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Alina Villela Medicina Alina Villela Patologia Introdução As células, em geral, possuem uma alta resiliência em relação ao seu ambiente, ajustando constantemente sua estrutura e sua função. Isso tudo para que ocorra a sua adaptação decorrente de alterações no meio que causem estresse extracelular. Dito isso, entendemos que a célula, afim de manter sua homeostasia – consiste na capacidade da mesma manter seu meio intracelular numa faixa estreita dos parâmetros fisiológicos – sofrem alterações que leva a uma possível adaptação em momentos de estresse. Sendo assim, há a manutenção da viabilidade e de sua função. As principais respostas adaptativas são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. No entanto, caso essa capacidade adaptativa seja excedida ou se o estresse se torna um estimulo nocivo, ocorre uma lesão celular. Dentre os limites fisiológico, caso essa lesão seja leve ou transitória, ela se torna reversível e, assim, as células podem retornar a um estado basal estável. No entanto, caso ela seja intensa ou de modo progressivo, a lesão se torna irreversível e, assim, há morte celular. A morte celular consiste num dos momentos mais cruciais para progressão da doença em qualquer tecido ou órgão. Pode ocorrer por causas isquêmicas (diminuição do fluxo sanguíneo), infecciosas, por toxinas ou autoimune. Essa morte pode ocorrer, principalmente, por necrose ou apoptose. A privação de nutrientes induz, como resposta adaptativa, a autofagia que, também resulta em morte celular. Alina Villela Medicina Alina Villela Adaptações celulares ao estresse As adaptações podem ser tanto fisiológicas como patológicas: → Adaptações fisiológicas: Respostas celulares a estímulos normais por hormônios ou mediadores químicos endógenos. Temos como exemplo o aumento da mama e do útero, induzido pelos hormônios da gravidez; → Adaptações patológicas: Respostas ao estresse extracelular que modula a arquitetura e funcionalidade da célula, originando as lesões celulares. Hipertrofia A hipertrofia consiste no aumento do tamanho das células, resultando no aumento do tamanho do órgão. Isso ocorre devido ao aumento de produção de proteínas celulares em resposta a fatores de crescimento, IGF-1, TGFbeta. Como hipertrofia fisiológica, temos a espessamento do útero desencadeada pelo estrógeno, resultando no aumento do útero. Além desse exemplo, também temos a hipertrofia das células musculares estriadas esqueléticas por conta de musculação. Já como hipertrofia patológica, temos o aumento cardíaco secundária a hipertensão ou alguma doença valvar (exemplo: estenose aórtica). Essa hipertrofia é característica nas insuficiências cardíacas, sendo formada pela tentativa do corpo compensar a incapacidade do coração em bombear sangue. Aumento da carga de esforço (constante). Doença cardíaca hipertensiva. Resulta em perda parcial da função. Pelo menos no longo prazo. Doença hipertensiva, HVE concêntrica Caso a hipertrofia seja fisiológica, ela ocorre por meio da via da fosfatidilinositol 3- quinases/AKT. Se ela for patológica, por meio da sinalização da proteína G ligada a seu receptor. Alina Villela Medicina Alina Villela Hiperplasia A hiperplasia consiste no aumento do número de células de um órgão ou tecido, resultando geralmente no aumento da massa e tamanho de um órgão ou tecido. Depende da habilidade da população de sintetizar DNA e dividir (células lábeis ou estáveis). Por conta disso, é frequentemente associada a hipertrofia, sendo induzida, muitas vezes, por um mesmo estímulo, desencadeando respostas celulares respectivas para crescimento e proliferação celular. Ela é exclusiva de tecido que tem alta capacidade regenerativa, seja ele pouco diferenciado (células-tronco ou alguns tumores agressivos) ou muito diferenciado (hepatócitos). A hiperplasia fisiológica pode ocorrer a partir de dois processos: 1- um hormonal, caracterizado pelo aumento da capacidade funcional do tecido em questão, como, por exemplo, a proliferação do epitélio glandular mamário nas mulheres na puberdade e gravidez; 2- e outro compensatório, caracterizado pelo aumento da celularidade de certo tecido por conta de uma lesão ou ressecção parcial, como a capacidade regenerativa dos hepatócitos do fígado. Já como exemplo da patológica, temos sua proliferação por aumento de hormônio (ex.: aumento da massa óssea em crianças com gigantismo por conta do aumento de GH) ou por fatores de crescimentos (ex.: formação verrugosas por conta da produção de interleucinas/IL em caso de infecções de papilomaviroses) nas células-alvo. Geralmente regride quando o estímulo é retirado. Pode aumentar risco de malignidade. Endométrio normal Hiperplasia endometrial Mecanismo de hiperplasia 1-Aumento de fatores de crescimento OU Aumento nos receptors dos fatores de crescimento Aumenta proliferação Aumenta sinalização nuclear 2-Também pode envolver desenvolvimento de células diferenciadas a partir de células tronco. Alina Villela Medicina Alina Villela Hipertrofia e hiperplasia fisiológicas Acontecem em conjunto, apesar de uma poder prevalecer. A- útero gravídico B- Normal C- Hipertrofia Atrofia A atrofia consiste na redução do tamanho de um órgão ou tecido que resulta da diminuição do tamanho e número de células devido a diminuição da síntese proteica e aumento da degradação das proteínas nas células. Suas causas incluem redução da carga de trabalho (ex.: imobilização de um membro por conta de uma fratura), perda da inervação, diminuição do suprimento sanguíneo (ex.: atrofia cerebral progressiva por conta da arteriosclerose), nutrição inadequada (ex.: desnutrição proteica-calórica), pressão (ex.: compressão tecidual por conta de uma isquemia de pressão), perda de estimulação endócrina (ex.: redução do testículo em pacientes com baixa ação gonodotrópifica) e envelhecimento (ex.: atrofia senil). Da mesma forma que as outras adaptações, a atrofia também pode ocorrer por mecanismos patológicos (ex.: desnervação) ou ou fisiológicos (ex.: perda da estimulação hormonal na menopausa). No entanto, em ambos os casos as alterações celulares se mantem a mesma. Ou seja, há uma retração das células, mantendo ainda seu funcionamento, mas com um menor requerimento do necessário para sua sobrevivência. Redução em tamanho celular e número. Resulta na diminuição de síntese proteica e aumento da degradação de proteínas. Via ubiquitina-proteassoma. Alina Villela Medicina Alina Villela Metaplasia A metaplasia representa alteração reversível na qual um tipo celular diferenciado (epitelial ou mesenquimal) é substituído por outro tipo celular adulto. Portanto, ela consiste na substituição adaptativa de uma célula sensível que foi exposta a um determinado estresse por uma célula capaz de suportar o ambiente hostil. Geralmente, está associada a perda de função. A diferenciação de células-tronco para uma linhagem em particular é causada por sinais gerados por citocinas, fatores de crescimento e componentes da matriz extracelular no ambiente das células. Esses estímulos externos promovem a expressão de genes que direcionam as células para uma via específica de diferenciação. Temos como exemplos de metaplasias: - Por conta do uso de cigarro, temos a metaplasia do epitélio colunar e ciliado respiratório para um epitélio escamoso estratificado. - Esôfago de Barret: Consiste na metaplasia do epitélio escamoso do esôfago para o epitéliocolunar do estômago no 1/3 distal esofágico, por conta do refluxo gástrico-esofágico (DRGE). Mudança de um tipo celular para outro tipo. Substituição das células para melhor suportar estresse. Reprogramação de células progenitoras / células tronco. Benefícios: Preservação da população e tecido. Malefício: Perda da função do tipo celular perdido. Predisposição para malignidade em muitos casos. A metaplasia não resulta de uma alteração no fenótipo de um tipo celular já diferenciado; ao contrário, ela é o resultado de uma reprogramação de células-tronco que sabidamente existem nos tecidos normais ou de células mesenquimais indiferenciadas presentes no tecido conjuntivo. Alina Villela Medicina Alina Villela Displasia CRESCIMENTO CELULAR DESORDENADO VARIANDO EM TAMANHO, FORMA E APARÊNCIA. Pode estar associada a irritação crônica e inflamação. Pode ser reversível em alguns casos. Displasia é considerada um precursor forte de câncer. Anaplasia Estágio avançado de perda de diferenciação. Células se diferenciam em formas imaturas /embriônicas. Processo patológico presente em neoplasias malignas. Adaptações Celulares aos Estímulos e Agressões Hipertrofia: aumento do tamanho das células e órgãos, geralmente em resposta ao aumento da carga de trabalho; induzida por fatores de crescimento produzidos em resposta ao esforço mecânico ou outros estímulos; ocorre em tecidos incapazes de divisão celular Hiperplasia: aumento do número de células em resposta aos hormônios e outros fatores de crescimento; ocorre em tecidos cujas células sejam capazes de se dividir ou contenham abundantes células-tronco teciduais Atrofia: redução do tamanho das células e órgãos, como resultado da diminuição do fornecimento de nutrientes ou seu desuso; associada à diminuição da síntese de elementos constituintes celulares e degradação crescente de organelas celulares Metaplasia: alteração no fenótipo das células diferenciadas, frequentemente em resposta à irritação crônica, tornando as células mais capazes de resistir ao estímulo nocivo; normalmente induzida por alteração na via de diferenciação