Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Raphaela Carvalho 2024.2 Gota DEFINIÇÃO É uma doença inflamatória e metabólica decorrente da formação de cristais de urato monossódico di-hidratado nas articulações. Caracterizada por uma artropatia inflamatória mono ou oligoarticular. EPIDEMIOLOGIA É a doença articular inflamatória mais comum. As taxas de prevalência variam entre 1 a 5%. Nas últimas décadas foi observado um aumento da prevalência da gota, que foi relacionado a fatores como: dietéticos (ingestão de proteínas, alimentos ricos em purinas, calorias, bebidas adoçadas e bebida alcóolica e frutose), aumento da longevidade, uso de fármacos hiperuricemiantes (diuréticos e aas), DRC e síndrome metabólica. Apresenta predominância no sexo masculino (7:1 – 9:1) e diminui com a idade (após os 65 anos chega a 3:1). No sexo feminino o pico de incidência é entre 55 e 70 anos, no período climatérico (estrogênio tem efeito uricosúrico). HIPERURICEMIA Hiperuricemia: ácido úrico > 9-10 mg/dL. A hiperuricemia assintomática é definida pelo aumento nos níveis séricos de ácido úrico NÃO associado a manifestações de gota e/ou nefropatia. Pode ser secundária ao uso de diuréticos tiazídicos e da presença de síndrome metabólica. Esses níveis sustentados predispõem não somente a uma maior chance de ter gota, como também de doença renal ou cardiovascular. FATORES DE RISCO Não modificáveis: • Idade • Gênero • Etnia • Variantes genéticas Modificáveis/controláveis: • Obesidade • HAS • Dislipidemia • DCV • DM • DRC • Dieta • Álcool • Medicamentos que atuam no metabolismo do urato ETIOLOGIA A formação dos cristais de urato monossódico (UMS) é proveniente da supersaturação de urato. Definição físico-química de hiperuricemia: pH de 7,4 e temperatura de 37ºC correspondem ao limite de solubilidade do urato de 7mg/dL. Portanto, uma redução do pH e da temperatura diminuem a solubilidade desse soluto – explicação para a topografia periférica das crises de gota (locais mais frios). Além disso, o principal fator a se pensar em caso de hiperuricemia é que ou está acontecendo uma produção excessiva ou uma redução na excreção renal (principal mecanismo). A excreção também ocorre a nível intestinal, mas como é uma fração muito pequena se torna irrelevante na etiologia. O ácido úrico é totalmente filtrado, mas é 90% reabsorvido no túbulo contorcido proximal pelo transportador URAT1. A eliminação renal diária é de 300-800mg, sendo o clearence por volta de 6- 7 mL/min. Como já se sabe, a gota é o resultado da soma de fatores genéticos e ambientais. Geneticamente observamos a codificação de diversos transportadores de ácido úrico, fazendo com que sua reabsorção seja quase 100%. Outras causas: • Deficiência da enzima que converte ácido úrico • ↑ frutose e álcool PATOGENIA Mecanismo principal: ativação de inflamassomas NLRP3 pela interação dos cristais de urato com macrófagos. Inflamassomas -> ativam caspase 1 -> IL-1 -> TNF- alfa -> produção de mediadores pró inflamatórios como fatores quimiotáticos, eicosanoides e espécies reativas de oxigênio. A quimiotaxia recruta monócitos, mastócitos e neutrófilos, exacerbando o processo inflamatório liberando mais citocinas. Mecanismo adicional: participação de co fatores como ácidos graxos livres para ativar o toll like receptor 2. Como resultado, acontece a congestão vascular, proliferação sinovial, infiltração neutrofílica, proliferação fibroblástica e dano tecidual. O cristal sofre opsonização por imunoglobulinas e pelo sistema complemento, induzindo sua fagocitose e amplificando o processo inflamatório. Por outro lado, o organismo tenta responder com a ação de macrófagos M1 e M2, que tem atividade anti inflamatória, com produção de TGF-alfa1 e IL-10. Isso acontece pela proteína quinase ativadora de AMPc e pela ação bifásica dos neutrófilos (NETosis – formação de rede fibrosa pra conter os patógenos, nesse caso os cristais de urato). QUADRO CLÍNICO A hiperuricemia pode ser totalmente assintomática por anos. É considerada uma fase precursora ou estágio pré-clínico da gota. Esses pacientes tem maior risco de ter HAS, IR e DCV. Gota articular: artrites agudas intermitentes principalmente nas articulações dos pés – classicamente na articulação do hálux, sendo denominada de podagra. Crises agudas de gota (CAG): dor intensa, rápida evolução, eritema local, edema local e com hipersensibilidade ao toque. Dor que se inicia pela manhã e tem pico entre 24 e 48h. Após a resolução do quadro a pele afetada costuma a descamar. Respondem bem a drogas anti inflamatórias. A hiperemia e edema podem se estender para região periarticular Período inter-crítico: período assintomático entre as crises agudas, apesar da persistência dos cristais