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Direito Penal II Aula 2: Teoria da Pena Apresentação Nesta aula, apresentar-se-á a Teoria da Pena, conceituando as sanções penais, apresentando as teorias acerca da sua �nalidade, diferenciando das sanções não penais e discutindo as previsões constitucionais sobre pena, especialmente as penas admitidas e as penas proibidas no direito brasileiro. Objetivo Identi�car a Teoria da Pena, conceituando as sanções penais; Debater as �nalidades da pena, bem como a sua previsão constitucional. Conceito de pena - teorias absolutas, relativas e mistas – tipos de prevenção O sistema punitivo do Estado constitui o mais rigoroso instrumento de controle social. A conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, por meio da incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema punitivo do Estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera por meio da mais grave sanção jurídica, que é a pena, juntamente com a medida de segurança, em casos especiais. Assim, o gênero seria a sanção penal e as espécies seriam a pena e a medida de segurança. Pena é a perda de um direito imposta pelo Estado em razão da prática de uma infração penal. Já medida de segurança é tratamento compulsório imposto àquele que não possua sanidade (inimputável e semi-imputável) e pratique fato de�nido como crime. Segundo Sánchez (apud Japiassú e Souza, 2018), há, em princípio, três orientações fundamentais quando à legitimidade da pena: 1 Sustenta-se que a pena é um mal, mas que se converte em bem, pois nega o mal que é o delito e restaura o direito e a justiça. 2 Sustenta-se que a pena é um mal menor ou socialmente útil. 2 A�rma-se que a pena e, por extensão, o direito penal, é ilegítima, o que deveria conduzir a abolição de ambos. Atenção Tais grupos de orientações se expressam a partir das teorias da pena, pelas quais os doutrinadores têm procurado explicar o fundamento da pena por meio das chamadas correntes absolutas, relativas e mistas ou unitárias. Sinteticamente, essas teorias gravitam em torno de duas premissas fundamentais: a retribuição e a prevenção. Segundo as teorias absolutas, a pena é exigência de justiça. Quem pratica um mal deve sofrer um mal. A pena se funda na justa retribuição, é um �m em si mesma e não serve a qualquer outro propósito que não seja o de recompensar o mal com o mal. De acordo com Roxin (1986), os �lósofos Kant e Hegel foram os maiores teóricos desta corrente, tendo o primeiro formulado esta teoria do modo ilustrativo: mesmo que a sociedade civil com todos os seus membros decidisse dissolver-se teria, antes, de ser executado o último assassino que estivesse no cárcere, para que cada um sofresse o que os seus atos merecessem, e para que as culpas do sangue não recaíssem sobre o povo que não haja insistido no seu castigo. Hegel (1990), por seu turno, desenvolveu a fórmula dialética sobre a essência de a pena ser a negação da negação do direito. Fonte: Shutterstock As teorias relativas, partindo de uma concepção utilitária da pena, justi�cam-na por seus efeitos preventivos. Signi�ca dizer que a �nalidade da pena não seria punir todos os crimes, mas prevenir todos os crimes. De alguma maneira, o que se quer dizer é que a sociedade ideal é aquela na qual não ocorrem crimes e não aquela onde todos os crimes são punidos, e é isso o que o Estado deve perseguir. Distinguem-se aqui prevenção geral e prevenção especial. Prevenção geral e Prevenção especial Clique no botão acima. Prevenção geral É a intimidação que se supõe alcançar por meio da ameaça da pena e de sua efetiva imposição, atemorizando os possíveis infratores. Esta teoria tem em Feuerbach (1989) o seu mais eloquente representante, o qual expressou, em seu in�uente Tratado, toda a sistemática da coação psicológica da pena. Para ele, até mesmo quando se está a executar uma determinada sanção sobre alguém, objetiva-se, na verdade, transmitir os seus efeitos dissuasórios