de células-tronco do tecido; pode resultar em funções reduzidas ou aumento da propensão para a transformação maligna Alina Villela Medicina Alina Villela Lesão e morte celular As lesões celulares ocorrem quando as células são estressadas de forma tão excessiva que ultrapassam seus limites fisiológicos e descompensam ou quando são expostas a agentes agressivos ou por anomalias intrínsecas. Dessa forma, não são mais capazes de se adaptar. Lesão celular é um processo multifatorial. Várias causas e mecanismos possíveis. As manifestações clínicas nada mais são que o reflexo de células lesadas. A resposta celular a estímulos nocivos depende do tipo da lesão, sua duração e sua gravidade. As consequências da lesão celular dependem do tipo, estado e grau de adaptação da célula danificada. As lesões resultam em anormalidades funcionais e bioquímicas (hemograma: transaminases aumentadas – lesão do fígado). Agressores Privação de oxigênio e nutrientes -> ISQUEMIA. Agentes químicos (etanol, tabagismo, medicamentos, etc). Agentes infecciosos (parasitas, bactérias, vírus, etc). Reações imunológicas (doenças autoimunes). Fatores genéticos (erros do metabolismo). Desequilíbrios nutricionais (hipovitaminoses, obesidade, etc). Agentes físicos (trauma, radiação, etc.). Envelhecimento. Alterações morfológicas Nos estágios iniciais ou nas formas leves de lesão, as alterações morfológicas e funcionais são reversíveis, se o estímulo for removido. Dessa forma, temos que as lesões reversíveis são caracterizadas por: tumefação generalizada da célula e suas organelas, formação de bolhas na membrana plasmática, destacamento dos ribossomos do RE, e agregação da cromatina nuclear. Essas alterações morfológicas estão associadas com a diminuição da produção de ATP, perda da integridade da membrana celular, deficiência na síntese de proteínas, e danos ao citoesqueleto e ao DNA. - Tumefação generalizada da célula: É uma das primeiras manifestações, onde há perda da função da bomba de íons dependentes de energia e, consequentemente, perda da manutenção da homeostase iônica e líquida, causando, por exemplo, uma degeneração hidrópica; - Degeneração gordurosa: Ocorre em várias formas de lesões metabólicas e tóxicas, como por exemplo a hipóxia, sendo caracterizada pelo surgimento de vacúolos lipídicos, grandes ou pequenos, no citoplasma. Também chamado de esteatose e é muito observado nos hepatócitos e células do miocárdio. Contudo, havendo agressão excessiva ou persistente, a célula ultrapassa o ainda nebuloso “ponto de não retorno”, evoluindo para a lesão irreversível e morte celular. Diferentes estímulos nocivos podem induzir a morte por necrose ou apoptose. Dano mitocondrial severo com depleção de ATP e a ruptura de membranas lisossômicas e plasmática estão tipicamente associados com a necrose. A necrose ocorre em muitas agressões comumente encontradas, como as consequentes a isquemia, exposição a substâncias tóxicas, várias infecções e trauma. Já a apoptose tem características muito particulares. Alina Villela Medicina Alina Villela Mecanismos de lesão celular Depleção de ATP A redução dos níveis de ATP é a causa fundamental da morte celular por necrose. A depleção de ATP e a redução de síntese de ATP são frequentemente associadas a lesão isquêmica e química (tóxica). O ATP é produzido de duas maneiras. A principal via nas células dos mamíferos é a fosforilação oxidativa do difosfato de adenosina, em uma reação que resulta na redução do oxigênio pelo sistema de transferência de elétrons das mitocôndrias. A segunda é a via glicolítica, que pode gerar ATP na ausência do oxigênio usando glicose derivada dos líquidos corporais ou da hidrólise do glicogênio. As principais causas de depleção de ATP são a redução do fornecimento de oxigênio e nutrientes, danos mitocondriais e a ação de algumas substâncias tóxicas (p. ex., cianeto). Danos Mitocondriais As mitocôndrias são elementos críticos na lesão e na morte celular em todas as suas formas. Isto deve ser esperado porque elas fornecem a energia que sustenta a vida através da produção de ATP. A mitocôndria pode ser danificada por aumentos de Ca 2+ citosólico, espécies reativas de oxigênio, privação de oxigênio, e assim elas são sensíveis a praticamente todos os tipos de estímulos nocivos, incluindo hipoxia e tóxicos. O dano mitocondrial frequentemente resulta na formação de um canal de alta condutância na membrana mitocondrial, chamado de poro de transição de permeabilidade mitocondrial. A abertura desse canal de condutância leva à perda do potencial de membrana mitocondrial, resultando em falha na fosforilação oxidativa e na depleção progressiva do ATP, culminando na necrose da célula. Um dos componentes estruturais do poro de transição de permeabilidade mitocondrial é a proteína ciclofilina D, que é uma das várias ciclofilinas que funcionam como um alvo do fármaco imunossupressor ciclosporina (usado para impedir rejeição do enxerto). Em alguns modelos experimentais de isquemia, a ciclosporina reduz a lesão impedindo a abertura do poro de transição de permeabilidade mitocondrial — um modelo interessante de terapia alvo molecular para lesão celular. O papel da ciclosporina na redução da lesão miocárdica isquêmica em seres humanos está em investigação. Influxo de Cálcio Os íons cálcio são importantes mediadores da lesão celular. De acordo com isto, a diminuição do cálcio protege as células de lesões induzidas poruma variedade de estímulos nocivos. O cálcio livre no citosol é normalmente mantido em concentrações muito baixas (≈ 0,1 μmol) em comparação com os níveis extracelulares de 1,3 mmol, e a maior parte do cálcio intracelular fica sequestrada na mitocôndria e no RE. A isquemia e certas substâncias tóxicas Alina Villela Medicina Alina Villela causam um aumento da concentração do cálcio citosólico, inicialmente pela liberação do Ca 2+ dos estoques intracelulares e, posteriormente, pelo aumento do influxo através da membrana plasmática. O aumento do Ca 2+ intracelular causa lesão celular por vários mecanismos. Acúmulo de Radicais Livres Os radicais livres são espécies químicas que têm um único elétron não emparelhado em um orbital externo. Os elétrons não emparelhados são altamente reativos e “atacam” e modificam moléculas adjacentes, tanto substâncias inorgânicas quanto orgânicas, muitas delas componentes essenciais do núcleo e das membranas celulares. Algumas dessas reações são autocatalíticas, isto é, as moléculas que reagem com os radicais livres são convertidas em radicais livres, gerando, assim, uma propagação de danos em cadeia. As espécies reativas de oxigênio (ERO) são um tipo de radical livre derivado do oxigênio, cujo papel na lesão celular está bem estabelecido. Normalmente, ERO são produzidas nas células durante a respiração mitocondrial e geração de energia, mas são degradadas e removidas pelos sistemas de defesa celulares. Portanto, as células são capazes de manter um estado estável no qual os radicais livres estão presentes transitoriamente, em baixas concentrações, mas sem causar danos. O aumento da produção ou a diminuição da eliminação das ERO provoca um excesso desses radicais livres, uma condição chamada de estresse oxidativo. O estresse oxidativo tem sido implicado em uma grande variedade de processos patológicos, incluindo lesão celular, câncer, envelhecimento e algumas doenças degenerativas como doença de Alzheimer. As ERO são produzidas também em grandes quantidades por leucócitos ativados, particularmente neutrófilos e macrófagos, durante a reação inflamatória, auxiliando na destruição de micróbios, remoção de células mortas e outras substâncias indesejáveis. Na próxima seção, discutiremos a geração e remoção das ERO e como elas contribuem para a lesão celular. Na presença de O2, os radicais livres causam peroxidação dos lipídios dentro das membranas plasmáticas e das organelas. O dano oxidativo é iniciado quando as ligações duplas em ácidos graxos insaturados dos lipídios das membranas são atacadas por radicais livres.As interações lipídio-radical livre geram peróxidos, que são instáveis e reativos, e sobrevém uma reação em cadeia autocatalítica (chamada propagação), que pode resultar em lesão extensa das membranas. Os radicais livres promovem a oxidação das cadeias laterais de aminoácidos, formação de ligações covalentes proteína-proteína cruzadas (p. ex., pontes dissulfeto) e oxidação da estrutura da proteína. Os radicais livres são capazes de causar quebra das cadeias simples e duplas do DNA, ligações cruzadas das cadeias do DNA e a formação de complexos de adição. Alina Villela Medicina Alina Villela Defeitos na Permeabilidade da Membrana A perda precoce da permeabilidade seletiva da membrana, evoluindo no final para um dano evidente da membrana, é uma característica constante na maioria das formas de lesão celular (exceto na apoptose). O dano na membrana pode afetar as funções e a integridade de todas as membranas celulares. Nos parágrafos seguintes, discutiremos os mecanismos e as consequências patológicas do dano à membrana. Mecanismos da Lesão da Membrana Nas células isquêmicas, os defeitos de membrana são o resultado da depleção de ATP e da ativação cálcio-mediada de fosfolipases. A membrana plasmática pode também ser danificada diretamente por várias toxinas microbianas, proteínas virais, componentes líticos do complemento e numerosos agentes químicos e físicos. Vários mecanismos bioquímicos contribuem para os danos à membrana Necrose A aparência morfológica da