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TUTORIA 3- FIBROMIALGIA 1- Caracterizar a dor profunda.( aspectos clínicos) Dor nociceptiva consequente à ativação de nociceptores dos músculos, fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Suas principais causas são: estiramento muscular, contração muscular isquêmica (exercício exaustivo prolongado), contusão, ruptura tendinosa e ligamentar, síndrome miofascial, artrite e artrose. É mais difusa que a dor somática superficial, apresenta localização imprecisa, sendo em geral descrita como dolorimento, dor surda, dor profunda e, no caso da contração muscular isquêmica, como cãibra. Sua intensidade é desproporcional à do estímulo causal, mas comumente vai de leve à moderada. Às vezes, pode manifestar-se como dor referida. 2-Explicar a fisiopatologia, epidemiologia, etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da fibromialgia. (Sono) NÃO É DIAGNÓSTICO DE EXCLUSÃO Embora a designação fibromialgia seja recente (descrita no século XX, na década de 70), os relatos de quadros que lembram esta síndrome são seculares. Ao longo dos anos existiram inúmeras atribuições nominais à dor muscular crónica. Hipócrates já a descrevia como o “reumatismo das histéricas” ao relatar casos de mulheres com dor generalizada, associada na altura a um importante comportamento psiquiátrico. EPIDEMIOLOGIA De acordo com vários estudos epidemiológicos realizados por reumatologistas nos Estados Unidos da América e no Canadá, a fibromialgia é a terceira doença reumatológica mais comum no adulto, sendo apenas ultrapassada pela artrite reumatóide e pela osteoartrite (Domingues e Branco, 2008; Marques et al., 2017). A sua prevalência varia entre 2% a 8% a mais do que na população em geral nos países industrializados. Na Europa, a média da população afetada por fibromialgia ronda os 2,5% .A fibromialgia é uma doença que não discrimina grupos etários, étnicos ou socioeconómicos e acomete maioritariamente o género feminino, sendo este 5 a 9 vezes mais afetado que o masculino (Cardoso et al., 2005; Spaeth, 2009; Salaffi et al., 2016). As manifestações da fibromialgia tendem a surgir já na vida adulta, iniciando-se entre os 20 e os 50 anos, mas também podem afetar crianças e adolescentes, sendo então designada por síndrome da fibromialgia juvenil (JFMS). Estudos referentes ao impacto económico da fibromialgia propriamente dita na Saúde são escassos. Berger e colaboradores (2007) constataram que a média anual de custos com a saúde de doentes com fibromialgia quando comparados com um grupo controle é cerca de três vezes superior, rondando os 9573 dólares (cerca de 8640 euros), sendo a medicação prescrita para o alívio da dor o principal fator para o aumento dos gastos em saúde com estes doentes. Se acrescermos a esses custos os exames, consultas de especialidade, medicação e outros tratamentos a que esses doentes foram submetidos antes de lhes ser diagnosticada esta enfermidade, os custos disparam, dado que o diagnóstico conclusivo desta doença pode chegar a dois anos ETIOLOGIA É uma condição reumatológica intensamente estudada, porém a fisiopatologia da fibromialgia não está totalmente esclarecida. Distúrbios ao nível do processamento da dor, perturbações do sono, alterações no sistema imunitário, no sistema neuroendócrino e ainda a implicação de fatores de origem genética, psicológica, emocional e ambiental fazem parte de alguns dos modelos explicativos para a origem desta doença. Contudo, alterações em apenas um destes fatores não explica a multiplicidade de sintomas presentes na fibromialgia. Desta forma, pressupõe-se que a manifestação e evolução da fibromialgia estará dependente da interação entre os múltiplos fatores anteriormente citados, contribuindo de forma sinérgica para o desenvolvimento, não apenas da dor, mas também dos restantes sintomas que constituem o complexo quadro clínico da fibromialgia. Atualmente, a FM é considerada como um problema de dor centralizada, apresentando mecanismos fisiopatológicos análogos a outras patologias. É considerada um fenótipo particular de um largo grupo de doenças que se encontram agrupadas no chamado Síndrome de Sensibilidade Central, incluindo a FM, dor pélvica crônica e endometriose, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino irritável, disfunção da articulação temporomandibular, cefaleias de tensão e enxaquecas, dor lombar idiopática, entre outras. Esta sensibilização central, conjuntamente com o mau funcionamento das vias inibitórias da dor e as alterações nos neurotransmissores, leva ao processamento aberrante dos sinais neuro-químicos no Sistema Nervoso Central (SNC), diminuindo o limiar da dor e aumentando a resposta das áreas matriciais da dor, provocando assim dor constante. Um estudo realizado por Maetsu et al. concluiu que para além da hipersensibilidade a estímulos dolorosos idênticos, existe também uma maior ativação do córtex sensitivo motor, temporal, pré-frontal e parietal para um mesmo nível subjetivo de dor. Outro estudo efetuado por Cagnie et al. revelou que nos doentes com FM pode haver uma disfunção entre as áreas de função cognitiva e as áreas de processamento da dor , no entanto, um outro estudo sugere que não existe uma incapacidade de inibição cognitiva de outros estímulos em simultâneo com a dor, mas sim um atraso no processamento desses mesmos estímulos. Recentemente, uma revisão da patogénese da FM citou mais de 600 referências, para chegar à conclusão que a sua causa permanece desconhecida. ❖ Distúrbios no processamento da dor – Desregulação das vias inibitórias descendentes e da via nociceptiva ascendente da dor A perceção da dor é um processo complexo, bidirecional, envolvendo vias ascendentes e descendentes, em que a informação primária transportada pela via ascendente nociceptiva é modulada por várias vias descendentes. A dor é transmitida através de fibras nervosas periféricas e respectivos neurônios, sendo as fibras do tipo Aδ importantes para a captação de estímulos nóxicos, mecânicos e térmicos e, por serem mielinizadas, são responsáveis pela transmissão rápida da informação (entre 5 e 30 m/segundo), estando relacionadas com o estado agudo da dor; as fibras do tipo C, por não possuírem mielina, transmitem a informação da resposta ao estímulo de forma mais lenta, estando relacionadas com a dor crónica.. As vias descendentes, constituídas por neurónios do cérebro, ajudam na modulação da dor através da serotonina (5-HT), noradrenalina (NA) e libertação de opióides, que intervêm em mecanismos endógenos inibitórios da dor. Por outro lado, as vias ascendentes são as responsáveis pela transmissão da dor ao cérebro . Uma atividade reduzida do sistema nervoso simpático e parassimpático em doentes com fibromialgia parece estar envolvida nas alterações do equilíbrio. Os doentes com fibromialgia aparentemente apresentam uma disfunção da 5- HT e da NA ao nível destas vias inibitórias da dor, contribuindo para a sensibilização central e hiperexcitabilidade das vias transmissoras da dor ao nível da medula espinhal e supra-espinhal