Buscar

3 a subjetividade na era digital



Continue navegando


Prévia do material em texto

A SUBJETIVIDADE NA ERA DIGITAL 
 
Fabiana Tavolaro Maiorino1[1] 
 
“ Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas.Essa nova 
civilização traz consigo novos estilos de família; novos modos de 
trabalhar, amar e viver; uma nova economia; novos conflitos políticos 
e, em última análise, também uma profunda alteração da consciência 
do homem. Fragmentos dessa nova civilização já existem hoje. Milhões 
de homens já estão ordenando sua vida pelos ritmos de amanhã. Outros, 
aterrorizados com o futuro, ,se desesperam e futilmente refugiam-se no 
passado, procurando restaurar aquele velho mundo que lhes dá 
segurança.” ( TOFFLER, em A TERCEIRA ONDA) 
 
 
Esse artigo objetiva discutir e refletir sobre as novas subjetividades geradas na 
contemporaneidade, na era digital, apontar algumas questões importantes tais como : 
redefinição do espaço e tempo como parâmetros referenciais do humano, a re-significação dos 
espaços públicos e privados com o advento da era da informática, os novos paradigmas e 
metodologias para se estudar e conceituar a subjetividade. 
 
São muitas questões, muitas delas voltadas a pensar criticamente sobre como o homem 
da contemporaneidade vai habitar o seu mundo, como ele vai se instalar como agente de 
mudanças, como esse homem vai criar modos de ser e estar? 
 
Talvez hoje consigamos construir mais perguntas do que respostas concretas. 
É um momento difícil, pois estudiosos precisam apreender o que nos acomete, num momento 
histórico incomum, onde se discute intensa e rapidamente questões como as inovações 
tecnológicas incríveis: as possibilidades da biogenética (que são eticamente polêmicas) ,as 
 
1[1] Fabiana Tavolaro Maiorino, é psicóloga, formada pela PUC/SP, mestra pela Comunicação e Semiótica da 
PUC/SP, professora e líder da disciplina Ética na UNIP, membro ativo da Comissão Nacional de Fiscalização 
e Orientação de Serviços Psicológicos na Internet pelo Conselho Federal de Psicologia. 
Contatos 
Emails fmaiorino@uol.com.br 
http://www.fabianamaiorino.cjb.net 
mailto:fmaiorino@uol.com.br
revoluções nos paradigmas da educação, a mudança dos parâmetros das relações 
intersubjetivas (discussão do ser ou ter), a noção de conhecimento como a nova moeda no 
mundo, enfim, muitas mudanças paradigmáticas e existenciais. 
 
A era da informática ou era digital é uma realidade sócio histórica, que vem confluindo 
na confecção de um contexto multideterminado pelos fenômenos da globalização, da 
transnacionalização do capital, da democratização da informação, do capitalismo tardio, pelas 
mudanças qualitativas no mundo do trabalho, pelas interações humanas mediadas pelas novas 
tecnologias, assim como o Boom midiático dos canais de comunicação, com os cabos ópticos e 
pelos discursos neo-liberais. 
Segundo Ana Bock, compreender o modo como as subjetividades se constrõem significa 
entender como o homem se constrói em diferentes tempos, significa visualizar a maneira que 
o homem se transforma e de que modos ele o faz, significa mapear nosso tempo sob o foco do 
nosso objeto de estudo, não reduzindo-o a um psicologismo, mas sim situando-o no contexto 
social e bio-físico. 
É preciso, segundo BOCK observar o homem do nosso tempo, como sendo uma 
construção intersubjetiva e superar os modelos de subjetividade calcados em visões estáticas 
e essenciais, que concebiam o humano como algo semi pronto, que possuía uma Natureza 
humana, que teria apenas que ser estimulada ou não pela sociedade. É preciso olhar para o 
humano do nosso tempo e apreendê-lo em sua condição humana, quem é ele? Como ele é 
constituído? Como ele se relaciona? Como é sua afetividade? Enfim, se gerem novas 
subjetividades a cada mudança sócio-histórica e esse movimento precisa ser apreendido com 
atenção e cuidado epistemológico. 
Fernando González Rey, cubano e psicólogo, em sua obra Epistemologia qualitativa e 
subjetividade, nos fornece novos instrumentais para fazer uma leitura dinâmica dos 
processos subjetivos na atualidade, ele trabalha com a idéia de que a subjetividade não é um 
sistema acabado, que possui uma essência, algo que dá ao homem uma identidade finita e 
determinada. A subjetividade é, ao contrário, a integração de várias configurações subjetivas 
em relação ao mundo em transformação. 
 