necrose, assim como da necroptose, é o resultado da desnaturação de proteínas intracelulares e da digestão enzimática da célula lesada letalmente. As células necróticas são incapazes de manter a integridade da membrana e seus conteúdos sempre são liberados no meio externo, um processo que provoca a inflamação no tecido circundante. As enzimas que digerem a célula necrótica são derivadas dos lisossomos das próprias células que estão morrendo ou dos lisossomos dos leucócitos que são recrutados como parte da reação inflamatória. A digestão dos conteúdos celulares e a resposta do hospedeiro podem levar horas para se desenvolver e, portanto, não seriam detectadas alterações nas células se, por exemplo, um infarto do miocárdio causasse morte súbita. A primeira evidencia histológica de necrose miocárdica somente aparece 4 a 12 horas depois. No entanto, devido à perda da integridade da membrana plasmática, as enzimas e proteínas específicas do coração são rapidamente liberadas do músculo necrótico, podendo já ser detectadas no sangue 2 horas após a necrose das células miocárdicas As células necróticas mostram eosinofilia aumentada na coloração por H&E, atribuível, em parte, à perda do RNA citoplasmático e, em parte, às proteínas citoplasmáticas desnaturadas. A célula necrótica possui uma aparência mais homogênea e vítrea do que as células normais, principalmente devido à perda de partículas de glicogênio. Quando as enzimas já digeriram as organelas citoplasmáticas, o citoplasma se torna vacuolado e parece roído por traças. As células mortas podem ser substituídas por grandes massas fosfolipídicas espiraladas, chamadas de figuras de mielina, originadas de membranas celulares lesadas. Esses precipitados fosfolipídicos são, então, fagocitados por outras células ou, mais tarde, degradados em ácidos graxos; a calcificação desses resíduos de ácidos graxos resulta na geração de sabões (que são sais de cálcio). Assim, as células mortas podem, no final, sofrer calcificação. À microscopia eletrônica, as células necróticas caracterizam-se por descontinuidades nas membranas plasmáticas e das organelas, dilatação acentuada das mitocôndrias com o aparecimento de grandes densidades amorfas, figuras de mielina intracitoplasmáticas, restos amorfos e agregados de material felpudo, provavelmente representando proteína desnaturada. Alina Villela Medicina Alina Villela Alterações nucleares aparecem em um de três padrões, todos devidos à destruição inespecífica do DNA . A basofilia da cromatina pode esmaecer (cariólise), uma alteração que, provavelmente, reflete a perda de DNA pela degradação enzimática por endonucleases. Um segundo padrão é a picnose, caracterizada por retração nuclear e aumento da basofilia. Aqui, a cromatina condensa-se numa massa sólida contraída basófila. No terceiro padrão, conhecido como cariorrexe, o núcleo picnótico sofre fragmentação. Com o decorrer do tempo (1 ou 2 dias), o núcleo da célula necrótica desaparece totalmente. A depender do local em que essa morte celular ocorra OU do mecanismo responsável por esse catabolismo, a necrose pode ter o seu padrão variado. Sendo assim, temos como as principais formas de necrose: Necrose coagulativa É a forma de necrose tecidual na qual a arquitetura básica dos tecidos mortos é preservada por um intervalo de alguns dias. Os tecidos afetados exibem uma consistência firme. Supostamente, a lesão desnatura não apenas as proteínas estruturais, mas também as enzimas, bloqueando, assim, a proteólise das células mortas; como resultado, célulasanucleadas e eosinófilas persistem por dias ou semanas. Finalmente, as células necróticas são removidas por fagocitose dos restos celulares por leucócitos infiltrados e pela digestão das células mortas através da ação das enzimas lisossômicas dos leucócitos. A isquemia causada por obstrução de um vaso provoca necrose de coagulação dos tecidos em todos os órgãos, exceto no cérebro. Uma área localizada de necrose de coagulação é chamada de infarto. Necrose liquefativa Ao contrário da necrose de coagulação, é caracterizada pela digestão das células mortas, resultando na transformação do tecido em uma massa viscosa líquida. É observada em infecções bacterianas focais ou, ocasionalmente, nas infecções fúngicas, porque os micróbios estimulam o acúmulo de leucócitos e a liberação de suas enzimas. O material necrótico é frequentemente amarelo-cremoso devido à presença de leucócitos mortos e é chamado de pus. Por razões desconhecidas, a morte por hipoxia de células dentro do sistema nervoso central com frequência se manifesta como necrose liquefativa. Necrose gangrenosa Não é um padrão específico de morte celular, mas o termo é usado comumente na prática clínica. Em geral é aplicado a um membro, geralmente a perna, que tenha perdido seu suprimento sanguíneo e que tenha sofrido necrose (tipicamente necrose de coagulação), envolvendo seus diversos planos teciduais. Quando uma infecção bacteriana se superpõe, ocorre ainda necrose liquefativa devido à ação de enzimas degradativas das bactérias e dos leucócitos atraídos (originando a chamada gangrena úmida). Necrose caseosa É encontrada mais frequentemente em focos de infecção tuberculosa. O termo “caseoso” (semelhante a queijo) é derivado da aparência friável esbranquiçada da área de. Ao exame microscópico, a área necrótica exibe uma coleção de células rompidas ou fragmentadas e restos granulares amorfos delimitados por uma borda inflamatória distinta; essa aparência é característica de um foco de inflamação conhecido como granuloma. Alina Villela Medicina Alina Villela Necrose gordurosa É um termo bem estabelecido no vocabulário médico, mas que, na verdade, não denota um padrão específico de necrose. De fato, ela se refere a áreas focais de destruição adiposa, tipicamente resultantes da liberação de lipases pancreáticas ativadas na intimidade do pâncreas e na cavidade peritoneal. Isto ocorre na emergência abdominal calamitosa, conhecida como pancreatite aguda. Nesse distúrbio, as enzimas pancreáticas escapam das células acinares e liquefazem as membranas dos adipócitos do peritônio. As enzimas liberadas quebram os triacilgliceróis contidos dentro dessas células. Os ácidos graxos liberados combinam-se com o cálcio, produzindo áreas calcárias brancas macroscopicamente visíveis (saponificação da gordura), que permitem ao cirurgião e ao patologista identificarem as lesões. Ao exame histológico, os focos de necrose exibem contornos indistintos de adipócitos necróticos, com depósitos de cálcio basófilos, circundados por uma reação inflamatória. Necrose fibrinoide É uma forma especial de necrose geralmente observada nas reações imunes que envolvem os vasos sanguíneos. Esse padrão de necrose ocorre tipicamente quando complexos de antígenos e anticorpos são depositados nas paredes das artérias. Os depósitos desses “imunocomplexos”, em combinação com a fibrina que extravasa, resulta em uma aparência amorfa róseo-brilhante, na coloração de H&E, conhecida pelos patologistas como “fibrinoide” (semelhante à fibrina). Lesão Isquêmica e Tóxica Isquemia leve: Fosforilação oxidativa reduzida → geração de ATP reduzida → falência da bomba de Na → influxo de sódio e água → tumefação celular e das organelas (reversível). Isquemia intensa/prolongada: tumefação intensa da mitocôndria, influxo de cálcio para dentro da mitocôndria e para dentro da celula com rompimento dos lisossomos e da membrana plasmática. Morte por necrose e apoptose devido à liberação de citocromo c pela mitocôndria. As lesões de reperfusão se seguem ao restabelecimento do fluxo sanguíneo dentro da área isquêmica, e são causadas por estresse oxidativo devido à liberação de radicais livres por leucócitos e células endoteliais. O sangue traz cálcio que sobrecarrega as células reversivelmente lesadas com lesão mitocondrial consequente. O influxo de leucócitos gera radicais livres e citocinas. Há ativação local do complemento por anticorpos IgM depositados nos tecidos isquêmicos. Os produtos químicos podem causar danos diretamente ou por conversão em metabólitos tóxicos. Os órgãos afetados são principalmente aqueles que estão envolvidos na absorção ou excreção de produtos químicos ou outros, tais como o fígado, onde os produtos químicos são convertidos em metabólitos tóxicos. A lesão direta a organelas críticas, tais como as mitocôndrias, ou a lesão indireta por radicais livres gerados a partir de produtos químicos/tóxicos está envolvida. Alina Villela Medicina Alina Villela Apoptose A apoptose é uma via de morte celular induzida por um programa de suicídio finamente regulado no qual as células destinadas a morrer ativam enzimas que degradam seu próprio DNA e suas proteínas nucleares e citoplasmáticas. As células apoptóticas se quebram em fragmentos, chamados corpos apoptóticos, que contêm porções do citoplasma e núcleo. A membrana plasmática da célula apoptótica e de seus corpos apoptóticos permanece intacta, mas sua estrutura é alterada de tal maneira que seus fragmentos tornam-se alvos “saborosos” para os fagócitos. A célula morta e seus fragmentos são rapidamente devorados, antes que seus conteúdos sejam liberados no meio, e desse modo a morte celular por esta via não desperta uma resposta inflamatória no hospedeiro. Causas da Apoptose A apoptose ocorre normalmente durante o desenvolvimento e por toda a vida, e serve para eliminar células indesejáveis, velhas ou potencialmente prejudiciais. É também um evento patológico quando células doentes se tornam irreparavelmente