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1 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro ILICITUDE Ilicitude é a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Causas Excludentes de Ilicitude Legais Genéricas - Estado de necessidade - Legítima defesa - Estrito cumprimento de dever legal - Exercício regular de direito Específicas - art. 128, CP (aborto); - art. 142, CP (Injúria e Difamação); - art. 146, § 3º, I e II, CP (constragimento ilegal); - art. 150, § 3º, I e II, CP (violação de domicílio); - art. 156, § 2º, CP (Furto de coisa comum); Supralegais - Consentimento do ofendido; - Princípio da adequação social; - Princípio do balanço dos bens. 2 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE São sinônimos de causas de exclusão da ilicitude: DESCRIMINANTES ou JUSTIFICANTES. LEGAIS Parte Geral do CP As descriminantes previstas na parte geral estão no art. 23 do CP. Exclusão de ilicitude Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parte Especial do CP A jurisprudência e a doutrina dizem que são causas especiais de exclusão da ilicitude. É um caso de descriminante especial o aborto permitido. Art. 128 do CP. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante (modalidade especial de estado de necessidade); Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Legislação Especial Por exemplo, na lei dos crimes ambientais (Lei 9.605/98), existem causas especiais de exclusão da ilicitude. Constituição Federal de 1988 Apesar de divergente, temos corrente ensinando que a imunidade parlamentar exclui a ilicitude. Mas isso não é o que prevalece. Prevalece que a imunidade parlamentar exclui a tipicidade. SUPRALEGAIS São descriminantes que não estão previstas em lei. Um exemplo é o consentimento do ofendido. 3 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE PREVISTAS NA PARTE GERAL DO CP Exclusão de ilicitude Art. 23 do CP. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. ESTADO DE NECESSIDADE Está previsto no art. 23, I, e art. 24 do CP. Exclusão de ilicitude Art. 23 do CP. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Estado de necessidade Art. 24 do CP. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Conceito da doutrina Considera-se em estado de necessidade quem pratica um fato típico, sacrificando um bem jurídico, para salvar de perigo atual direito próprio ou de terceiro, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. SE HÁ DOIS BENS EM PERIGO DE LESÃO, O ESTADO PERMITE QUE SEJA SACRIFICADO UM DELES, POIS, DIANTE DO CASO CONCRETO, A TUTELA PENAL NÃO PODE SALVAGUARDAR A AMBOS. Requisitos do estado de necessidade Requisitos objetivos (a) Perigo atual; (b) Que a situação de perigo não tenha sido causada voluntariamente pelo agente; (c) O agente deve agir para salvar direito próprio ou alheio; (d) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo; (e) Inevitabilidade do comportamento lesivo; (f) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado. 4 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Requisitos Objetivos (Estão todos no art. 24 do CP) (a) Perigo atual O perigo atual pode decorrer de: (a) comportamento humano; (b) comportamento animal; (c) ou fato da natureza. Lembre-se que o perigo não tem destinatário certo. Essa é uma das diferenças entre estado de necessidade e legítima defesa. Dessa forma, se o perigo advém de uma injusta agressão humana, dirigida a determinada pessoa, sua repulsa configura legítima defesa. OBS. Se o perigo é imaginário, não temos estado de necessidade real. Temos o estado de necessidade putativo. Não exclui a ilicitude. O estado de necessidade putativo será estudado mais adiante. (b) Que a situação de perigo não tenha sido causada voluntariamente pelo agente Se o agente foi o causador voluntário do perigo, ele não pode alegar estado de necessidade. O que significa o “voluntariamente”? O causador culposo do delito pode alegar estado de necessidade? Temos duas correntes. (1ª corrente) Entende que causador voluntário significa dolo. Somente quem causou dolosamente o perigo não pode alegar estado de necessidade. O causador culposo pode alegar estado de necessidade. A expressão que não provocou por sua vontade é indicativa de dolo. Esta é a corrente que prevalece. Damásio é adepto. (2ª corrente) Entende que causador voluntário abrange dolo e culpa. A expressão “voluntariamente” indica dolo e culpa. O causador culposo também não pode alegar estado de necessidade. Fundamenta sua tese no art. 13, § 2º, c, do CP (o agente passa a ser um garante, ou seja, o agente tem o dever jurídico de evitar o resultado). Mirabete é adepto dessa corrente. Ela é minoritária. Requisito subjetivo (g) Conhecimento da situação de fato justificante. 5 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Art. 13 do CP (...) § 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. (c) O agente deve agir para salvar direito próprio ou alheio Salvar direito próprio é o conhecido como estado de necessidade próprio. Salvar direito alheio configura o estado de necessidade de terceiro. (d) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo Se o agente tem o dever legal de enfrentar o perigo, tem que enfrentá-lo necessariamente enquanto o perigo comportar enfrentamento. Não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever legal de enfrentar o perigo. Art. 13 do CP (...) § 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Diante de um incêndio, um bombeiro pode deixar de enfrentar o perigo alegando estado de necessidade?Não, pois ele tem o dever legal de agir. Contudo, o bombeiro tem o dever de enfrentar o perigo enquanto for possível o enfrentamento desse perigo. Portanto, o dever do bombeiro não é absoluto, mas sim relativo. Ele tem que enfrentar o perigo enquanto esse perigo comportar enfrentamento. Diante de um assalto, o segurança particular de um empresário tem o dever de enfrentar o perigo? Sim, pois o segurança particular tem um dever contratual, não podendo alegar estado de necessidade. De acordo com a corrente majoritária, o dever contratual também é entendido como dever legal. (e) Inevitabilidade do comportamento lesivo O sacrifício de bem jurídico alheio era o único meio de salvar direito próprio ou de terceiro. O comportamento lesivo deve ser absolutamente inevitável para salvar direito próprio ou de terceiro. Não basta ser o meio mais cômodo, deve ser o meio absolutamente necessário. Se o agente puder salvar o bem jurídico fugindo, deve preferir a fuga. A fuga prefere a sacrifício de bem jurídico alheio. 6 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro (f) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado É o requisito da proporcionalidade. Deve haver proporcionalidade entre o bem protegido e o bem sacrificado. Temos duas teorias discutindo este assunto. Requisito Subjetivo (g) Conhecimento da situação de fato justificante Eis o requisito subjetivo. “Vontade conduzida pelo salvamento”. A ação do estado de necessidade deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de salvamento. O agente tem que ter a vontade de sacrificar bem jurídico alheio para salvar direito próprio ou de terceiro. Se o agente se aproveita do perigo para sacrificar bem jurídico de um inimigo, então vai responder pelo crime, pois faltou a vontade de salvamento. ESTADO DE NECESSIDADE EM CRIME HABITUAL E EM CRIME PERMANENTE Cabe estado de necessidade em crime habitual ou em crime permanente? NÃO. Exigindo a lei como requisito a inevitabilidade do comportamento lesivo, não se tem admitido estado de necessidade nos crimes habituais ou permanentes. A descriminante é incompatível com a natureza dos referidos crimes. Por exemplo, o agente não pode alegar estado de necessidade na manutenção de casa de prostituição porque sua família está passando fome. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA (ESPÉCIES DE ESTADO DE NECESSIDADE) Quanto à titularidade Estado de necessidade próprio: quando se protege bem jurídico do próprio agente; Estado de necessidade de terceiro: quando se protege bem jurídico alheio. Quanto ao elemento subjetivo do agente Estado de necessidade real: existe efetivamente a situação de perigo; Estado de necessidade putativo: o agente age em face de perigo imaginário (não exclui a ilicitude, podendo excluir a tipicidade ou culpabilidade). 7 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Quanto ao terceiro que sofre a ofensa Estado de necessidade defensivo: o agente sacrifica bem jurídico do próprio causador do perigo; Estado de necessidade agressivo: o agente sacrifica bem jurídico de terceiro que não criou a situação de perigo (aqui é possível a ação de indenização contra o agente, e este pode se valer da ação regressiva contra o real causador). FURTO FAMÉLICO O furto famélico pode configurar estado de necessidade, porém deve preencher alguns requisitos: (a) que o fato seja praticado para mitigar a fome; + (b) que haja inevitabilidade do comportamento lesivo; + (c) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência; + (d) que haja insuficiência dos recursos auferidos pelo agente ou impossibilidade de trabalhar (desempregado ou empregado que ganha pouco). 8 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro LEGÍTIMA DEFESA Previsão legal Art. 25 do CP. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. O conceito é o próprio art. 25 do CP. Portanto, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Diferenças entre estado de necessidade e legítima defesa ESTADO DE NECESIDADE LEGITIMA DEFESA Conflito entre vários bens jurídicos diante de uma situação de perigo Ataque ou ameaça a um bem jurídico O perigo decorre de comportamento humano ou de um animal ou de fato da natureza O perigo decorre de agressão humana injusta O perigo não tem destinatário certo O perigo tem destinatário certo (a agressão humana é dirigida) Os interesses em conflito são legítimos Os interesses do agressor são ilegítimos É possível estado de necessidade real versus estado de necessidade real (exemplo: dois náufragos disputando um único colete salva-vidas) Não é possível legitima defesa real versus legitima defesa real (uma das agressões tem que ser injusta, pois não há como conviver duas agressões legítimas)* OBS. Não são possíveis legitimas defesas simultâneas. Mas são possíveis legítimas defesas sucessivas. OBS. É possível legitima defesa real versus legitima defesa putativa, pois esta ultima é ilegítima. E também é possível legitima defesa putativa versus legitima defesa putativa, pois as duas agressões são ilegítimas. Requisitos da legítima defesa Requisitos objetivos (a) Agressão injusta; (b) Agressão atual e iminente; (c) Reação moderada usando os meios necessários; (d) Salvar direito próprio ou alheio; 9 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Objetivos (a) Agressão injusta Não se confunde com mera perturbação. Trata-se de conduta humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos alheios. Lembre-se que tem destinatário certo e determinado. Essa conduta humana pode ser uma ação (mais comum) ou uma omissão (mais raro). É possível legitima defesa de uma omissão que configura uma agressão injusta. Por exemplo, agente penitenciário que se recusa, por vingança, a cumprir o alvará de soltura do detento. É uma agressão injusta que comporta legitima defesa do detento. APROFUNDAMENTO!!! E no caso do ATAQUE DE UM ANIMAL? Se a vítima sacrificar o animal, age em estado de necessidade ou em legitima defesa? DEPENDE. Deve-se diferenciar o ataque espontâneo do animal do ataque provocado pelo dono. Se o ataque do animal é espontâneo, isso configura um perigo atual, logo haverá estado de necessidade. Mas se o ataque do animal foi provocado pelo dono, então teremos uma agressão injusta, onde o animal nada mais é do que um instrumento na mão do dono, caracterizando, portanto, legitima defesa. A agressão deve ser injusta. Quem deve ter consciência da ilicitude da agressão? Quem agride ou quem é agredido? A agressão deve ser injusta, independente da consciência da ilicitude por parte do agressor. Assim, quem se defende de agressão atual e injusta praticada por inimputável, age em legítima defesa. A injustiça da agressão deve ser do conhecimento do agredido, pouco importando se o agressor tinha ou não ciência da injustiça de sua agressão. Por exemplo, se o agredido entende que o ataque de um doente mental configura um perigo atual, então ele deve preferir fugir. Entretanto, se o agredido achar que o ataque do doente mental configura uma agressão injusta, então ele deve repelir oataque do que fugir, podendo alegar legítima defesa. Nelson Hungria já dizia: ninguém precisa se valer da carta dos covardes e dos pusilânimes. ATENÇÃO!!! A obrigação de procurar uma cômoda fuga do local (“commodus discessus”) só está presente no estado de necessidade. Para Roxin, não se concede a ninguém um direito ilimitado de legitima defesa face à agressão de um inimputável, de modo que a excludente não se aplica a todas às situações (agressão praticada por criança contra adulto). Alguns autores resolvem o impasse aplicando, no caso de agressões de inimputáveis, o “commodus discessus”, ou seja, procure a fuga. Requisito subjetivo (e) Conhecimento da situação de fato justificante. 10 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro OBS. Se a agressão injusta for imaginária, não temos legitima defesa real, mas sim legitima defesa putativa. Legitima defesa putativa não exclui a ilicitude, porque não há agressão injusta. (b) A agressão deve ser atual e iminente - Atual é a agressão presente; - Iminente é a agressão prestes a ocorrer. - Se o sujeito estiver diante de uma agressão passada, a reação será uma vingança, jamais legítima defesa. - Se estivermos diante de uma agressão futura, configurará uma mera suposição. - Isso significa que legitima defesa só pode ocorrer diante de agressão atual e iminente. CUIDADO!!! Agressão futura, porém certa, permite legítima defesa? Um exemplo é o presidiário afirmar que vai matar o promotor no futuro. Uma semana depois, o preso é solto. Comprou munição e escreveu nas balas o nome da futura vítima. Nesse caso, o promotor se antecipa e mata o futuro agressor. A antecipação da repulsa caracteriza a legítima defesa antecipada. A legítima defesa antecipada não exclui a ilicitude (não é atual e iminente à agressão), mas sim a culpabilidade, ou seja, é uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. (c) Reação moderada usando os meios necessários O meio necessário é, dentre os meios à disposição do agredido, o meio menos lesivo, porém capaz de repelir a injusta agressão. Exemplo: José agride Mévio com uma espada. Mévio tem à sua disposição para repelir esta injusta agressão: uma metralhadora, um revólver, uma faca e suas habilidades físicas de luta. O meio menos lesivo são as habilidades físicas, mas não é capaz de repelir a injusta agressão de uma espada. A faca passou a ser o meio menos lesivo, mas também não é capaz de repelir a injusta agressão. Dentre a metralhadora e o revólver, o revolver é o meio menos lesivo e capaz a repelir a injusta agressão de uma espada. Desse modo, por meio necessário entende-se o menos lesivo dentre os meios à disposição do agente e capaz de repelir a injusta agressão. Além disso, não basta encontrar o meio necessário, é preciso usá-lo moderadamente, sob pena de responder pelo excesso. Sendo assim, encontrado o meio necessário, este deverá ser utilizado de forma moderada, sem excessos, o suficiente para repelir a agressão. (d) Salvar direito próprio ou alheio (proteção de direito próprio ou de outrem) Se salvar direito próprio temos a legitima defesa própria. E se salvar direito de terceiro temos a legítima defesa de terceiro. 