 
O homem relaciona-se com o mundo através da significação que ele confere aos 
objetos e estes ao serem significados adquirem coloridos semióticos diferentes; dar sentido 
aos objetos do mundo transforma a visão que os outros homens tem daquele mesmo mundo, 
mas ao mesmo tempo, abre um campo simbólico para que outros possam re-significá-lo e assim 
as subjetividades vão se modificando e se multideterminando, é nesse solo dinâmico que se 
dão os laços sociais e humanos, que podemos denominar de intersubjetividade. 
 
Com isso, estamos situando a discussão da subjetividade com uma característica 
importante – como processo mutável, não essencial, que se dá a partir de uma condição humana 
e não de uma natureza humana. É algo a ser construído, significado, re-significado, trocado e 
modificado. É algo rizomático, com múltiplas possibilidades, embrenhadas nos agenciamentos 
entre os homens e suas tecnologias, suas necessidades e questionamentos existenciais. 
 
 Os chats, os ciberdiários ( weblogs), as comunidades virtuais compõem espaços virtuais 
e formadores desses novos homens-rizomas, acabam servindo, como LEMOS2[2] aponta “ como 
uma forma de escoamento de discursos pessoais que foram há muito tempo inibidos pelos 
mass media; trata-se, portanto, de uma apropriação social da web como forma de reeditar 
práticas antigas como os diários pessoais ou então das cartas escritas a mão.” 
 Essa apropriação social da web e de suas possibilidades diz desse homem, do nosso 
tempo, que sente a necessidade de escrever e de construir um novo modo de habitar os 
espaços públicos, que tem sido enfraquecidos desde o século XX, na modernidade, com a 
tirania da intimidade. Vivemos num tempo em que os espaços públicos e privados não estão 
mais separados rigidamente. Esse novo modo de significar essas duas instâncias, remete-nos 
ao hábito simbólico dos homens que habitam a rede como um novo espaço de exploração social 
e novas possibilidades de ser. 
 
 
2[2] LEMOS, André.( 2002) A Arte da vida: diários pessoais e webcams na Internet. Texto retirado do site 
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa. 
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa
 
 
O homem da chamada pós modernidade vivencia esses dois espaços de um modo 
singular, o espaço público é subjetivizado, inundado de conteúdos intersubjetivos ou 
catárticos. Isso fala de uma realidade que nos acompanha diariamente nos meios de 
comunicação, vide os sucessos dos programas em formato de reality-shows, como big brothers 
e outros na grade da televisão brasileira. 
Esse redimensionamento dos espaços público e privado está nas novas maneiras de 
vivenciar a intimidade do homem contemporâneo, assim como os modos de povoar os espaços 
públicos. Houve uma des-politização da esfera pública, o homem de hoje está usufruindo dela 
como palco para explorar seus desejos, para circular suas opiniões ( objetivas ou não) sobre o 
mundo e suas vivências, é o que Habermas denomina de um âmbito público encenado, eu diria 
simulacral3[3]. Onde o parecer é mais essencial que o ser, onde as posições intersubjetivas 
estão situadas num jogo relacional, pessoas verbalizam para convencer, para seduzir, e esse 
convencimento não necessita de discussão e uso da razão profundas. 
A esfera pública é a esfera da forma-moda e da comunicação, Lipovetsky ( 1989)4[4] 
relata: 
“ em toda parte, no conjunto da sociedade contemporânea, encontram-se os operadores 
da forma-moda: o efêmero ( a embriaguez das mudanças e das paixonites) ganha o universo da 
cultura, dosobjetos, dos discursos de sentido; a sedução reorganiza em profundidade o 
contexto cotidiano, a informação e a cena política.” 
 