danificadas e são eliminadas. Apoptose em Situações Fisiológicas A destruição programada de células durante a embriogênese, compreendendo: implantação, organogênese, involução do desenvolvimento e metamorfose. Involução de tecidos hormônio-dependentes sob privação do hormônio, tais como o colapso das células endometriais na menstruação, a atresia folicular ovariana na menopausa, a regressão da mama da lactação após o desmame, e a atrofia prostática após castração. Perda celular em populações celulares proliferativas, tais como os linfócitos imaturos na medula óssea e timo e os linfócitos B nos centros germinativos que não expressam os receptores antigênicos adequados, e as células epiteliais das criptas intestinais, para manter constante o seu número (homeostase). Eliminação de linfócitos autorreativos potencialmente nocivos, antes ou depois de eles terem completado sua maturação, para impedir reações contra os próprios tecidos do indivíduo. Morte de células normais que já tenham cumprido sua atividade funcional, tais como os neutrófilos na resposta inflamatória aguda e os linfócitos ao término da resposta imune. Apoptose em Condições Patológicas Dano ao DNA: Radiação, medicamentos antineoplásicos citotóxicos e a hipoxia podem lesar o DNA diretamente ou através da produção de radicais livres. Se os mecanismos de reparo não podem lidar com a lesão, a célula aciona mecanismos intrínsecos que induzem apoptose. Acúmulo de proteínas mal dobradas: As proteínas erradamente dobradas podem surgir de mutações nos genes que codificam estas proteínas ou devido a fatores extrínsecos, como a lesão causada por radicais livres.O acúmulo excessivo dessas proteínas no RE leva a uma condição conhecida como estresse do RE, que culmina em morte da célula por apoptose. A apoptose causada pelo acúmulo de proteínas mal dobradas tem sido considerada como a base de várias doenças degenerativas do sistema nervoso central e de outros órgãos. Morte celular em certas infecções, particularmente infecções virais, nas quais a perda de células infectadas é devida em grande parte à apoptose induzida pelo vírus (como nas infecções por adenovírus e HIV) ou pela resposta imune do hospedeiro (como na hepatite viral). Uma resposta importante do hospedeiro aos vírus consiste em linfócitos T citotóxicos específicos para as proteínas virais, que induzem apoptose das células infectadas na tentativa de eliminar os reservatórios de infecção. Durante esse processo pode ocorrer lesão tecidual significativa. O mesmo mecanismo mediado por célula T é responsável pela morte celular em tumores e na rejeição celular nos transplantes. Alina Villela Medicina Alina Villela Alterações morfológicas Retração celular: A célula é menor em tamanho; o citoplasma é denso, e as organelas, embora relativamente normais, estão compactadas. Condensação da cromatina: Esta é a característica mais marcante da apoptose. A cromatina se agrega perifericamente, sob a membrana nuclear, em massas densas de várias formas e tamanhos. O núcleo se rompe, produzindo dois ou mais fragmentos. Formação de bolhas citoplasmáticas e corpos apoptóticos: A célula apoptótica primeiramente mostra bolhas superficiais extensas, sofrendo então fragmentação em corpos apoptóticos envoltos por membrana, compostos de citoplasma e organelas estreitamente acondicionadas, com ou sem fragmentos nucleares. Fagocitose das células apoptóticas ou corpos apoptóticos, geralmente pelos macrófagos: Os corpos apoptóticos são rapidamente ingeridos pelos fagócitos e degradados pelas enzimas lisossômicas dos fagócitos. Ao exame histológico, em tecidos corados com hematoxilina e eosina, as células apoptóticas aparecem como massas ovais ou redondas de citoplasma intensamente eosinófilo com fragmentos de cromatina nuclear condensada. Mecanismo A apoptose resulta da ativação de enzimas chamadas caspases. Como muitas proteases, as caspases existem como pró-enzimas inativas ou zimogênios, e devem sofrer clivagem enzimática para se tornarem ativas. A presença de caspases ativas, clivadas, constitui um marcador para células que estão sofrendo apoptose. O processo de apoptose pode ser dividido em uma fase de iniciação, durante a qual algumas caspases se tornam cataliticamente ativas, e uma fase de execução, durante a qual outras caspases iniciam a degradação de componentes celulares críticos. . A via mitocondrial é o principal mecanismo de apoptose em todas as células dos mamíferos. Ela ocorre pelo aumento da permeabilidade da membrana mitocondrial externa com a consequente libertação de moléculas indutoras de morte (pró-apoptóticas) do espaço intermembrana mitocondrial para o citoplasma. A liberação de proteínas pró-apoptóticas mitocondriais é rigidamente controlada pela família BCL2 de proteínas. Uma vez liberado no citosol, o citocromo c liga-se a uma proteína chamada APAF-1 (fator ativador da apoptose-1), que forma um hexâmero em forma de roda, que foi chamado de apoptossomo. Esse complexo é capaz de se ligar à caspase-9, a caspase iniciadora crítica da via mitocondrial, cuja ação enzimática cliva uma caspase-9 adjacente, estabelecendo, assim, um processo de autoamplificação. A clivagem ativa a caspase-9, desencadeando uma cascata de ativação das caspases por clivagem, assim, ativando outras pró-caspases, e essas enzimas ativas medeiam a fase de execução da apoptose. Alina Villela Medicina Alina Villela Via Extrínseca da Apoptose (Iniciada por Receptor de Morte) Esta via é iniciada pela ativação de receptores de morte na membrana plasmática em diversas células. Os receptores de morte são membros da família do receptor TNF que contêm um domínio citoplasmático envolvido nas interações proteína-proteína, chamado de domínio de morte, porque ele é essencial para a entrega de sinais apoptóticos. Os receptores de morte mais bem conhecidos são o receptor TNF tipo 1 (TNFR1) e uma proteína relacionada denominada Fas (CD95). O mecanismo de apoptose induzido por esses receptores de morte é bem ilustrado pelo Fas, um receptor de morte expresso em muitos tipos celulares. O ligante para Fas é chamado de Fas ligante (FasL). O FasL é expresso nas células T que reconhecem antígenos próprios (e atuam eliminando os linfócitos autorreativos) e alguns linfócitos T citotóxicos (que eliminam células tumorais e infectadas por vírus). Quando o FasL se liga ao Fas, três ou mais moléculas de Fas se reúnem e seus domínios de morte citoplasmáticos formam um sítio de ligação para uma proteína adaptadora que também contém um domínio de morte e é denominada FADD. A FADD ligada aos receptores de morte, por sua vez, liga-se a uma forma inativa da caspase-8 (e em humanos, caspase-10) novamente através de um domínio de morte. Várias moléculas de pró-caspase-8 são, assim, aproximadas, e elas clivam umas às outras para gerar a caspase-8 ativa. Essa via da apoptose pode ser inibida por uma proteína denominada FLIP, a qual se liga à pró-caspase-8 mas não pode clivar nem ativar a caspase porque lhe falta um domínio de protease. Alguns vírus e células normais produzem FLIP e usam esse inibidor para se proteger da apoptose mediada por Faz. Necrose x Apoptose Na microscopia, as células necrótica apresentam como padrões estruturais: -Eosinofilia aumentada; - Citoplasma vacuolado (edema); - Figuras de mielina. Na microscopia, as células apoptóticas apresentam como padrões estruturais: - Retração celular; - Condensação da cromatina; - Formação de bolhas citoplasmáticas e corpos apoptóticos; - Fagocitose das células e corpos apoptóticos pelos macrófagos. Alina Villela Medicina Alina Villela Inflamação “Reação de tecidos vascularizados a alguma injúria, mediante a sucessão de fenômenos relacionados ao sistema imune”. A inflamação é uma resposta dos tecidos vascularizados a infecções e tecidos lesados. Consiste em recrutar células e moléculas de defesa do hospedeiro da circulação para os locais onde são necessárias, com a finalidade de eliminar os agentes agressores. O processo de inflamação envia essas células e proteínas aos tecidos lesados ou necróticos, bem como aos invasores estranhos, como microrganismos, e ativa as células e moléculas recrutadas, que, então, funcionam de modo a eliminar as substâncias indesejadas ou nocivas. Sem a inflamação, as infecções poderiam passar despercebidas, feridas poderiam nunca cicatrizar e os tecidos lesados permaneceriam com feridas permanentemente infectadas. Além das células anti-inflamatórias, os componentes da imunidade inata incluem outras células, como, por exemplo, as células natural killer, células dendríticas e células epiteliais, além de fatores solúveis, como as proteínas do sistema complemento. Juntos, esses componentes da imunidade inata agem como a primeira barreira contra a infecção. Também têm a função de eliminar células danificadas e corpos estranhos. As causas da inflamação incluem infecções, necrose dos tecidos, corpos estranhos, traumas e respostas imunológicas. Características gerais Reconhecimento de microorganismos Receptores celulares para microrganismos As células expressam receptores na membrana plasmática (para microrganismos extracelulares), os endossomos (para microrganismos ingeridos) e o citosol (para microrganismos intracelulares),que permitem que as células percebam a presença de invasores estranhos em qualquer compartimento celular. Os mais específicos desses receptores pertencem à família dos receptores Toll-like (TLRs); esses e outros receptores celulares de imunidade inata são descritos no Capítulo 6. Os receptores