à coletividade. Prevenção especial Atua sobre o autor do crime, para que não volte a delinquir. A prevenção especial opera por meio da emenda do condenado ou de sua intimidação, ou, ainda, da inocuização, no caso dos incorrigíveis. Segundo von Liszt (apud Japiassú e Souza, 2018), adepto dessa corrente, a pena tem a função única de defender a sociedade de elementos que perturbam a sua organização (defesa social), por intermédio da atuação direta da execução da sanção na personalidade do criminoso. Tanto a teoria da prevenção geral como a da prevenção especial deixam sem explicação os critérios mediante os quais deve o Estado recorrer à pena criminal. Como ocorre com as teorias absolutas, aqui também se pressupõe a necessidade da pena. A prevenção geral não estabelece os limites da reação punitiva e pode criar um Direito Penal do terror. A prevenção especial também não pode, por si só, constituir fundamento para a pena. Há delinquentes que não carecem de ressocialização alguma, em relação aos quais é possível fazer um seguro prognóstico de não reincidência. Há, ainda, as teorias mistas ou unitárias, que combinam as teorias absolutas e as relativas, que não seriam excludentes entre si. Parte-se, portanto, do entendimento segundo o qual a pena é retribuição, mas deve, por igual, perseguir os �ns de prevenção geral e especial. Segundo Eduardo Correa apud Japiassú e Souza, 2018), é concebível uma terceira via: o daquelas teorias que justamente entendem que o �m ou razão de ser da sanção se cumpre ecleticamente, reagindo-se contra o passado e procurando-se ao mesmo tempo evitar futuras violações. As teorias mistas não foram su�cientes para responder por completo ao problema da �nalidade. Por isso, foi desenvolvida a ideia de que a prevenção pode ser positiva ou negativa. Uma conteria a ideia de que a previsão ou a aplicação das penas teria a função de prevenir delitos (prevenção negativa), e a outra reforçaria a validade das normas (prevenção positiva), que signi�ca restabelecer a con�ança institucional no ordenamento, quebrada com o cometimento do crime. Atualmente, entretanto, considera-se que majoritariamente que o poder punitivo estatal deve cumprir a concreta função de proteção dos bens jurídicos e de prevenção dos delitos. Apesar dessa posição legitimadora do Direito Penal, subsistem correntes doutrinárias que advogam tanto a abolição ou a minimalização do ius puniendi, bem como em sentido contrário, a sua expansão e o recrudescimento das penas existentes. Sendo assim, alinham-se três posturas político-criminais básicas que procuram compreender e dirigir as funções, os limites e os �ns do Direito Penal contemporâneo: A abolicionista; A ressocializadora; A garantista. Segundo Japiassú e Souza (2018), são posturas reformistas frente à realidade do sistema penal, pretendendo introduzir elementos de progresso, a partir da formulação de críticas. O abolicionismo postula a eliminação do Direito Penal, por ser sistema gerador da criminalidade. Para seus adeptos, se o crime é uma manifestação de violência, o monopólio estatal do uso da força seria também violência. Nesse sentido, segundo Hulsman e Celis (1993), não haveria legitimidade no Direito Penal, devendo-se, pois, abolir o sistema de penas positivadas, devendo os con�itos ser resolvidos de outra maneira. A despeito do mérito do abolicionismo ao despertar para a necessidade de uma humanização do sistema penal, com críticas aos seus aspectos negativos, não há como vingar a ideia simplista de abolir tal sistema, sem que haja proposta concreta para o que substituirá o direito penal como instrumento de controle social destinado a casos extremos. A postura ressocializadora diferencia-se da perspectiva abolicionista na medida em que se manifesta como uma luta por um melhorDireito Penal. Centra-se na obtenção de uma autêntica reinserção dos apenados, a partir de mecanismos que eliminem, ou ao menos reduzam taxas de reincidência. Nessa