Vivemos num tempo da lógica da novidade, da atração da atenção pelo belo e novo. 
Culturalmente, organizamos os espetáculos pelas aparências, pela superficialidade lúdica, pela 
 
3[3] Sobre o paradigma do simulacro- a sociedade submerge em imagens, o mundo da comunicação passa a ser o 
palco de reconhecimento e legitimidade social, novas estéticas aparecem, o parecer se torna mais importante que o 
ser, é a lógica do simulacro, como posso parecer mais atraente aos olhos do outro? Como montar um espetáculo 
para me apresentar ao mundo? Posso ser muitos ao mesmo tempo? A pluralidade ganha maior importância do que a 
profundidade e o mundo torna-se aos poucos um grande palco midiático, onde tudo é uma questão de competência 
de marketing. (MAIORINO, F. (2003). Texto mimeo. “ A Subjetividade na Era digital”, na Jornada de Psicologia, 
UNIP/São Paulo) 
4[4] LIPOVETSKY, G(1989). O Império do efêmero.A Moda e seu destino nas sociedades modernas. SP: Ed Cia das 
Letras. 
magia dos artifícios, pela fantasia e pela imagem. Os chats5[5], os atuais salões de conversas 
online, são povoados diariamente por milhões de seres humanos motivados por diferentes 
desejos, há os que buscam algum saber de modo criativo, através de um jogo lúdico, nas 
formas e cores dos ambientes midiáticos, outros buscam apenas o prazer rápido , há ainda os 
que buscam pares amorosos, ou então apenas amizades, ou seja, são espaço que o homem da 
atualidade constrói para suprir suas demandas e construir um modo diferente de povoar um 
espaço que teria uma função pública, mas está povoado com conteúdos privados e íntimos. 
As comunidades virtuais6[6] são ótimos exemplos, de como os homens na era da 
informação, a partir de interesses, idéias e rebeldias, desejos e projetos em comum se 
uniram e coletivizaram suas mentes e desejos, a isso Pierre Lévy chamou de Inteligências 
Coletivas. Comunidades reunidas em torno de interesses comuns, mas que se relacionam de 
modo lúdico e também buscam o prazer de encantar e ser encantado pelo outro. Talvez 
essas comunidades representem o sólo público do novo tempo; com características diversas do 
que conhecíamos anteriormente. 
“ cada um sabe, nunca se sabe, e todo o saber está na humanidade” ( Lévy) 
As novas gerações estão constituindo seus espaços públicos mediados pelo mundo da 
comunicação, com troca ideais e afetivas, legitimando novos modos de ser e estar do mundo 
contemporâneo. Transformando como Schaff (1995) aponta, três aspectos da história 
humana: a individualidade, o sentido da vida e o estilo de vida dos novos homens na 
contemporaneidade. 
Estamos nos referindo a homens que se subjetivizam e procuram sentido de vida na 
relação com a tríade: trabalho, lazer e conhecimento. 
Essa nova geração lida com o saber como algo mutável, não necessariamente objetivo e 
que acaba constituindo um mundo do trabalho do século XXI, onde o saber é uma moeda em 
 
5[5] Os chats atualmente são salões de entretenimento e pontos de encontros online povoados por 
diferentes comunidades virtuais. São salas habitadas por seres humanos- nos chamados “não-espaços”- integradas 
a grande rede da Internet. Nessas salas o homem contemporâneo constrói um modo de fazer sociedade, de se 
apaixonar, de se relacionar e de trocar conhecimento. 
 
