziam as demais mantidas pelo governo do Pará, sobretudo depois da desa- nexação do Amazonas, ocorrida nesse período. Os caracatis, temidos pelos navegantes do rio Tocantins e pelos vaqueiros e bandeirantes dos Pastos Bons, a quem fizeram estacionar além das margens do Farinha por quase quarenta anos, renderam-se ao carmelita baiano. Submeteram- se ao aldeamento e direção de frei Manoel Pro- cópio. Em vista desse sucesso, no verão de 1852, o frade carmelita resolve refundar a sua Colônia de Santa Teresa, agora na margem direita do Tocan- tins, acima do aldeamento de Frades, local mais salubre que São João do Araguaia, por ele já co- nhecido e escolhido, onde ficaria mais próximo de Frades e dos aldeamentos que pretendia esta- belecer entre as cachoeiras de Santo Antônio e a 44 confluência do Araguaia, área até então conside- rada de domínio da Província do Pará. Assim, no dia 16 de julho de 1852, quando o rio Tocantins se mostrava com todo seu explen- dor, as praias e as margens se apresentavam exu- berantes, frei Manoel Procópio aportou ao lado da confluência com o riacho Cacau, local que imagi- nou livre das águas durante o período invernoso. Com ele seguiam os colonos Juvenal Simões de Abreu e Zacarias Fernandes da Silva e suas famí- lias, além de quatro soldados, todos estes recruta- dos na Colônia de São João do Araguaia, da qual o religioso era capelão. A chegada do inverno, que nas grandes chei- as represa o riacho Cacau e inunda todo o o cam- po escolhido por frei Manoel Procópio, demons- trou que a escolha não tinha sido adequada. A nascente povoação foi então mudada para outro local, pouco abaixo, nas ribanceiras que compre- endem hoje a Praça da Meteorologia e suas imedi- ações. Ali, o missionário logo construiu uma ca- pela em honra a Santa Teresa d’Ávila, santa espanhola de quem carregava uma imagem e a quem deu o patronato da missão. Assim se fundou e estabeleceu a povoação de Santa Teresa, denominada também de Santa Te- resa do Tocantins e Colonia de Santa Teresa. 45 Exímio no trato com os indígenas, frei Ma- noel Procópio tratou logo de expandir seus conta- tos com as demais tribos da região. No mesmo ano, contatou com os índios das proximidades da barra do Farinha, que viviam em permanente con- flito com os fazendeiros de Carolina, e conven- ceu-os a se aldearem sob sua direção. Da região do Farinha, o frade fez descer 302 indígenas para as proximidades de Santa Teresa, e, em seguida, mais 500 dos sertões. A isso fez referência, no dia 15 de agosto de 1854, o conselheiro Sebastião do Rego Barros, pre- sidente da Província do Pará, em fala à Assembléia Legislativa Provincial: O missionário de Santa Teresa do Tocantins, que é um dos poucos dignos desse nome, comuni- cou-se em fins do ano passado que nessa ocasião haviam descido do sertão para a sua missão 500 indígenas, em consequência do que, e a seu pedido, mandei remeter-lhe novos objetos de fer- ramentas para lhes serem distribuídas, e ultima- mente participa haver reunido aí mais 302 da tribo cracati. Duas aldeias dos caracatis foram estabeleci- das nas proximidades de Santa Teresa, uma rio acima, nas proximidades da embocadura do Ca- cau, outra abaixo, cerca de uma légua da povoa- 46 ção. Os que desceram do Farinha teriam sido leva- dos para as proximidades de Barra do Corda. A convivência entre os colonizadores e os in- dígenas, apesar do zelo e esforços de frei Manoel Procópio, em pouco tempo se deteriorou. As fa- zendas foram ocupando cada vez mais as matas e tomando o território antes livre dos timbiras, nas- cendo daí conflitos que perduraram durante dé- cadas. O frade, que não se desligara do contrato com o governo do Pará, a ele prestava contas e recorria nos momentos de dificuldades, como demonstra o mesmo conselheiro Sebastião do Rego Barros em exposição feita em 1855: Ultimamente tive participação de que à missão de Santa Teresa do Tocantins haviam descido uns 8000 indígenas da tribo “gaviões” e que a requisição do respectivo missionário, que manifestara receios, tinha ido lá com algumas praças, das quais dei- xou algumas o comandante do destacamento de S. João do Araguaia. O dito missionário, por oca- sião dessa mesma descida, representou-me sobre a necessidade de se criar ali um distrito de Paz e de subdelegacia de Polícia, bem como de um des- tacamento mais forte; reconhecendo fundamen- tos nesse pedido, não pude anuir à ultima parte dele à vista da pouca força de linha de que hoje dispõe a Província; no entretanto consultei-lhe-o sobre pessoa que pudesse ser nomeada subdele- gado na intenção de criar o distrito de Polícia, e resolver posteriormente sobre o de Paz. 47 Ressalta-se que o documento grafa 8.000 in- dígenas, o