são expressos em muitos tipos de células, incluindo as células epiteliais (através das quais os microrganismos entram a partir do ambiente externo), células dendríticas, macrófagos e outros leucócitos (que podem encontrar microrganismos em vários tecidos). O envolvimento desses receptores deflagra a produção de moléculas abrangidas na inflamação, inclusive as moléculas de adesão nas células endoteliais, citocinas e outros mediadores. Sensores de dano celular Todas as células têm receptores citosólicos que reconhecem um conjunto diverso de moléculas que são liberadas ou alteradas como consequência do dano celular. Essas moléculas incluem ácido úrico (um produto da quebra do DNA), ATP (liberado da mitocôndria danificada), concentrações intracelulares reduzidas de K+ (devido à perda de íons pela lesão da membrana plasmática) e até o DNA quando é liberado no citoplasma e não concentrado no núcleo, como, normalmente, deveria ser, entre outras. Esses receptores ativam um complexo citosólico multiproteico denominado de inflamassomo , o qual induz a produção da citocina interleucina-1 (IL-1). A IL-1 recruta leucócitos e, então, induz a inflamação (ver adiante). As mutações “ganho de função” (gains of function) no sensor são a causa de doenças raras conhecidas como síndromes autoinflamatórias, que se caracterizam pela inflamação espontânea; os antagonistas da IL-1 são tratamentos efetivos para esses distúrbios. O inflamassomo também tem sido relacionado a reações inflamatórias a cristais de urato (causa da gota), lipídios (na síndrome metabólica), cristais de colesterol (na aterosclerose) e até depósitos de amiloides no cérebro (na doença de Alzheimer). Esses distúrbios são discutidos adiante, neste e em outros capítulos. Outros receptores celulares envolvidos na inflamação Além dos microrganismos diretamente reconhecidos, muitos leucócitos expressam receptores para as caudas Fc dos anticorpos e para as proteínas do complemento. Esses receptores reconhecem os microrganismos revestidos com anticorpos e complemento (o processo de revestimento recebe o nome de opsonização) e promovem a ingestão e a Alina Villela Medicina Alina Villela destruição dos microrganismos, além de inflamação. Proteínas circulatórias O sistema complemento reage contra os microrganismos e produz mediadores de inflamação (discutidos adiante). Uma proteína circulatória chamada lectina ligante de manose (mannose-binding lectin) reconhece os açúcares dos microrganismos e, então, promove a respectiva ingestão e a ativação do sistema complemento. Outras proteínas chamadas colectinas também se ligam e combatem os microrganismos. Inflamação Aguda A inflamação aguda tem três componentes principais: → dilatação de pequenos vasos levando a aumento no fluxo sanguíneo; → aumento de permeabilidade da microvasculatura, que permite que as proteínas do plasma e os leucócitos saiam da circulação e → emigração de leucócitos da microcirculação, seu acúmulo no foco da lesão e sua ativação para eliminar o agente agressor. Quando um organismo encontra um agente lesivo os fagócitos que residem em todos os tecidos tentam eliminar esses agentes. Ao mesmo tempo, os fagócitos e outras células do tipo sentinela nos tecidos reconhecem a presença da substância estranha ou anormal e reagem por meio da liberação de citocinas, mensageiros lipídicos e outros mediadores da inflamação. Alguns desses mediadores agem nos pequenos vasos sanguíneos no entorno, promovendo o efluxo de plasma e o recrutamento de leucócitos circulantes para o sítio no qual o agente agressor está localizado. Reações dos Vasos Sanguíneos na Inflamação Aguda As reações vasculares da inflamação aguda consistem em alterações no fluxo sanguíneo e na permeabilidade dos vasos, ambas destinados à maximização do movimento das proteínas e leucócitos do plasma para fora da circulação, em direção ao local da infecção ou lesão. O deslocamento de fluidos, proteínas e células sanguíneas do sistema vascular para dentro do tecido intersticial ou das cavidades corporais é conhecido como exsudação. Exsudato é o fluido extravascular que apresenta uma elevada concentração proteica e contém resíduos celulares. Sua presença implica que há aumento de permeabilidade dos pequenos vasos sanguíneos provocada por algum tipo de lesão tecidual e uma reação inflamatória contínua. Em contraste, um transudato é um fluido com baixo conteúdo proteico (a maior parte composta de albumina), pouco ou nenhum material celular e baixa gravidade específica. Trata-se, essencialmente, de um ultrafiltrado de plasma sanguíneo que resulta de desequilíbrio osmótico ou hidrostático ao longo da parede do vaso sem aumento correspondente na permeabilidade vascular. O edema denota excesso de fluido no tecido intersticial ou das cavidades serosas, que pode ser ou um exsudato ou um transudato. O pus, um exsudato purulento, é um exsudato inflamatório rico em leucócitos (principalmente neutrófilos), restos de células mortas e, em muitos casos, microrganismos. Alterações no Fluxo e no Calibre Vascular As mudanças no fluxo e no calibre vascular se iniciam logo após a lesão e consistem no seguinte: A vasodilatação é induzida pela ação de vários mediadores, sobretudo a histamina, nos músculos lisos vasculares. É uma das primeiras manifestações de inflamação aguda. Inicialmente, a vasodilatação envolve as arteríolas e, então, leva à abertura de novos leitos capilares na área. O resultado é o fluxo sanguíneo aumentado, que é a causa do calor e da vermelhidão (eritema) no local da inflamação. A vasodilatação é rapidamente seguida por aumento de permeabilidade da microvasculatura, com extravasamento de Alina Villela Medicina Alina Villela fluido rico em proteína nos tecidos extravasculares; esse processo é descrito em detalhes a seguir. A perda de fluido e o diâmetro aumentado do vaso levam a fluxo sanguíneo mais lento, concentração de hemácias em pequenos vasos e aumento de viscosidade do sangue. Essas alterações resultam na obstrução dos pequenos vasos com hemácias se movimentando lentamente, uma condição denominada estase, que é vista como congestão vascular e vermelhidão localizada do tecido envolvido. À medida que a estase se desenvolve, os leucócitos sanguíneos, principalmente os neutrófilos, se acumulam ao longo do endotélio vascular. Ao mesmo tempo, as células endoteliais são ativadas por mediadores produzidos nos locais de infecção e dano tecidual, expressando níveis aumentados de moléculas de adesão. Os leucócitos, então, aderem ao endotélio e, logo depois, migram através da parede vascular para dentro do tecido intersticial. Permeabilidade Vascular Aumentada (Extravasamento) A contração das células endoteliais resultando no aumento dos espaços interendoteliais é o mecanismo mais comum de extravasamento. É deflagrada por histamina, bradicinina, leucotrienos e outros mediadores químicos. É chamada resposta transitória imediata, pois ocorre rapidamente após a exposição ao mediador e, em geral, tem vida curta (15 a 30 minutos). Em algumas formas de lesão leve (p. ex., após queimaduras, irradiação ou radiação ultravioleta e exposição a certas toxinas bacterianas), o extravasamento tem início após um atraso de 2 a 12 horas e dura por várias horas ou mesmo dias; esse extravasamento atrasado e prolongado pode ser causado pela contração das célulasendoteliais ou por dano endotelial leve. A queimadura de sol com aparecimento tardio é um bom exemplo desse tipo de extravasamento. Os neutrófilos que aderem ao endotélio durante a inflamação também podem lesar as células endoteliais e, portanto, amplificar a reação. Na maioria dos exemplos, o extravasamento se inicia imediatamente após a lesão e é mantido por várias horas até que os vasos danificados sejam trombosados ou reparados. Respostas de Vasos Linfáticos e Linfonodos O sistema linfático e os linfonodos filtram e policiam os fluidos extravasculares. Normalmente, os vasos linfáticos drenam a pequena quantidade de fluido extravascular que saiu dos capilares. Na inflamação, o fluxo linfático é aumentado e ajuda a drenar o fluido do edema que se acumula devido ao aumento de permeabilidade vascular. Além do fluido, os leucócitos e os resíduos celulares, bem como os microrganismos, podem encontrar o caminho até a linfa. Os vasos linfáticos, assim como os vasos sanguíneos, se proliferam durante as reações inflamatórias a fim de lidar com o aumento da carga. Os vasos linfáticos podem tornar-se inflamados de maneira secundária (linfangite), da mesma forma que os linfonodos de drenagem (linfadenite). Com frequência, os linfonodos inflamados são aumentados por causa da hiperplasia dos folículos linfoides e do aumento no número de linfócitos e macrófagos. Essa constelação de alterações patológicas recebe o nome de linfadenite reativa ou inflamatória. Para os clínicos, a presença de estrias vermelhas perto de uma ferida na pele é sinal revelador de infecção. Essas estrias seguem o curso dos canais linfáticos e são diagnósticas de linfangite; podem estar acompanhadas de aumento doloroso dos linfonodos de drenagem, indicando linfadenite. Recrutamento de Leucócitos para os Locais de Inflamação As mudanças no fluxo sanguíneo e na permeabilidade vascular são rapidamente seguidas por influxo de leucócitos no tecido. Esses leucócitos realizam a função principal de eliminar os agentes agressores. Os leucócitos mais importantes nas reações inflamatórias típicas são aqueles que podem realizar a fagocitose, em especial os neutrófilos e os macrófagos. Esses leucócitos ingerem e destroem bactérias e outros microrganismos, além de tecido necrótico e substâncias estranhas. Os leucócitos também produzem fatores de crescimento que ajudam no reparo. Alina Villela Medicina Alina Villela O preço pago pela potência de defesa dos leucócitos é que, quando fortemente ativados, eles podem induzir dano aos tecidos e prolongar a inflamação, pois os produtos dos leucócitos que destroem os microrganismos e ajudam a “limpar” os tecidos necróticos também podem lesar os tecidos do hospedeiro não envolvidos no processo. A jornada dos leucócitos da luz vascular até o tecido é um processo de várias etapas, mediado e controlado por moléculas de adesão e citocinas chamadas quimiocinas. Esse processo pode ser dividido em fases sequenciais: 1. Na luz: marginação, rolamento e adesão ao endotélio. O endotélio vascular, em seu estado normal não ativado, não se liga às células circulantes nem impede sua passagem. Na inflamação, o endotélio é ativado e pode ligar-se aos leucócitos, como um prelúdio de sua saída dos vasos sanguíneos. 