6[6] Comunidades Virtuais são definidas como agregações sociais que emergem na Internet quando um número de 
pessoas conduz discussões públicas por um tempo determinado, com suficiente emoção e que forma teias de 
relações sociais. (Rheingold, 1993. Virtual Communities:Homesteading on the eletronic frontier. Reading. MA. 
Addison-Wesley .) 
circulação. Um saber que está nos hipertextos sociais da rede e das empresas, no modo como 
as pessoas acabam por privilegiar sua formação e seu lugar no mundo do trabalho. 
 No livro “ Universidades Cooperativas- educação para as empresas do séc 21” , da Profa 
Marisa Éboli, o trabalhador do séc XXI é caracterizado como aquele que: 
 Possui desejos e sonhos 
 Estabelece objetivos pessoais e elabora projetos para alcançá-los 
 Dispõe-se a transformar seu mundo físico, moral e social 
 É dinâmico e corajoso 
 É bem informado e participante 
 Possui sentido de eficácia pessoal 
 Tem a mente relativamente aberta e flexibilidade cognitiva 
 Tem desejo de crescimento interior 
 Preocupa-se com o auto-desenvolvimento e aprendizagem 
 
Enquanto as empresas e as escolas teriam como funções: estimular a criatividade, a 
posição ativa e crítica, o cooperativismo, estimular as pessoas a pensarem, a arquitetar o 
futuro e a gerar líderes competentes. 
Pensando numa realidade de Terceiro Mundo, podemos pensar na exclusão digital, 
entendida como uma nova divisão entre as pessoas - o que umas têm e outras não, no caso, a 
posse da informação. Será que sociedades economicamente frágeis como a nossa serão 
capazes de produzir empreendedores tão facilmente? E nossos limites sócio econômicos? 
Como superá-los? Como qualificar os trabalhos no setor de serviços em condições frágeis de 
dignidade e reconhecimento? 
 
Esse tipo de vivência e fragilidade geram em muitos países um clima de “vazio existencial”, 
o homem que perde o seu trabalho perde ao mesmo tempo o sentido fundamental da vida, 
instalada anteriomente no modo de subjetivação moderna, onde o trabalho ( o labor que era 
sacrificante e doloroso) era o eixo estruturador do sentido de vida do homem. 
Além disso, a questão da relação do trabalho com o prazer e o tempo livre traz novos 
desafios para nós, como usarmos esse tempo livre, e mais do que isso, será que as novas 
tecnologias trouxeram realmente uma liberação de tempo para o lazer? Como o tempo, 
enquanto eixo estruturante da subjetividade moderna modificou-se? 
A vivência nos chats e das comunidades virtuais nos traz um elemento peculiar para 
discutirmos isso. O tempo do chat é o tempo vivido e compartilhado ( o real time), ou seja, há 
uma relativização e uma subjetivação temporal. O tempo é aquele que eu determino como 
importante, posso passar cinco horas num chat e isso significar subjetivamente algo efêmero 
e rápido. A vivência se dá num nível subjetivo, mas será que os corpos da era digital estão 
assimilando essas significações? Os sofrimentos com a LER7[7], o stress, as depressões 
podem nos confidenciar uma certa discrepância entre os corpos e seus novos ritmos, ditados 
pelos novos desejos do séc XXI. Nossos corpos no mínimo terão que ser re-condicionados a 
essa velocidade e concepções diferentes de tempo e espaço. Um tempo do presente, o tempo 
que eu determino como necessário, o tempo que eu escolho para trabalhar ou que eu opto por 
dormir. O tempo medida da era moderna passa a ser o tempo vivido da contemporaneidade, 
transformam-se os diferentes modos de perceber e dividir o tempo. 
Domenico de Masi ( 1999) nos relata: “ a vida cotidiana na era pós industrial se move na 
imprecisão do tempo vivido”. 
No chat, há o tempo do imediato, como o âmbito de redescoberta de uma sociabilidade 
baseada no jogo lúdico e sedutor. Talvez nos chats e nas comunidades virtuais, muitos homens 
encontrem alguma referência ao coletivo, ao estar junto e sentirem-se juntos, que responda a 
uma necessidade que a espécie humana construiu ao longo da sua história- estar em grupo. 
Mas novamente nos questionamos, e as pessoas que não estão incluídas nesse hall tecnológico? 
 
