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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE BIOCIÊNCIAS GABRIEL VICTOR DE LIMA AVALIAÇÃO TAXONÔMICA DE CULTURA MICROBIANA ADAPTADA A EFLUENTE PETROQUÍMICO, APLICADA EM ENSAIOS DE BIODEGRADAÇÃO ANAERÓBIA DE ANILINA. Recife 2021 GABRIEL VICTOR DE LIMA AVALIAÇÃO TAXONÔMICA DE CULTURA MICROBIANA ADAPTADA A EFLUENTE PETROQUÍMICO, APLICADA EM ENSAIOS DE BIODEGRADAÇÃO ANAERÓBIA DE ANILINA. Orientador: José Roberto Santo de Carvalho Coorientadora: Sávia Gavazza dos Santos Pessôa Recife 2021 FICHA CATALOGRÁFICA GABRIEL VICTOR DE LIMA AVALIAÇÃO TAXONÔMICA DE CULTURA MICROBIANA ADAPTADA A EFLUENTE PETROQUÍMICO, APLICADA EM ENSAIOS DE BIODEGRADAÇÃO ANAERÓBIA DE ANILINA. Trabalho de conclusão de curso apresentado à coordenação do curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. Aprovada em: 05/04/2021 Nota: 10 COMISSÃO EXAMINADORA ___________________________________________ Dr. José Roberto Santo de Carvalho (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco ___________________________________________ Dr. Fernanda Magalhães Amaral Universidade Federal de Pernambuco __________________________________________ Prof. Dr. Norma Buarque de Gusmão Universidade Federal de Pernambuco Dedico esse trabalho a minha mãe, que sempre acreditou em meu potencial e sempre me incentivou a estudar. AGRADECIMENTOS Eu sou infinitamente grato a minha mãe, Eliane Cristina da Silva. Sem o apoio, carinho e incentivo dela eu jamais teria conseguido ingressar em um curso de graduação, foi ela que me ensinou a ser uma pessoa com ética e a amar ao próximo. Sou extremamente grato à professora Sávia Gavazza, que desde o meu ingresso na universidade sempre acreditou no meu potencial como pessoa e profissional, mesmo quando eu mesmo não acreditei. Foi com Sávia que eu aprendi o que é ser um profissional extremamente competente sem deixar o lado humano de lado, foi com ela que eu aprendi a sempre dar meu melhor, e que ciência não se faz sozinho. Agradeço ao meu tutor científico José Roberto, que desde 2018 me ensinou boa parte dos conhecimentos necessários para que eu pudesse construir o presente trabalho, foi com ele que eu construí o meu pensamento científico. Sou grato a meu companheiro Giovanni Costa, pelo amor e apoio emocional que ele sempre me ofereceu. Agradeço as minhas companheiras de laboratório, Fernanda Magalhães, Isabelle Câmara e Danúbia Freitas, por toda a assistência profissional e companheirismo por elas oferecido. Agradeço ao laboratório de saneamento ambiental, por me proporcionar a estrutura e os meios para que eu pudesse aprender e praticar ciência. E gostaria de finalizar agradecendo ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por me oferecer fomento, através de bolsas de iniciação cientifica, que me ajudaram a permanecer no curso de graduação. RESUMO A anilina é uma amina aromática considerada um importante contaminante emergente pela sua abundância no mercado global, podendo ser formada na degradação e produção de diversos produtos industriais, como pesticidas, fármacos e corantes. Esta amina aromática apresenta característica tóxica, mutagênica e carcinogênica com efeitos comprovados em vegetais e animais, representando uma ameaça aos ecossistemas e a saúde pública. A anilina pode estar presente em ambientes com baixa disponibilidade de oxigênio como mananciais eutrofizados, no solo ou em águas subterrâneas, através do descarte de efluente não tratado, ou por derramamentos acidentais nos processos de transporte e armazenamento de produtos industriais. Uma alternativa para a descontaminação desses ambientes que contém anilina é a biodegradação, no entanto, poucos artigos tiveram sucesso na biodegradação anaeróbia deste composto e muito menos elucidar rotas metabólicas envolvidas na biodegradação da anilina, ou os principais táxons responsáveis. No intuito de contribuir na solução desse problema esse trabalho avaliou a mudança na estrutura taxonômica, de uma cultura microbiana proveniente do tratamento de efluente petroquímico, após ser submetida a um ensaio de degradação anaeróbia da anilina. Os resultados do ensaio de biodegradação demonstraram que a cultura foi capaz de degradar quatro alimentações de 2,8 mg/L de anilina, em um período de 388 dias. Durante o ensaio de biodegradação foi detectada a formação de ácido benzoico entre 0,2 e 1,8 mg/L e não foi detectada nenhuma formação de catecol, indicando que a biodegradação da anilina ocorreu em ambiente anaeróbio estrito, por via de carboxilação e desaminação da molécula da anilina. A partir dos resultados do sequenciamento da região 16S do rDNA, foi possível inferir que a degradação anaeróbia da anilina foi realizada por uma relação sintrófica metanogênica entre os gêneros Syntrophus, Methanosaeta, Methanobacterium e Petrimonas. Palavras-chave: Composto aromático. Biodegradação anaeróbia. Efluente petroquímico. sequenciamento 16S rDNA. ABSTRACT Aniline is an aromatic amine considered as an important emerging contaminant, as it is formed in the degradation and production of various industrial products, such as pesticides, drugs and dyes. This aromatic amine has a toxic, mutagenic and carcinogenic characteristic in plants and animals, representing a threat to ecosystems and public health. Aniline can be present in environments with low oxygen availability, such as eutrophic springs, in the soil or in groundwater, through the disposal of untreated effluent, or through accidental spills in the transport and storage of industrial products. An alternative for the decontamination of these environments that contains aniline is biodegradation, however few articles elucidate the metabolic routes involved in the biodegradation of aniline, or the main