perspectiva, a ressocialização constitui uma variante contemporânea da doutrina da prevenção especial. Critica-se também sua versão mais radical, que propõe a eliminação das penas por medidas de segurança ou de correção, a partir de uma ideologia do tratamento. Alguns modelos penais, por exemplo, possibilitam a imposição de penas privativas de liberdade de caráter indeterminado, como ocorre nas indeterminate sentences nos EUA, onde os tribunais podem �xar limites amplíssimos para o cumprimento da pena, deixando a cargo de uma comissão de funcionários do Estado (parole board) a decisão sobre o momento apropriado para a libertação do apenado. Os resultados desse modelo não são satisfatórios, devido ao excessivo arbítrio, sendo incompatíveis com as garantias próprias do Estado de Direito. Além disso, questiona-se até que ponto se mostra legítima essa ingerência obrigatória na personalidade do ser humano. Por sua vez, a proposta garantista surgiu para fazer frente à decepção acerca da capacidade do ideal ressocializador. Propugna fundamentalmente as garantias formais, buscando conciliar a prevenção geral dos delitos com exigências formais dos princípios de proporcionalidade e humanidade, limitando a intervenção penal ao estritamente necessário, não violando valores fundamentais consagrados em quase todas as sociedades modernas. Nessa linha de pensamento, o Direito Penal Mínimo buscou reconhecer um núcleo rígido de infrações para as quais não se pode �exibilizar o sistema de penas, sob o risco de cairmos no anarquismo e na prevalência dos argumentos do mais forte. Ressalvado esse núcleo, o esforço deveria ser no sentido de descriminalizar e despenalizar os fatos. Em sentido diametralmente oposto, os Movimentos de Lei e Ordem preconizam a política criminal denominada tolerância zero, voltada para a repressão incondicional de pequenas infrações como maneira de se evitar a prática futura de infrações de maior gravidade social. Nessa ótica, merece destaque, ainda, dentre as peculiares manifestações relacionadas à tendência expansiva do Direto Penal na sociedade hodierna, a construção teórica do Direito Penal do inimigo, essencialmente atribuída a Jakobs (2008). Baseia-se na distinção do Direito Penal dos cidadãos, que sanciona delitos cometidos por indivíduos infratores em meio às relações sociais e o Direito penal do inimigo, que tem como destinatário indivíduos considerados como fonte de perigo, sendo, por isso, despersonalizados pelo Direito. O Direito Penal do inimigo, classi�cado, segundo Silva Sanchez (2001), como o Direito Penal de terceira velocidade, refuta os postulados do Direito Penal garantista, negando ao alegado inimigo direitos e garantias individuais nas esferas material e processual penal. Princípios constitucionais e penas admitidas A Constituição Federal possui alguns dispositivos relacionados com a disciplina das penas. O primeiro deles é o princípio da personalidade da pena (art. 5°, XLV), que signi�ca dizer que a pena não passará da pessoa do condenado. Cuida-se de uma conquista do Iluminismo, com a limitação dos efeitos da punição ao condenado, não atingindo terceiros, como seus descendentes. No art. 5°, XLVI, da CF/1988, há o princípio da individualização da pena, que determina que todo indivíduo tem o direito de ter a pena a ele aplicada individualmente, consideradas todas as características e condições pessoais, além de se valorar o que efetivamente fez. Ainda que haja concurso de pessoas, não pode haver uma aplicação de sanção idêntica a todos, sob pena de violação daquele princípio. As penas que são admitidas no Brasil estão discriminadas no art. 5°, XLVI, da CF/1988, e no art. 32, do CP: • Privativas da liberdade; • Restritivas de direitos; • Multa. O rol constitucional de penas admitidas é apenas exempli�cativo e as hipóteses indicadas se mostram bastante amplas. Deixa- se, portanto, ao legislador uma boa margem de discricionariedade para introdução de