2. Migração através do endotélio e da parede do vaso. 3. Migração nos tecidos em direção aos estímulos quimiotáticos. Adesão do Leucócito ao Endotélio No sangue que flui normalmente nas vênulas, as hemácias estão confinadas à coluna axial central, deslocando os leucócitos em direção à parede do vaso. Como o fluxo sanguíneo torna-se mais lento no princípio da inflamação (estase), as condições hemodinâmicas mudam (a tensão de cisalhamento na parede do vaso diminui) e mais leucócitos assumem posição periférica ao longo da superfície endotelial. Esse processo de redistribuição dos leucócitos é chamado de marginação. Subsequentemente, os leucócitos aderem, de forma transitória, ao endotélio, separam-se e se ligam novamente, rolando, dessa forma, na parede do vaso. As células finalmente param em certo ponto, onde aderem firmemente (lembrando seixos sobre os quais a corrente flui sem perturbá-los). A ligação dos leucócitos às células endoteliais é mediada pelas moléculas de adesão complementares nos dois tipos de células cuja expressão é reforçada pelas citocinas. As citocinas são secretadas pelas células-sentinela nos tecidos, como resposta aos microrganismos e outros agentes lesivos, garantindo, dessa forma, que os leucócitos sejam recrutados aos tecidos, onde esses estímulos estão presentes. As duas famílias mais importantes de moléculas envolvidas na adesão e migração de leucócitos são as selectinas e integrinas, e seus ligantes. Elas são expressas nos leucócitos e nas células endoteliais. As interações de rolamento iniciais são mediadas por uma família de proteínas chamadas de seletinas. Existem três tipos de selectinas: uma expressa nos leucócitos (L-selectina), uma no endotélio (E-selectina) e uma em plaquetas e no endotélio (P-selectina). Os ligantes das selectinas são oligossacarídeos sinalizados que se ligam a colunas de glicoproteína do tipo mucina. A expressão das selectinas e de seus ligantes é regulada pelas citocinas produzidas em resposta a infecção e lesão. Os macrófagos teciduais, mastócitos e células endoteliais que encontram os microrganismos e tecidos mortos respondem através da secreção de várias citocinas, incluindo o fator de necrose tumoral (TNF), a interleucina-1 (IL-1) e as quimiocinas (citocinas quimioatraentes). O TNF e a IL-1 agem nas células endoteliais das vênulas pós-capilares adjacentes à infecção e induzem a expressão coordenada de numerosas moléculas de adesão. Dentro de 1 a 2 horas, as células endoteliais começam a expressar E-selectina e os ligantes da E-selectina. Outros mediadores, como histamina e trombina, estimulam a redistribuição da P-selectina de seus estoques intracelulares normais nos grânulos das células endoteliais (chamados de corpos de Weibel-Palade) para a superfície celular. Os leucócitos expressam a L- selectina nas extremidades de seus microvilos e também expressam ligantes para as E e P-selectinas, todos eles se ligando às moléculas complementares nas células endoteliais. Essas são interações de baixa afinidade com rápida dissociação, sendo facilmente rompidas pelo fluxo do sangue. Como resultado, os leucócitos se ligam, desligam e se ligam novamente, começando a rolar ao longo da superfície endotelial. Alina Villela Medicina Alina Villela Migração dos Leucócitos através do Endotélio A próxima etapa no processo de recrutamento dos leucócitos é a migração dos leucócitos através do endotélio, chamada de transmigração ou diapedese. A transmigração dos leucócitos ocorre principalmente nas vênulas pós- capilares. As quimiocinas agem nos leucócitos que se aderem e estimulam as células a migrar através dos espaços interendoteliais em direção ao gradiente de concentração química; ou seja, rumo ao local da lesão ou da infecção onde as quimiocinas estão sendo produzidas. Várias moléculas de adesão presentes nas junções intercelulares entre as células endoteliais estão envolvidas na migração dos leucócitos. Essas moléculas incluem um membro da superfamília de imunoglobulinas chamado de CD31 ou PECAM-1 (molécula de adesão celular endotelial plaquetária-1). Após atravessar o endotélio, os leucócitos penetram na membrana basal, provavelmente por secretarem colagenases, e entram no tecido extravascular. As células, então, migram em direção ao gradiente quimiotático criado pelas quimiocinas e por outros quimioatraentes, acumulando-se no sítio extravascular Quimiotaxia dos Leucócitos Apóssair da circulação, os leucócitos vão para os tecidos em direção ao local da lesão por meio de um processo chamado quimiotaxia, que é definido como a locomoção seguindo um gradiente químico. Ambas as substâncias, exógenas e endógenas, podem agir como quimioatraentes. Os agentes exógenos mais comuns são os produtos bacterianos, incluindo os peptídeos que possuem um aminoácido terminal N-formilmetionina e alguns lipídios. Os quimioatraentes endógenos incluem vários mediadores químicos: (1) citocinas, particularmente aquelas da família de quimiocinas (p. ex., IL-8); (2) componentes do sistema complemento, particularmente o C5a (3) metabólitos, principalmente o leucotrieno B4 (LTB4). Todos esses agentes quimiotáticos se ligam a receptores específicos ligados a proteínas G transmembrana-7 na superfície dos leucócitos. Os sinais iniciados a partir desses receptores resultam na ativação de mensageiros secundários que aumentam o cálcio citosólico e ativam pequenas guanosinas trifosfatases da família Rac/Rho/cdc42, bem como várias cinases. Esses sinais induzem a polimerização da actina, resultando no aumento das quantidades de actina polimerizada nas bordas da célula e na localização de filamentos de miosina na parte posterior. O leucócito se move ao estender filopódios que puxam a parte de trás da célula na direção da extensão, da mesma forma que um automóvel com volante na frente do motorista é puxado pelas rodas dianteiras. O resultado final é que os leucócitos migram seguindo os estímulos inflamatórios na direção dos quimioatraentes localmente produzidos. A natureza do infiltrado de leucócitos varia de acordo com o tempo da resposta inflamatória e com o tipo de estímulo. Na maioria das formas de inflamação aguda, os neutrófilos predominam no infiltrado inflamatório durante as primeiras 6 a 24 horas, sendo substituídos pelos monócitos em 24 a 48 horas. Há várias razões para a preponderância inicial dos neutrófilos: eles são mais numerosos no sangue, respondem mais rapidamente às quimiocinas e podem ligar-se mais firmemente às moléculas de adesão que são rapidamente expressas nas células endoteliais, tais como P- e E-selectinas. Após a entrada nos tecidos, os neutrófilos têm vida curta: entram em apoptose e desaparecem em 24 a 48 horas. Os monócitos não apenas sobrevivem por mais tempo, como também podem proliferar nos tecidos e, então, tornar-se a população dominante nas reações inflamatórias crônicas. No entanto, eles são exceções a esse estereótipo de infiltração celular. Em certas infecções – por exemplo, aquelas produzidas por bactérias Pseudomonas –, o infiltrado celular é dominado por neutrófilos continuamente recrutados por vários dias; em infecções virais, os linfócitos podem ser as primeiras células a chegar; algumas reações de hipersensibilidade são dominadas por linfócitos ativos, macrófagos e células do plasma (refletindo a resposta imunológica); nas Alina Villela Medicina Alina Villela reações alérgicas, os eosinófilos podem ser o tipo celular principal. A compreensão acerca de recrutamento e migração de leucócitos proporcionou um grande número de alvos terapêuticos em potencial para controlar a inflamação nociva. Os agentes que bloqueiam o TNF, uma das principais citocinas no recrutamento dos leucócitos, estão entre as terapias de maior sucesso já desenvolvidas para doenças inflamatórias crônicas, e os antagonistas das integrinas dos leucócitos são aprovados para as doenças inflamatórias, ou estão sendo submetidos a ensaios clínicos. Previsivelmente, esses antagonistas não apenas têm o efeito desejado de controlar a inflamação, como também podem comprometer a capacidade dos pacientes tratados de se defenderem contra microrganismos, o que, é claro, é a função fisiológica da resposta inflamatória. Uma vez que os leucócitos (em especial, os neutrófilos e monócitos) tenham sido recrutados para o local da infecção ou morte celular, devem ser ativados para realizar suas funções. As respostas desses leucócitos consistem em: (1) reconhecimento dos