que deve ser erro tipográfico; provavel- mente desejava-se grafar 800 índios, que é o nu- mero aproximado dos que desceram para o Campo dos Frades. Mesmo afirmando reconhecer os “funda- mentos nesse pedido”, o governo do Pará não atendeu ao rogo de frei Manoel Procópio, “à vista da pouca força de linha de que hoje dispõe a Pro- víncia”. Com isso, o frade recorreu às autoridades do Maranhão, através do juiz de Direito de Caroli- na, pedindo socorro diante das ameaças dos indí- genas, conforme informou em 1856 à Assembléia Legislativa o presidente da Província do Maranhão, Antônio Cândido da Cruz Machado: O missionário da nova missão de Santa Teresa [...] recorreu ao juiz de Direito da Comarca da Carolina pedindo força e proteção por causa das ameaças e depredações de gado que cotidianamente eram fei- tas, segundo sua frase, por mil arcos que circun- dam a missão. 48 E st a ob ra f oi d is po ni bi liz ad a gr at ui ta m en te e m m ei o di gi ta l pe lo a ut or , pa ra f in s ed uc ac io na is , po de nd o se r re pr od uz id a pa rc ia l ou t ot al m en te , de sd e qu e m en ci on ad a a au to ri a e pr es er va do o c on te úd o. Ép ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . É p ro ib id a s u a re p ro d u ç ã o p a ra fi n s c o m e rc ia is . FRONTEIRAS DO MARANHÃO, 1821 Excerto da “Nova Carta do Brazil e da América Portuguesa’, de Alphonse de Beauchamp, em que os limites do Maranhão e Pará se dão no rio Turiaçu 49 6 SOB O DOMÍNIOSOB O DOMÍNIOSOB O DOMÍNIOSOB O DOMÍNIOSOB O DOMÍNIO DO MARDO MARDO MARDO MARDO MARANHÃOANHÃOANHÃOANHÃOANHÃO Com a extinção e divisão do Estado do Mara- nhão e Grão Pará, pelo Decreto Real de 20 de agos- to de 1772, coube ao então governador do Pará, João Pereira Caldas, definir a linha divisória entre as duas capitanias, e ele a estabeleceu pelo rio Tu- riaçu. Em seu Compêndio das eras da Província do Pará, editado em 1838, registrou Antônio La- dislau Monteiro Baena que Em virtude dessa determinação ele designa o rio Turiaçu para linha de demarcação dos respecti- vos territórios do Pará e Maranhão; devendo-se entender isso meramente quanto ao governo se- cular, pois que no pertencente ao eclesiástico toca ao monarca depois de informado legitimar a linha divisória do bispado pelo rio Gurupi lança- da em provisão de dois de maio de 1758 pelo bispo dom frei Miguel de Bulhões. E que do lado da Capitania de Goiás termina o território civil do Pará na cachoeira nominada “O Seco do Curuá”, que marca a separação das duas capitanias, e que jaz entre a cachoeira de Santo Antônio e as Três Barras formada por duas ilhas; mas que a 50 Diocese passava além, e compreendia o distrito da freguesia da Natividade nas Minas de São Félix. Até a metade do século XIX, então, era con- senso que divisa do Maranhão com o Pará, no rio Tocantins, se dava nas cachoeiras de Santo Antô- nio, enquanto no sentido leste-oeste o limite era o rio Turiaçu. A faixa, portanto, entre o Turiaçu e o Gurupi seria território paraense, o mesmo se dando entre as cachoeiras de Santo Antônio e a confluência do Tocantins com o Araguaia. Quando estabeleceu a nova povoação de Santa Teresa, sem saber, frei Manoel Procópio estava em terras maranhenses, porque, um mês antes, no dia 12 de junho de 1852, o Decreto Imperial n.o 639 havia designado o rio Gurupi como novo limite entre Pará e Maranhão. Definidos esses limites, em julho de 1854 a Assembléia Provincial do Maranhão aprovou uma lei determinando “o levantamento das cartas hi- drográficas dos principais rios navegáveis da pro- víncia”, com recomendação especial para a explo- ração do Tocantins, no trecho entre a cachoeira de Santo Antônio e São João do Araguaia, onde já estava fincada a povoação de Santa Teresa. Na exploração do Tocantins, além de outras cir- cunstâncias, que depois se mencionarão, veri- ficará o engenheiro quais sejam as ilhas, que 51 ficam mais próximas à margem direita deste rio, e que na conformidade da Lei de 23 de agosto, deverá pertencer à Província do Mara- nhão; assim como o lugar mais próprio, abaixo da cachoeira de Santo Antônio, para o assenta- mento de um presídio, que sirva de ponto de escala às embarcações que navegarem da Caroli- na para o Araguaia. O texto acima deixa patente que até então o governo do Maranhão demonstrava não ter qual- quer conhecimento da existência da nova povoa- ção de Santa Teresa, fundada na margem direita do Tocantins. Os registros fazem supor que so- mente em 1855, após o apelo de frei Manoel Pro- cópio ao governo da Província, através do juiz de Carolina, foi que a povoação ficou conhecida em São Luís. O Decreto n.o 773, de 23 de agosto de 1854, havia estabelecido os limites entre Maranhão e Goiás, alargando