novas espécies ou mesmo reformulação das já existentes. Cite-se, por exemplo, a pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prevista no art. 28, I, da Lei no 11.343/2006, que não se amolda a nenhuma das anteriormente apresentadas. Penas proibidas O art. 5°, XLVII, da CF/1988, proíbe as seguintes penas: De morte, salvo em caso de guerra externa declarada; De caráter perpétuo; De trabalhos forçados; De banimento; Penas cruéis. Ressalte-se que a e�cácia constitucional no âmbito punitivo não está exatamente naquilo que inscreve, mas, sim, no que proscreve. Fonte: Shutterstock Penas de trabalho forçado, de banimento e cruéis A pena de trabalhos forçados, existente no passado, pressupunha o emprego de coação física ou moral para que o apenado realizasse as tarefas que lhes eram impostas. Em geral, aplicavam-se torturas e açoites contra o condenado. Atualmente, o trabalho é um direito e um dever do condenado, e deve ser necessariamente remunerado. A Lei de Execução Penal estabelece, em seu art. 28, que o trabalho, como dever social e condição de dignidade humana, terá �nalidade educativa e produtiva. Já a pena de banimento, prevista no Código Criminal de 1830, consistia na perda de�nitiva dos direitos da cidadania brasileira. Como consequência, o banido �cava impedido de morar no território nacional e, se aqui retornasse, seria condenado à prisão perpétua (art. 50, do CC/1830). O banimento foi previsto também no Código Penal de 1890, em seu art. 43, “b”, aplicável aos líderes do crime de tentativa de mudança, por meios violentos, da Constituição ou da forma estabelecida de governo (art. 107, do CP/1890). Fonte: Shutterstock As Constituições de 1891 (art. 72, § 20), de 1934 (art. 113, § 29), de 1946 (art. 141, § 31) e a de 1967 (art. 150, § 11) proibiram o banimento, mas a Carta outorgada em 1937 permitia, em estado de emergência, o desterro para outros pontos do território nacional ou residência forçada (art. 122, § 2°). Mais detalhes sobre penas de trabalho forçado, de banimento e cruéis Clique no botão acima. Durante os governos militares, o Ato Institucional no 14/1969 previu o banimento nos casos de guerra externa psicológica adversa ou revolucionária ou subversiva, e a Emenda Constitucional no 1/1969 – na verdade, uma “nova” Constituição – a manteve, em seu art. 153, § 11. Tais medidas somente foram revogadas com a redemocratização do País e o advento da Emenda Constitucional no 11/1978. De toda sorte, com a ordem constitucional vigente, consolidou-se a ideia de que a pena de banimento é inadmissível. Com relação à pena cruel, igualmente vedada, consiste na aplicação de açoites, da marca, de ferros, os tormentos, a execração, a maldição e o abandono do condenado. Ou seja, eram penas existentes no passado, quando preponderava a ideologia de que a pena deveria atingir o corpo e o espírito do condenado. Na atualidade, têm-se considerado cruéis as penas que causam especial sofrimento, desproporcionais em relação à infração praticada. Ademais, o respeito a princípios como o da humanização do magistério punitivo faz com que tais modalidades de sanção não sejam mais admitidas. A vedação constitucional das penas de trabalhos forçados, banimento e cruéis não suscitam maiores controvérsias. O mesmo não pode ser dito com relação às penas de morte e caráter perpétuo, por envolver considerações mais complexas. Pena de morte Como visto no Capítulo III, existe pena de morte desde a Antiguidade, e sua origem, possivelmente, se relaciona com os sacrifícios humanos. Em Valladolid, na Espanha, há pintura pré-histórica em caverna que mostra uma execução. No Direito Penal da Antiguidade há a previsão, no Código de Hammurabi, da Lex talionis. Na Idade Antiga, a pena de morte foi frequentemente utilizada, o que pode ser demonstrada por execuções muito conhecidas, como a de Sócrates e a de Jesus Cristo. A pena capital seguiusendo utilizada na Idade Média e na Idade Moderna, com grande