Os Homens Rizomas: 
 
 
7[7] LER- Lesão por esforços repetitivos, muito usual em pessoas que trabalham com digitação ou que manejem 
intensamente os micro computadores. 
Para entendermos que subjetividade é essa, subjetividades novas que ainda nem sequer 
conhecemosprofundamente, é preciso esclarecer que partimos sempre da perspectiva 
ontogenética, ou seja, consideramos as técnicas como sendo vinculadas com o devir ( fazer) 
coletivo, com o mundo das significações culturais, onde a técnica é vista como expressão do 
ser humano. Não pensamos na técnica como algo separado do agir humano, como algo frio e 
negativo a priori, mas como criação e re-criação humana, que é passado de geração a geração, 
onde o homem e a sociedade tem o poder de manipular, trabalhar com as possibilidades e 
potencialidades que as tecnologias guardam em seus recursos. 
A técnica é uma dimensão constitutiva da subjetividade ou um vetor de subjetivação – 
isso quer dizer que a subjetividade não é entendida como uma origem, um dado anterior, mas 
como um campo de produção ou como processualidade. 
Esse campo de produção subjetiva é constituído por coisas e saberes, Deleuze e 
Guattari afirmam que o campo é constitutivo tanto do sujeito quanto do meio. São 
agenciamentos coletivos, que se instauram na relação sujeito-objeto. No caso do homem e 
máquina esse agenciamento é realizado através de múltiplos componentes – materiais, sociais, 
corporais, representações mentais, máquinas desejantes, etc 
Latour afirma que hoje o que encontramos no mundo são híbridos, que circulam e 
transitam em redes complexas de sociabilidade, que misturam coisas e pessoas, sujeito e 
objeto, pensado e vivido, vivo e morto, corpo e mente. 
A partir disso retomamos a discussão sobre a decadência da noção de sujeito como 
bloco identitário da Modernidade e que se transforma numa visão fluida, FRAGMENTADA, 
decorrente da possibilidade de múltiplas experiências e projetos e da impossibilidade de 
políticas e projetos gerais. 
Hoje gerimos sujeitos fluidos, que se apresentam sob diversos modos de ser e dizer, 
diferentes modos de existir, cujas trilhas, feitas por constantes duelos com o acaso, com a 
fragmentação e a multiplicidade produzem proliferação de formas, diferentes modos de 
inventar a si mesmo e ao mundo como processo. 
Discutir a Subjetividade inserida na lógica Rizomática – idéia de Deleuze e Guattari – 
inclui compreendê-la como sendo constituída no jogo da diferença, que pode vir abrir caminho 
para a elaboração de uma ética da singularidade. Aqui reside o que Pierre Lévy de forma 
otimista nos apresenta como a possibilidade libertadora que as novas tecnologias em interação 
com o humano traz, a possibilidade da tecnodemocracia. Esse processo demandará um vasto 
processo de inclusão política e ética de povos menos desenvolvidos também. Será um processo 
bastante complexo. Como incluir a todos? 
Olhar para a subjetividade como sendo plural e polifônica, como agitação caótica de 
devires, onde estranhos eus se perfilam , em diversos processos de subjetivação, operados 
por uma rede de conexão múltipla ( metáfora de um rizoma) capaz de articular um ponto a 
outro qualquer, não remetendo a traços da mesma natureza, como um rizoma que não tem fim, 
nem começo, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda, nos fornece um primeiro 
instrumento metodológico para compreender quem é o homem da atualidade, mas ao mesmo 
tempo nos oferecem um desafio epistemológico grandioso: Será que as nossas ciências estão 
preparadas para apreender esses novos humanos? Será que a Psicologia está construindo 
instrumentais e teorias capazes de entender esses processos constituintes de diferentes 
subjetividades? 
 