o território maranhense até São João do Araguaia. Em seu relatório apresentado em 1856 à Assembléia Legislativa do Maranhão, o presidente da Província, Cruz Machado, detalhou que Pelo Decreto n.o 773, de 23 de agosto de 1854, que marcou os limites entre esta e a Província de Goiás, foram ainda eles entre esta e a do Pará fixados do ponto da confluência do Araguaia no Tocantins, no presídio de São João do Araguaia, 52 até encontrar as vertentes setentrionais do rio Gurupi. Dantes, o espaço que se compreendia entre o mencionado ponto e a cachoeira de Santo Antô- nio pertencia à Província do Pará, que ali se limitava com a de Goiás; não obstante isso, os limites da Diocese do Maranhão por aquele lado foram sempre os que ultimamente se deram à Província; o bispado do Pará, portanto, termi- nava na margem direita do Tocantins no ponto fronteiro ao presídio, e por este até a sua foz no oceano, em conformidade com o disposto na provisão de 2 de maio de 1758. Como, porém, este território, ultimamente in- corporado à província do Maranhão pertencia à do Pará, a presidência desta determinou que para ele se transferisse a missão de Santa Tere- sa, que, não obstante estar compreendida no território da jurisdição da Diocese do Maranhão, recusou prestar-lhe obediência. Tendo sido criada a freguesia do Senhor do Bon- fim da Chapada pela Lei Provincial de 8 de maio de 1835, esse território da diocese, mas não ainda da província, foi unido à provisão do respectivo pároco pelo Revdmo. Bispo Dom Marcos Antônio de Souza. Esta questão, depois que o Revdmo. Bispo do Pará, a quem se dirigiu o do Maranhão, decla- rou ao missionário quais eram as raias da sua diocese, deve se considerar ultimada. O missionário da nova missão de Santa Teresa, depois que se recolheu ao presídio de São João do Araguaia o destacamento, que nela existia 53 por parte da província do Pará, em consequên- cia da desanexação desse território, que, con- quanto esteja incorporado ao município da Ca- rolina, em virtude da Lei Provincial n.o 398, de 21 de julho do ano passado, nem por isso deixou de pertencer, como dantes, à jurisdição do páro- co da Chapada, desde a cachoeira de Santo Antô- nio e Serra da Desordem até as raias do Pará, recorreu ao juiz de Direito da Comarca da Caro- lina pedindo força e proteção por causa das ame- aças e depredações de gado que, quotidiana- mente eram feitas, segundo a sua frase, por mil arcos que circundam a missão, como o dito juiz acaba de trazer ao conhecimento da presidên- cia. [...] A perte deste extenso território, que de- mora entre a Serra da Desordem e o rio Gurupi, está ocupada por criadores que ali estabelece- ram suas fazendas, distante 50 e mais léguas da vila e sede da freguesia da Chapada. Desta forma, a missão paraense de Santa Te- resa do Tocantins transformou-se em povoação maranhense, retornando os militares daquela pro- víncia a São João do Araguaia, à qual, mesmo resi- dindo em Santa Teresa, permaneceu ligado frei Manoel Procópio. 54 7 A VILA NOVA VILA NOVA VILA NOVA VILA NOVA VILA NOVAAAAA DA IMPERDA IMPERDA IMPERDA IMPERDA IMPERAAAAATRIZTRIZTRIZTRIZTRIZ A povoação de Santa Teresa crescia rapida- mente. Fazendeiros do Grajaú, do Riachão e de Carolina logo se estabeleceram nesse território de muitas matas, rios, riachos e vegetação mais con- sistente, as “matas gerais” durante muitos anos cobiçadas. Menos de dez anos depois da chegada de frei Manoel Procópio, já havia grandes fazendas de gado e muitos milhares de bovinos. A prosperida- de econômica dos fazendeiros e colonos se mos- trava surpreendente e propícia, em vista das facili- dades de comércio através do grande rio, por onde freqüentemente desciam os botes de Goiás. Ainda em 1856, antes de assumir a povoação de Santa Teresa, o presidente da Província do Ma- ranhão, Antônio Cândido da Cruz Machado, ates- ta em seu relatório à Assembléia que Pertence a esta província a parte da margem oriental deste rio desde a foz do Manoel Alves Grande até o ponto fronteiro ao presídio de 55 São João do Araguaia, e por ele descem para o Pará os barcos denominadosbotes, que vêm carregados de mercadorias do lugar do Peixe e vilas da Palma e Porto Imperial, da Província de Goiás, e os que partem da vila da Carolina e da Boa Vista, situada na margem ocidental. O relatório de Francisco Carlos de Araújo Brus- que, apresentado à Assembléia do Pará em 1862, também atesta esse movimento: A descida regular de botes de Goiás é de 25 por ano. Cada bote acompanha de 10 a 24 remos, conforme a lotação, e trazem piloto. Não usam velas; toda a viagem na descida é feita a remos, e à mercê da corrente; e na subida é feito a remos, vara, cirga, ganchos etc. O piloto ganha de 100 a 300$000 réis por viagem redonda; o proeiro 70 a 80$000 réis, os remeiros 40 a 60$000 cada um. A carga na descida é somente de couros secos e espicha- dos, e na subida conduzem sal, louça, ferra- gens, fazendas e líquidos. O governo do Pará e os comerciantes de Be- lém, que mantiveram permanentes contatos com os moradores de Santa Teresa, procuraram viabi- lizar o comércio e o transporte de gado de Santa Teresa para Belém, que se transformara numa grande metrópole nas duas décadas seguintes ao sangrento período da Revolta dos Cabanos. 