crueldade. Fonte: Shutterstock Mais detalhes sobre pena de morte Clique no botão acima. Mesmo grandes pensadores defenderam, sob certas circunstâncias, a aplicação de tal sanção, como Grotius, Hobbes, Locke, Rousseau e Diderot. Mas a pena de morte também teve seus opositores. Pode-se dizer que o movimento abolicionista da pena de morte teve início com Beccaria, quando da publicação do já mencionado Dos delitos e das penas. Tal obra in�uenciou autores como Voltaire e Bentham, bem como legisladores que, a partir do século XVIII, passaram a restringir o rol de crimes passíveis dessa modalidade punitiva. No século XIX, intensi�cou-se a ideologia abolicionista, abraçada em lugares como Michigan, em 1846, e Venezuela e Portugal, em 1867. Sobre o assunto, merece destaque a luta abolicionista na Itália. Como lecionado por Ítalo Mereu (1921-2009), a Toscana foi o primeiro Estado a aboli-la, enquanto os demais a aplicavam para diversos delitos. Sendo assim, por ocasião da uni�cação das leis penais, a Itália viveu um impasse: ou a Toscana regredia, passando a admitir a pena capital, ou o restante da Península é que dava um passo à frente, abolindo-a. A questão consumiu anos de discussão, com livros, revistas e artigos doutrinários, naquilo que se denominou de a grande batalha cientí�ca e de civilização, acarretando um atraso de trinta anos até se chegar ao Código Penal italiano de 1890, e evidenciou – segundo Ítalo Mereu (2005) – a ideologia dos catedráticos de Direito Penal favoráveis ou contrários à pena de morte, bem como aqueles cujas “opiniões jurídicas” variavam conforme as conveniências políticas e a vontade dos detentores do poder. Após a Segunda Guerra Mundial, documentos internacionais passaram a disciplinar a matéria, até então afeta ao direito interno de cada país, defendendo o direito à vida e proscrevendo a pena de morte. Entre eles, podem servir como exemplos: A Declaração Universal dos Direitos Humanos; A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; A Convenção Europeia de Direitos Humanos; A Convenção Americana de Direitos Humanos. Atualmente, cerca de uma centena de países aboliu a pena de morte de seus ordenamentos jurídicos ou, embora mantenham formalmente, não a aplicam mais aos casos concretos. No entanto, muitos outros ainda a mantêm e executam cotidianamente, mas prepondera o movimento internacional por sua abolição em todo o mundo. No Brasil, a pena capital foi largamente empregada ao tempo da Colônia. As Ordenações Filipinas, em seu Livro V, previam a pena capital em mais de 70 casos, pelas mais diversas hipóteses, como as infrações de lesa-majestade, moeda falsa, sodomia, estupro, adultério, bigamia e homicídio. Também tabeliães que lavrassem escrituras falsas, falsi�cadores de mercadorias, ladrões arrombadores, autores de roubos seriam submetidos a tal sanção. Com a Constituição de 1824, expressamente aboliram-se as penas cruéis. A lei de 11 de setembro de 1826, em seu art. 1o, determinou que a sentença proferida em qualquer parte do Império, que impusesse pena de morte, não seria executada sem primeiramente subir à presença do Imperador, para perdoar ou moderar a pena (art. 101, §§ 8o e 9o, da CI/1824). A despeito da Carta de 1824, o Código Criminal do Império manteve a pena de morte, prevendo-a na forca, exclusivamente para os crimes de insurreição de escravos, homicídio quali�cado e latrocínio. Portanto, das 70 hipóteses da legislação anterior, o CC/1830 reduziu para três. Em que pese ser prevista no Código de 1830, a pena de morte foi gradativamente deixando de ser executada ao longo do Segundo Império. Contribuiu para a sua abolição, na prática, o famoso erro judiciário de 1855, que levou à forca o fazendeiro Manuel Motta Coqueiro, em Macaé (Rio de Janeiro). Coqueiro fora acusado de ter matado, com o auxílio dos escravos Faustino e Florentino, em 1852, em sua fazenda na localidade de Conceição de Macabu, o colono Francisco Benedito e toda a sua família, de