A Psicologia na Era Digital 
 
Como já vimos, o mundo está submerso em imagens, nas máquinas, dos signos, nos jogos 
textuais e narrativos, tais características tem conseqüências importantes para a Psicologia, 
que deve considerar o signo na produção das novas subjetividades. Questionamos o sujeito, 
estático e com identidade definida, apontando para sua pluralidade, fluidez. Mas fica uma 
lacuna, uma pergunta: o que passa a ser, então, nosso objeto de estudo, se aquele sujeito com 
identidade definida não existe mais? 
O caminho apontado por alguns psicólogos, desde Vigotsky, tem sido, eleger como 
objeto de estudo o SIGNIFICADO ou seja O PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO, numa 
tentativa de se aproximar dessa subjetividade, já que ela é expressão desses processos 
fluidos e mutantes. 
Nestas condições, o psiquismo de um sujeito não está mais organizado em faculdades 
interiorizadas somente, mas dirigido para uma gama de registros expressivos e práticos, 
diretamente conectados com a vida social . Então penso que nunca na história da Psicologia foi 
tão importante, estudar e olhar para o homem em sua multiplicidade , inserido num contexto, 
estudar esse contexto, dialogar com esse contexto, romper com as barreiras românticas que 
muitas psicologias ainda se prendem, numa visão de homem sozinho e mergulhado apenas nos 
seus tramites inconscientes. 
Falamos de homens e não são nossos netos, somos nós, nossos filhos, as pessoas de 
nossas gerações, que não vivem mais sob um parâmetro de tempo e espaço definidos, a 
subjetividade está desterritorializada, hoje eu posso estar aqui falando com uma certa 
população e daqui a 10 minutos, estar numa webconferência com amigos em Portugal, onde 
não existe um espaço de fato que nos una, nós estaremos trocando e mudando o mundo 
baseados num não espaço, mas que é vivido, compartilhado e significado como nosso, capaz 
inclusive de construir um saber coletivo8[8]. 
 
Nosso tempo está produzindo novas subjetividades e portanto novos modos de ser e 
sentir, o que acarreta logo, novos modos de sofrimento e de adoecimento desses homens, na 
época de Freud, tínhamos as histéricas e os neuróticos, em contraponto aos normopatas, hoje 
e daqui para frente lidamos com outras doenças, Joel Birman, em Mal estar na atualidade, nos 
fala de três campos de adoecimento : drogadição, depressões e os narcisismos. Como 
lidaremos com esses sofrimentos? Que rótulos adotaremos?Precisaremos de rótulos? O que é 
ser esquizofrênico numa sociedade em que o sujeito pode ser muitos ao mesmo tempo? 
Teremos que rever nossos valores, nossas doenças, nossos tratamentos, nossos fazeres, e a 
única saída para isso é sempre estudar , é sempre perguntar, não se acomodar, não se 
entregar ao óbvio. 
A Psicologia precisará dialogar com outros saberes, isso é inevitável : lidar com a 
semiótica, com o campo da comunicação social, com as neurociências, se nós fecharmos em 
 
8[8] Vide os cursos de educação a distância que se baseiam justamente nessa possibilidade, de construir um espaço 
educacional e de aprendizagem a partir da não presença e sim da interação digital e virtual dos participantes. 
nossos campos psicológicos, que são plurais, mas que não respondem a complexidade dessas 
questões, passaremos de ciência nova e questionadora para um saber medíocre e 
descontextualizado. 
Joel Birman nos relata uma possibilidades perigosa, em que o homem se exterminará 
pela lógica do narcisismo e pela impossibilidade da reinvenção do mundo e de si mesmo, mas 
podemos também pensar em outras direções , não deixando de ser críticos e nem humanos, 
afirmando que vivemos num momento de transição, que reúne experiências desamparadoras, 
mas também integradoras, é a dialética do nosso tempo social. 
Vivemos em meio ao desamparo ético,moral, científico; mas que a partir de escolhas 
por práticas promotoras de saúde, por meio, inclusive, das novas tecnologias existentes e das 
que virão, o homem possa construir novos caminhos para si e para nosso mundo, Lévy 
“sorridente”, nos fala de um mundo próximo que será governado pela tecnodemocracia, onde as 
pessoas lidarão melhor com as diferenças- isso de fato a Internet está fazendo- consegue 
ensinar o respeito a diferença, pois coloca diferentes pessoas ( de países, de raças, de 
estatus social diferentes) em contato, e ensina que a alteridade é necessária para que as 
comunidades sobrevivam.Penso que é missão de cada um de nós, como Sueli Rolnik e Guattari reforçam, 
cooperarmos numa revolução micromolecular, pois não estamos mais no contexto das grandes 
revoluções sociais, mas sim no nível do molecular, do cotidiano, das pequenas revoluções, das 
falas pontuais que se propagam, vide as correntes na internet. 
Penso que é possível lidar com as mudanças e não somente virarmos as costas num ato 
romântico ( muito usual dos psicólogos que ao lidarem com as novas tecnologias se negam e 
resistem a pensar sobre elas e suas conseqüências intersubjetivas), elas nos trarão mais 
perguntas do que respostas, num primeiro momento, mas como Maria de Lourdes Teixeira, 
professora da PUC numa conferência sobre Laudos Psicológicos no Conselho Regional 06/SP 
(2000), citou, se o psicólogo tiver : competência técnica, condições emocionais e clareza 
política, podemos chegar em algum lugar mais claro, com mais respostas e mais saúde. 
 