56 O Pará não produzia carne suficiente para a demanda de Belém, e sua principal fonte de abas- tecimento, a ilha de Marajó, não conseguia supri- la. Por isso, aquela província tinha interesse de fi- nanciar a construção de uma estrada que partisse de Goiás, atravessasse o município de Carolina e a povoação de Santa Teresa, até chegar a um ponto navegável do rio Capim, de onde se chegaria com facilidade a Belém sem os inconvenientes das ca- choeiras do Tocantins. Através dela, seria trans- portado o gado necessário ao abastecimento de Belém. Ao tomar conhecimento, por volta de 1855, da nova e exitosa povoação em seu território, o governo do Maranhão viu contemplado um pro- jeto que acalentava desde 1854, quando a Assem- bléia aprovara a instalação de “um presídio que sirva de ponto de escala às embarcações que na- vegarem da Carolina para o Araguaia”, no “lugar mais próprio abaixo da cachoeira de Santo Antô- nio”. A Assembléia do Maranhão aprovou, assim, a Lei Provincial nº 398, de 27 de agosto de 1856, que criou a “Vila Nova da Imperatriz”, sancionada pelo barão de Coroatá, Manuel Gomes da Silva Belfort, então presidente da Assembléia. A localização da nova vila maranhense, de ter- minada pelo art. 1º dessa lei, foi motivo de muitas controvérsias e acirradas disputas políticas: 57 Art. 1º. Fica criada a Vila Nova da Imperatriz sobre a margem direita do rio Tocantins, no sítio que o governo julgar mais apropriado para o assento da mesma, fronteiro, com pou- ca diferença, à Vila da Boa Vista da Província de Goiás, logo que haja nele começo de povo- ação, e casas para funcionarem as respecti- vas autoridades locais. Não era essa a localização de Santa Teresa, transmudada para Vila Nova da Imperatriz em homenagem à imperatriz Teresa Cristina, mulher do imperador Dom Pedro II, a quem os morado- res da povoação solicitaram proteção em suas de- mandas. Essa era a localização de Porto Franco, um incipiente povoado maranhense fronteiriço com a punjante Boa Vista. Os imperatrizenses contestaram e pediram a correção da lei, com o estabelecimento da sede da vila na povoação de Santa Teresa. Comenta o historiador Mílson Coutinho, em Imperatriz, subsídios para a história da cidade, que “pela primeira vez se viu um governo criar uma vila num lugar onde nada existia e deixar de lado um vilarejo já em franca ascensão”. Mílson Coutinho afirma ainda que Com a Lei 398, de 27.8.1856, muitas pessoas, ao dela conhecimento tomarem, trataram de se fixar defronte de Boa Vista, e logo um pequeno arraial 58 foi ali se formando, à testa do qual alguns fazen- deiros construíram suas casas residenciais às mar- gens do Tocantins. Esses novos habitantes de Porto Franco em- penharam-se em manter ali a sede da vila, cons- truindo benfeitorias, melhorando o aspecto da povoação, apelando a políticos da capital e mes- mo comprometendo-se a erguer os prédios pú- blicos necessários à sede da vila. Até então, a Vila Nova da Imperatriz, criada pela Lei 398, de 1856, não fora instalada. De acor- do com a lei, isso aconteceria “logo que haja nele começo de povoação, e casas para funcionarem as respectivas autoridades locais”. Numa manobra atribuída ao frei Manoel Pro- cópio, a sede se estabeleceu em Santa Teresa, em 1858, conforme relata a historiadora imperatri- zense Edelvira Marques de Moraes Barros em seu livro Imperatriz: memória e registro: [...] em maio de 1858, o presidente da Pro- víncia do Maranhão, Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, remete ofício à Comarca Municipal da Vila de São Pedro da Carolina informando- lhe que “na forma do Decreto de 13 de no- vembro de 1832, fosse tornada efetiva a cria- ção da Vila Nova da Imperatriz, devendo pro- ceder à eleição dos vereadores no primeiro domingo do mês de junho de 1858”. 