11 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Requisito Subjetivo (e) Conhecimento da situação de fato justificante O agente tem que saber que age em legítima defesa. Tem que conhecer a situação fática justificante, ou seja, tem que saber que está diante de uma agressão injusta, atual e iminente. OBS. A ausência de qualquer um dos requisitos (objetivos e subjetivo) faz desaparecer a legítima defesa. Classificação doutrinária da legítima defesa (1) Legitima defesa defensiva: a reação não constitui fato típico. Exemplo: a reação é desviar do braço do agressor. Outro exemplo: para se defender o agente pratica um furto de uso; (2) Legítima defesa agressiva: a reação constitui fato típico. Exemplo: reage com um soco, o soco que está recebendo; (3) Legítima defesa subjetiva: logo depois de cessada a agressão que justificou a reação, o agente, por erro plenamente justificável, supõe persistir à agressão inicial, e, por isso, acaba excedendo-se em sua reação. É o EXCESSO EXCULPÁVEL na legítima defesa, pois qualquer pessoa, nas mesmas circunstâncias se excederia. É hipótese de inexigibilidade de conduta diversa (exclui a culpabilidade, e não a ilicitude); (4) Legítima defesa sucessiva: ocorre na repulsa contra o excesso abusivo do agente (temos duas legítimas defesas, uma depois da outra). Essa legítima defesa é possível, pois o excesso sempre representa uma agressão injusta; (5) Legítima defesa putativa: é aquela em que o agente, por erro, acredita existir uma agressão injusta, atual e iminente, a direto seu ou de outrem. Não exclui a ilicitude. OBS. É impossível ocorrer legítimas defesas reais simultâneas (não se admite a legítima defesa recíproca), pois uma das agressões tem que ser necessariamente injusta. 12 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL Art. 23 do CP. Não há crime quando o agente pratica o fato: III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Está no art. 23, III, 1ª parte, do CP. Não há um dispositivo específico dizendo o que é estrito cumprimento de um dever legal. Tudo se baseia em classificação doutrinária, desde do conceito até os requisitos. Conceito Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, muitas vezes devem agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o cumprimento da lei (lei em sentido amplo). Essa intervenção redunda em agressão a bens jurídicos, como a liberdade de locomoção, a integridade física e até mesmo a própria vida. Dentro de limites aceitáveis, tal intervenção é justificada pelo estrito cumprimento do dever legal, não caracterizando crime. OBS. Deve-se ligar o estrito cumprimento do dever legal aos agentes públicos. Já o exercício regular do direito está ligado aos particulares, aos cidadãos comuns. Descriminante em branco Lembre-se que a expressão “lei” deve ser tomada em seu sentido amplo. Isso significa o que? Significa que tem que existir alguma lei no ordenamento jurídico determinando o comportamento do agente. Trata-se de descriminante em branco, em que o conteúdo da norma permissiva se deduz de outra norma jurídica, ou seja, precisa ser complementado por outra norma jurídica (fenômeno que se assemelha à norma penal em branco). Exemplos de estrito cumprimento do dever legal Exemplo 1. Art. 301 do CPP (flagrante compulsório ou obrigatório). Ao efetuar a prisão em flagrante, a autoridade policial está no estrito cumprimento de um dever legal, não respondendo por constrangimento ilegal ou lesão corporal. Art. 301 do CPP. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Exemplo 2. Art. 142, III, do CP. O funcionário público, ao emitir algum conceito desfavorável na apreciação de uma causa, não pratica difamação ou injúria, pois está no estrito cumprimento de uma dever legal. Art. 142 do CP. Não constituem injúria ou difamação punível: 13 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimentode dever do ofício. Requisitos do estrito cumprimento do dever legal (a) Razoabilidade; (b) Proporcionalidade; (c) Conhecimento da situação de fato justificante. Conhecimento da situação fática descriminante ATENÇÃO!!! Para haver estrito cumprimento do dever legal, se exige do agente o conhecimento da situação fática descriminante. O agente tem que saber que age diante de um dever imposto pela lei (lei em sentido amplo). Policial que mata criminoso em fuga não está acobertado pelo estrito cumprimento do dever legal Não ocorre estrito cumprimento do dever legal na hipótese de policial matar criminoso em fuga. De acordo com o STJ, a lei proíbe a autoridade, os seus agentes e a quem quer que seja, a desfechar tiros contra pessoa em fuga (REsp 402.419/RO). Se a fuga estiver acoplada a uma agressão injusta, então é possível haver uma legítima defesa, desde que haja reação com uso moderado dos meios necessários por parte do policial. 14 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO Art. 23 do CP. Não há crime quando o agente pratica o fato: III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Está no art. 23, III, 2ª parte, do CP. Também não há um dispositivo específico dizendo o que é exercício regular de direito. A análise é estritamente doutrinária. O conceito passa a ser exclusivamente doutrinário. Conceito Compreende ações do cidadão comum autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito. Diante disso, o exercício regular de direito está vinculado às ações do cidadão comum, enquanto que o estrito cumprimento está vinculado às ações de agentes públicos. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO Abrange atos dos agentes públicos no desempenho de suas funções. Abrange ações do cidadão comum autorizadas por lei. Duas espécies de exercício regular de direito, que hoje, se destacam na doutrina (1) Exercício regular de direito pro magistratu São situações em que o Estado não pode estar presente para evitar lesão a um bem jurídico ou recompor a ordem pública. Diante disso, o Estado incentiva o particular a agir no exercício regular do direito, ele mesmo evitando a lesão ou recompondo a ordem pública. Exemplo 1. Art. 301 do CPP (flagrante facultativo ou permitido ao particular). A expressão “qualquer do povo poderá” configura um exercício regular de direito. Art. 301 do CPP. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Exemplo 2. Penhor legal. Reter as bagagens do hospede inadimplente como forma de assegurar o pagamento da pousada configura exercício regular de direito pro magistratu. Exemplo 3. Desforço imediato. Se a pessoa perdeu a posse, o Direito Civil permite que ela recupere esta posse através de esforço próprio, de medidas próprias. Também é espécie de exercício regular do direito pro magistratu. 15 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro (2) “Direito de castigo” O direito de castigo está relacionado ao exercício da educação, ao exercício do poder familiar (tarefa de educar). O pai, quando não permite o filho sair de casa em razão de castigo, não pratica cárcere privado, pois está no exercício regular de direito de educação. Aqui nós abrangemos a educação e o exercício do poder familiar. Cuidado que deve haver proporcionalidade. Requisitos do exercício regular de direito Os requisitos desta justificante são: (a) Indispensabilidade, ou seja, impossibilidade de recurso útil aos meios coercitivos normais; (b) Proporcionalidade; (c) Conhecimento da situação de fato justificante. Descriminante em branco Trata-se de descriminante em branco, em que o conteúdo da norma permissiva se deduz de outra norma jurídica (fenômeno que se assemelha à norma penal em branco). 16 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro OFENDÍCULO Ofendículo é um aparato pré-ordenado para a defesa do patrimônio. Por exemplo, cacos de vidro no muro, cerca elétrica, lança no muro etc. ATENÇÃO!!! Um animal pode ser considerado ofendículo. O animal é um ser irracional colocado muitas vezes para a defesa do patrimônio. NATUREZA JURÍDICA DO OFENDÍCULO Há quatro correntes para dizer qual a natureza jurídica do ofendículo: (1ª corrente) Ofendículo tem natureza jurídica de legítima defesa. O ofendículo repele agressão injusta ao patrimônio. (2ª corrente) Ofendículo tem a natureza jurídica de exercício regular de direito. Baseia-se na defesa da propriedade. (3ª corrente) Enquanto não acionado, o ofendículo é um exercício regular de direito. Contudo, se acionado, o ofendículo é uma legitima defesa. Esta é a corrente que prevalece. (4ª corrente) Esta corrente diferencia ofendículo de defesa mecânica predisposta. O ofendículo é um aparato visível, configurando exercício regular de direito. Já a defesa mecânica predisposta é um aparato oculto, configurando legítima defesa. ATENÇÃO!!! Prevalece a terceira corrente, mas em provas de concurso é mais prudente citar as quatro. OBS. Se o uso do ofendículo se traduz como um direito do cidadão de defender seu patrimônio, tal direito, como todos os demais, deve ser utilizado com prudência e consciência, para que não sejam ultrapassadas as raias do razoável, colocando-se em risco a segurança das demais pessoas. 17 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro EXCESSO NAS DESCRIMINANTES (OU JUSTIFICANTES) Art. 23 do CP (...) Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. ESPÉCIES DE EXCESSO Excesso voluntário (excesso doloso) Também é chamado de excesso consciente. É o excesso proposital. O agente voluntariamente excede no meio utilizado e/ou no uso do meio para repelir a injusta agressão. Consequência: responde pelo crime doloso que causou com o excesso. Por exemplo, se o agente se excede dolosamente espancando o agressor, vai responder por lesão corporal dolosa; se se excede dolosamente matando o agressor, vai responder por homicídio doloso. ATENÇÃO!!! Se o agente se excede sem consciência da ilicitude, então está configurado o erro de proibição. Excesso involuntário O agente involuntariamente excede no meio utilizado e/ou no uso do meio para repelir a agressão. O excesso involuntário pode ser evitável ou inevitável. EXCESSO EVITÁVEL EXCESSO INEVITÁVEL É o excesso culposo. Também chamado de excesso inconsciente. É o excesso resultante de imprudência, negligencia e imperícia. Consequência: o agente responde apenas a título de culpa, se previsto o delito culposo. É o excesso impunível (não há dolo ou culpa). Alguns doutrinadores chamam esse excesso de excesso acidental. O agente não responde por nada. EXCESSO ACIDENTAL. Ocorre quando o agente, ao agir moderadamente, por força de acidente, causa lesão além da reação moderada (pode se configurar em hipótese de caso fortuito ou força maior). O excesso acidental também é chamado de excesso fortuito. Ele se origina de caso fortuito ou força maior, eventos estes imprevisíveis e inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante (é impunível, pois não há dolo ou culpa). Excesso exculpante (exculpável)18 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Derivado da perturbação de ânimo do agente, medo ou susto provocado pela situação em que se encontra. Consequência: o agente não responde por nada, pois a culpabilidade é excluída (é hipótese de inexigibilidade de conduta diversa). Por exemplo, depois de tomar conhecimento de que está jurado de morte em sua faculdade, “A” começa a andar armado, visando se defender em caso de agressão injusta. Em determinada ocasião, é abordado em local ermo e escuro por duas pessoas desconhecidas, e, assustado, contra elas efetua repentinamente disparos de arma de fogo, matando-as. Toma conhecimento, posteriormente, que as vítimas queriam apenas convidá-lo para uma festa. Excesso intensivo e extensivo É o excesso que ocorre depois de cessada a injusta agressão. A injusta agressão cessou, mas a reação persiste. O excesso extensivo pode ser: (a) Voluntário; (b) Involuntário. É também chamado de excesso na causa. Ocorre quando o agente reage antes da efetiva agressão (futura, porém certa e esperada). Na legítima defesa a agressão deve ser atual ou iminente. A agressão passada configura mera vingança. Se a agressão é futura, querer se antecipar a ela configura mera suposição. Entretanto, no excesso extensivo, a agressão, apesar de futura, é certa e esperada. Desse modo, não é uma mera suposição. Portanto, não exclui a ilicitude (a agressão não é atual ou iminente), mas pode configurar hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, excluindo a culpabilidade. Excesso intensivo O excesso ocorre enquanto persiste a agressão (agressão ainda não cessou). Diferença entre excesso extensivo e excesso intensivo Pergunta de concurso!!! Qual a diferença entre excesso extensivo e excesso intensivo? EXTENSIVO INTENSIVO O excesso pressupõe agressão injusta cessada. Pressupõe agressão injusta em curso. O excesso intensivo pode ser: (a) Voluntário; (b) Involuntário. Ocorre quando o agente, que inicialmente agia dentro do direito, diante de uma situação fática agressiva, intensifica a ação justificada e ultrapassa os limites permitidos (de reação moderada, passa para a imoderada). 19 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Excesso crasso É um excesso óbvio, claro, absurdo. Ocorre quando o agente desde o princípio atua completamente fora dos limites legais. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO O consentimento do ofendido serve como causa supralegal de exclusão da ilicitude, desde que apresente os requisitos detalhados abaixo. REQUISITOS PARA SER CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE (1) O não consentimento do ofendido não pode integrar o tipo penal como elementar Se o dissentimento (não consentimento) da vítima é elementar do tipo, o seu consentimento exclui a própria tipicidade, e não a ilicitude. Portanto, se o não consentimento do ofendido integrar o tipo penal, o seu consentimento é fato atípico. Exemplo de dissentimento elementar do tipo penal: ESTUPRO. No crime de estupro o não consentimento da vítima é elementar do tipo. Com o consentimento da vítima o fato sequer é típico. (2) O ofendido deve ser pessoa capaz O consentimento do ofendido incapaz não é considerado pelo Direito Penal. (3) O consentimento deve ser válido O consentimento dever ser válido, isto é, livre e consciente. (4) Bem disponível O ofendido deve consentir na lesão de bem disponível. (5) Bem próprio O bem, além de ser disponível, deve ser próprio de quem consente. Não se pode consentir na lesão de bem jurídico alheio. (6) O consentimento tem que ser dado antes ou durante a execução da lesão Aprofundamento!!! E se o consentimento for dado após a execução da lesão ao bem jurídico? 20 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro O consentimento posterior à execução não exclui a ilicitude. Se o consentimento ocorrer após a execução da lesão, pode configurar perdão ou renúncia do ofendido, extinguindo a punibilidade nos delitos de ação penal de iniciativa privada. (7) Consentimento expresso No entanto, temos doutrina admitindo o consentimento tácito, quando este for inequívoco. (8) Conhecimento da situação de fato justificante É saber que age de acordo com o consentimento do ofendido. OBS. Faltando um desses requisitos, o consentimento do ofendido não vai excluir a ilicitude. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO E INTEGRIDADE FÍSICA É possível consentir na agressão à integridade física? A integridade física é um bem disponível? Hoje, de acordo com a doutrina moderna, a integridade física é um bem relativamente disponível. Os requisitos para que a integridade física seja disponível são: (a) a lesão ser de natureza leve; (b) a lesão não contrariar a moral e os bons costumes. Ablação do órgão do transsexual Deve-se diferenciar a ablação feita pelo médico autorizado e pelo médico não autorizado. Se o médico foi autorizado a realizar a ablação, então pode alegar exercício regular do direito. Contudo, se o médico não for autorizado a realizar a ablação, então comete crime, pois nesse caso a lesão é gravíssima. QUESTÃO DO CESPE (V ou F) Além das causas legais de exclusão da ilicitude previstas na lei, há, ainda, as chamadas causas supralegais de exclusão da ilicitude, verificadas, por exemplo, no caso de uma mãe furar a orelha de sua filha para a colocação de um brinco, a situação que configura um fato típico, embora a genitora não responda pelo delito de lesão corporal, visto que atua amparada pela exclusão de ilicitude. 21 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Alternativa ERRADA. No caso narrado não há tipicidade, pois a conduta da mãe está amparada pelo princípio da adequação social. De acordo com o princípio da adequação social, não obstante determinada conduta se amolde formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, ou seja, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. Assim, as pequenas lesões desportivas que advêm da violação de normas cuja inobservância é prática corriqueira no jogo, o corte coativo de cabelo do calouro aprovado no vestibular, “piercing”, brinco, tatuagens, por exemplo, são comportamentos que, a despeito de serem considerados típicos pela lei penal, não afrontam o sentimento social de justiça, ou seja, aquilo que a sociedade tem por certo e justo. Este princípio é mais uma característica do princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Sendo assim, trata-se de uma de causa de exclusão da tipicidade, e não da ilicitude. 22 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro CULPABILIDADE CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA (1) Teoria Bipartite Para esta teoria a culpabilidade não integra o crime. Objetivamente, para a existência do crime, é dispensável a culpabilidade. O crime existe por si mesmo com os requisitos: fato típico e ilicitude. No entanto, o crime só será ligado ao agente se este for culpável. A culpabilidade é um mero juízo de reprovação e censurabilidade, mero pressuposto de aplicação da pena. (2) Teoria tripartite De acordo com a tripartite, a culpabilidade é o terceiro substrato do crime. Os substratos do crime são: fato típico, ilicitude e culpabilidade.Juízo de reprovação extraído da análise como o sujeito ativo se situou e posicionou diante do episódio com o qual se envolveu. Crítica sobre a teoria bipartite. Se para a teoria bipartite, para haver crime basta fato típico e ilicitude, significa que o fato não for culpável, então temos crime sem reprovação. Como se pode dizer que é crime e não é reprovável? Não podemos admitir a existência de crime sem censura. Desse modo, a teoria tripartite não admite crime sem censura, fenômeno admitido pela teoria bipartite. OBS. A teoria tripartite é adotada em todos os concursos federais e estaduais, exceto do Estado de São Paulo. 23 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro TEORIAS DA CULPABILIDADE TEORIA PSICOLÓGICA Esta teoria tem base causalista. Dessa forma, certamente iremos encontrar na culpabilidade o dolo e a culpa. Sendo assim, a culpabilidade está dividida em duas espécies: (a) culpabilidade dolo; (b) culpabilidade culpa. E para esta teoria a culpabilidade tem um só pressuposto (elemento), que é a imputabilidade. Veja que é uma culpabilidade bastante pobre. TEORIA PSICOLÓGICA NORMATIVA Tem base neokantista. Os neokantistas trabalham muito com o causalismo. Entretanto, para esta teoria a culpabilidade não tem espécies. A culpabilidade tem pressupostos (ou elementos). Os pressupostos da culpabilidade são: (a) imputabilidade; (b) exigibilidade de conduta diversa; (c) culpa e dolo. Esse dolo que integra a culpabilidade é um dolo constituído de consciência, vontade e consciência atual da ilicitude. É o chamado dolo normativo, pois ele tem um elemento normativo. Qual é a diferença do dolo e culpa ser espécie de culpabilidade na teoria psicológica, e ser pressuposto ou elemento na teoria psicológica normativa? É uma questão meramente acadêmica ser uma espécie de culpabilidade ou ser pressuposto da culpabilidade. Na prática não traz relevância nenhuma. TEORIA NORMATIVA PURA Esta teoria tem base finalista. O dolo e a culpa não estão na culpabilidade, nem como espécies, nem como elementos. Com isso, o dolo e a culpa migram para o fato típico. O dolo é constituído apenas de consciência e vontade. Esse é o chamado dolo natural. O dolo ficou despido do seu elemento normativo. A culpabilidade tem os seguintes pressupostos ou elementos: 24 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro (a) imputabilidade; (b) exigibilidade de conduta diversa; (c) potencial consciência da ilicitude. Assim nós trabalhamos a culpabilidade até hoje. Não vamos encontrar o dolo e a culpa na culpabilidade, pois migraram para o fato típico. O dolo que migrou é o dolo natural, formado apenas de consciência e vontade. OBS. No tratamento das descriminantes putativas sobre situação de fato (por exemplo, o agente imagina uma injusta agressão que jamais existiu), existem duas correntes dentro da teoria normativa pura que discutem sua natureza jurídica: (a) Teoria limitada da culpabilidade, que considera uma espécie de erro de tipo; (b) Teoria extremada da culpabilidade, que considera espécie de erro de proibição. 