e, consequentemente, conduzindo a uma disfunção das vias descendentes e originando fenómenos de hiperalgesia e alodinia em pacientes com fibromialgia. A nível molecular, os doentes com FM exibem mudanças no que respeita aos neuroquímicos e receptores associados, com aumento da sinalização em vias ascendentes (pró-nociceptivo) e diminuição da sinalização em vias descendentes (antinociceptivo). Níveis elevados de neurotransmissores no líquido cefalorraquidiano, tais como a substância P e fator de crescimento nervoso, indicam um aumento da sinalização em vias ascendentes nos doentes com FM. Além destes, foi igualmente demonstrado que o glutamato e outros aminoácidos excitatórios também se encontram em níveis elevados no cérebro e no líquido cefalorraquidiano. O glutamato atua no receptor N-metil-D'Aspartato (NMDA) para produzir um aumento da dor, um fenômeno de aumento progressivo da amplificação central da dor após estimulação dolorosa repetitiva, resultando numa maior hiperalgesia. Já na via anti-nociceptiva,a atividade descendente é diminuída, podendo-se verificar baixos níveis de serotonina(indolamina secretada por neurónios serotonérgicos), noradrenalina( assim como a adrenalina e a dopamina, é uma catecolamina produzida pelas glândulas supra-renais, sendo libertada para a corrente sanguínea em resposta a um stress físico e/ou emocional e estando também envolvida em funções cognitivas e na regulação da homeostase) e dopamina(A maior parte da dopamina formada é armazenada em vesículas que contêm a dopamina-β-hidroxilase que irá promover a conversão da dopamina em NA). Muitos destes neurotransmissores e seus mecanismos também influenciam o humor, a energia e o sono, justificando deste modo a co-existência frequente de disfunções humorais, fadiga e insónia nos doentes com FM. ❖ Desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal distúrbios neuroendócrinos, como sejam alterações dos níveis de cortisol, parecem estar envolvidos nos mecanismos fisiopatológicos da fibromialgia. Esta hipótese é suportada pelo facto de doentes fibromiálgicos estudados apresentarem na saliva níveis reduzidos de cortisol (hipocortisolismo). O hipocortisolismo tem sido associado a muitas características clínicas da fibromialgia, como fadiga, perturbações do sono, estado depressivo e aumento da atividade do sistema nervoso simpático. Esta alteração dos níveis de cortisol poderá estar relacionada com uma disfunção ao nível do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), ocorrendo uma diminuição da resposta da ACTH e da adrenalina à hipoglicemia e uma diminuição da resposta cortical à ACTH (Tanriverdi et al., 2007; Singh et al., 2019). É também sugerido que NTs como a NA, 5-HT e acetilcolina estão envolvidos na regulação do eixo HPA . Autores defendem que algumas das alterações do foro endócrino poderão estar relacionadas com os níveis reduzidos de 5-HT apresentados pelos doentes com fibromialgia. Esta hipótese é sustentada devido ao facto de experimentalmente, após a administração de paraclorofenilalanina (substância que provoca a redução da síntese de 5-HT do sistema nervoso central), além da modificação do padrão do sono, ocorre uma diminuição do ritmo circadiano no cortisol plasmático que determina o aparecimento de uma síndrome do tipo da fibromialgia, também caracterizada por dor musculoesquelética generalizada e fadiga. Na fibromialgia, há também importantes alterações neuro-hormonais e autonômicas. A cronicidade da dor e alterações nos mecanismos nociceptivos no SNC geram uma hipersecreção do hormônio ACTH (adrenocorticotrófico). Essa hipersecreção ocasiona uma resposta sustentada ao estresse pelo eixo hipotálamo- hipófise- suprarrenal HHS. Estudos mostram aumento dos níveis de ACTH em nível basal e em estresse, além de níveis elevados de cortisol – particularmente no fim do dia – e de ciclo cicardiano interrompido. Altos níveis de ACTH aumentam os níveis do hormônio somatostatina, que, por sua vez, inibe o GH. Este hormônio também é produzido na fase IV do sono, fase esta que é interrompida nos pacientes fibromiálgicos. Logo, os níveis de GH nesses indivíduos é reduzido, particularmente durante o sono. Alterações na frequência cardíaca de repouso, diminuição da variabilidade desta ao longo do dia e hipotensão ortostática sugerem uma hiperreatividade persistente do sistema nervoso autônomo SNA em pacientes com fibromialgia. Um aumento do tônus simpático durante o sono foi sugerido como possível explicação para a fragmentação do sono, além de pode explicar fadiga, rigidez matinal, distúrbios do sono, ansiedade e irritabilidade nesses pacientes. Com relação às alterações do sono, um aspecto importante do sono desses indivíduos é a presença de sono alfadelta. Mas o que seria isso? O sono não-REM possui quatro fases. À medida que essas fases progridem e o sono mais profundo é alcançado, a frequência das ondas cerebrais diminui. Na vigília com olhos fechados, as ondas possuem uma frequência entre 8Hz e 13Hz – chamadas de ondas alfa. A fase I é uma transição da vigília e, no eletroencefalograma, se associa a ondas teta 4 a 7Hz); já a fase IV é constituído majoritariamente por ondas delta 4Hz). É a fase IV, formada pelas ondas delta, a responsável pelo sono reparador e recuperador da energia física. Em pacientes com fibromialgia, há redução da eficiência do sono, com pequenos despertares noturnos frequentes, diminuição da duração de sono de ondas lentas e intrusão de ondas alfa nas fases do sono profundo. Esse padrão é chamado de sono alfa-delta e está presente em cerca de 90% dos pacientes. No entanto, o sono alfa-delta não é específico da fibromialgia, podendo estar presentes em outras condições e até em indivíduos normais. ❖ Receptores da serotonina Os recetores da 5-HT são fundamentais para regular o nível deste NT na fenda sináptica. Na fibromialgia estes aparentam ter um papel fundamental na regulação da dor, humor e comportamento dos doentes.A diversidade das ações funcionais da 5-HT relaciona-se com o número de subtipos de receptores, bem como com a complexidade da via de sinalização envolvida nas respostas. A esse respeito, pelo menos 15 subtipos de receptores 5-HT têm sido caracterizados, sendo subdivididos em sete famílias de receptores. Os recetores das famílias 5-HT1, 5-HT2, 5-HT4, 5-HT5, 5-HT6 e 5-HT7 são acoplados a proteínas G da superfície citoplasmática da membrana celular, enquanto o receptor 5- HT3 está associado a um canal iónico. O gene do receptor 5-HT1A localiza-se no braço longo do cromossoma 5 (Roth, 2006). Existem situações em que o tratamento da fibromialgia consiste no aumento dos níveis de 5-HT de forma a ativar os receptores 5-HT1A, inibidores da dor. Estes receptores também são responsáveis pela regulação do sono e do humor. O receptor 5-HT2A é responsável pela regulação do sono e do comportamento, assim como pela prevenção de alucinações (O’Mahony et al., 2015). Tal como o gene do receptor 5-HT1A, o do recetor 5-HT2A também se encontra no braço longo, mas no cromossoma 13. De acordo com um estudo realizado ao polimorfismo T102C no receptor 5-HT2A