responsible taxa. In order to remedy this problem, this work evaluated the change in the taxonomic structure of a microbial culture from the treatment of petrochemical effluent, after being subjected to an aniline degradation test. The results of the biodegradation test demonstrated that the culture was able to degrade four feeds of 2.8 mg/L of aniline, in a period of 388 days. During the biodegradation test, the formation of benzoic acid between 0.2 and 1.8 mg/L was detected and no catechol formation was detected, which demonstrates that the aniline biodegradation occurred in a strict anaerobic environment, via carboxylation. and deaminating the aniline molecule. From the results of the sequencing of the 16S region of the rDNA, it was possible to infer that the anaerobic degradation of aniline was accomplished by a methanogenic syntrophic relationship between the genera Syntrophus, Methanosaeta, Methanobacterium and Petrimonas. Keywords: Aromatic compound. Anaerobic biodegradation. Petrochemical effluent. 16S rDNA sequencing. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 12 2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................................. 12 2.2 OBJETIVOS ESPECIFICOS ..................................................................................................... 12 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 13 3.1 ANILINA ...............................................................................................................................13 3.1 BIORREMEDIAÇÃO .............................................................................................................. 14 3.3 BIODEGRADAÇÃO DA ANILINA ............................................................................................ 15 4 METODOLOGIA .................................................................................................... 19 4.1 ESCOLHA DO INÓCULO........................................................................................................ 19 4.2 INOCULAÇÃO DOS MICROCOSMOS .................................................................................... 19 4.3 TESTE DE BIODEGRADAÇÃO ................................................................................................ 21 4.5 ANÁLISES TAXONÔMICAS ................................................................................................... 23 5.RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 24 5.1 TESTE DE BIODEGRADAÇÃO ................................................................................................ 24 5.2 DIVERSIDADE ...................................................................................................................... 26 5.3 TAXONOMIA ....................................................................................................................... 27 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 32 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 33 10 1 INTRODUÇÃO As indústrias relacionadas à produção e venda de corantes movimentam mundialmente bilhões de dólares por ano. No final de 2019 a Dainippon Ink and Chemicals, Incorporated (DIC Corp.), sediada em Tóquio, investiu cerca de 1,1bilhões de dólares na aquisição de indústrias de produção de pigmentos. Estes pigmentos são potencialmente aplicados na produção de uma variedade de produtos, como automóveis, maquiagem, eletrônicos e principalmente na indústria têxtil (ADAMS, 2019). O Brasil possui a maior cadeia de indústrias têxteis ocidental, representando o segundo maior gerador de empregos da indústria de transformações no país. Em 2019 o setor produziu em média 2,04 milhões de toneladas de tecido, e o faturamento cresceu cerca de 4,9%, fechando em R$185,7 bilhões (ABIT, 2020). No entanto, com o aumento da produção, respectivamente aumenta-se quantidade de insumos e a geração de resíduos decorrentes do processamento desses produtos. Dentre esses insumos os corantes ganham destaque, principalmente no segmento têxtil. Na indústria têxtil a maior parte dos corantes utilizados são do tipo azo, esses corantes são tóxicos e apresentam uma ou mais ligações duplas entre moléculas de nitrogênio, tornando o corante mais estável e difícil de ser degradado . Apesar das características tóxicas dos corantes azo, vários trabalhos relatam a capacidade de consórcios microbianos de reduzir os corantes azo através de enzimas redutases que atuam diretamente nas ligações azo, transformando-os em aminas aromáticas, que assim como os corantes apresentam características tóxicas e carcinogênicas apesar de não apresentarem cor (PARSHETTI et al., 2010). A anilina é uma amina aromática, composta por um anel benzênico ligado a um grupo amino, bastante utilizada na síntese de produtos como os próprios corantes da indústria têxtil, ou mesmo, na produção do Metileno Difenil Diisocianato (MDI), componente principal para a produção do poliuretano. Muitos trabalhos atribuem um efeito tóxico, carcinogênico e recalcitrante à anilina, destacando sua capacidade de inibição da fotossíntese e respiração em ambientes aquáticos, podendo também causar efeitos tóxicos ao baço, sistema nervoso e endócrino humano (MAKHDOUMI et al., 2019). Dessa forma, o lançamento indevido da anilina no meio ambiente representa uma ameaça à diferentes ecossistemas e à saúde pública. 