59 O juiz de Direito de Carolina manda realizar as eleições na povoação de Santa Teresa, em vez de Porto Franco, segundo ainda Edelvira Barros, “por uma mesa eleitoral constituída pelos vereadores de Carolina”. Foram assim eleitos os vereadores da primeira legislatura da Câmara de Vila Nova da Imperatriz, composta por cinco membros: Ama- ro Batista Bandeira, Didier Batista Bandeira, Ata- násio Maciel Parente, Domingos Pereira da Silva e José Crispiniano Pereira. Partidários da causa de Santa Teresa em des- favor de Porto Franco, o juiz de Direito de Carolina e os vereadores da Câmara desse município, sem dúvida, foram parte dessa maquinação que teve como desfecho a instalação da Vila Nova da Impe- ratriz em Santa Teresa, apesar da determinação legal. Os moradores de Porto Franco protestaram. Recorreram ao governo provincial e à Assembléia Legislativa. Deu-se início a uma intensa disputa em que não faltaram muitas hostilidades entre os moradores das duas povoações. Essa situação, no entanto, durou pouco. No ano seguinte, a Assembléia Provincial aprovou a Lei nº 524, de 9 de junho de 1959, confirmando a sede da vila em Porto Franco. Em seu relatório de 1859, o presidente da Província do Maranhão, João Lustosa da Cunha Paranaguá, registra que 60 A sede da nova Vila da Imperatriz da Comarca da Carolina foi transferida da povoação de Santa Teresa para a do Porto Franco pela Lei nº 524 daquela mesma data, na qual foi autorizado o governo da Província a receber oferecimento feito pelo cidadão Leonardo Pereira de Araújo Brito relativamente à construção da nova matriz, e a aceitar a casa que ofereceu José Joaquim Severino para as sessões da Câmara e do Júri e para as audiências judiciá-rias, até que possa ser outra construída com esse destino às expensas da Província. Nesta conformidade assi- nou o referido cidadão Leonardo Pereira de Araujo Brito um termo de obrigação por si e pelo cidadão Severino. Dá-se então início a uma batalha ainda mais acirrada entre os líderes das duas povoações. As contestações, debates e controvérsias acerca do local da sede da nova vila envolveram o governo provincial, a Assembléia Legislativa, as câmaras municipais da região e o Judiciário, convidados a dar parecer sobre a demanda. Os vereadores de Boa Vista do Tocantins afir- maram que em Porto Franco havia apenas “uma única casa, que é a de José Joaquim Severiano, as mais são cabanas que, ao todo, farão uma dezena pouco mais. A Câmara de Carolina, em seu relató- rio, afirmou que “Porto Franco mais parece fa- zenda de fazendeiro pobre do que uma vila, e sem proporções para futuro engrandecimento”, esta- belecida “em local pedregoso, lamacento e sepa- 61 rado dos campos vizinhos por uma légua de mata”. O juiz de Direito da Comarca de Carolina, Antônio Buarque de Lima, defensor de Santa Teresa, faz elogios ao dinamismo econômico e localização privilegiada desta povoação. Essa questão chegou até a imprensa de São Luís, onde o Publicador Maranhense publicou, em 1º de junho de 1861, uma extensa matéria assina- da pelo líder porto-franquino José Joaquim Seve- riano, onde faza defesa e argumentos dos mora- dores de Porto Franco, detratando os terrenos e a salubridade de Santa Teresa. Edelvira Barros registra, em seu livro citado, que em São Luís, junto às autoridades estaduais, o juiz de Carolina, Antônio Buarque de Lima, in- tercedeu pelo retorno da sede da vila a Santa Tere- sa, e que Outras providências foram tomadas, até conseguir que o presidente da Província, Antônio Manoel de Campo Mello, assinasse a Lei nº 631 em 5 de de- zembro de 1862, mudando de Porto Franco para Santa Teresa a sede da Vila Nova da Imperatriz. O art. 2º da Lei 631, que devolveu a Santa Teresa a sede da Vila Nova da Imperatriz, estabele- cia responsabilidade aos vereadores em exercício, tenente-coronel Amaro Batista Bandeira, capitães Atanásio Maciel Parente e Domingos Pereira da Silva, Didier Batista Bandeira, Alexandre José Mari- 62 nho e Manoel da Abreu Valadares, de realizarem, às suas custas, “uma casa para as sessões da Câ- mara Municipal, com separação para prisões e aquartelamento” e de concluírem, em quatro anos, o prédio da igreja Matriz. A animosidade entre os líderes das duas po- voações somente terminaram após a criação da Vila de Porto Franco. 63 8 A VIDA NA VILAA VIDA NA VILAA VIDA NA VILAA VIDA NA VILAA VIDA NA VILA DA IMPERDA IMPERDA IMPERDA IMPERDA IMPERAAAAATRIZTRIZTRIZTRIZTRIZ Nas três últimas décadas do século XIX, a po- voação de Santa Teresa consolida-se como sede da vila, passando a ser denominada apenas Impera- triz ou Vila da Imperatriz. Firma-se como territó- rio divisor entre Maranhão, Pará e Goiás, pólo de criação de gado e porto fluvial estratégico para os navegantes do Tocantins. De acordo com o historiador César Marques, pouco antes de 1870 os habitantes de Imperatriz “são geralmente criadores de gado, mas lavram também arroz, milho, feijão e cana-de-açúcar so- mente para seu consumo e aguardente”, acres- centando que a vila – incluindo-se Porto Franco – tem “Câmara Municipal, dois juízes de paz, dois