em pessoas com fibromialgia, descobriu-se que estes apresentavam uma diminuição do genótipo T/T e, consequentemente, um aumento do genótipo T/C e C/C, podendo esta alteração genética ser responsável pelas perturbações do sono recorrentes nesta condição. Como referido atrás, os recetores 5-HT3 são os únicos que se encontram acoplados a canais iónicos. Esta característica permite a estes recetores ter uma atividade contrária à dos receptores 5-HT1A e 5-HT2A no processo da dor. No tratamento da fibromialgia é interessante explorar esta característica, administrando antagonistas dos recetores 5-HT3 de forma a manejar a dor ❖ Alterações a nivel central Um estudo realizado por Maetsu et al. concluiu que para além da hipersensibilidade a estímulos dolorosos idênticos, existe também uma maior ativação do córtex sensitivo motor, temporal, pré-frontal e parietal para um mesmo nível subjetivo de dor.42 Outro estudo efetuado por Cagnie et al. revelou que nos doentes com FM pode haver uma disfunção entre as áreas de função cognitiva e as áreas de processamento da dor7 , no entanto, um outro estudo sugere que não existe uma incapacidade de inibição cognitiva de outros estímulos em simultâneo com a dor, mas sim um atraso no processamento desses mesmos estímulos. Imagens obtidas por ressonância magnética do cérebro de doentes com FM (exame morfométrico de Voxel) evidenciaram que o volume de massa cinzenta era significativamente menor que o normal, e que esta perda progredia muito rapidamente em relação aos controlos saudáveis. Adicionalmente, é possível através de dados de neuroimagem, verificar um maior fluxo sanguíneo cerebral regional em áreas do cérebro associadas ao processamento da dor em doentes com FM relativamente aos controlos saudáveis ❖ Alterações musculares Além da sensibilização central, na fibromialgia, há alterações musculares. Foram observadas, por técnicas de imunohistoquímica, atrofia muscular de fibras tipo II, bem como fibras reticulares, maiorquantidade de lipídeos e de mitocôndrias. Essas alterações são secundárias à redução da microcirculação local, causando hipóxia e reduzindo a energia disponível. Como, na contração, há maior necessidade de oxigênio, isso acaba causando hipóxias focais cronicamente. Esse processo ativa os receptores adenosina A2, sensibilizando fibras nervosas não-mielinizadas. Além disso, há desregulação vascular, aumento de substância P nos músculos, de interleucina-1 IL1 no tecido cutâneo e fragmentação do DNA de fibras musculares. Todos esses processos parecem estar implicados também na fisiopatologia da fibromialgia ❖ Fatores genéticos, ambientais e imunológicos O estudo ideal para diferenciar a influência dos fatores genéticos e ambientais deveria utilizar gémeos. Seriam necessários gêmeos univitelinos, pois partilham praticamente os mesmos genes e o mesmo ambiente (inclusive o intrauterino), e de gémeos dizigóticos, para os quais o ambiente partilhado é o mesmo, mas diferem de pelo menos 50% do material genético. Dois estudos realizados com gémeos atribuem 50% da responsabilidade de o indivíduo ter fibromialgia à componente genética e a outra metade ao ambiente e à história de vida pessoal. Evidências recentes dão suporte à teoria de que fatores genéticos podem contribuir para diferenças individuais na sensibilidade à dor e, consequentemente, comprometem a eficácia dos tratamentos para controle da mesma. A fibromialgia está geneticamente associada a polimorfismos da catecolamina-O-metil-transferase, da monoamina oxidase, da antitripsina-alfa-1 e da dopamina (no receptor D4) e da 5-HT (recetor 5-HT2A). Esse polimorfismo pode fazer o indivíduo responder de forma diminuída a opióides. Embora na incerteza de saber se este é causa ou consequência, o estresse oxidativo também poderá estar envolvido na fisiopatogénese da fibromialgia. Baixos níveis de coenzima Q10 foram detectados em pacientes com fibromialgia e verificou-se que a sua suplementação oral pode restaurar os parâmetros bioquímicos alterados e induzir uma melhoria na sintomatologia clínica dos doentes fibromiálgicos. Do ponto de vista imunológico, estudos recentes de marcadores relacionados com a inflamação confirmaram que muitos pacientes com fibromialgia apresentam níveis anormais de várias citocinas inflamatórias, sugerindo que estas podem ter um papel na patogenia desta síndrome. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS FALTOU DIAGNÓSTICO A FM é uma doença de etiologia desconhecida, assim o seu diagnóstico é estabelecido maioritariamente de forma clínica, recorrendo a exames complementares de diagnóstico para reforçar a distinção inequívoca com outras patologias. Os critérios de diagnóstico desenvolvidos em 1990 pelo Colégio Americano de Reumatologia foram amplamente aceitos pela comunidade científica, contribuindo significativamente para a homogeneização do diagnóstico. Embora o avanço que estes critérios proporcionaram, muitas foram as críticas que foram surgindo ao longo dos anos, sendo que em 2010 novos critérios foram implementados, sendo posteriormente modificados em 2011 e em 2016. Os critérios de 1990 sugerem que a dor muscular generalizada (por mais de 3 meses), definida como dor axial esquelética localizada acima e abaixo da cintura e de carácter bilateral, é a característica principal da FM. Requerem também a presença de onze dos dezoito pontos sensíveis (“tender points”) na palpação digital. Estes critérios dependem fortemente da opinião médica e não são testes de diagnóstico definitivos. Como estes critérios levantaram muitas desconfianças na comunidade científica, pois para além de não terem em conta sintomas como os problemas cognitivos e a fadiga, a análise dos pontos sensíveis não foi muito utilizada a nível clínico e quando usada não foi de maneira correta. Assim, com as modificações efetuadas em 2010, foi possível encontrar um novo grupo de doentes, que lidam com sintomas secundários extremos tais como a depressão, insónia, sintomas cognitivos e somáticos com um mínimo de três pontos sensíveis. Curiosamente, com estas modificações houve um aumento global na prevalência de FM na população, tendencialmente atingindo uma maior porção de doentes de sexo masculino. Na revisão realizada em 2016, ficou estabelecido que seria necessário um mínimo de quatro pontos sensíveis(isso não é mais obrigatório), um em cada quadrante do corpo, com um alto score de severidade de sintomas (maior que 9), para um diagnóstico de FM. Estas mudanças introduziram maior heterogeneidade no diagnóstico de doentes com FM, pois alguns apresentam altos níveis de dor muscular e pouco sofrimento afetivo e de sono, enquanto que outros podem apresentar grande sofrimento afetivo e pouca dor muscular. Assim se verifica que a principal dificuldade no diagnóstico é a falta de sintomas e sinais específicos. ● Critérios de diagnóstico de FM Os critérios de diagnóstico de FM em Portugal são estabelecidos pela Norma nº 017/2016 de 27/12/2016.57 Os critérios de diagnóstico apoiam-se, em parte, em dois modos de classificação dos sintomas: 1) O Índice de dor generalizada (WPI) consiste na constatação do número de áreas em que o doente teve dor ao longo da última semana. Sendo que é definido por uma pontuação de 0 a 19, consoante o número de áreas referidas 2) A Escala de gravidade dos sintomas (SS) pretende definir a severidade dos sintomas sentidos. A sua pontuação da escala SS dá-se através: • Fadiga • Waking unrefreshed (acordar cansado) • Sintomas cognitivos Para cada um dos três sintomas acima, indicar o nível de gravidade durante a semana passada utilizando a seguinte escala Considerando os sintomas somáticos em geral, indicar se o doente tem(Sintomas somáticos a ser considerados: dor muscular, síndrome do intestino irritável, fadiga/cansaço, pensar ou relembrar problemas, fraqueza muscular, cefaleia, dor/cãibras no abdómen, dormência/formigueiro, tonturas, insónias, depressão, obstipação, dor no abdómen superior, náuseas, nervosismo, dor no peito, visão turva, febre, diarreia, boca seca, prurido, pieira, fenómeno de Raynaud, urticária/vergões, zumbido nos ouvidos, vómitos, azia, úlceras orais, perda/mudança de paladar, convulsões, olhos secos, dispneia, perda de apetite, erupção cutânea, fotossensibilidade, dificuldades de audição, hematomas com facilidade, queda de cabelo, micção frequente, dor ao urinar e espasmos da bexiga): A pontuação na escala de SS é a soma da gravidade dos três sintomas (fadiga, acordar cansado, sintomas cognitivos) com o índice de gravidade dos sintomas somáticos em geral. A pontuação final é entre 0 e 12. De acordo com a Norma vigente, um doente satisfaz os critérios de diagnóstico para FM quando estão reunidas as seguintes três condições: 1) Índice de dor generalizada (WPI) ≥ 7 e a escala de gravidade dos sintomas (SS) com uma pontuação ≥ 5 ou WPI 3-6 e pontuação na escala de SS ≥ 9; 2) Presença constante de sintomas por um período temporal de pelo menos três meses; 3) Inexistência de outra patologia responsável pela percepção de dor. Estudos demonstraram que no diagnóstico de FM com os critérios de 1990, havia 25% de falsos negativos quando este foi comparado com o diagnóstico clínico. O uso do WPI > 7, associado à escala de SS > 5, ambos baseados nos sintomas do doente, tais como sintomas somáticos, cognitivos, dor, fadiga, insônia, permite uma exatidão de diagnóstico de 90,8% comparativamente aos critérios de 1990.53 Os critérios de 2010 e os modificados em 2011 revelam um maior contributo diagnóstico, visto que utilizam questionários aplicados pelos médicos e autoaplicados pelos doentes, o que se traduziu num aumento percentual de diagnósticos acertados, atingindo deste modo um maior número de doentes. Hoje os pontos podem nem ser palpados! pode se pedir um hemogrma para se excluir anemia e PCR e VHSprovas inflamatorias, podendo- se excluir reumatismos. TRATAMENTO Existem vários passos e alternativas de tratamento, e estes devem ser personalizados para cada doente. O tratamento é multimodal, multidisciplinar e deve combinar abordagens nãofarmacológicas e farmacológicas. Deve incluir também o envolvimento do doente, a sua educação e deve-se implementar técnicas de autogestão. Tem-se verificado maior sucesso terapêutico nas abordagens não farmacológicas comparativamente às farmacológicas, no entanto só há relativamente pouco tempo se começou a estudar os efeitos da politerapia, tendo já havido alguns resultados positivos, enfatizando assim o potencial de uma abordagem multimodal. Ao contrário das condições em que se sabe que os tratamentos controlam ou alteram substancialmente a doença, as estratégias de controlo para a FM ficam aquém do pretendido, pois não existe um cenário de tratamento ideal recomendado.Recentemente, uma abordagem de tratamento gradual foi recomendada pelas guidelines interdisciplinares alemãs, canadianas e israelitas, começando por uma abordagem não farmacológica, com a participação ativa do doente, defendendo estratégias de autogestão e uso de algumas terapêuticas farmacológicas.Os atuais tratamentos farmacológicos para a FM não são ideais, oferecendo benefícios só para alguns dos doentes. FARMACOS: A terapêutica medicamentosa é um suporte para melhor gerir os sintomas associados à patologia. O início do tratamento deve ser efetuado com doses baixas e ir aumentando conforme a necessidade. Os medicamentos devem ser escolhidos consoante o caso de FM de cada doente, e estes servem para melhor gerir os sintomas predominantes de cada doente, sendo a dor, a insónia e o sofrimento psicológico os mais suscetíveis a este tipo de terapêutica. Mais de 50% dos doentes abandona a terapêutica prescrita devido à sua ineficácia e aos seus efeitos secundários. Na última década, o aumento do número de medicamentos avaliados para o tratamento da FM tem sido constante e substancial. As recomendações que foram revistas para o controlo da FM, recentemente publicadas pela EULAR, avaliaram dez classes de substâncias, considerando o alívio da dor, a redução da fadiga, e a minimização da insónia os endpoints terapêuticos chave. As classes terapêuticas que têm sido estudadas com um maior interesse para a patologia abordada são os antidepressivos, antiepiléticos, antagonistas dos receptores N Metil-D-aspartato, opióides, canabinóides, relaxantes musculares e anti-inflamatórios não esteróides. Os antidepressivos são a classe terapêutica mais prescrita para o tratamento da FM, 46%, seguindo os antiepiléticos (35%), os analgésicos (25%), os relaxantes musculares (8%) e as benzodiazepinas (2%). ❖ Antiepiléticos 1 Pregabalina A Pregabalina foi o primeiro fármaco a ser aprovado pela FDA em junho de 2007 para a FM, sendo que para muitos países o seu uso tem um nível de recomendação 1A para o seu tratamento. Sabendo que as concentrações dos neurotransmissores facilitadores da dor no SNC, nomeadamente o glutamato e a substância P, estão em quantidades elevadas na FM, então o mecanismo de ação da pregabalina inclui a ligação a canais de cálcio, modulando o influxo de cálcio e influenciando a neurotransmissão GABAérgica,inibindo assim a libertação dos neurotransmissores mencionados anteriormente. Evidências de alta qualidade mostram que, para a pregabalina, o NNT para alcançar pelo menos um alívio de 50% da dor é de 12, com um número necessário para causar dano de 13. A pregabalina evidencia também benefícios relativamente aos distúrbios do sono, fadiga e ansiedade, mas o ganho de peso associado frequentemente limita seu uso.Já numa outra meta-análise de diversos estudos que comparou o uso das doses de 300, 450 e 600 mg de pregabalina, demostrou-se que a dose de 450 mg é a que revela um menor NNT. De facto, o NNT para uma redução do nível da dor de 50% foi de 9,8, e para uma redução de 30% o NNT foi de 6,6 Gabapentina Tal como a pregabalina, a gabapentina tem um mecanismo de ação muito semelhante, o que lhe permite ter efeitos antiepilépticos, sedativos e analgésicos. O seu NNT para uma redução do nível da dor de 30% foi de 5,4. Os benefícios não são muito evidentes em relação ao uso de outros antiepiléticos, tal como o ácido valpróico, o levetiracetam, o clonazepam, a carbamazepina, a oxcarbazepina, a