11 Algumas abordagens de tratamento mostraram-se capazes de oxidar a anilina através da ozonização (TEKLE-RÖTTERING et al., 2016) ou com a utilização de catálise fotoquímica (TANG et al., 2010). Entretanto, esses tratamentos apresentam um elevado custo energético e um nível operacional avançado, necessitando de mão de obra especializada para monitorar o processo. Uma estratégia mais ecoamigável e de menor custo de operação para o tratamento de efluentes contendo anilina é a biodegradação. Muitos trabalhos relatam a capacidade de culturas microbianas aeróbias mistas ou puras em degradar de forma eficiente a anilina. O gênero Acinetobacter é capaz de metabolizar anilina convertendo-a a catecol, molécula mais simples que posteriormente consegue ser transformada em energia para os microrganismos (WYNDHAM, 1986). Uma espécie do gênero Pseudomonas também foi registrada como sendo capaz de utilizar a anilina como fonte de carbono e nitrogênio (JIANG et al., 2016). Culturas mistas também foram apontadas como sendo capazes de consumir a anilina em concentrações de 1500 mg/L (CUI et al., 2017), demonstrando o grande potencial de biorremediação da anilina em sistemas aeróbios de tratamento. Compostos aromáticos, como a anilina, podem se acumular em ambientes pobres em oxigênio como por exemplo no solo e em águas subterrâneas, através da degradação de pesticidas e herbicidas, ou por derramamentos acidentais no transporte e armazenamento dessas substâncias. Schnell et al. (1989) foi o primeiro trabalho a relatar a degradação anaeróbia da anilina, desde então poucos trabalhos têm elucidado os mecanismos pelos quais a anilina pode ser degradada anaerobiamente, ou quais os principais táxons envolvidos nesses processos. Tendo em vista a importância de que a taxonomia microbiana tem para os processos de biorremediação e para o tratamento de efluentes industriais, esse trabalho tem o objetivo de avaliar as mudanças na composição taxonômica de um inóculo previamente adaptado em efluente petroquímico, aplicando-o em ensaios de biodegradação da anilina. Os dados obtidos durante o desenvolvimento desta pesquisa foram direcionados a avaliar estratégias de biodegradação da anilina, além de explorar a comunidade microbiana envolvida no processo. 12 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Avaliar as mudanças na composição taxonômica de um inóculo previamente adaptado em efluente petroquímico, submetido à ensaios de biodegradação anaeróbia da anilina. 2.2 OBJETIVOS ESPECIFICOS a) Avaliar da capacidade do inóculo proveniente de tratamento de efluente petroquímico em degradar anilina. b) Caracterizar taxonomicamente a comunidade microbiana no inóculo utilizando sequenciamento 16S do rDNA. c) Avaliar as mudanças na composição taxonômica após a exposição da cultura microbiana à anilina durante o ensaio de biodegradação. d) Inferir os possíveis metabolismos e táxons envolvidos no processo de degradação da anilina. 13 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 ANILINA Os compostos aromáticos são moléculas que apresentam elevada estabilidade em função da nuvem de elétrons (π), conforme demonstrada na Figura 1. Esta é uma das principais características que desafiam a sua biodegradação. Figura 1. Estrutura química do composto aromático benzeno, com destaque para a nuvem de elétrons formada, causando a estabilidade da molécula. Fonte: Solomons e Fryhle (2005). A anilina é um composto químico altamente versátil, sendo amplamente utilizada industrialmente como precursor na síntese de uma variedade de químicos intermediários, como 2-metoxianilina e 4-metoxianilina (DURRENS et al., 1981). Tanto a anilina como seus derivados são utilizados para produção de corantes têxteis, fármacos, pesticidas, herbicidas entre outros produtos. A produção comercial da anilinaé realizada através de dois processos. Primeiramente ocorre a nitratação do anel de benzeno, formando um nitrobenzeno, e em seguida ocorre um processo de hidrogenação para a formação da anilina comercial (Figura 2). A anilina, tem sua maior relevância como insumo base para a síntese do Metileno Difenil Diisocianato (MDI), utilizado para a produção de espuma de poliuretano, que por sua vez é insumo das indústrias automobilísticas mobiliária e construção civil (GAMA; FERREIRA; BARROS-TIMMONS, 2018). 14 Figura 2: Esquema do processo de fabricação da anilina através da nitratação do benzeno, seguida da hidrogenação do nitrobenzeno. Fonte: CÂMARA (2021) A anilina, bem como seus derivados e intermediários são representantes de uma importante classe de contaminantes emergentes, por estarem presentes nos resíduos de uma grande variedade de segmentos industriais e apresentarem características tóxicas (SUN et al., 2015). A anilina tem o potencial de afetar anatomicamente e fisiologicamente as membranas biológicas, através da formação de radicais livres (MOHAMMED et al., 2020). Em animais, a anilina pode ser convertida em fenilidroxilamina, que tem capacidade de causar danos ao sistema nervoso e cardiovascular (DE FIGUEIREDO et al., 2012). Os dois maiores casos de contaminação ambiental por anilina ocorreram na china. O primeiro acidente aconteceu em 2012 quando 39 toneladas de resíduo contendo anilina foram despejadas no rio Zhuozhang, causando uma crise hídrica nas cidades próximas do curso do rio (CHINADAILY, 2013a). E o segundo ocorreu em 2013 quando um vazamento de anilina no abastecimento de água vila na província de Hebei, foi responsável pela morte de 700 frangos (CHINADAILY, 2013b). 