agentes agressores pelos TLRs e outros receptores, descritos anteriormente, os quais geram sinais que (2) ativam os leucócitos para a fagocitose e destroem os agentes agressores. Fagocitose e Liberação do Agente Agressor O reconhecimento dos microrganismos ou células mortas induz a várias respostas nos leucócitos que, em conjunto, são chamadas de ativação de leucócitos. A ativação resulta em vias de sinalização que são desencadeadas nos leucócitos, levando a aumento no Ca2+ citosólico e ativação de enzimas como a proteína quinase C e a fosfolipase A2. As respostas funcionais mais importantes para a destruição dos microrganismos e outros agentes lesivos são a fagocitose e a morte intracelular. A fagocitose envolve três fases sequenciais: (1) reconhecimento e ligação da partícula a ser ingerida pelo leucócito; (2) sua ingestão, com subsequente formação do vacúolo fagocítico; (3) morte ou degradação do material ingerido. Receptores Fagocíticos: Os receptores de manose, receptores depuradores (scavenger) e receptores para várias opsoninas ligantes aos microrganismos ingeridos. O receptor de manose dos macrófagos é uma lectina que se liga aos resíduos terminais manose e fucose de glicoproteínas e glicolipídios. Tipicamente, esses açúcares são parte das moléculas encontradas nas paredes celulares microbianas, enquanto as glicoproteínas e os glicolipídios de mamíferos contêm ácido siálico e N- acetilgalactosamina terminais. Por esse motivo, o receptor de manose reconhece microrganismos, e não as células do hospedeiro. Os receptores depuradores foram originalmente definidos como moléculas que se ligam e medeiam a endocitose de partículas de lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada ou acetilada que não podem mais interagir com o receptor convencional de LDL. Os receptores depuradores de macrófagos se ligam a uma variedade de microrganismos em adição às partículas de LDL modificadas. As integrinas dos macrófagos, notadamente a Mac-1 (CD11b/CD18), também podem ligar-se aos microrganismos para a fagocitose. A eficiência da fagocitose é significativamente maior quando os microrganismos são opsonizados por proteínas específicas (opsoninas) para as quais os fagócitos expressam receptores de alta afinidade. As principais opsoninas são os anticorpos IgG, o produto da quebra de C3b do complemento e certas lectinas do plasma, sobretudo a lectina ligante de manose, todas reconhecidas por receptores específicos nos leucócitos. Englobamento: Após a ligação da partícula aos receptores do fagócito, as extensões do citoplasma (pseudópodes) fluem ao redor dela e a membrana plasmática se fecha para formar uma vesícula (fagossomo) que engloba a partícula. Em seguida, o fagossomo se funde com o grânulo lisossômico, resultando na liberação do conteúdo do grânulo para dentro do fagolisossomo. Durante esse processo, o fagócito também pode liberar o conteúdo do Alina Villela Medicina Alina Villela grânulo para dentro do espaço extracelular. O processo de fagocitose é complexo e envolve a integração de muitos sinais iniciados pelos receptores, que levam ao remodelamento da membrana e a alterações no citoesqueleto. A fagocitose depende da polimerização dos filamentos de actina; não surpreende, portanto, que os vários sinais desencadeadores da fagocitose sejam os mesmos envolvidos na quimiotaxia. Destruição Intracelular de Microrganismos e Resíduos A morte dos microrganismos é realizada pelas espécies reativas de oxigênio e espécies reativas de nitrogênio, principalmente aquelas derivadas do óxido nítrico (NO). Estes, tanto quanto as enzimas lisossômicas, destroem os resíduos fagocitados.Esse é o passo final da eliminação de agentes infecciosos e células necróticas. A morte e a degradação de microrganismos e resíduos de células mortas dentro de neutrófilos e macrófagos ocorrem de maneira mais eficiente após a ativação dos fagócitos. Todos esses mecanismos eliminadores são concentrados nos lisossomos, para os quais o material fagocitado é trazido. Dessa forma, as substâncias potencialmente lesivas são segregadas do citoplasma e do núcleo celular, a fim de evitar dano ao fagócito enquanto ele realiza sua função normal. A influência dos radicais livres derivados do oxigênio em qualquer reação inflamatória depende do balanço entre a produção e a inativação desses metabólitos por células e tecidos. O NO, um gás solúvel produzido a partir da ação do óxido nítrico sintase (NOS), também participa da eliminação dos microrganismos. Há três tipos diferentes de NOS: o endotelial (eNOS), o neuronal (nNOS) e o induzível (iNOS). O eNOS e o nNOS são constitutivamente expressos em baixos níveis, e o NO que produzem funciona com o objetivo de manter o tônus vascular e como um neurotransmissor, respectivamente. O iNOS, tipo envolvido na eliminação de microrganismos, é induzido quando os macrófagos e neutrófilos são ativados pelas citocinas (p. ex., IFN-γ) ou produtos microbianos. Nos macrófagos, o NO reage com o superóxido ( ) para gerar o radical livre altamente reativo peroxinitrito (ONOO- ). Esses radicais livres derivados do nitrogênio, de maneira similar à ERO, atacam e danificam os lipídios, proteínas e ácidos nucleicos dos microrganismos e células hospedeiras. Além de seu papel como substância microbicida, o NO relaxa o músculo liso vascular e promove a vasodilatação. Enzimas Lisossômicas e Outras Proteínas Lisossômicas Os neutrófilos e monócitos contêm grânulos lisossômicos que contribuem para a eliminação de microrganismos e, quando liberados, podem contribuir para o dano tecidual. Os neutrófilos têm dois principais tipos de grânulos. Os grânulos menores específicos (ou secundários) contêm lisozima, colagenase, gelatinase, lactoferrina, ativador de plasminogênio, histaminase e fosfatase alcalina. Os grânulos azurófilos maiores (ou primários) contêm mieloperoxidase, fatores bactericidas (lizozima, defensinas), hidrolases ácidas e uma variedade de proteases neutras (elastase, catepsina G, colagenases não específicas, proteinase 3). Ambos os tipos de grânulos podem fundir-se com os vacúolos fagocíticos contendo material ingerido, ou o conteúdo dos grânulos pode ser liberado no espaço extracelular. Diferentes enzimas dos grânulos exercem diferentes funções. As proteases ácidas degradam bactérias e resíduos dentro dos fagolisossomos, onde são acidificados por bombas de prótons ligadas às membranas. As proteases neutras são capazes de degradar vários componentes extracelulares, como, por exemplo, colágeno, membrana basal, fibrina, elastina e cartilagem, resultando em destruição tecidual que acompanha os processos inflamatórios. As proteases neutras também podem clivar diretamente as proteínas do complemento C3 e C5, liberando anafilatoxinas e liberando um peptídeo tipo cinina a partir do cininogênio. A elastase de neutrófilo mostrou degradar os fatores de virulência das bactérias, combatendo, portanto, as infecções bacterianas. Os macrófagos também contêm hidrolases ácidas, colagenase, elastase, fosfolipase e ativador do plasminogênio. Por causa dos efeitos destrutivos das enzimas lisossômicas, a infiltração leucocítica inicial, se não for controlada, eventualmente Alina Villela Medicina Alina Villela potencializa mais inflamação e dano tecidual. Essas proteases nocivas, entretanto, são mantidas sob controle por um sistema de antiproteases no soro e nos fluidos teciduais. A principal delas é a α1-antitripsina, que é o principal inibidor da elastase de neutrófilo. Uma deficiência desses inibidores pode levar à ação contínua das proteases leucocitárias, como é o caso em pacientes com deficiência de α1-antitripsina. A α2-Macroglobulina é outra antiprotease encontrada no soro e em várias secreções. Outros constituintes microbicidas granulares incluem as defensinas, peptídeos dos grânulos ricos em arginina catiônica que são tóxicos para os microrganismos; catelicidinas, proteínas antimicrobianas encontradas em neutrófilos e outras células; lisozima, que hidrolisa a ligação do ácido murâmico N-acetilglicosamina, encontrado na cápsula glicopeptídica de todas as bactérias; lactoferrina, uma proteína ligante de ferro presente em grânulos específicos; e a proteína básica principal, uma proteína catiônica de eosinófilos, os quais têm atividade bactericida limitada mas citotóxica para muitos parasitas. Armadilhas Extracelulares de Neutrófilos As armadilhas extracelulares de neutrófilos são redes fibrilares extracelulares que fornecem alta concentração de substâncias antimicrobianas em locais de infecção, evitando, assim, que os microrganismos se espalhem ao prendê-los nas fibrilas. São produzidas pelos neutrófilos em resposta a patógenos infecciosos (principalmente bactérias e fungos) e mediadores inflamatórios (p. ex., quimiocinas, citocinas [principalmente os interferons], proteínas do complemento e EROs). A armadilha extracelular consiste em uma malha viscosa de cromatina nuclear que liga e concentra as proteínas granulares como os peptídeos e as enzimas antimicrobianas. No processo de formação das NETs, os núcleos dos neutrófilos desaparecem, levando à morte das células. As NETs também foram detectadas no sangue durante a sepse, e acredita-se que sua formação na circulação depende da ativação das plaquetas. Postula-se que a cromatina nuclear nas NETs, que inclui histonas e DNA associado, seja uma fonte de antígenos nucleares nas doenças autoimunes sistêmicas, particularmente o lúpus, no qual os indivíduos reagem contra seu próprio DNA e nucleoproteínas. Dano Tecidual