lamotrigina, a fenitoína e o topiramato, pois existem poucos estudos. Para tal, é necessário haver um maior número de estudos, com mais participantes e durante um maior período de tempo, para poder verificar e comprovar a sua eficácia. Os antiepiléticos são muitas vezes utilizados como terapia adjuvante, sendo adicionados a outros fármacos que afetam outro tipo de vias da dor. O seu uso acarreta vários riscos, tal como problemas cutâneos graves e discrasias sanguíneas, tendo estes já sido reportados. Os efeitos secundários mais comuns são a disfunção motora e mental, limitando assim muito o seu uso, especialmente em doentes idosos. ❖ Antagonistas dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) Os receptores NMDA, que são ativados por neurotransmissores como a neuroquinina, a taquicinina e a substância P, podem estar envolvidos na patogénese da sensibilização central e, portanto, constituem um potencial alvo farmacológico no controlo da FM ❖ Canabinóides têm atraído grande atenção devido aos seus potenciais efeitos analgésicos em condições de dor, mas o seu uso em doentes com dor crónica e FM mantém-se controverso. Estes têm demonstrado propriedades analgésicas e promotoras do sono. Atualmente, só a Nabilona foi testada para doentes com FM, tendo sido demonstrada alguma eficácia apenas na minimização das insónias, pelo que as guidelines canadianas configuram uma fraca recomendação para o seu uso. Em contraste, as guidelines alemãs assumem-se fortemente contra a recomendação do uso de canabinóides devido aos seus potenciais riscos. Num estudo onde se avaliou 40 doentes com FM, administrou-se 1 mg, duas vezes por dia de Nabilona, durante 4 semanas, verificando-se uma redução significativa no nível da dor em relação ao placebo. Curiosamente, também foi no grupo a quem se administrou a Nabilona que houve mais desistências na terapêutica (25%) em relação ao placebo (10%) tendo sido igualmente o que apresentou maiores efeitos secundários, tais como sonolência (50%), xerostomia (30%) e vertigens (27%). ❖ Anti-Inflamatórios Não Esteróides (AINE’s) Os AINE’s são amplamente utilizados no tratamento de alguns dos sintomas da FM, apesar das fracas evidências de eficácia nesta condição. Este grupo farmacoterapêutico não é recomendado pela EULAR e AWMF, e uma revisão recente da Cochrane chegou à mesma conclusão. Um estudo controlado e duplamente cego avaliou a eficácia do ibuprofeno e naproxeno em doentes com FM e ficou demonstrado que não houve eficácia em nenhum nível sintomático. Seis estudos randomizados e duplamente cegos, envolveram 292 doentes com FM (89 a 100% do sexo feminino), entre os 39 e 50 anos, com uma intensidade de dor igual a 7 numa escala numérica de 0 a 10, durante um espaço de tempo entre 3 e 8 semanas. Dos 292 doentes, 146 receberam placebo e outros 146 AINES: etoricoxib 90 mg/dia, ibuprofeno 2400 mg/dia, naproxeno 1000 mg/dia e tenoxicam 20 mg/dia. Verificou-se não haver diferenças significativas entre os AINEs e o placebo. Embora pareçam não ter eficácia em monoterapia no combate sintomatológico da FM, a aplicação de AINE’s mostrou ter alguma eficácia em combinação com ATC. 3- Diferenciar a síndrome miofascial e a fibromialgia. A síndrome miofascial é definida classicamente como dor subaguda ou crônica, com sintomas autonómicos, sensoriais e motores, originados a partir de trigger points (TrPs) ativos com disfunções álgicas associadas. Trata-se de um quadro clínico característico de dor regional de origem muscular, localizada num músculo ou grupo muscular. Caracteriza-se por dor na zona muscular correspondente e por dor irradiada, e pela presença de uma banda de tensão, com aumento de consistência e dolorosa, identificável à palpação e em cujo centro se encontra o trigger point ou ponto gatilho., estes corresponde a uma zona de maior sensibilidade e consistência, a sua palpação produz dor local e irradiada, estando na origem da dor.Nos últimos 75 anos foram reconhecidas na literatura médica várias designações para Síndrome Miofascial, nomeadamente: Cefaleia muscular, Dor miofascial regional, Dor muscular locorregional, Mielogelose, Mialgia, Reumatismo muscular, Reumatismo nodular, Reumatismo não articular, Miofibrose intersticial, Dor muscular ocupacional, Síndrome de sobreutilização, Síndrome miofascial, Síndrome de dor e disfunção miofascial Este síndrome foi pela primeira vez descrito por Lang em 1931, designando-o por Muskelhärten / Myogelosen, em 1938 Gutstein descreve-o referenciando Myalgic Spots e é em 1959 que Steindler que pela primeira vez se evidencia os Trigger Points (TrPs). A palpação dos TrPs pode originar dor local e dor irradiada, com um padrão característico e identificador do envolvimento muscular primário. Os padrões de irradiação da dor atingem dermátomo, miótomo, esclerótomo, uma vez que decorrem de um estado de sensibilização segmentar espinhal, que “bombardeia” continuamente os gânglios sensitivos com estímulos nociceptivos. Em termos epidemiológicos, é uma patologia que atinge em maior número a população feminina, com idades compreendidas entre os 30-50 anos, sendo os músculos mais comumente afetados: os músculos da região cervical posterior, o músculo esternocleidomastoideu, o músculo trapézio, os músculos levantadores da escápula e os músculos posturais axiais. Estima-se que a prevalência da dor músculo-esquelética identificada como dor miofascial localizada é muito elevada. Dos diferentes estudos consultados a prevalência variou entre 28 a 65%. Na histopatologia, verifica-se uma degeneração das fibras musculares, destruição das fibrilas, aglomeração nuclear, infiltração gorda - O TrP é definido como uma disfunção neuromuscular que evolui para um estado patológico distrófico. Fisiopatologicamente, não existe uma teoria aceita na atualidade, embora saiba que existe um componente autonômico e uma sensibilização central. Após uma micro/macro lesão muscular produz-se uma resposta inflamatória, com consequente libertação de neuropéptidos e o aparecimento de células de resposta inflamatória. Os neuropéptidos excitam as fibras nervosas sensitivas e somáticas, produzindo-se mediadores químicos neuro-vasos-ativos que atuam provocando fenómenos isquémicos e sensibilizando os nociceptores. A este fenómeno dá-se o nome de sensibilização periférica e origina o espasmo muscular. O estímulo continuado dos nociceptores, conduz a ativação dos nociceptores vizinhos, provocando uma sensibilização central, que pode ser responsável pela dor referida. O outro factor que é necessário ter em conta é a hiperalgesia, provavelmente originada por um aumento das respostas nociceptivas. Existem múltiplas causas/ fatores contribuintes para o aparecimento de TrPs, nomeadamente: factores psicossociais, o stress e a tensão; alterações do sono (sono não reparador) e fadiga; alterações neurológicas, secundária a compressão nervosa ou envolvimento nervoso periférico; alterações sistémicas, endócrinas e nutricionais, existe maior propensão dos doentes com hipotiroidismo a desenvolver dor miofascial, bem como a hipoglicemia também agrava a dor