subdelegados, coletoria, e poderia ter júri e foro civil, pois que cada um dos dois distritos pode for- necer o número legal para constituir o tribunal”. Imperatriz possuía, ainda, “um batalhão da Guarda Nacional, formado por seis companhias, e agência dos Correios, instalada em 1865”, e a economia tinha como suporte a exportação de 64 couros secos de gado e a exploração de óleo de copaíba, comercializados com o Goiás e o Pará. A historiadora Edelvira Barros diz que, no Tocantins, “era a vila da Imperatriz o porto prefe- rido, o mais movimentado”, razões pelas quais recebeu “não somente alguns membros das fa- mílias sertanejas, como também migrantes de lo- cais mais distantes”. E assegura que É difícil identificar as famílias que moravam na sede e as do sertão. Elas estavam sempre se entrelaçando. Os fazendeiros mais abasta- dos mantinham casas na vila, onde passa- vam algum tempo cumprindo muitas vezes mandatos políticos ou empregos públicos. Em relação à situação financeira dos habi- tantes da vila, diz a historiadora imperatrizense que Dos que se estabeleceram nesta região, pou- cos eram considerados ricos. Mesmo estes, residiam inicialmente nas fazendas em ca- sas simples e labutavam na lida, bem como suas famílias. Foram trabalhando, utilizan- do-se dos campos naturais, tendo como va- queiros homens brancos e também mestiços e em menor escala negros. As condições pro- piciaram o enriquecimento, possibilitando a transformação dos ranchos primitivos em grandes casarões, que às vezes até capela ti- nham. 65 Mas a grande maioria era modesta, sendo os próprios e os filhos, os vaqueiros. Além da criação de gado, os imperatrizenses do final do século XIX dedicavam-se também a atividades agrícolas, artesanais e industriais. Culti- vavam arroz, milho, mandioca, algodão, cana-de- açúcar, tabaco e produtos destinados ao consu- mo familiar. Produziam peças artesanais com o couro do boi. Fabricavam farinha, açúcar, rapa- dura, cachaça, fumo e diversos outros derivados da produção agrícola. Pela Lei Provincial nº 985, de 20 de maio de 1872, foi criada a Comarca de Imperatriz, em ter- ritório desanexado da de Carolina, com jurisdição sobre Porto Franco. Seu primeiro juiz, nomeado em 3 de maio de 1873, foi o bacharel Francisco Domingues da Silva Júnior – pai do futuro sena- dor Luís Domingues –, que faleceu em janeiro do ano seguinte, depois de uma longa viagem a cava- lo. Seu substituto, Antônio Pereira da Silva Bram- billa, nomeado por Carta Imperial em 1874, fale- ceu em 1875, em Imperatriz, onde foi enterrado. Diversos magistrados que conquistaram gran- de reputação no cenário maranhense e mesmo nacional judicaram em Imperatriz nas últimas dé- cadas do século XIX, em sua maioria oriundos da Faculdade de Direito do Recife. 66 O ensino oficial das letras demorou a chegar a Imperatriz. Uma lei provincial de 1864, dois anos depois do estabelecimento da sede da vila, criara “duas cadeiras de primeiras, com o ordenado anu- al de 600 mil réis na Vila Nova da Imperatriz, sen- do uma para o sexo masculino e outra para o sexo feminino”. A intenção, porém, não saiu do papel. Diz Edelvira Barros que o padre Domingos Elias da Costa Morais, sucessor de frei Manoel Pro- cópio, contrariado com essa situação, vai a São Luís e faz protestos na imprensa contra o descaso do governo da Província para com esta vila, tendo de lá retornado com recursos para abrir uma es- cola de primeiras letras. Em seu Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão, publicado em 1870, Cé- sar Marques reitera que A aula primária, desde que foi criada, não teve professor em exercício. Condoído de ver aque- la pobre gente privada até do ensino das pri- meiras letras, abriu esse bom vigário uma aula que, desde outubro de 1867, tem sus- tentado gratuitamente. Em muitas fazendas, porém, os jovens eram alfabetizados pelos próprios familiares ou por um mestre-escola contratado, como foi costume nos sertões até a metade do século XX. 67 No mesmo período, em 8 de abril de 1869, o jornalista Temístocles Maciel Aranha havia escrevi- do, no jornal O Paiz, um reclamo em vista do aban- dono governamental a que a nascente Imperatriz era submetida: Lá para as margens do Tocantins existe esta Vila e o seu estado mostra bem quanto está longe das vistas do governo. Sem templo para Matriz, sem casa da Câmara, é a Vila da Im- peratriz uma pobre povoação, rica de elemen- tos para ser uma grande cidade, que vegeta abandonada, inteiramente esquecida. Apesar desse descaso, a acanhada vila fortale- cia-se economicamente. No final do século, regis- trava um rebanho de quarenta mil cabeças de gado, que era vendido em pé para várias localida- des vizinhas e outras mais