3.1 BIORREMEDIAÇÃO A corrosão acidental de tanques de armazenamento e o lançamento indevido de resíduos não tratados são as principais formas de contaminação em solos e águas subterrâneas, por contaminantes orgânicos industriais (SUN et al., 2015). Essas fontes de contaminação impactam os ecossistemas do solo e das águas subterrâneas, causando muitas vezes o consumo do oxigênio presente nesses ambientes, além de afetar a fauna e a flora devido a toxicidade inerente das moléculas. Esse problema 15 ambiental pode ser transferido dentro da cadeia trófica e chegar ao estágio de problemas de saúde pública subjacentes (BAUDROT et al., 2018). Esses sítios contaminados podem ser tratados com a utilização de técnicas físicas, químicas ou biológicas, podendo ser aplicadas de formas isoladas ou combinadas. As técnicas físico-químicas costumam apresentar um elevado custo de aplicação, no transporte e processamento do material contaminado ou demanda a aplicação de outros reagentes (redutores, oxidantes, ar, alcalinizantes etc.) que podem ser danosos ao ambiente ou gerar subprodutos também recalcitrantes. A partir deste contexto, as técnicas de biorremediação apresentam grande vantagem, com relação ao baixo custo de aplicação, se comparados com as alternativas físico-químicas, além de promover em muitos casos a mineralização completa do composto orgânico de interesse. Dentro da biorremediação existem duas grandes técnicas de tratamento, a bioaumentação e a bioestimulação. Com relação à bioaumentação cepas ou vetores genéticos que apresentam a capacidade de degradação de um contaminante alvo são introduzidos em um sítio contaminado. O princípio desta técnica é de que a microbiota exógena pode otimizar a capacidade da microbiota nativa, de realizar a biodegradação do composto alvo, através de um maior repertório de reações bioquímicas promovida pelo aumento da diversidade genética (LENDVAY; LO, 2003). Já a bioestimulação visa estimular a microbiota nativa de um local contaminado através da adição de nutrientes ou correção de algum fator limitante, para que a degradação ocorra in situ, porém esse método necessita que a microbiota nativa apresente capacidade de degradação (ABDULSALAM et al., 2011). 3.3 BIODEGRADAÇÃO DA ANILINA A biologia molecular tem promovido muitas ferramentas moleculares para a identificação, monitoramento e quantificação microbiana (MUYZER; SMALLA, 1998). A utilização do sequenciamento da região 16s do DNA ribossomal, para identificação taxonômica de microrganismos, permitiu que a ecologia microbiana pudesse entender o comportamento de comunidades microbianas em um determinado ambiente. A biodegradação da anilina, por diferentes cepas microbianas já foi documentada em diversos trabalhos (CUI et al., 2017; WANG et al., 2011; WYNDHAM, 1986). A maior parte dos trabalhos desenvolvidos nesta área utilizam o 16 metabolismo aeróbio, para a mineralização da anilina, seguindo comumente para a rota de formação do catecol, que finaliza o processo de degradação seguindo pelo ciclo do ácido tricarboxilico, a estratégia microbiana mais comuns (CUI et al., 2017). No metabolismo aeróbio a primeira etapa de degradação da anilina em geral ocorre, de forma extracelular, pela ação de enzimas monoxigenases ou dioxigenases, que incorporam O2 ao anel aromático na forma de radicais hidroxila formando catecol e liberando íon amônio. As monoxigenases atuam na rota de meta clivagem do catecol, formando o semialdeído-2-hidroxi-muconato como intermediário; já as dioxigenases atuam na rota de orto-clivagem, formando o ácido cis-cis-mucônico como intermediário (AGHAPOUR; MOUSSAVI; YAGHMAEIAN, 2013). Esses intermediários são formados mediante a migração do catecol derivado da anilina degradada para dentro da célula, através do transporte transmembrana. Uma vez dentro da célula, sofre a ação das oxigenases no citoplasma, que rompem o anel aromático, facilitando sua metabolização através do ciclo ácido tricarboxilico convertendo os metabolitos finais em fonte energética para a célula (HUANG et al., 2018a). Figura 3: Esquema da degradação da anilina, mediante rota de orto-clivagem do catecol, formando ácido cis-cis-mucônico como intermediário, intracelularmente. Fonte:(MOHAMMED et al., 2020). 17 As culturas aeróbias degradadoras de anilina têm uma grande importância nos tratamentos de efluentes industriais que possuem sistema de aeração. Em contrapartida, para a utilização em técnicas de biorremediação como a bioaumentação em solos, águas subterrâneas, e mananciais eutrofizados onde o oxigênio é insuficiente para manter as reações metabólicas aeróbias, essas cepas não se desenvolvem, prejudicando a eficiência de remoção do composto alvo. Poucos trabalhos relatam a degradação anaeróbia da anilina, por ser energeticamente menos favorável quando comparada com a degradação aeróbia, consequentemente levando mais tempo para ocorrer. Outra dificuldade é encontrar cepas que tenham a capacidade de tolerar a toxicidade da anilina, e que apresentem enzimas que facilitem a clivagem do anel aromático, seja pela adição de radicais, como atuam as oxigenases produzidas das cepas aeróbias, ou seja por outros tipos de mecanismos que diminuam a ressonância do anel aromático induzindo a sua abertura (ANLI DINO et al., 2019; HUANG et al., 2018b). O primeiro trabalho relevante que documentou detalhadamente a biodegradação anaeróbia da anilina foi o de Schnell e Schink (1991). Este estudo utilizou uma cultura pura da espécie Desulfobacterium anilini que apresentou a capacidade de mineralizar concentrações de 0,46 mM (42 mg/L) de anilina em períodos de 5 a 15 dias sob condições anaeróbias. Na rota proposta por Schnell e Schink (1991), a anilina sofreria carboxilação resultando na formação de 4-aminobenzoato, que foi crescentemente detectado à medida que a concentração de anilina diminuía. Posteriormente, ocorria a formação de 4-aminobenzoil-CoA, através da ação de uma molécula de CoASH na presença de ATP. Por fim, a molécula de 4-aminobenzoil-CoA sofria desaminação formando o benzoil-CoA quepor sua vez seguia para as rotas de degradação convencionais bem estabelecidas na literatura. Após o trabalho de Schnell e Schink, poucos autores relataram a capacidade de culturas mistas de degradarem anilina aerobiamente. No entanto as rotas de degradação anaeróbia da anilina em culturas mistas permanecem não esclarecidas, assim como seus efeitos na composição taxonômica de culturas mistas. Portanto, são necessários mais estudos com intuito de explorar a composição taxonômica de culturas microbianas que promovam a biodegradação da anilina. Ao estudar tais culturas microbianas é de grande relevância entender quais os principais metabolitos formados, como também identificar os processos de conversão e biotransformação 18 dos intermediários que vão formar a rota de degradação do composto. Portanto, o presente trabalho teve o intuito de investigar as mudanças taxonômicas ocasionadas a uma microbiota previamente adaptada ao tratamento anaeróbio de efluente petroquímico, quando exposta a um teste de biodegradação anaeróbio da anilina. 