dos TrPs miofasciais e torna-os mais resistentes ao tratamento; microtrauma crónico, caracterizado por maus hábitos posturais e por realização de movimentos repetitivos; macrotrauma, originado por lesão de impacto súbito; e deficiência muscular, caracterizada por descondicionamento, fraqueza ou tensão musculares. As características clínicas do SMF manifestam-se com os seguintes achados: dor muscular regional, existência de uma banda de tensão, dolorosa à palpação, presença de TrPS hipersensível que produz dor local e irradiada., rigidez muscular e restrição do movimento. A síndrome miofascial pode ser classificado em SMF primário, envolvendo músculos esqueléticos e fáscia, sendo um dos exemplos mais frequente o Síndrome de distensão cervical crônica e SMF secundário, que resulta de doenças subjacentes, nomeadamente: de cicatriz antiga de laminectomia com dor persistente, Aracnoidite crónica c/ aderências, Carcinomatose, Distrofia simpática reflexa, dor músculo–esquelética da Osteoartrose. Os trigger points são definidos como: nódulos dolorosos de tecido muscular degenerado, que origina dor local e dor irradiada; pequenos focos hiper irritáveis circunscritos em músculos esqueléticos e fáscias, frequentemente localizados em bandas tensas. É importante distinguir o trigger point de tender spot. O TrP caracteriza-se por: • Sensibilidade local, banda tensa, local twitch response, jump sign • Único ou múltiplos • Em qualquer músculo-esquelético • Placa NM do músculo-esquelético (corpo do músculo) • Padrão típico de dor irradiada • Sintomas autonómicos/proprioceptivos • Principal causa de dor miofascial O tender spot (TS) caracteriza-se por: • Sensibilidade local • Múltiplos • Em locais específicos, simétricos • Inserção músculo-tendinosa • Não causa dor irradiada •Relacionado estritamente com Fibromialgia O TrP pode ser classificado em função da sua atividade, podendo ser ativo ou latente. O TrP ativo é sintomático, sensível e doloroso, produz dor irradiada, com local twitch response e é acompanhado de fenómeno auto nómico. O TrP latente é assintomático, origina um encurtamento e fraqueza muscular, sensível e produz local twitch response. Pode ainda ser classificado em função da sua origem, classificando-se em primário, secundário e satélite. O TrP primário tem desenvolvimento independente, não é resultado de atividade TrP noutro local. O TrP secundário tem desenvolvimento na região muscular adjacente e músculos antagonistas, resultado de stress ou espasmo muscular. O TrP satélite corresponde a uma área de dor irradiada, resultado de atividade persistente da unidade motora em repouso. O diagnóstico passa por um minucioso exame físico e uma história clínica completa. No exame físico determina-se a localização dos TrPs e a resposta local da banda muscular tensa. Habitualmente não existem défices neurológicos, nem alterações nas provas laboratoriais, excepto se existirem alterações nutricionais ou endócrinas. A eletromiografia pode demonstrar um aumento da atividade elétrica espontânea dos TrPs. É utilizado o algômetro de modo a quantificar a sensibilidade de pressão num ponto muscular. Considera-se um resultado anormal se o limiar de dor por pressão <2 kg/cm2 que num ponto não doloroso em topografia correspondente contralateral; reprodução sintomas por pressão no TrP, originando dor irradiada, ou no TS, originando dor local; alívio ou desaparecimento da dor através de infiltração local ou outros métodos de inativação de TrP ou TS. A SMF caracteriza-se por ser um quadro de dor regional, que deve ser diferenciado de quadros dolorosos gerais e focais. A fibromialgia é um quadro de dor generalizada, caracterizada pela existência de pontos sensíveis típicos. Embora sejam duas patologias distintas, muitas vezes se confundem, talvez por porque se podem associar. Nas tabelas 1 e 2 são evidenciados os aspectos que distinguem as duas patologias. É importante fazer o diagnóstico diferencial com outras patologias que apresentam um quadro clínico semelhante, nomeadamente: Fibromialgia, Tensão muscular (contração muscular prolongada emocional, postural, ”situacional”), Espasmo muscular (contração muscular involuntária – trauma agudo/crónico), Fraqueza muscular, Síndrome facetário, Artropatias mecânicas e inflamatórias, Miopatias, Tendinites, Tenossinovites, Bursites, Radiculopatia e Lipomas episacroilíacos. O tratamento é dirigido à dessensibilização das estruturas hipersensíveis, de modo a restaurar funcionalidade e mobilidade. A chave do tratamento é, então, a inactivação ou libertação dos TrPs, e consequente restituição da longitude normal do músculo. Nos estágios iniciais: os mecanismos de alívio da dor são feitos através de programas de MFR, nos estágios avançados: os mecanismos de alívio da dor são por injeção de TrPs. A abordagem no estádio agudo (estádio disfuncional neuromuscular) é uma abordagemnão invasiva, através da utilização de eletroterapia (TENS burst, ultra-sons), massagem, reeducação neuromuscular e alongamentos (com crioterapia). No estágio crônico, caracteriza-se por ser um estádio distrófico patológico, a abordagem passa primeiro por ser invasiva, com a injeção dos TrPs utilizando: punção seca (baseada na inativação do TrP por um estímulo mecânico directo) ou infiltração de substância, nomeadamente soro fisiológico, anestésico local/corticóide. A infiltração miofascial clássica é efetuada com anestésicos locais, especialmente procaína, bupivacaína e mepivacaína. Nos últimos anos tem-se sido utilizada a aplicação de toxina botulínica. A toxina botulínica bloqueia o processo de exocitose das vesículas pré-sinápticas de acetilcolina na placa motora. Após o bloqueio da libertação de acetilcolina no TrP, não é desencadeada a cascata de fenómenos que conduzem à nocicepção. Também está comprovado que a toxina botulínica poderá inibir a exocitose de outros neurotransmissores, nomeadamente a substância P. Após esta intervenção, o doente deve ser integrado num programa global de reabilitação, utilizando-se eletroterapia, técnicas de alongamento e relaxamento e fortalecimento muscular dos músculos atingidos. Atualmente, também é referido por alguns estudos a acupuntura como uma hipótese terapêutica, mas como coadjuvante de um programa global de reabilitação, com técnicas anteriormente descritas. O plano de abordagem divide-se, assim, em vários passos: 1. Evitar o repouso no leito, mantendo a deambulação e evitando a imobilização; 2. Tratar o espasmo e a dor, com termoterapia (gelo/calor), eletroterapia, técnicas de alongamento/relaxamento; 3. Avaliar: a tensão (administração de ansiolíticos, implementação de técnicas de biofeedback, avaliação psicológica), a deficiência muscular (utilização de programas personalizados de relaxamento/ alongamentos e avaliação da força muscular utilizando o teste muscular de Kraus –Weber), os TrPs (tratamento dos TrPs antes do programa de exercícios, através da injecção dos mesmos com soro fisiológico, anestésico local – lidocaína ou toxina botulínica), os TrPs múltiplos e sensibilidade muscular difusa (doseamentos hormonais para despiste de hipotiroidismo e deficência de estrogénios); e por fim 4. Prevenção de recidivas: avaliação médica correcta (doseamentos hormonais, e tratamento da obesidade), avaliação psicológica (despiste de causas de ansiedade, stress ou estados de tensão) e prescrição de programa de exercícios (adequar hábitos de trabalho – ergonomia, prescrever um programa de exercícios específico com períodos de aquecimento e relaxamento apropriados e controlar o peso). 