 
Rubem Alves, no seu livro “o Amor que acende a lua” no artigo O Albergue apresenta 
uma citação sobre a capacidade humana de simbolizar o mundo de diferentes modos, eu o cito 
fazendo uma reflexão em direção a nossa capacidade humana de também superar problemas e 
sofrimentos, construindo novos modos de ser e estar no mundo, é preciso que todos façamos 
esse mesmo esforço: 
“os homens são diferentes dos animais, eles não são somente o seu 
corpo. O corpo é uma morada que eles possuem. Assim, 
sendo, existe para os homens uma possibilidade que não existe para 
os animais: eles podem se ausentar do corpo.” 
 
Referências Bibliográficas 
 
BOCK, Ana( 1999). Aventuras do Barão de Munchhausen na Psicologia. São Paulo: EDUC.. 
 
BIRMAN, Joel. (1999). Mal-estar na atualidade- a psicanálise e as novas formas de subjetivação. RJ: Ed Civilização. 
 
DAYRELL,S. (1999). Sexo, afeto, era tecnológica. Brasília: ED UNB. 
 
ÉBOLI, Marisa. ( 1999). Universidades Corporativas. SP: ED PROGEP. 
 
FILHO, C.M (1994). Sociedade Tecnológica. SP: Ed Scipione 
 
 
JAMESON, F (1995). Espaço e Imagem: teorias do Pós-Moderno e outros ensaios. RJ: Ed UFRJ, 2º edição. 
 
LANDOWSKI, Erik. (1992). A sociedade Refletida. SP: EDUC. 
___________&OLIVEIRA (1995). Do inteligível ao sensível. SP: EDUC. 
____________________ “Gosto se discute”. In: FIORIN & LANDOWSKI (1997). O gosto da gente e o gosto das 
coisas: uma abordagem semiótica. SP: EDUC. 
 
LATOUR, Bruno (1994). Jamais fomos modernos. SP: Ed 34. 
 
LÉVY,Pierre (1996). O que é virtual?. SP: Ed. 34. 
__________ (1994). A inteligência Coletiva: por uma antropologia do Ciberespaço. SP: Ed.Loyola. 
__________ (1999). Cibercultura. RJ: ED 34. 
 
 
NICOLACI-da-COSTA (1998). Na malha da rede: os impactos íntimos da Internet. SP: Ed Campus. 
 
 
REY, Fernando G ( 1997). Epistemología Cualitativa y Subjetividad. SP: EDUC. 
 
ROLNIK&GUATTARI ( 1996). Micropolítica- cartografias do desejo. RJ: Ed Vozes. 
 
 
SCHAFF, Adam (1990). A sociedade informática. SP: Ed Brasiliense. 5º edição. 
 
SENNETT, Richard (1998). O declínio do Homem público: as tiranias da intimidade. SP: Ed CIA das Letras. 5º ed.