quem teria se vingado em razão de uma suposta oposição à sua relação amorosa com uma das �lhas do colono. Submetido ao Tribunal do Júri, Motta Coqueiro – denominado pelo povo de Fera de Macabu –, foi condenado, em dois julgamentos, por unanimidade, à forca, não obstante seus reiterados e veementes protestos de inocência. Houve mais um recurso de revista, interposto por Motta Coqueiro ao Supremo Tribunal de Justiça, também denegado por acórdão de 12/05/1854. Já em fevereiro de 1854, todos os sentenciados endereçaram petições de graça ao Imperador. Porém, o pedido de indulto de Motta Coqueiro foi denegado e, em agosto de 1855, ele foi executado. Posteriormente, descobriu-se o erro judiciário cometido e, a partir daí, D. Pedro II, usando de seu Poder Moderador, passou a comutar, sistematicamente, a pena capital na de galés (trabalhos forçados por toda a vida), apegando-se, para tanto, a qualquer circunstância favorável ao condenado, ainda que sem maior comprovação. D. Pedro II, inspirado pela obra do escritor Victor Hugo, deferiu todas as petições de graça que recebeu, bene�ciando homens livres e libertos e, a partir da década de 1860, estendeu esse favor aos escravos, mesmo quando acusados de crimes graves. O Código Penal de 1890 não previu, no rol de sanções, a pena capital, opção político-jurídica que foi con�rmada pela Constituição Federal de 1891, em seu art. 72. O Estado Novo, decretado por Getúlio Vargas, tentou reintroduzi-la, incluindo, no art. 122, XIII, da CF/1937, disposição autorizativa da sua aplicação a certos crimes de natureza política e ao homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. Nesse passo, o Decreto-lei no 86/1938 outorgou competência ao Tribunal de Segurança Nacional para �xação da pena de morte, que, todavia, não foi incluída em nenhuma lei penal, com exceção para infrações penais ao tempo da Segunda Guerra Mundial, inclusive retroativamente. Já o Regime Militar de 1964, reintroduziu a pena de morte para os crimes políticos, alterando a CF/1967 (art. 150, § 11), por meio do Ato Institucional no 14/1969, e do Decreto-lei no 898/1969, sem nunca ter sido concretizada de�nitivamente. É certo, porém, que chegou a haver a condenação à pena de morte, pela Justiça Militar, de um jovem militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), pelo homicídio, em 1970, em Salvador, de um sargento da Aeronáutica. Como dito, tal sanção nunca chegou a ser executada, tendo o condenado se exilado no exterior, somente retornando ao Brasil após 1985. A Emenda Constitucional no 11/1978, revogando os atos institucionais, revogou, igualmente, a pena de morte para os crimes políticos, mantendo-a apenas para a legislação penal militar, aplicável em casos de guerra declarada. A Constituição de 1988, como já dito, manteve tal disposição. Sobre a pena capital cumpre, ainda, arrolar os argumentos contrários a sua existência. Em geral, duas são as razões para a sua proscrição. Em primeiro lugar, tem-se que o Direito Penal não pode admitir uma modalidade de sanção que seja irreversível, pois o erro judiciário é um dado da realidade, não podendo ser desconsiderado. Ademais, não há comprovação empírica a respeito da suposta e�cácia preventivo-geral da intimidação que eventual cominação de pena de morte acarretaria. Não há, efetivamente, demonstração fática ou estatística acerca da sua efetividade dissuasória. Em razão disso – e pelo princípio da humanização da pena – é insustentável qualquer tese favorável à pena de morte. Pena de caráter perpétuo Quanto à pena de caráter perpétuo, ela não é admitida por dois motivos fundamentais. Primeiramente, a prisão para toda a vida antagoniza-se com o princípio da reinserção social do condenado e, portanto, viola frontalmente o postulado do cumprimento progressivo da pena. Em segundo lugar, tem-se que a duração da pena guarda relação com a culpabilidade do agente e, tal sanção, signi�caria uma absolutizaçãodo juízo de