Mediado por Leucócitos Os leucócitos são importantes causas de lesão às células e aos tecidos normais sob várias circunstâncias: Como parte da reação de defesa normal contra microrganismos infecciosos, quando tecidos adjacentes sofrem danos colaterais. Em algumas infecções de difícil erradicação, como a tuberculose e certas doenças virais, a resposta prolongada do hospedeiro contribui mais para a doença do que o próprio microrganismo. Quando a resposta inflamatória é inapropriadamente direcionada contra os tecidos do hospedeiro, como em certas doenças autoimunes. Quando o hospedeiro reage excessivamente contra substâncias do ambiente geralmente inofensivas, como ocorre nas doenças alérgicas, incluindo a asma. Em todas essas situações, os mecanismos pelos quais os leucócitos danificam os tecidos normais são os mesmos envolvidos na defesa antimicrobiana, porque, uma vez que os leucócitos estejam ativados, seus mecanismos efetores não distinguem entre agressor e hospedeiro. Durante a ativação e a fagocitose, os neutrófilos e macrófagos produzem substâncias microbicidas (ERO, NO e enzimas lisossômicas) dentro do fagolisossomo; essas substâncias também são liberadas no espaço extracelular. Essas substâncias liberadas são capazes de lesar as células normais e o endotélio vascular, podendo, dessa forma, amplificar os efeitos do agente lesivo inicial. De fato, se não controlado ou se for inapropriadamente direcionado contra os tecidos do hospedeiro, o infiltrado leucocitário, por si só, se torna o agressor, sendo a lesão tecidual dependente de leucócitos a base de muitas doenças humanas agudas e crônicas. Outras Respostas Funcionais dos Leucócitos Ativados Além da eliminação dos microrganismos e células mortas, os leucócitos ativados têm várias outras funções na defesado hospedeiro. De forma importante, essas células, especialmente os macrófagos, produzem citocinas que podem ou amplificar Alina Villela Medicina Alina Villela ou limitar as reações inflamatórias, fatores de crescimento que estimulam a proliferação das células endoteliais e fibroblastos e a síntese de colágeno, além de enzimas que remodelam os tecidos conjuntivos. Devido a essas atividades, os macrófagos também são células críticas da inflamação crônica e do reparo tecidual, após a diminuição do processo inflamatório. Recentemente tornou-se claro que alguns linfócitos T, que são células de imunidade adaptativa, também contribuem para a inflamação aguda. As mais importantes dentre essas células são aquelas que produzem a citocina Il-17 (as assim-chamadas células TH17). A IL-17 estimula a secreção de quimiocinas que recrutam outros leucócitos. Na ausência de respostas efetivas de TH17, os indivíduos se mostram suscetíveis a infecções fúngicas e bacterianas, e os abscessos cutâneos que se desenvolvem são os “abscessos frios”, que não apresentam as características clássicas da inflamação aguda, como calor e vermelhidão. Término da Resposta Inflamatória Aguda Um sistema tão potente de defesa do hospedeiro, com capacidade inerente para causar dano tecidual, precisa de controle rigoroso, a fim de minimizar o dano. Em parte, a inflamação diminui depois de os agentes agressores serem removidos, simplesmente porque os mediadores da inflamação são produzidos em rápidos surtos, somente enquanto o estímulo persiste, têm meias-vidas curtas e são degradados após sua liberação. Os neutrófilos também têm meia-vida curta nos tecidos, morrendo por apoptose dentro de poucas horas após deixarem o sangue. Além disso, à medida que a inflamação se desenvolve, o próprio processo deflagra uma gama de sinais de alerta que ativamente encerram a reação. Esses mecanismos de término ativo incluem um interruptor do tipo de metabólito de ácido araquidônico produzido, de leucotrienos pró-inflamatórios a lipoxinas anti-inflamatórias (descritas adiante), e a liberação de citocinas anti- inflamatórias, incluindo o fator de crescimento transformante β (TGF-β) e a IL-10, a partir de macrófagos e outras células. Outro mecanismo de controle que experimentalmente foi demonstrado inclui os impulsos neurais (descarga colinérgica) que inibem a produção de TNF em macrófagos. Mediadores da Inflamação Os mediadores da inflamação são as substâncias que iniciam e regulam as reações inflamatórias. Muitos mediadores foram identificados, sendo alvos de terapias destinadas a limitar a inflamação. Nesta discussão, revemos suas propriedades compartilhadas e os princípios gerais de sua produção e ações. Os mediadores mais importantes da inflamação aguda são as aminas vasoativas, os produtos lipídicos (prostaglandinas e leucotrienos), as citocinas (incluindo as quimiocinas) e os produtos da ativação do complemento (Tabela 3-4). Esses mediadores induzem vários componentes da resposta inflamatória tipicamente através de mecanismos distintos, e é por isso que inibir cada um deles tem sido terapeuticamente benéfico. Mediadores são secretados a partir de células ou produzidos a partir de proteínas plasmáticas. Os mediadores derivados de células são, em geral, concentrados em grânulos intracelulares e podem ser rapidamente secretados por exocitose do grânulo (p. ex., histamina nos grânulos dos mastócitos) ou são sintetizados de novo (p. ex., prostaglandinas e leucotrienos, citocinas) em resposta a um estímulo. Os principais tipos de células que produzem mediadores de inflamação aguda são as sentinelas, que detectam invasores e dano tecidual, ou seja, macrófagos, células dendríticas e mastócitos; no entanto, plaquetas, neutrófilos, células endoteliais e a maioria dos epitélios também podem ser estimulados a produzir alguns dos mediadores. Os mediadores derivados do plasma (p. ex., proteínas do complemento) são produzidos principalmente no fígado e estão presentes na circulação como precursores inativos que têm de ser ativados, em geral por Alina Villela Medicina Alina Villela uma série de clivagens proteolíticas, a fim de adquirir suas propriedades biológicas. Mediadores ativos são produzidos somente em resposta a vários estímulos. Esses estímulos incluem substâncias e produtos microbianos liberados a partir das células necróticas. Alguns dos estímulos deflagram receptores específicos e vias de sinalização, anteriormente descritos, mas ainda não sabemos como os outros estímulos induzem a secreção de mediadores (p. ex., a partir de mastócitos, em resposta a uma lesão celular ou irritação mecânica). Essa condição comum de os microrganismos ou os tecidos mortos atuarem como estímulo inicial garante que a inflamação normalmente seja desencadeada apenas quando e onde se fizer necessária. A maioria dos mediadores tem vida curta. Eles declinam rapidamente, são desativados por enzimas ou são, de forma alternativa, depurados ou inibidos. Existe, então, um sistema de controle e balanço que regula as ações dos mediadores. Esses mecanismos de controle inatos são discutidos em cada classe de mediador. Um mediador pode estimular a liberação de outros mediadores. Por exemplo, os produtos da ativação do complemento estimulam a liberação de histamina, e a citocina TNF age nas células endoteliais para estimular a produção de outra citocina, a IL-1, e muitas quimiocinas. Os mediadores secundários podem ter as mesmas ações dos mediadores iniciais, mas também podem ter atividades diferentes e até mesmo opostas. Tais cascatas fornecem mecanismos para amplificar – ou, em certos casos, neutralizar – a ação inicial do mediador. Aminas Vasoativas: Histamina e Serotonina Elas são armazenadas como moléculas preformadas nas células e estão, portanto, entre os primeiros mediadores a serem liberados durante a inflamação. As fontes mais ricas de histamina são os mastócitos normalmente presentes no tecido conjuntivo adjacente aos vasos sanguíneos. A histamina também é encontrada nos basófilos do sangue e nas plaquetas. É armazenada nos grânulos dos mastócitos e liberada pela desgranulação em resposta a uma variedade de estímulos, incluindo (1) lesão física, como trauma, frio ou calor; (2) ligação de anticorpos aos mastócitos, que constitui a base das reações alérgicas (Cap. 6); e (3) produtos do complemento chamados de anafilatoxinas (C3a e C5a). Os anticorpos e produtos do complemento se ligam a receptores específicos nos mastócitos, desencadeando vias de sinalização que induzem a rápida desgranulação. Os neuropeptídeos (p. ex., substância P) e citocinas (IL-1, Il-8) também podem deflagrar a liberação de histamina. A histamina causa dilatação das arteríolas e aumenta a permeabilidade das vênulas. É considerada o principal mediador da fase transitória imediata do aumento na permeabilidade vascular, produzindo espaços interendoteliais nas vênulas. Seus efeitos vasoativos são mediados principalmente pela ligação a receptores chamados H1 nas células endoteliais microvasculares. As drogas anti-histamínicas que são comumente usadas para tratar algumas reações inflamatórias, como as alergias, são antagonistas do receptor H1 que se ligam e bloqueiam o receptor. A histamina também provoca a contração de alguns músculos lisos. A serotonina (5-hidroxitriptamina) é um mediador vasoativo preformado presente nas plaquetas e em certas células neuroendócrinas, como naquelas do trato gastrointestinal e nos mastócitos de roedores, mas não em humanos. Sua função primária é atuar como um neurotransmissor no trato gastrointestinal. Metabólitos do Ácido Araquidônico Os mediadores lipídicos, prostaglandinas e leucotrienos,
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