Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MATERIAL DE APOIO1 Fernando do Rego Barros Filho2 Leonardo Evangelista de Souza Zambonini3 Introdução Esta será uma série de quatorze cursos que abordarão temais iniciais de Direito Administrativo, tais como regime jurídico de direito público, contratos, servidores, responsabilidade civil, dentre outros temas. Qual o objetivo de fazermos esses comentários? Dar suporte aos jurisdicionados em conceitos básicos utilizados na Administração Pública, aproxima-los dos demais cursos que oferecemos em nosso site e oferecer um primeiro contato com as principais decisões proferidas pelo TCE-PR. Abordaremos o regime jurídico da responsabilidade civil do Estado neste curso. O que é? Quais as situações que geram a responsabilidade civil do Estado? Quais os principais pontos analisados pela jurisprudência? Neste breve curso, propomos uma análise rápida e básica para resolver os principais problemas que surjam na rotina da Administração Pública. Conceito e elementos Na primeira aula serão tratados os fundamentos básicos do que se entende por responsabilidade civil do Estado. Trata-se de um tema não exclusivo do Direito Administrativo, devendo suas origens ao direito romano, havendo várias obras sobre o assunto no Direito Civil. Responsabilidade civil é um instituto que estuda o dever de indenizar que nasce para a pessoa que causa um dano a um terceiro. O brocardo 1 Este material não possui a função de esgotamento do tema, mas tão somente servir como apoio às aulas em vídeo que constam no curso. 2 Analista de Controle do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Currículo na plataforma lattes disponível em <http://lattes.cnpq.br/1039825565487153>. 3 Analista de Controle do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. romano explica: todo aquele que causa um dano a outrem deve indenizá-lo. A responsabilidade civil do Estado trata dos danos causados por um agente público no exercício de suas funções. Vê-se que existem três elementos básicos para sua configuração: a ação ou omissão, o dano e o nexo causal. A relação entre os três firma- se da seguinte forma: uma conduta (ação ou omissão) causa um dano (lícito ou ilícito, moral ou extrapatrimonial) decorrente daquela ação ou omissão (nexo de causalidade). Percebe-se que tanto ações quanto omissões do Estado ensejam sua responsabilização. O dano pode ser patrimonial ou moral, bem como decorrer de ato lícito ou ilícito. É patrimonial quando o prejuízo é econômico, e extrapatrimonial quando afeta a subjetividade do indivíduo. Exemplo de dano moral pode ser evidenciado no caso em que a Administração divulga dados sigilosos dos indivíduos. Teorias da responsabilidade civil do Estado Na segunda aula serão aprofundados os conceitos já estudados e abordadas as teorias acerca da responsabilidade civil do Estado. A primeira teoria a ser desenvolvida remonta aos Estados monárquicos absolutistas e pregava a irresponsabilidade completa do Estado. Por essa lógica, o Estado jamais poderia errar. A superação do Estado monárquico pelos Estados de Direito deflagrou a obsolescência da teoria da irresponsabilidade. A primeira teoria de superação dos antigos paradigmas foi a da responsabilidade subjetiva ou civilista. Como já afirmado, o estudo dessa matéria possui ligação direta com a doutrina civilista. Esta teoria defendia que para a caracterização do dever de indenizar deveria ser comprovado um quarto elemento de ordem subjetiva: o dolo ou culpa da Administração. Ela ainda tem aplicação em alguns casos, que adiante serão esmiuçados. A terceira teoria que merece menção é a teoria da culpa do serviço ou da culpa anônima, que tem aplicação recorrente. Segundo ela, se houver comprovação de que o serviço público foi mal prestado ou prestado de forma morosa ou ineficiente, há possibilidade de indenização, quando reconhecidos os outros três elementos. O elemento culpa para esta teoria é desnecessário. A quarta teoria – talvez a mais aceita e estudada – é a teoria da responsabilidade objetiva. Ela se funda basicamente na percepção dos três elementos primordiais: conduta de um agente público, um dano e um nexo causal entre eles. A forma pela qual o nexo causal entre conduta e dano é estudada depende de qual teoria é adotada. No caso de uma obra da Administração Pública que gera um acidente, deve ser perscrutado o dano causado e o antecedente, no caso, a obra. Mas as causas não podem ser infinitamente atribuídas. Assim fosse, a licitação também seria causa do acidente, a necessidade do contrato, e assim sucessivamente até Adão e Eva. O nexo causal só se estabelece entre a conduta adequada e necessária para a provocação do dano. Trata-se da teoria da causalidade adequada. Ainda por esta teoria, o nexo causal fica excluído em três hipóteses: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima. Responsabilidade por atos lícitos Para que seja possível a caracterização da responsabilidade civil por condutas lícitas, devem ser preenchidos dois requisitos: a) o dano precisa ser anormal e; b) o dano precisa ser específico. Em linhas gerais, deve ser verificado um prejuízo à isonomia. Se resta provado que a conduta lícita do Estado gerou danos mais gravosos para o indivíduo do que para o resto da sociedade e que ultrapassam meros dissabores inerentes ao convívio social, restará configurado o dever indenizatório do Estado. Essa possibilidade reporta à teoria do duplo