19 4 METODOLOGIA 4.1 ESCOLHA DO INÓCULO O inóculo utilizado nessa pesquisa foi coletado de um reator biológico do tipo UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) utilizado para tratar efluente de uma indústria petroquímica. O ambiente promovido pela composição do efluente petroquímico, está geralmente associado à presença de compostos aromáticos monocíclicos conhecidos como BTEX (benzeno, tolueno, etil-benzeno e xileno). Esses compostos apresentam estrutura molecular muito semelhante a anilina, o que justifica o uso dessa cultura nos testes de biodegradação realizados neste trabalho. Os metabolismos dessa cultura adaptada aos BTEX podem apresentar capacidade enzimática úteis para a degradação biológica da anilina. 4.2 INOCULAÇÃO DOS MICROCOSMOS O ensaio de biodegradação da anilina foi conduzido em pequenos reatores (microcosmos) montados em triplicata, que operaram em condições anaeróbias durante todo o experimento. Os microcosmos são compostos por um frasco de vidro de penicilina, com volume total de 120 ml, particionado em volume útil de 90 ml (preenchido com uma solução de nutrientes e a biomassa utilizada na inoculação) e um headspace de 30 ml (preenchido com uma mistura gasosa de 20% CO2 e 80 % N2) (Figura 4). Figura 4: Esquema representativo dos frascos de microcosmos utilizados no experimento. Fonte: Autor (2021) 20 Para o volume útil foi utilizado um meio basal quimicamente definido, com as seguintes concentrações nutricionais de macronutrientes e micronutrientes (Tabela 1). Essas concentrações foram adaptadas do trabalho de EDWARDS; GRBIC-GALIC, (1994) recomendadas para o acondicionamento de culturas microbianas anaeróbias mistas. Foi utilizada uma concentração de 0,66 de Resazurina para a indicação do potencial redox, com a finalidade de monitorar a anaerobiose do meio. Tabela 1: Concentrações de macro e micronutrientes na solução final do efluente sintético. Compostos Concentração (mg/L) KH2PO4 140 K2HPO4 286 NH4Cl 357 CaCl2.6H2O 32 FeCl3.6H2O 16 H3BO3 0,4 ZnCl 0,13 Na2MoO4.4H2O 0,13 NiCl2.6H2O 0,99 MnCL2.4H2O 1,33 CuCl2.4H2O 0,13 CoCl2.6H2O 1,99 Na2SeO3 0,03 Al2(SO4)3.18H2O 0,13 MgSO4.7H2O 8,3 Resazurina 0,66 NaHCO3 1333,25 Fonte: adaptado de Carvalho et al. (2020) EDWARDS; GRBIC-GALIC (1994). As culturas foram inoculadas em uma quantidade necessária para atingir uma concentração de sólidos suspensos voláteis (SSV) correspondente a 0,8 mg/L. Foi utilizada anilina (CAS# 62-53-3; fórmula molecular: C6H5NH2; peso molecular: 93,13 g.mol-1; pico de máxima absorção da luz em 230 nm) cujo padrão foi adquirido da Sigma Aldrich (St. Louis, EUA), com pureza de 99,5%, para alimentar os reatores numa concentração de 2,8 mg/L de anilina. Após a inoculação, os microcosmos foram fechados com uma tampa de butila, e selados com lacres de alumínio. Foi realizada uma purga no headspace, com o 21 auxílio de duas agulhas, por uma delas foi injetada uma mistura dos gases CO2 e N2 (20:80%) sendo posteriormente expulso através da segunda agulha, durante 5 minutos. Essa etapa foi realizada para garantir a remoção do O2 contido no espaço interno dos microcosmos. Após a purga, os microcosmos foram transportados para uma câmara anaeróbia (Glove-box 818GB, Plaslabs®) preenchida com a mesma mistura de gases. Dessa forma, para o teste do potencial de biodegradação da cultura proveniente de efluente petroquímico (CEP), os microcosmos foram formulados conforme a Figura 4 e foram mantidos na câmara anaeróbia (Figura 5), durante um período experimental de 388 dias. Figura 5: Foto da glove box utilizada no experimento . Fonte: Autor (2021) 4.3 TESTE DE BIODEGRADAÇÃO Além dos microcosmos contendo o inóculo, também foi adicionado ao teste de biodegradação da anilina, um controle abiótico contendo o inóculo autoclavado. Este controle, estéril, foi adicionado para poder avaliar se a remoção da anilina teria sido realizada pelos microrganismos testados, ou se haveria alguma contribuição proveniente da adsorção ou de reações químicas, provenientes de compostos presentes no inóculo. 22 Após a montagem e o acondicionamento dos microcosmos na câmara anaeróbia, foi realizada uma primeira coleta de 0,5 ml de cada um deles com o auxílio de uma seringa com agulha tipo Quinkle 29G (10 cm) que foi inserida através da tampa de butila. As amostras foram filtradas e armazenadas em vials de 2 mL e transportadas para fora da câmara para análise. E as concentrações de anilina foram monitoradas semanalmente, após a montagem nos microcosmos. A concentração de anilina foi determinada com um cromatógrafo líquido de alta eficiência (HPLC SHIMADZU LC-20AT), com uma coluna de fase reversa (LiChospher® 100 RP-18 (5µm)). A fase móvel utilizada foi composta de 40% de acetonitrila e 60% de água Milli Q, com um volume de injeção estabelecido em 50µL. O pico de detecção da anilina foi medido no comprimento de onda de 230 nm, com tempo de retenção de 5,4 minutos. 