distantes, como o baixo Mearim e o Engenho Central (atual Pindaté-Mi- rim), no Maranhão, e Belém, no Pará. Na virada para o século XX, os irmãos Pi- mentel, de Grajaú, descobriram caucho nas ma- tas do sul do Pará, culminando com a fundação de Marabá. Isso deu novo dinamismo ao movi- mento do porto de Imperatriz e ao comércio da vila, tornando-a o principal centro abastecedor dos exploradores da castilloa ulei, a árvore de alto porte que produz látex para o fabrico de borra- cha e de alto preço no mercado internacional, 68 apesar de menos consistente que a seringueira amazônica. Carlota Carvalho, no livro O Sertão, destaca que A fama dessa riqueza atraiu quantidade inu- merável de gente de todas as partes do Brasil e uma onda interminável de emigrantes da Bahia, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Maranhão transitou pelo porto da Impera- triz em busca do Eldorado do Itacaiúna. O historiador balsense Eloy Coelho Neto, em seu livro História do Sul do Maranhão, anotou que Em reportagem publicada em O Norte, de Bar- ra do Corda, em 1904, registra-se que o porto de Imperatriz, além da lancha belga que faz duas ou três viagens mensais a São João, na foz do Araguaia, conserva-se diariamente re- pleto de botes, batelões, reboques, montari- as, que vivem em completa evolução, des- cendo umas, subindo outras. Durantequase vinte anos, a exploração do caucho foi a principal atividade da região, decain- do somente na década de 1920, depois da expan- são dos seringais asiáticos, o que fez esse produto perder interesse no mercado internacional. Mesmo assim, a sede da Vila da Imperatriz continuava acanhada, sem a estrutura urbana e 69 serviços públicos que correspondessem ao seu dinamismo e crescimento econômico. Embora tenha se tornado na última década do século XIX a segunda maior fonte de arrecadação do Estado, os governantes não a retribuíam com obras. Essa condição é confirmada pelo historiador Mílson Coutinho, ao asseverar que Após pacientes pesquisas, em velhos livros e registros do Arquivo Público do Estado, exa- me de receitas e despesas, podemos afirmar que, por volta de 1895, a Coletoria da Vila da Imperatriz rendia Rs 2:027$000, o 2º lugar em todo o Estado. Nessa época, de acordo com o professor e historiador José Ribeiro do Amaral, em 1896 a Vila da Imperatriz tinha 48 casas de telha, 88 de palha; igreja Matriz coberta de telha e tapada em parte de adobos e em parte de palha, em estado de ruína. Uma capela sob a invocação do Bom Jesus, coberta de telha e tapada de adobos, de pro- priedade de Francisco Calixto de Araújo Catu- aba. Cemitério murado, ameaçando ruínas; coletoria e agência de correios; duas cadeiras de instrução primária, mantidas pelo Estado, e uma aula particular fundada em janeiro do corrente ano (1896) com freqüência de dez alunos. Tem 47 casas de negócio de secos e 70 molhados e algumas tendas de artes e ofíci- os, sendo: 2 alfaiates, 5 sapateiros, 1 ourives, 5 ferreiros, 1 oleiro e 1 funileiro. Assim, Imperatriz chegou ao alvorecer do sé- culo XX. Embora com sinais de prosperidade e pujança, distante e sem ligação por estradas com a capital, esquecida pelo poder público do Estado. Por causa desse isolamento, que perdurou ainda por muito tempo, era cognominada de “Sibéria maranhense”, para onde os governantes envia- vam muitos servidores indesejados. Dessa forma Imperatriz chegou ao alvorecer do século XX. Embora com sinais de prosperidade e pujança, distante e sem ligação por estradas com a capital, esquecida pelo poder público do Estado. Por causa desse isolamento, que perdurou ainda por muito tempo, foi cognominada “Sibéria Ma- ranhense”, para onde os governantes enviavam muitos os servidores indesejados. 71 9 O MUNICÍPIOO MUNICÍPIOO MUNICÍPIOO MUNICÍPIOO MUNICÍPIO DE IMPERDE IMPERDE IMPERDE IMPERDE IMPERAAAAATRIZTRIZTRIZTRIZTRIZ Passaram-se 62 anos entre a instalação defi- nitiva da sede da Vila Nova da Imperatriz na povo- ação de Santa Teresa, em 1862, até que esta fosse elevada à categoria de cidade, através da Lei nº 1.179, de 22 de abril de 1924. Era esse um período do início da retomada da economia extrativista, depois da queda de mer- cado do caucho. Na mesma região, descobriu-se a Bertholletia excelsa, conhecida como castanha-do- pará, e Marabá tornou-se, a partir de 1927, seu principal ponto de extração. O porto de Imperatriz retoma o movimento da década anterior e seus habitantes se envolvem em massa nessa nova promessa de riqueza. O lu- cros daí advindos, no entanto, conforme a histori- adora Edelvira Barros, “não era do castanheiro, aquele que se embrenhava na mata, sujeito a ata- ques de índios, cobras, malária e outros; estes con- tinuavam pobres e com eles a cidade”. 