culpabilidade, inaceitável no Estado Democrático de Direito. Todavia, interessante questão surgiu com o advento do Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional e foi incorporado à legislação brasileira pelo Decreto no 4.388/2002. Fonte: Shutterstock Mais detalhes sobre de caráter perpétuo Clique no botão acima. Segundo o Estatuto do TPI, a pena de prisão perpétua é cominada aos crimes de sua competência, quando sua extrema gravidade e as circunstâncias individuais do condenado justi�quem a sua imposição (art. 77, 1, “b”). A�rma-se que a sua inclusão, no texto �nal daquele Estatuto, teve por objetivo alcançar um consenso possível entre as delegações participantes da Convenção que elaborou o TPI, alcançando-se um meio-termo entre duas posições extremadas na Conferência de Plenipotenciários: pena de morte vs. pena máxima de trinta anos. Cuidou-se, assim, de uma escolha que não agradou, mas também não desagradou completamente os dois extremos. Ocorre, porém, como visto anteriormente, que a Constituição Federal proscreve a prisão perpétua. Instaurou-se, assim, a controvérsia sobre a constitucionalidade da adoção, via Estatuto do TPI, desta modalidade punitiva, mesmo para os casos da competência daquele Tribunal. Alguns autores, como Cezar Roberto Bitencourt (apud Japiassú e Souza, 2018), consideram que a pena de prisão perpétua não pode ser instituída no Brasil, seja por tratado internacional, seja por emenda constitucional, uma vez que as garantias do art. 5o, da CF/1988, con�guram cláusulas pétreas. Haveria, portanto, incompatibilidade entre o Estatuto de Roma (promulgado pelo Decreto no 4.388/2002) e a Constituição Federal. Contudo, apesar da existência de opiniões no sentido de que o Estatuto do TPI não deveria ser rati�cado pelo Brasil, prevaleceu o entendimento de que o suposto con�ito entre o texto do Estatuto de Roma e a Constituição brasileira era apenas aparente, tornando possível a sua vigência no ordenamento jurídico brasileiro sem qualquer necessidade de reforma constitucional. Alguns argumentos embasaram esta posição. O primeiro deles – e talvez o de maior peso – foi o de que o elenco de direitos e garantias, contidos na Carta Constitucional de 1988, vigora nas relações entre o Estado e o indivíduo em seu território. Sendo assim, a disposição que veda a pena de prisão perpétua (art. 5o, XLVII, “b”, da CF/1988) encontra-se direcionada ao legislador interno, tendo em vista os crimes domésticos, não cabendo restrições aos legisladores do Direito Internacional e, por essa razão, não pode ser extensível aos crimes da competência do Tribunal Penal Internacional. Sob outra vertente, tem-se que a própria Constituição Federal de 1988 estabelece, no seu art. 1o, III, como um dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana. Na mesma esteira, o texto constitucional, no seu art. 4o, II, dispõe que a República Federativa Brasileira reger-se-á, nas suas relações internacionais, pela prevalência do direitos humanos. Há, ainda, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a norma do art. 7o, de acordo com a qual o Brasil propugnará pela criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos. Sendo assim, considerando que os objetivos do TPI traduzem a prevalência da proteção de tais direitos, a�rma-se sua convergência com a Constituição de 1988. Um terceiro argumento a favor da compatibilidade da previsão da pena perpétua no Estatuto do TPI e a Constituição Federal reside na constatação de que, no próprio ordenamento jurídico brasileiro, há a previsão da pena de morte, para o caso de guerra externa declarada, conforme cominado no Código Penal Militar. Sendo assim, por não haver restrição na cominação da pena capital para con�itos bélicos internacionais, pode-se concluir que a vedação das penas capitais e perpétua cuida-se de opção imposta ao legislador interno, sem interferência nos crimes internacionais sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Cabe, ainda, destacar