4.4 EXTRAÇÃO E SEQUENCIAMENTO DO DNA Foram coletadas duas amostras de biomassa para extração de DNA, a primeira delas foi coletada do inóculo bruto antes de ser introduzido nos microcosmos contendo anilina. A segunda amostra foi retirada ao fim do experimento de biodegradação, caracterizando a biomassa que se desenvolveu nos microcosmos. Para extração do DNA foi utilizado o kit de extração Kit PowerSoil® (Mo Bio Laboratories Inc. Carlsbad, CA), seguindo as instruções do fabricante. Ao final do experimento um dos microcosmos da triplicata foi sacrificado para realizar a coleta de biomassa utilizada na extração de DNA. O volume de amostra de biomassa coletado no microcosmo foi correspondente à 0,5 g. Após extração, foi verificada a concentração do DNA purificado utilizando um espectrofotômetro (NanoDrop 2000 - Thermofischer®), nos comprimentos de onda 260 nm e 280 nm, que indicam a pureza do DNA. Todas as amostras de DNA apresentaram concentração acima 12 ng/μL, posteriormente enviadas para sequenciamento em plataformas de sequenciamento de nova geração (NGS). A plataforma escolhida foi a Illumina Miseq, utilizando o método de análise metabarcoding, que permitiu acessar as informações genéticas da região 16S do DNA extraído. As condições de sequenciamento foram estabelecidas para 50 mil reads, com 300 pares de base cada. O par de primer utilizado foi o 341F-806R, que apresenta uma vasta cobertura taxonômica para bactérias e arqueias (TAKAHASHI et al., 2014). 23 O serviço de sequenciamento foi prestado pela empresa Neoprospecta Microbiome Tecnologies (Florianópolis – SC, Brasil), seguindo protocolo descrito por (CHRISTOFF et al., 2017). Todas as sequências serão depositadas em um banco de dados públicos e terá o código de acesso divulgadonas futuras publicações deste trabalho. 4.5 ANÁLISES TAXONÔMICAS Após o experimento de biodegradação da anilina, foram realizados teste de alfa diversidade, a fim de comparar as mudanças taxonômicas, sofridas pela comunidade microbiana presente no inóculo. O cálculo da alfa diversidade permitiu a comparação da diversidade da comunidade entre o inóculo (CPI) e a microbiota adaptada a anilina (CPF), os índices escolhidos para essa finalidade foram o índice de Simpson (1-D) e Shannon (H). 24 5.RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 TESTE DE BIODEGRADAÇÃO Os resultados obtidos no teste de biodegradação de anilina indicaram que a cultura petroquímica (CP) foi capaz de remover anilina, em diferentes intervalos de tempo para cada alimentação. A triplicata de microcosmos foi monitorada durante um período de 388 dias, durante esse intervalo de tempo, foi possível observar o perfil de remoção de quatro realimentações na triplicata CP. Ao avaliar a variação da concentração de anilina, durante a primeira alimentação, observa-se uma rápida diminuição na concentração até o dia 8 de experimento, de 2,8 mg/L para 1,23 mg/L. Após o dia 8, foi registrado um aumento na concentração de anilina de 1,23 mg/L para 2,65 concentração registrada no dia 79 do monitoramento. Esse comportamento pode ser atribuído a um fenômeno não biológico como a adsorção, neste caso a anilina poderia interagir físico-quimicamente com a biomassa ou com moléculas provenientes do inóculo, através de afinidade eletroquímica, por exemplo, sendo temporariamente imobilizada (KEYHANIAN; FARMANZADEH, 2019). Após a anilina ter sido adsorvida no primeiro instante, a mesma voltou a ser liberada aos poucos no meio líquido, justificando o aumento ocorrido entre o dia 8 e o dia 79. Quando se observa o controle estéril (CE) é possível verificar um comportamento de remoção por adsorção representando uma remoção de 12,6% da concentração inicial de anilina, após essa adsorção a concentração de anilina se mantem estável por cerca de 230 dias. 25 Figura 6. Concentração da anilina durante o experimento de biodegração. Fonte: Autor (2021). As sentas vermelhas indicam as injeções de anilina, e seus respectivos dias. A remoção da primeira injeção de anilina foi registrada no dia 106, do teste de degradação em CP. Posteriormente foram realizadas mais três injeções das concentrações de anilina (nos dias 111, 147, e 333). Os intervalos de remoção da anilina obtidos no teste de biodegradação utilizando a CP, foram respectivamente 27, 35, 61 e 55 dias, para a primeira, segunda, terceira e quarta injeção. Um detalhe importante observado nas curvas de degradação apresentadas na Figura 6 é que a cada injeção o intervalo de tempo necessário para degradação foi aumentando, e a concavidade da curva de degradação na terceira injeção diferiu das demais. Alguns autores relacionam a concavidade da curva de consumo de substrato, tanto com a cinética da reação (aumento ou taxa de consumo), quanto com a adaptação microbiana, geralmente curvas com concavidade voltada para baixo indicam que está havendo um aumento na taxa de degradação ao longo do tempo, o que geralmente está associado a um período de adaptação microbiana. Por se tratar de um inóculo que veio de reator biológico contendo uma diversificada fonte de contaminantes, é provável que a remoção das duas primeiras alimentações de anilina tenha sido influenciada pela presença de outros compostos endógenos do lodo. Uma vez cessada a influência endógena, a microbiota necessariamente adaptou-se a um 26 ambiente onde apenas a anilina estava disponível como única fonte de carbono e energia no meio. 5.2 DIVERSIDADE A composição taxonômica da comunidade microbiana, presente no inóculo (CPI) e nos microcosmos contendo anilina (CPF), foi analisada através do sequenciamento do 16S rDNA. A primeira amostra foi retirada da biomassa utilizada como inóculo dos microcosmos, essa amostra representa a comunidade microbiana inicial, antes de ser utilizada no teste de biodegradação da anilina. A segunda amostra foi retirada dos microcosmos no dia 210 do experimento, e representa a mudança que a comunidade presente no inóculo sofreu, em função da exposição ao