25 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro ELEMENTOS (OU PRESSUPOSTOS) DA CULPABILIDADE Os elementos da culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. IMPUTABILIDADE Conceito Imputabilidade é a capacidade de imputação, ou seja, possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de uma infração penal. É o conjunto de condições pessoais que confere ao sujeito ativo a capacidade de discernimento e compreensão para entender seus atos e determinar-se de acordo com esse entendimento. Sabe-se que o Direito Civil fala de incapaz e capaz (capacidade e incapacidade). O Direito Penal fala em inimputável e imputável (imputabilidade e inimputabilidade). Isso não significa que todo capaz civilmente será imputável penalmente. Aqui estamos apenas comparando termos. Portanto, a capacidade civil nem sempre corresponde à capacidade penal. Por exemplo, um menor de 18 anos casado é capaz para os atos da vida civil, porém permanece inimputável no direito penal. O CP conceitua imputabilidade? Não. Em nenhum momento o CP define o que é imputabilidade. O CP não elenca o conceito imputabilidade de forma positiva, mas de forma negativa, apresentando o rol de inimputáveis. Dessa forma, ele diz o que não é imputabilidade, podendo-se extrair uma conclusão disso. Portanto, sem definir o que seja imputabilidade, enumera o nosso CP as hipóteses de inimputabilidade (conceito negativo). Imputabilidade é sinônimo de responsabilidade? Da imputabilidade decorre a responsabilidade. Isso significa que a imputabilidade é pressuposto e a responsabilidade é consequência. Todo imputável será responsável penalmente? Nem sempre. Por exemplo, na imunidade parlamentar absoluta. O parlamentar continua imputável, mas não responsável penalmente por suas palavras, opiniões e votos. Sistemas ou critérios de imputabilidade (1) Critério biológico Leva-se em conta apenas o desenvolvimento mental do acusado, independentemente se tinha, ao tempo da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação. Para o critério biológico, não importa a capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta. Para este critério, todo louco é inimputável, pouco importando se ele sabia ou não o que estava fazendo. Basta que se afira a condição mental do agente. É louco, então é inimputável. 26 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro (2) Critério psicológico Leva-se em conta a capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta. É só isso que interessa. Não importa o desenvolvimento mental do agente. Portanto, considera apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente da sua condição mental. Este critério é exatamente o oposto do critério biológico. Para o critério psicológico, não precisa ser louco para ser inimputável. (3) Critério biopsicológico Nada mais é do que o biológico + o psicológico. Considera não apenas o desenvolvimento mental do agente, mas também a sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta. Inimputável é aquele que, em razão de sua condição mental, era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Para o critério biopsicológico, não basta se louco para ser inimputável. OBS. O Brasil adota, em regra, o critério biopsicológico. Hipóteses de inimputabilidade (dirimentes) (1) Inimputabilidade em razão de anomalia psíquica Está prevista no art. 26, caput, do CP. Art. 26 do CP. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Esse dispositivo adota o sistema ou critério biopsicológico. Isso significa que não basta ser louco para ser inimputável. Além de louco, no momento da ação ou da omissão não pode ter capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Aprofundamento!!! O que se entende por doença mental? A expressão doença mental deve ser tomada no sentido amplo ou no sentido estrito?Qual é a abrangência dessa expressão? A expressão doença mental deve ser tomada em sua maior amplitude e abrangência, isto é, qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções psíquicas do agente. Quais as consequências para este inimputável? O inimputável não pratica crime (teoria tripartite). Se ele não pratica crime, então o juiz deve rejeitar a denúncia (como está no art. 395, II, do CPP)? Não. O juiz vai aplicar medida de segurança. Apesar de não ser crime, o juiz tem que receber a denúncia, tem que haver um processo, pois a medida de segurança é uma sanção penal e exige o devido processo legal. Portanto, é um caso de fato não criminoso que é objeto de denúncia. Isso é a chamada absolvição imprópria. O inimputável é denunciado, processado, absolvido e é aplicada a medida de segurança. 27 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro CUIDADO!!! O art. 26, parágrafo único, do CP, não traz hipótese de inimputabilidade, mas de imputabilidade com responsabilidade penal diminuída. Isso é o que chamamos de semi-imputabilidade. Redução de pena Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Quais as consequências para o semi-imputável? O semi-imputável pratica crime. Contra ele haverá inquérito policial, denúncia, processo e condenação. Na condenação, o juiz vai optar por reduzir a pena ou substituir a pena por medida de segurança. Esse é o sistema vicariante ou unitário. Aprofundamento!!!! A semi-imputabilidade é compatível com circunstâncias agravantes/majorantes ou qualificadoras subjetivas? Um semi-imputável, por exemplo, pode responder por homicídio qualificado pelo motivo fútil (qualificadora subjetiva)? Temos duas correntes sobre o assunto. (1ª corrente) Sabendo que a semi-imputabilidade não exclui dolo, é compatível com circunstâncias ou qualificadoras subjetivas. É a corrente que prevalece. (2ª corrente) A semi-imputabilidade é incompatível com as circunstâncias ou qualificadoras ligadas ao motivo ou estado anímico do agente. (2) Inimputabilidade em razão da idade do agente Está prevista no art. 27 do CP. Menores de dezoito anos Art. 27 do CP. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Adoção do sistema ou critério biológico. Presume-se que o menor de 18 anos não tem desenvolvimento mental completo. Presume-se ainda a sua incapacidade de entendimento ou de autodeterminação. O menor de 18 anos é sempre inimputável, mesmo que no momento da ação ou da omissão ele souber o que está fazendo. Mesmo se tiver antecipado a sua capacidade civil, o menor de 18 anos é inimputável no âmbito penal. Portanto, basta ter menos de 18 anos, pouco importando se no momento da conduta o agente tinha capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Por que foram escolhidos os menores de 18 anos como inimputáveis? A escolha dessa idade segue algum postulado científico? O CP, no seu art. 27, fala em “menor de 18 anos”. A CF, no art. 228, também fala em “menor de 18 anos”. Essa idade segue algum postulado científico? A Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu art. 5º, § 5º, fala apenas em menores, não se referindo à idade (os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento). Esse tratado deixa que cada Estado estabeleça o que é menor, de acordo com sua política criminal. Portanto, o art. 228 da CF (e art. 27 do CP) 28 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro segue critério de política criminal e não de postulados científicos (a inimputabilidade em razão da idade segue critério de política criminal e não postulados científicos). Aprofundamento!!! O menor de 18 anos pode ser processado e julgado perante o Tribunal Penal Internacional (TPI)? O TPI pode julgar o crime de guerra ou contra a humanidade praticado por menor de 18 anos? De acordo com o art. 26 do Estatuto de Roma, o TPI não terá jurisdição sobre pessoas que ainda não completaram 18 anos. Portanto, nem mesmo o TPI pode julgar menor de 18 anos. Artigo 26.º Exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática do crime, não tenham ainda completado 18 anos de idade. CUIDADO!!! Emoção e paixão não excluem a imputabilidade penal. Isso está no art. 28, I, do CP. Emoção e paixão Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; O art. 28 do CP deixa claro que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal. O que é emoção e o que é paixão? Emoção: estado súbito e passageiro. Paixão: sentimento crônico e duradouro. A emoção pode interferir na pena (pode servir como atenuante ou causa de diminuição de pena). Lembre-se do homicídio privilegiado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. A paixão, se doentia, pode ser tratada nos moldes do art. 26 do CP (dependendo do grau, pode ser considerada doentia, trabalhando-se com o art. 26 do CP). (3) Inimputabilidade em razão da embriaguez acidental completa Está prevista no art. 28, § 1º, do CP. Art. 28 do CP. Não excluem a imputabilidade penal: Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. § 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 29 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro § 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aqui foi adotado o sistema ou critério biopsicológico. Art. 28 percebem-se vários tipos de embriaguez. O que significa embriaguez? É a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool (ou substâncias de efeitos análogos), podendo progredir de uma ligeira excitação inicial até o estado de paralisia e coma. OBS. O CP equipara (para fins penais) ao álcool substâncias de efeitos análogos (por exemplo, drogas). Classificação legal e doutrinária da embriaguez Temos quatro espécies de embriaguez: (a) Acidental Proveniente de caso fortuito ou força maior. No caso fortuito o agente desconhece o caráter inebriante da substancia. Já na força maior o agente é obrigado a ingerir a substância inebriante. Pode ser completa ou incompleta. Na completa é excluída a capacidade de entendimento e de autodeterminação (é a única que isenta o agente de pena). Adotou-se o critério biopsicológico, pois ele exige embriaguez acidental + completa (sem capacidade de entendimento e autodeterminação). Já a incompleta diminui a capacidade de entendimento e de autodeterminação. A completa isenta o agente de pena. A incompleta diminui a pena. (b) Não acidental Pode ser voluntária ou culposa. Na embriaguez não acidental voluntária, o agente quer se embriagar. Já a embriaguez culposa é a negligência.Pode ser completa ou incompleta. Nas duas hipóteses não isenta de pena e nem reduz a pena, ou seja, não exclui a imputabilidade. (c) Patológica É a embriaguez doentia. Deve ser tratada como anomalia psíquica. Aplica-se o art. 26 do CP. (d) Preordenada 30 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro O agente se embriaga para cometer o crime. Nesse caso, será aplicada uma agravante de pena (art. 61, II, l, do CP). Quadro esquemático das espécies de embriaguez As espécies de embriaguez e suas consequências podem ser visualizadas no seguinte esquema: Aprofundamento!!! O que permite a punição do agente completamente embriagado, quando a embriaguez é voluntária, culposa ou preordenada? Lembre-se que quando o agente está completamente embriagado, ele não tem capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Nesse caso, aplica-se a teoria da actio libera in causa. Teoria da actio libera in causa O ato transitório revestido de inconsciência decorre de ato antecedente que foi livre na vontade, transferindo-se para esse momento anterior a constatação da vontade e da imputabilidade do agente. CASO: motorista, completamente bêbado, atropela e mata pedestre. (1º momento) Ato antecedente livre na vontade (ingeriu a substância) (2º momento) Ato transitório revestido de inconsciência 31 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Momento da ingestão da substância Momento do atropelamento De acordo com o teoria da actio libera in causa, analisa-se a imputabilidade e a vontade do agente no momento em que ele era livre na vontade, e não no momento do atropelamento. (1) Se o agente era imputável quando bebia, mas quis o resultado (o atropelamento), então responde por homicídio doloso (dolo direto). (2) Se o agente era imputável quando bebia, mas assumiu o risco do resultado, continua respondendo por homicídio doloso (dolo eventual). (3) Se o agente era imputável quando bebia, previu o resultado acreditando poder evitá-lo, vai responder por homicídio culposo (culpa consciente). (4) Se o agente era imputável quando bebia, não previu o resultado, mas este era previsível, continua respondendo por homicídio culposo (culpa inconsciente). (5) Se o agente era imputável quando bebia, mas o resultado ocorrido era imprevisível, então será fato atípico, evitando-se responsabilidade penal objetiva. No momento do acidente nós temos um ato transitório revestido de inconsciência. Esse ato é antecedido por um ato livre da vontade. A teoria da actio libera in causa analisa a imputabilidade e a voluntariedade do agente nesse momento anterior. Não se pode esquecer que no momento do acidente não há capacidade de entendimento ou de autodeterminação. Logo, isso será analisado no momento anterior, ou seja, no momento em que o agente era livre (que bebia o álcool). Diante disso teremos cinco situações: (1) No momento em que bebia o agente previu o atropelamento e quis atropelar – responde por homicídio com dolo direto. (2) No momento em que bebia o agente previu o atropelamento e aceitou o resultado – responde por homicídio com dolo eventual. (3) No momento em que bebia o agente previu e acreditou poder evitar o resultado – responde por homicídio culposo (art. 302 do CTB), a título de culpa consciente. (4) No momento em que bebia o agente não previu o resultado, porém este era previsível. Responde por homicídio culposo (art. 302 do CTB), a título de culpa inconsciente. (5) No momento em que o agente bebia o atropelamento era imprevisível. Nesse caso estamos diante de um fato atípico (o agente não responde pelo crime). 32 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Aprofundamento!!! Índio não integrado é imputável? O simples fato de não ser integrado é causa de inimputabilidade? A simples condição de não integrado, por si só, não torna o índio inimputável, o que não significa dizer que ele é culpável (pode excluir a potencial consciência da ilicitude ou a inexigibilidade de conduta diversa). O índio, para ser inimputável, tem que preencher os requisitos da inimputabilidade antes tratados. 33 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro ELEMENTOS (OU PRESSUPOSTOS) DA CULPABILIDADE Os elementos da culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE Introdução A culpabilidade, além da capacidade de imputação, necessita da potencial consciência da ilicitude por parte do agente. É a possibilidade de o agente conhecer o caráter ilícito da sua conduta. Em resumo, é a capacidade de o agente saber que age contrariando o direito (o que é certo). Hipótese de exclusão da potencial consciência da ilicitude – Erro de proibição (art. 21 do CP) Erro sobre a ilicitude do fato Art. 21 do CP. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. CUIDADO!!! Não se deve confundir erro de tipo com erro de proibição. ERRO DE TIPO ERRO DE PROIBIÇÃO O agente não sabe exatamente o que faz. O agente ignora a própria realidade fática, não sabendo o que faz O agente sabe exatamente o que faz, mas desconhece a sua ilicitude. O agente conhece a realidade fática, mas ignora sua ilicitude Lembre-se que de acordo com o art. 21 do CP, o desconhecimento da lei é inescusável. Consequências do erro de proibição (erro inevitável e erro evitável) Erro inevitável: isenta o agente de pena (exclui a culpabilidade). Erro evitável: não isenta o agente de pena (reduz a pena de 1/6 a 1/3). 34 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro ELEMENTOS (OU PRESSUPOSTOS) DA CULPABILIDADE Os elementos da culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA Introdução Não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido o fato com possibilidade de lhe conhecer o caráter ilícito para que surja a culpabilidade. Além dos dois primeiros elementos, exige-se que nas circunstâncias de fato tivesse possibilidade de realizar outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico. Hipóteses de exclusão – inexigibilidade de conduta diversa (art. 22 do CP) Coação irresistível e obediência hierárquica Art. 22 do CP. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. (a) Coação moral irresistível Está no art. 22, primeira parte, do CP. Se o fato é cometido sob coação irresistível, só é punível o autor da coação ou da ordem. Quais os requisitos dessa dirimente? (1º) Coação moral. O art. 22 do CP só se refere à coação moral. A coação física pode excluir conduta. CUIDADO!!! A coação física irresistível exclui a conduta, ou seja, o fato se torna atípico. (2º) Essa coação moral tem que ser irresistível.Se resistível pode caracterizar uma atenuante de pena. Isso está no art. 65, III, c, do CP. CUIDADO!!! Se a coação for resistível, não exclui a culpabilidade, mas pode atenuar a pena (art. 65, III, c, do CP). Art. 65 do CP. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o agente: 35 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; Qual a consequência da coação moral irresistível? De acordo com o art. 22 do CP, só é punível o autor da coação. Pergunta de concurso!!! Vamos imaginar que João Marcos pratica coação moral irresistível em face de Vinícius, obrigando o coagido matar Andre Lopes. Qual crime pratica Vinícius e João Marcos? (a) Vinícius. Não é culpável. É hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. (b) João Marcos. Praticou homicídio na condição de autor mediato. Vinícius é instrumento na mão de João Marcos, por isso que Vinícius não responde por nada. João Marcos vai responder pelo crime de homicídio mais o crime de tortura (art. 1º, I, b, da Lei 9.455/97). Vai responder em concurso material pelos dois crimes. Portanto, “A” coage “B” a matar “C”. “B” coagido de forma irresistível mata “C”. “C” é vítima, “B” incorre em inexigibilidade de conduta diversa e “A” responde por homicídio na condição de autor mediato + tortura (art. 1º, I, b, da Lei 9.455/97). Art. 1º da Lei 9.455/97. Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando- lhe sofrimento físico ou mental: b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; (b) Obediência hierárquica Está no art. 22, segunda parte, do CP. Se o fato é cometido em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Quais os requisitos dessa dirimente? (1º) Ordem de superior hierárquico. É a manifestação de vontade do titular de uma função pública a um funcionário que lhe é subordinado, no sentido de que realize uma conduta positiva ou negativa. Estamos diante de uma hierarquia no âmbito público. Somente se aplica no caso de superior hierárquico detentor de função pública (relação de subordinação pública). ATENÇÃO!!! Não abrange relação de subordinação familiar, eclesiástica, doméstica ou privada. (2º) Ordem não manifestamente ilegal. Não claramente, não evidentemente ilegal. ATENÇÃO!!! Deve ser entendida segundo as circunstâncias do fato e as condições de inteligência e cultura do subordinado. 36 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro Consequências da inexigibilidade de conduta diversa Qual a consequência dessa dirimente? Só é punível o autor da ordem. Do subordinado é inexigível conduta diversa. Situações de ordem Aqui temos que analisar as três situações que podem ocorrer. ORDEM ILEGAL ORDEM LEGAL ORDEM NÃO CLARAMENTE ILEGAL Superior e subordinado serão responsabilizados penalmente. Superior e subordinado estão no estrito cumprimento do dever legal. Superior responde pelo crime na condição de autor mediato. O subordinado é isento de pena (não culpável). Elementos da culpabilidade e causas de exclusão (dirimentes) ELEMENTOS DA CULPABILIDADE CAUSAS DE EXCLUSÃO (DIRIMENTES) Imputabilidade É um rol taxativo. As três causas de exclusão da imputabilidade são: (a) Anomalia psíquica; (b) Menoridade; (c) Embriaguez acidental completa. Potencial consciência da ilicitude É uma hipótese taxativa. A potencial consciência da ilicitude é excluída pelo erro de proibição inevitável (direto ou indireto). Exigibilidade de conduta diversa A exigibilidade de conduta diversa é excluída pela: (a) Coação moral irresistível; (b) Obediência hierárquica. ATENÇÃO!!! Aqui se entende que o rol é exemplificativo. Por mais previdente que seja o legislador, ele não tem como prever todas as hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa. CONCLUSÃO!!! Existem causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa e, automaticamente, da culpabilidade. Por mais previdente que seja o legislador, não pode prever todos os casos em que a inexigibilidade de outra conduta deve excluir a culpabilidade. Assim, é possível a existência de um fato, não previsto pelo 37 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Centro de Ciências Jurídicas – CCJ Curso de Direito Direito Penal I – Parte Geral Prof. Régis Gonçalves Pinheiro legislador como causa de exclusão da culpabilidade, que apresente todos os requisitos do princípio da não exigibilidade de comportamento lícito. Exemplos de causas supralegais de exclusão da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) (1º) Cláusula de consciência Nos termos da cláusula de consciência, é isento de pena aquele que, por motivo de consciência ou cresça, pratica um injusto penal, desde que não ofenda direitos fundamentais. Por exemplo, pai que não permite a transfusão de sangue no filho (exemplo bastante controvertido). (2º) Desobediência civil É um fato que objetiva, em última instância, mudar o ordenamento sendo, no final das contas, mais inovador que destruidor. Tem como requisitos: (a) proteção de direitos fundamentais; (b) que o dano causado não seja relevante. Por exemplo, invasões do MST. Quando o MST apenas quer se apropriar de uma propriedade improdutiva, não responde pelo crime, se não praticar com violência ou causar um dano relevante.
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