4- Descrever a classificação, ação e efeitos adversos dos AINES. Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) são medicamentos analgésicos simples, que, junto com o paracetamol, compõem o 1º degrau da escada de dor da Organização Mundial da Saúde. A escada de dor da Organização Mundial da Saúde é uma abordagem de analgesia baseada em degraus, começando no 1º degrau com analgésicos simples e subindo até opioides fracos no 2º passo e opioides fortes no 3º degrau. São usados por milhões de pessoas no mundo todo para tratar uma ampla gama de transtornos de dor aguda e crônica. No período perioperatório, eles são medicamentos úteis para se tratar dor leve a moderada e para reduzir o consumo de opioides e seus efeitos colaterais. Também são usados por seus efeitos anti-inflamatórios e antipiréticos. As indicações para AINEs incluem as seguintes: • Condições inflamatórias • Doença crônica das articulações • Dor musculoesquelética Cefaleia • Dor menstrual Dor de dente • Dor pós-operatória leve a moderada Efeitos TERAPÊUTICOS dos AINEs, são 3 os principais: ● Efeito Anti-inflamatório: Diminuição da produção de prostaglandinas derivadas da COX-2, levando a diminuição da vasodilatação, edema e dor; ● Efeito Analgésico: Diminuição da dor (principalmente a inflamatória), diminuição de prostaglandinas que sensibilizam nociceptores da DOR (PGE2 e PGI2); ● Efeito antipirético: reduz a temperatura corporal patologicamente elevada, e tem como mecanismo de ação a inibição da produção das prostaglandinas PGE2, produzida a partir de IL-1, no hipotálamo. Inflamação A reação inflamatória está presente em quase todas as lesões produzidas no organismo humano. As manifestações clínicas ou os sinais do processo inflamatório são: CALOR, RUBOR (eritema/ avermelhamento), EDEMA (inchaço), DOR e PERDA DA FUNÇÃO (limitação funcional). Fisiologicamente podemos explicar o processo inflamatório lembrando que quando uma célula sofre lesão, o fosfolipídio de membrana metabolizado pela enzima fosfolipase A2, resultando em ácido araquidônico. Por sua vez, o ácido araquidônico pode ser metabolizado pelas enzimas cicloxigenases (COX) originando os prostanóides. Prostanoides - substâncias que consistem em três componentes principais: · Prostaglandinas - responsáveis por reações inflamatórias / analáticas · Prostaciclinas - ativas na fase de resolução da infamação · Tromboxanos - mediadores da vasoconstrição Tanto os efeitos terapêuticos quanto os efeitos adversos dos AINES são mediados pela inibição da produção de prostaglandinas, conseguida por meio da inibição da COX. Mecanismo de ação Os AINEs funcionam por meio da inibição da função da enzima ciclo-oxigenase (COX) e, assim, reduzem a produção de prostaglandinas. A aspirina é um inibidor irreversível da COX; os AINEs restantes funcionam de maneira reversível. Fosfolipídios de membrana são inicialmente convertidos em ácido araquidônico pela fosfolipase A2, como resultado de inflamação e dano tecidual. O ácido araquidônico é então convertido em prostaglandinas através da via da COX ou alternativamente convertido em leucotrienos pela enzima lipoxigenase. O tipo de prostaglandina produzida depende do tecido específico. A COX existe em 3 isoformas: COX-1, COX-2, e COX-3. Acredita-se que a COX-1, a chamada forma constitutiva, esteja presente em tecidos normais e é responsável pela produção de prostaglandinas, que são vitais para processos fisiológicos normais, como a manutenção do fluxo sanguíneo renal, a proteção da mucosa gástrica e a adesividade das plaquetas.² A COX-2 está ausente na maioria dos tecidos, exceto por no cérebro, útero, rins e próstata. É induzível e os níveis são suprarregulados por dano e lesão tecidual. A produção da prostaglandina E2 e prostaglandina F2a resulta em sensibilização de fibras nervosas nociceptivas a estímulos dolorosos após lesão tecidual. Os AINEs causam uma redução em sua síntese e, portanto, promovem analgesia. A COX-3 é encontrada dentro do sistema nervoso central, e acredita-se que seja o local de ação do paracetamol; a natureza exata da isoenzima não está clara atualmente. Uma ampla gama de AINEs está disponível com diferentes graus de inibição de COX-1 e COX-2. O grau de inibição de cada isoenzima determina seu perfil de efeitos colaterais. A maioria dos AINEs são administrados oralmente, com as exceções do cetorolaco e do parecoxibe (administração intravenosa), e do diclofenaco (administração oral, intravenosa e retal). São ácidos orgânicos fracos e, por isso, absorvidos rapidamente no estômago e intestino delgado. O estômago tem pH mais baixo que o intestino delgado e, portanto, mais medicamento está na forma não-ionizada mais absorvível; contudo, a principal fonte de absorção é o intestino delgado, devido à sua grande área superficial. Os AINEs têm alta biodisponibilidade devido a um limitado metabolismo hepático de primeira passagem. São moléculas altamente ligadas a proteínas e, como resultado, podem deslocar outras medicações ligadas a proteínas, levando a concentrações mais altas de medicamento livre e maior risco de eventos adversos (p. ex.: deslocamento de varfarina da albumina, levando a maior risco de sangramento). A biotransformação é, em grande parte, hepática, com metabólitos excretados na urina. Propriedades analgésicas A eficácia dos AINEs para o tratamento de condições dolorosas ébem conhecida. Geralmente são usados como parte de uma abordagem multimodal à analgesia. Para melhores resultados, devem ser prescritos regularmente junto com paracetamol; também devem ser prescritos em duração mínima, para evitar efeitos colaterais. Farmacodinâmica e efeitos colaterais Gastrintestinais: OS efeitos colaterais podem variar desde leve dispepsia até hemorragia maciça causada por úlcera gástrica perfurada, como resultado de inibição da produção de prostaciclina. Vale notar que os efeitos colaterais gastrintestinais não se resumem apenas ao estômago. As prostaciclinas têm vários efeitos gástricos protetores; elas reduzem a quantidade de ácido estomacal produzido e mantêm uma camada de mucosa protetora, aumentando a produção de mucosa e melhorando o fluxo sanguíneo local. A irritação gástrica também pode ser causada por irritação direta dos próprios medicamentos.