de UMS. Gota torfácea crônica ou artrite destrutiva: é uma forma crônica. É observado ao exame físico o tofo subcutâneo, que é uma estrutura ordenada de cristais de UMS nas partes moles, que causam erosão e destruição articular. Podem infectar, calcificar e fazer compressão de nervos e tendões. O acometimento renal pela gota pode ser de 3 tipos: 1. Nefrolitíase – cálculos radioluscentes 2. Nefropatia por urato – nefrite intersticial com fibrose e aterosclerose levando a uma insuficiência renal 3. Nefropatia obstrutiva por urato (rara) – obstrução dos túbulos renais e ureteres. Acontece geralmente em terapia citostática para leucemia aguda Diagnóstico diferencial: artrite traumática, artrite infecciosa, artrite psoriásica, pseudogota e por deposição de outros cristais. Por isso, quando temos uma monoartrite a indicação é de Artrocentese imediata para avaliar o líquido sinovial. EXAMES COMPLEMENTARES Na CAG: alterações inespecíficas – ↑PCR, ↑ VHS leucocitose. Em até 40% dos casos o ácido úrico não está aumentado na crise. O diagnóstico definitivo é dado pela artrocentese, que analisa a fresco do líquido sinovial em luz polarizada, que indica birrefringência negativa. É descrito a presença de cristais em forma de agulha, que geralmente são fagocitados por leucócitos – patognomônico. Os critérios de classificação de gota são (ACR/EULAR 2015): Cada vez tem se usado menos a radiografia simples devido ao tempo que leva p/ mostrar alteração. A USG tem sido muito utilizada como método sensível e específico, mesmo nas fases mais iniciais. Sinal do duplo contorno: linha hiperecoica na superfície da cartilagem examinada. Também pode ser feita TC de dupla energia, que permite detectar depósitos incipientes de cristais e até diferenciar se são de urato ou de cálcio. TRATAMENTO CAG Importante instruir o paciente a não interromper a medicação de uso contínuo no momento da crise. Não farmacológico: repouso, evitar qualquer sobrecarga na região e compressa de gelo no local. Farmacológico: AINE, colchicina ou corticoide (VO, IM ou IA) – isolados ou em combinações, como AINE + colchicina ou corticoide + colchicina. Sem contra indicação, fazer AINE 0,5-1mg/dia. Com contra indicação, fazer colchicina* em dose baixa 1mg inicialmente e 0,5mg uma hora após. Se houver contra indicação aos dois citados, optar por prednisolona 35mg/dia por 5 dias. *É eficaz se feita em até 12h do início do quadro, após as primeiras 36h já não é mais indicada. CRÔNICO Meta: níveis séricos < 6mg/dL. Orientação dietética hipocalórica, com baixo teor de purinas e redução no consumo de álcool (cervejas e destilados), refrigerantes e energéticos com alto teor de frutose. Aumentar o consumo de laticínios com baixo teor de gordura e vitamina C – hipouricemiantes. As medicações uricorredutoras (MUR) estão indicadas para: 1. Presença de tofos 2. Dano articular radiológico atribuído a forma crônica da gota (qualquer método de imagem) 3. ≥2 CAG por ano 4. Doença renal moderada a grave(estágio ≥3) 5. Hiperuricemia sustentada 6. Histórico de urolitíase O início do tto com MUR predispõe a novas CAG. Para diminuir o risco, deve ser empregado em doses baixas (ajuste a cada 2-4 semanas) e associados a anti-inflamatórios (AINE, colchicina ou prednisolona) de maneira profilática por 3-6 meses. Importante só introduzir o MUR após o controle da CAG. O principal medicamento (1ª linha) é o alopurinol – um inibidor competitivo da enzima xantina oxidase, que forma urato a partir de xantina e hipoxantina. Deve-se iniciar com dose máxima de 100 mg/dia, aumentando progressivamente, a cada 2 a 4 semanas, até alcançar-se a uricemia alvo. Em pacientes com a função renal reduzida, a dose inicial deve ser corrigida para 1,5 mg de alopurinol por mL/min de TFG. A dose necessária para atingir-se a uricemia-alvo geralmente é superior a 300 mg/dia, porém a dose máxima diária não deve exceder os 800-900 mg. Em geral é um fármaco bem tolerado, mas cerca de 5% apresentam efeitos adversos como erupção cutânea*, febre medicamentosa, náusea, vômito e alterações laboratoriais como leucopenia, trombocitopenia e anormalidades da função hepática. *Pode ser o início da síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol (SHA) que se caracteriza por exantema eritematoso + febre + hepatite + eosinofilia + IRA. É fatal. A benzbromarona é um potente uricosúrico capaz de bloquear de forma efetiva a reabsorção de ácido úrico mediada pela URAT1. Assim como indicado para outras MUR, a benzbromarona deve ser iniciada em dose baixa, 25 a 50 mg/dia, sendo a dose máxima 200mg/dia. Visando prevenir a ocorrência de urolitíase, o paciente deve ser orientado a fazer uma ingestão hídrica diária adequada (≥ 30 mL/kg)
Compartilhar