substrato disponível (anilina). A princípio, quando se observa os dados do sequenciamento das duas comunidades (CPI e CPF) é possível verificar um declínio no número de unidades taxonômicas operacionais (OTU) a nível de gênero em CPF, quando comparada a CPI. Uma explicação possível para essa diminuição no número de OTUs, é sustentada pela menor diversidade e disponibilidade de substrato presentes no teste de degradação da anilina. Enquanto no efluente petroquímico estavam disponíveis diversos compostos orgânicos, podendo ser nitrogenados (toluamida), sulfurados (Benzotiofeno), além de diversos álcoois, cetonas e fenóis (BOTALOVA et al., 2009), nos microcosmos, a única fonte de carbono e energia disponível era a anilina, o que restringe a comunidade microbiana presente. Tabela 2. Resultados dos índices de diversidade calculados para a comunidade microbiana do inóculo (CPI) e do final do tratamento (CPF). Fonte: Autor (2021) Análises CPI CPF OTUs 44 33 Sequências 31919 24431 Shannon H 1,265 1,209 Simpsom 1-D 0,493 0,587 Dominance D 0,506 0,412 Berger-Parker 0,702 0,584 Índices de diversidade 27 Quanto à alfa diversidade, o primeiro índice a ser destacado é de Shannon (H), apesar da diminuição no número de OTUs, a diversidade de Shannon não teve grande alteração. Este índice pode ser definido como uma medida de riqueza e equitabilidade de espécies, atribuindo um maior peso a espécies raras e sendo sensível a variações na abundância. Dessa forma, o índice de Shannon sugere que além da diminuição no número geral de OTUs, também ocorreu uma diminuição de dominância de gêneros em CPF, e que gêneros antes abundantes em CPI, tornaram-se mais raros em CPF. O índice de Simpson (1-D) calcula a diversidade de forma similar ao de Shannon, no entanto ele dá maior peso a espécies comuns, neste é avaliada a probabilidade de 2 indivíduos aleatórios de uma comunidade de pertencerem a mesma espécie, quanto maior o resultado maior essa probabilidade. É possível observar que essa probabilidade é maior em CPF quando comparada com CPI. No entanto, a diminuição da dominância em CPF, indica que o aumento da abundância de gêneros comuns ocorreu de forma mais distribuídas (várias espécies aumentaram abundância simultaneamente), quando comparado a CPI, que apresentou maior dominância, logo maior abundância concentrada em um menor número de gêneros, o que também é corroborado pelo índice de Berguer-Parker. Os resultados de alfa diversidade indicam que apesar da anilina ser consumida em diversas injeções (mostrando a capacidade metabólica da comunidade microbiana), a sua presença exerceu pressão seletiva sobre a comunidade microbiana inicial (CPI) gerando uma comunidade final (CPF) estruturalmente distinta na proporção em que a abundância se distribui entre os diferentes táxons da comunidade. Logo, é possível afirmar que o resultado em CPF foi a diminuição de OTUs, extinguindo os táxons que não apresentaram a capacidade de utilizar a anilina ou seus subprodutos. Também ocorreu a diminuição do número de espécies abundantes, e uma menor dominância entre as espécies abundantes. Esse último fator sugere que mais de uma espécie poderiam estar sendo beneficiadas pela degradação da anilina, sendo participativas de sua rota metabólica. 5.3 TAXONOMIA Os dados taxonômicos de ambas as comunidades (CPI e CPF) corroboram com a alfa diversidade, discutida anteriormente. Na distribuição taxonômica presente em 28 CPI é possível observar 11 gêneros relevantes (com abundância relativa >1%), já em CPF apenas 6 apresentaram essaabundância. Nos táxons pertencentes ao grupo de maior relevância, em ambas as comunidades, o metabolismo é predominantemente fermentativo e metanogênico. Figura 7. Comparação taxonômica entre CPI e CPF Fonte: Autor (2021) Outro aspecto importante a ser ressaltado é que tanto CPI quanto CPF apresentaram os mesmos quatro gêneros com maior abundância relativa, sendo eles Syntrophus, Methanosaeta, Methanobacterium e Petrimonas. A única diferença está da distribuição da abundância desses quatro gêneros, CPI apresentou uma monodominacia do gênero Syntrophus (AR = 70,25%), já CPF deve uma abundância mias distribuída com Methanosaeta apresentando a maior dominância (AR = 58,46%) seguida de Syntrophus (AR = 25,11%), Petrimonas (AR = 6,64%) e Methanobacterium (AR = 5,24%). O gênero Syntrophus apresentou uma abundância relativa bastante elevada em ambas as comunidades (AR = 70,25% em CPI e AR = 25,11% em CPF). Esse gênero já foi caracterizado como sendo capaz de obter energia de uma grande variedade de compostos orgânicos como como álcoois, AGVs, ácidos aromáticos (benzoato), 29 ácidos orgânicos e hidrocarbonetos (MCINERNEY et al., 2007). No entanto, essas reações são endergônicas, logo só poderiam acontecer na ausência ou em baixos níveis de formiato e hidrogênio. Dessa forma esse táxon necessita estabelecer uma relação sintrófica com arqueas metanogênicas ou outros gêneros que utilizam esses compostos, controlando suas concentrações no ambiente. Na tabela 3 estão descritas algumas reações propostas por Mcinerney et al. (2007), que demonstram como funciona o metabolismo sintrófico desses gêneros. Tabela 3. Esquema das reações Fonte: Adaptado de Mcinerney et al. (2007) A abundância de Methanobacterium (AR = 5,24%), gênero caracterizado por fazer uso de hidrogênio e fumarato no seu metabolismo para a produção de metano (hidrogenotrófica) (KATO; HASHIMOTO; WATANABE, 2012), indica essa possível relação sintrófica com o gênero Syntrophus. Petrimonas (AR = 6,64) é relatado na literatura apresentando um metabolismo acetogênico, com a capacidade de utilizar ácidos orgânicos como fonte de energia(GRABOWSKI et al., 2005), de forma semelhante à Syntrophus. Além disso, é bastante relevante a presença do gênero