que, a despeito da previsão da pena de prisão perpétua pelo Estatuto do TPI, sua rati�cação pelo Brasil não implicou na admissão desta modalidade punitiva pelo ordenamento jurídico interno. Isso porque, consoante o art. 80, do Estatuto do TPI, as penas nele cominadas não interferem nas penas previstas nos respectivos direitos internos, ou a aplicação da legislação de Estados que não preveja as penas referidas no Estatuto. Destarte, não é necessária a adoção interna da pena de prisão perpétua para o Brasil se adequar ao Estatuto de Roma. Por �m, com a Emenda Constitucional 45/2004, houve a introdução do § 4o, ao art. 5o, da CF/1988, dispondo que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. Após essa inovação constitucional, tem-se que a controvérsia sobre a compatibilidade das sanções cominadas no TPI com o ordenamento jurídico brasileiro, particularmente no que tange à pena de prisão perpétua, perdeu fôlego entre os nossos doutrinadores. Atividades 1. As teorias da pena que se funda na justa retribuição, defende que é um �m em si mesma e não serve a qualquer outro propósito que não seja o de recompensar o mal com o mal são: a) Relativas. b) Absolutas. c) Mistas. d) de Prevenção Geral. e) de Prevenção Especial. 2. A intimidação que se supõe alcançar por meio da ameaça da pena e de sua efetiva imposição, atemorizando os possíveis infratores é chamada: a) Prevenção geral positiva. b) Prevenção especial positiva. c) Prevenção geral negativa. d) Prevenção especial negativa. e) Prevenção geral positiva e negativa. 3. O Juiz de uma Vara Criminal da Comarca da Capital do RJ condenou João a uma pena privativa de liberdade que foi substituída por uma pena restritiva de direitos de perda do seu automóvel Gol (CP, art. 43, II), que fazia parte de seu considerável acervo patrimonial. Em fase de Execução da Pena, João vem a falecer, ocasião em que o Estado vem a se habilitar em seu inventário judicial. Em defesa, Maria, viúva de João, sustentou a inconstitucionalidade da referida atividade estatal trazendo como fundamento qual princípio? a) Humanidade. b) Individualização da pena. c) Lesividade. d) Personalidade da pena. e) Separação de Poderes. 4. Sobre as penas, é correto a�rmar que: a) As penas restritivas de direitos estão previstas tanto na Constituição Federal quanto no Código Penal. b) A Constituição Federal impede a cominação de pena de morte no direito brasileiro. c) O princípio da personalidade da pena assegura a individualização da pena como ditame constitucional. d) A proibição da pena de trabalhos forçados impede a adoção de qualquer sanção penal na qual se imponha trabalho não remunerado. e) A Constituição prevê penas diferentes das que são previstas pelo Código Penal. 5. São penas proibidas no direito brasileiro, exceto: a) Banimento. b) Cruéis. c) Trabalho não remunerado. d) De caráter perpétuo. e) Infamantes. Notas Referências BOURDON, W. La Cour pénale internationale. Paris: Éditions du Seuil, 2000, p. 222. JAKOBS, G. Direito penal do inimigo. Trad. MENDES, G. B. O. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. JAPIASSÚ, C. E. A.; SOUZA, A. B. G. Direito penal: volume único. São Paulo: Atlas, 2018, p. 287-294. FEUERBACH, P. J. A. R. Tratado de Derecho Penal común vigente en Alemania. Trad. Raúl Zaffaroni. 14. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1989, p. 61. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29. ed., Petrópolis: Vozes, 2004. FREITAS, B. G. Direito Penal II. Rio de Janeiro: SESES, 2016, p. 51-58. HEGEL, G. W. F. Princípios da Filoso�a do Direito. Lisboa: Guimarães, 1990, p. 104. HULSMAN, L.; CELIS, J. B. O sistema penal em questão. Trad. KARAN, M. L. Niterói: Luam, 1993, p. 99-101. MEDEIROS, A. C. C. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/tpi/cartilha_tpi.htm <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/tpi/cartilha_tpi.htm> . 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