72 Essa assertiva da historiadora imperatrizense ganha lastro em anotação do pároco de Impera- triz, frei Cherubim de Carpiano, no livro de tombo da paróquia de Santa Teresa, datada de 22 de feve- reiro de 1824: O pessoal masculino, hábil ao trabalho, passa o inverno nos igarapés das vizinhanças de Marabá, ajuntando castanhas, cuja colheita só pode ser em pleno inverno, porque, todos dizem, as castanhas só caem pelas chuvas. O pessoal começa a descer no fim de outubro e já pelo janeiro-fevereiro e parte de março a vila de Imperatriz está quase deserta, pois contavam-se, em dito tempo, apenas 18 ou 20 pessoas, homens quase todos inválidos. Coisa digna de ponderação é o saber da boca dos mesmos negociantes, metidos na colhei- ta supra, que de 100 pessoas que vão ajuntar castanhas, voltam somente mais ou menos 75, e assim mesmo uns deles voltam inábeis a qualquer serviço e incomodados por todo o ano seguinte. Um dos pioneiros da coleta de castanha nas matas de Marabá foi o comerciante e político Sim- plício Moreira, de Imperatriz. Ele se tornou um dos mais prósperos coletores e comerciante de castanha-do-pará; foi proprietário de extensos cas- tanhais naquela região, comprados do governo daquele estado. 73 Em dezembro de 1923, pouco antes de a Vila da Imperatriz ser elevada à condição de cidade, foi realizado um recenseamento de sua população. O livro de tombo da paróquia de Imperatriz regis- tra que, “no mês de dezembro de 1923, foi escru- pulosamente contado o pessoal desta Vila e verifi- cou-se ser composta de 823 pessoas”. Antes, em 1912, as linhas de telégrafo chega- ram a Imperatriz, a partir do Engenho Central, instalando uma residência de guarda-fios que deu origem ao povoado de Montes Altos. A partir daí, a vila passou a sair do isolamento, podendo comu- nicar-se com o Brasil e o mundo, embora ne-nhu- ma estrada possuísse ainda que a ligasse por terra com outras regiões. RUA 15 DE NOVEMBRO Rua 15 de Novembro, no início da década de 1920, pouco antes da criação do Município de Imperatriz. Ilustração publicada no “Annali Francescani”, edição de 16 de janeiro de 1924 (Milão, Itália) 74 Registros oficiais do governo do Maranhão apontam que em 1917 havia 445 propriedades registradas no território da vila. Em 1917, a Cole- toria estadual arrecadou 4:120$890 réis; e em 1919, 6:500$000, o que significava uma boa re- ceita, embora Caxias, a mais próspera cidade do interior, tivesse arrecadado Rs 38:000$000 em 1917. Quando o governador Godofredo Viana assi- nou a lei que elevou a vila à categoria de cidade, Imperatriz era governada por Gumercindo de Sou- sa Milhomem, o primeiro prefeito eleito da Vila e também o mais jovem de sua história. Nascido na Boa Vista do Tocantins (atual Tocantinó- polis), em 1901, tinha somente 21 anos quando eleito em 1922, e, portanto, 23 anos recém-com- pletados quando Imperatriz se transformou em cidade. Empossado no dia 1º de janeiro de 1923, governou o município até 1º de janeiro de 1928. 75 10 À ESPERÀ ESPERÀ ESPERÀ ESPERÀ ESPERA DOA DOA DOA DOA DO DESENVOLDESENVOLDESENVOLDESENVOLDESENVOLVIMENTOVIMENTOVIMENTOVIMENTOVIMENTO Desde sua elevação a cidade, Imperatriz ain- da esperou três décadas para se ver ligada por es- tradas ao restante do Maranhão e do país, o que veio a ocorrer somente a partir de 1953, com a abertura de uma estrada ligando-a a Grajaú. Nesse período, porém, a cidade recebeu importantes benefícios patrocinados pelo governo federal, pelo próprio município e mesmo por empresas priva- das, como veremos a seguir. • • • Em 1931, o governo federal, desejando am- pliar os vôos do Correio Aéreo Nacional pelo interi- or, nomeou, por indicação do Ministério da Guer- ra, o major-aviador Lysias Rodrigues para chefiar uma missão de estudos e proposta de implanta- ção de novos campos de pouso. Um dos objetivos era facilitar a realização de vôos do Rio de Janeiro para a Amazônia, ao mesmo tempo em que se 76 criava uma rota econômica para os vôos entre os Estados Unidos e os países do Cone Sul. Uma expedição comandada por Lysias Rodri- gues parte da então capital federal no dia 19 de agosto desse mesmo ano e percorre os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Maranhão, estu- dando as possibilidades de rotas e locais de campo de pouso. Imperatriz foi um dos locais escolhidos. Mas estourou a Revolução Constitucionalista de 1932 e esse plano foi suspenso. Apesar de nascido no Rio da Janeiro, Lysias Rodrigues combateu por São Paulo, comandando o 1º Grupo de Aviação Constitucionalista, com sede no Campo de Marte. Em outubro, os paulistas se renderam e Lysias e seus companheiros foram reformados e exilados. De volta
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