efeito dos atos administrativos, segundo a qual um mesmo ato administrativo pode gerar efeitos normais e abstratos para a sociedade e, simultaneamente, efeitos nocivos a um certo indivíduo. Análise constitucional No art. 37, §6°, vem a principal previsão geral sobre o assunto. A Constituição atribui responsabilidade objetiva quando o Estado ou prestadora terceirizada gera dano ao prestar um serviço público. Dispensa-se, pois, a comprovação de dolo ou culpa. O dispositivo determina que se os agentes públicos, agindo em nome do Estado, cometem conduta que gera dano, urge obrigação de indenização para o Estado, independentemente de dolo ou culpa pelo agente. Mas se este incorre em dolo ou culpa, assegura-se direito de regresso para o Estado, isto é, este pode ressarcir-se contra o agente. Coexistem, assim, duas relações jurídicas distintas. Quando estudada a teoria da responsabilidade objetiva, viu-se que em três hipóteses a responsabilidade do Estado poderia ser afastada. Tal previsão é recebida pela teoria do risco administrativo, a qual, no entender da doutrina, é a adota constitucionalmente pelo art. 37, §6°. O STJ já consignou que a noção de agentes público prevista no §6° abrange os terceirizados contratados pela CLT enquanto prestarem atividades de serviço público. Por outro lado, entendeu que a responsabilidade dos notários é de ordem subjetiva, não se aplicando a teoria da responsabilidade objetiva em razão do caráter pessoal da atividade. Teoria do risco integral Vale um breve lembrete acerca da teoria do risco integral, a qual afasta as causas excludentes de responsabilidade bem como a teoria da causalidade adequada da responsabilização do Estado. Para nosso estudo, quatro hipóteses atraem sua aplicação: a) Danos nucleares por condutas comissivas ou omissivas; b) Atentados terroristas; c) Crimes cometidos a bordo de aeronaves no espaço aéreo brasileiro; d) Danos ambientais. Responsabilidade por omissão do Estado A responsabilidade por omissão é gerada por uma abstenção indevida do Estado. Há, como regra, a aplicação da teoria subjetiva, isto é, deve ser comprovado o dolo ou a culpa da Administração. Há conduta dolosa quando o Estado efetivamente quis realizar a conduta. Há conduta culposa quando agiu com imprudência, imperícia ou negligência. A responsabilidade por omissão atrai ainda a aplicação da teoria da culpa anônima, segundo a qual o elemento subjetivo – dolo ou culpa– não é perquirido no agente público, mas no serviço. Em outras palavras, deve ser comprovado que o serviço foi prestado de forma ineficiente ou irregular, e não que o agente procedeu desta forma. Ressalta-se que só há responsabilidade por omissão ilícita. Se o Estado não detinha o dever de agir, não há o que se falar em responsabilização. O dano, ademais, deve ser caracterizado como evitável. Logo, não há responsabilidade por danos que sobreviriam mesmo com a realização da conduta. Por esse argumento, é comum que o Estado invoque a teoria da reserva do possível, levantando que efetuou todas as medidas possíveis para evitar o dano. Note-se que essas considerações são as formuladas de acordo com o entendimento tradicional. Paulatinamente, tem-se percebido na jurisprudência um movimento de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva mesmo em casos de omissão do Estado. Cita-se, por exemplo, a adoção teoria do risco criado ou suscitado em alguns julgados, que identifica as hipóteses em que o Estado se omite em situações de risco às quais ele mesmo deu causa. Exemplo de aplicação plausível é nas rebeliões, via de regra, ocasionadas por uma conduta omissiva do Estado em prover melhores condições de segurança nos presídios. A teoria do risco suscitado ainda está em fase de maturação doutrinária e jurisprudencial, de modo que não estão pacificadas as situações nas quais é possível sua invocação. Outros casos de responsabilidade A responsabilidade civil em relação às obras públicas tem regimes distintos a depender da origem do dano causado: pode derivar do simples fato da obra ou de uma má execução. Neste último caso, por exemplo, a responsabilização recairá sobre o empreiteiro e será subjetiva, visto que não há prestação de serviço público. Mantém-se a responsabilização do Estado, porém, quando comprovado o dolo ou a culpa de não fiscalizar a obra que causou o dano. Note-se que a responsabilidade, mesmo para o Estado, é subjetiva. O segundo caso ocorre quando o dano provém da simples execução da obra, hipótese em que a responsabilidade será objetiva. A responsabilidade civil do Estado por atividade legislativa é negada pela doutrina, com exceção para os casos em que uma lei gera um dano específico a um particular e posteriormente venha a ser declarada inconstitucional pelas Cortes competentes. Há de se mencionar ainda o caso das leis de efeitos concretos que são redigidas para regerem casos específicos. Reconhece-se exceção para esse tipo de lei: a responsabilidade é objetiva. Quanto aos atos jurisdicionais, a doutrina igualmente entende que não há, como regra, responsabilização do Estado. Diz-se que erros judiciários devem ser reconhecidos através dos mecanismos judiciais próprios. Há uma única exceção prevista no art. 5°, LXXV, da CF, que prevê que o condenado indevidamente será indenizado pelo erro judicial. Nesse caso, a ação será proposta contra o Estado. O juiz responderá subjetivamente mediante comprovação de dolo ou erro grosseiro.
Compartilhar