Methanosaeta (AR = 58,46%) que é favorecido pela presença de acetato derivado da degradação dos substratos orgânicos disponíveis (ELDER e KELLY, 1994), neste caso o ácido benzoico proveniente da degradação da anilina pode ser convertido a acetato, apesar de não avaliado neste trabalho. Durante o monitoramento, a presença do ácido benzoico nos microcosmos, em concentrações entre 0,2 à 1,8 mg/L, indicam que a rota de degradação da anilina neste caso acontece por via de carboxilação e desaminação conforme ilustrado na Figura 8 Entretanto, não é possível afirmar se houve etapas intermediárias entre esses dois processos, uma vez que nesse experimento só foi monitorado o ácido benzoico como intermediário, o que dificulta prever a rota de degradação completa. Reações ΔG 0 (kJ/mol) ΔG (kJ/mol) Metanogênese hidrogenotrófica 4H2 + HCO3 - + H + → CH4 + 3H2O -135,6 -15,8 Propionato- + 3H2O → acetato - + HCO3 - + H+ + 3H2 76,1 -16,9 Butirato- + 2H2O → 2 acetato - + H + + 2H2 48,6 -39,2 Benzoato- + 7H2O → 3 acetato - + HCO3 - + 3H + + 3H2 70,1 -68,5 Metabolismo sintrófico 30 Figura 8. Inferência da rota de degradação da anilina Fonte: Autor (2021). O tracejado vermelho indica os compostos identificados durando o experimento. Portanto é possível afirmar que a Cultura proveniente de efluente petroquímico apresentou a capacidade de degradar anilina por via de formação de ácido benzoico (benzoato). A abundância relativa dos gêneros dominantes da comunidade foi significativamente alterada, indicando que a comunidade microbiana estabeleceu uma configuração de relações tróficas focadas no metabolismo de quatro gêneros principais (Syntrophus, Methanosaeta, Methanobacterium e Petrimonas). Nesse contexto, a CPI apresentou um perfil mais monodominante com o gênero Syntrophus em destaque e CPF apresentou uma distribuição mais equilibrada da abundância relativa entre os gêneros Syntrophus, Methanosaeta, Methanobacterium e Petrimonas indicando uma possível relação sintrófica metanogênica entre esses gêneros, representada na Figura 9. Figura 9. Esquema representativo da relação entre os gêneros Syntrophus, Petrimonas, Methanobacterium e Methanosaeta Fonte: Autor (2021) 31 Diversos trabalhos relatam a importância da relação sintrófica entre bactérias diretamente ligadas com a redução de compostos aromáticos e as bactérias metanogênicas. No trabalho de (BERDUGO-CLAVIJO et al., 2012) foi relatada a importância do gênero Methanosaeta, no consumo de acetato e hidrogênio durante a degradação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. O gênero Methanobacterium também foi relatado em uma relação sintrófica metanogênica (dependente de hidrogênio e fumarato) na degradação anaeróbia de naftaleno, 2-metilnaftaleno e antraceno (YE et al., 2019). Em nenhum dos microcosmos da triplicata inoculados com a cultura petroquímica foi registrada a formação do intermediário central catecol, formado geralmente a partir das ações de enzimas monoxigenases e dioxigenases produzidas por microrganismos aeróbios. Este fato indica que o ambiente dentro dos microcosmos foi bem controlado quanto a interferência do oxigênio atmosférico, o que assegurou a anaerobiose como ambiente predominante. 32 6 CONCLUSÃO Os resultados obtidos nesse trabalho indicam que a cultura proveniente de um reator do tipo UASB, adaptada ao tratamento de efluente petroquímico, foi capaz de degradar anilina em condição anaeróbia estrita. Esses resultados corroboram com a hipótese de que culturas microbianas que se desenvolvem em ambientes contendo compostos orgânicos de difícil degradação (neste caso os BTEX presentes no efluente petroquímico), conseguem desenvolver uma estrutura metabólica que pode ser explorada e utilizada para biorremediação e tratamento de outros compostos recalcitrantes de interesse, como a anilina. Foi possível observar que a exposição da comunidade microbiana à anilina, promoveu um efeito seletivo na estrutura taxonômica e nos índices de alfa diversidade da comunidade microbiana inicial, utilizada como inóculo. Esta pressão seletiva incidiu na microbiota de forma a diminuir o número de táxons e alterando a abundância relativa dos táxons remanescentes. Porém a predominância do metabolismo metanogênico foi mantida, na comunidade final. A detecção de ácido benzoico durante os testes de biodegradação, indica que a possível rota de degradação da anilina seria por carboxilação, seguida de desaminação, contudo para entender a rota completa é necessário monitorar outros possíveis compostos intermediários. Este trabalho contribuiu para melhor compreensão de como a anilina pode modificar uma comunidade microbiana anaeróbia, além de contribuir para o entendimento da biorremediação deste contaminante. No entanto são necessários mais estudos, que monitorem os metabolitos intermediários, para um melhor entendimento da rota de degradação da anilina. Além disso, o isolamento da comunidade microbiana através de técnicas de seleção de microrganismos, pode gerar uma cultura ainda mais especializa, permitindo aprofundar o nível de detalhes sobre os metabolismos das espécies envolvidas diretamente na biodegradação. 33 REFERÊNCIAS ABDULSALAM, S. et al. Comparison of biostimulation and bioaugmentation for remediation of soil contaminated with spent motor oil. International Journal of Environmental Science and Technology, v. 8, n. 1, p. 187–194, 2011. ABIT. Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Indústria Têxtil e de Confecção Brasileira, 2020. Disponívelem: < http://www.abit.org.br/cont/perfil-do- setor >. Acesso em: 12 de fevereiro de 2021. ADAMS, R. Dic Will Buy Basf’S Global Pigments Business for $1.1 Billion. Focus on Pigments, v. 2019, n. 8, p. 1–3, 2019. DINO, A. 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