¹ Embora os inibidores de COX-2 sejam mais específicos para a enzima COX-2, alguns ainda retêm certa inibição de COX-1, causando risco de sangramento gastrintestinal, embora menos que AINEs não-específicos. Os efeitos colaterais mais importantes dos AINEs ocorrem no aparelho gastrointestinal. Aproximadamente 20% dos pacientes não toleram o tratamento com AINEs devido a tais efeitos, incluindo dor abdominal, azia e diarreia16. O tratamento em longo prazo pode causar erosões e úlceras gástricas e duodenais. Embora muitos desses pacientes não tenham sintomas, apresentam risco alto de desenvolver complicações graves, como sangramento e perfuração do estomago. O risco anual dessas complicações graves é de 1% a 4% no tratamento crônico com AINEs. São mais suscetíveis de apresentá-los os pacientes idosos, do sexo feminino, com artrite reumatoide, história prévia de sangramento gastroduodenal, em uso de agentes antitrombóticos ou corticosteroides, altas doses de AINEs e presença de doença sistêmica grave. Esses efeitos colaterais resultam do bloqueio da COX-1 na mucosa gastrointestinal e na consequente inibição da produção de prostaciclina, PGE2 e PGD2 no estômago39. Essas prostaglandinas servem como agentes citoprotetores da mucosa gastrointestinal; inibem a secreção ácida pelo estomago, aumentam o fluxo sanguíneo local e a secreção de muco citoprotetor. Em pacientes com gastroduedinite, úlcera e, sobretudo, sangramento digestivo, deve-se usar inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol, lanzoprazol etc) diariamente e administrar os AINEs após as refeições40. Renais: Sob condições fisiológicas normais, a prostaciclina e o óxido nítrico levam ao relaxamento do músculo liso no endotélio vascular e, portanto, à vasodilatação. As prostaciclinas desempenham papel essencial na regulação do tônus arterial aferente e eferente no glomérulo, conhecido por desempenhar um papel vital na preservação da função renal em estados hipovolêmicos. A inibição de produção de prostaciclinas pode levar a uma taxa menor de filtração glomerular, retenção de sal e água, e lesão renal aguda. Esses mecanismos são particularmente importantes em pacientes com hipovolemia e insuficiência cardíaca crônica que sejam sensíveis a mudanças na pressão de perfusão renal. Respiratórios: Até 10% dos pacientes com asma têm doença exacerbada pelos AINEs. Um mecanismo de ação proposto é que a inibição do metabolismo do ácido araquidônico pela COX leve ao aumento na produção de leucotrienos. Os leucotrienos têm ações broncoconstritoras diretas. Cardiovasculares: Inibidores específicos de COX-2 ou ‘coxibes’ foram introduzidos no mercado para evitar os efeitos colaterais comuns e graves sobre o trato gastrintestinal alto pela inibição da COX-1 por AINEs não-específicos. Contudo, as preocupações acerca de sua segurança cardiovascular limitaram seu uso disseminado. Há um aumento dependente da dose no risco de eventos trombóticos, tanto cardíacos quanto cerebrais. O rofecoxibe e o valdecoxibe foram retirados do mercado devido ao aumento do número de eventos cardiovasculares associados especificamente a essas 2 drogas. O risco é mais alto em pacientes com doença cardiovascular pré-existente, e, portanto, o uso de inibidores de COX-2 é contraindicado para pacientes com insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, e doença vascular periférica e cerebrovascular. Considerando que a vasculatura e a COX-2 são as fontes e os catalisadores mais importantes da PGI25 os autores inferiram que somente a redução profunda da atividade da COX-2 (> 95%) resulta em uma redução substancial da síntese da PGI2 in vivo, e, eventualmente, ao aumento do risco de infarto do miocárdio29. Portanto, o aumento do risco cardiovascular parece estar nitidamente ligado à efetiva inibição da COX-2, a menos que atenuada pela inibição efetiva concomitante da COX-1 plaquetária. Hematológicos: Em plaquetas, a COX metaboliza o ácido araquidônico em tromboxano A2, o que leva à maior adesividade de plaquetas e vasoconstrição. Em contraste, no músculo liso vascular, forma-se a prostaciclina, que causa vasodilatação e reduz agregação de plaquetas. A hemostasia resulta do equilíbrio delicado entre esses sistemas. Assim, os AINEs levam à redução da função e adesividade das plaquetas, e a um maior tempo de sangramento. A aspirina merece menção especial, pois inibe irreversivelmente a COX de plaquetas. Como resultado, as plaquetas se tornam ineficientes durante todo o seu ciclo de vida de 10 dias. Cicatrização Óssea: Há um risco teórico de que os AINEs, em particular os inibidores de COX-2, causem redução da taxa de cicatrização óssea e aumento da incidência de não-consolidação de fraturas. Após uma fratura, há maior produção de prostaglandinas como parte da resposta inflamatória, o que aumenta o fluxo sanguíneo local. Acredita-se que o bloqueio desse mecanismo seja prejudicial à cicatrização dos ossos; contudo, atualmente, não há provas científicas de alta qualidade para confirmar isso. 5- Descrever a ação de anestésicos locais sua indicação e contraindicação. DEFINIÇÃO DE ANESTÉSICOS LOCAIS Anestésico local pode ser definido como uma droga que pode bloquear de forma reversível a transmissão do estímulo nervoso no local onde for aplicado, sem ocasionar alterações no nível de consciência. Existem muitas drogas que, além de seu uso clínico habitual, exercem atividade anestésica local, porém esse tutorial foca-se nas drogas que são utilizadas especificamente por suas propriedades de anestésico local. A classificação estrutural dos anestésicos locais Os anestésicos locais possuem em sua maioria um grupo aromático (lipossolúvel, hidrofóbico) associado a um grupo amina (polar, hidrofílico). Esses dois grupos são ligados por uma cadeia intermediária que determina a classificação do anestésico local como amida ou éster. Os exemplos de amidas são a lidocaína, bupivacaína e prilocaína. Os exemplos de ésteres incluem a cocaína e ametocaína. As diferenças clinicamente relevantes entre as amidas e ésteres A ligação molecular que existe nos anestésicos locais do tipo éster é mais fácil de ser quebrada que a ligação molecular do grupo amida, por isso os ésteres são mais instáveis em solução e não podem ser armazenados por tanto tempo quanto as amidas. As amidas são termoestáveis e podem sofrer o processo de autoclave, os ésteres não. O metabolismo da maioria dos ésteres resulta na produção de ácido para-aminobenzóico (PABA) que pode ser associado a reações alérgicas, enquanto as amidas raramente causam reações alérgicas. Por essas razões, atualmente as amidas são mais utilizadas. Anestésicos locais como isômeros Os anestésicos locais também podem ser analisados em relação às características de estereoisomeria. Esse termo descreve a existência de compostos com a mesma fórmula molecular e estrutural, que apresentam diferente arranjo espacial em torno de um átomo em particular, o centro quiral. É como o pé esquerdo e direito, que são imagens espelhadas um do outro. Estereoisomeria ocorre no caso da prilocaína e bupivacaína, que possuem dois estereoisômeros conhecidos como a forma R (+) ou dextrorrotatória ea S (-) ou levorrotatória. A combinação de quantidades iguais da forma R (+) e S (-) de uma droga determina a mistura racêmica. Misturas com diferentes concentrações de bupivacaína R (+) e S (-) são associadas a diferentes potências e efeitos colaterais. Seria como tentar calçar o pé direito com o sapato feito para o esquerdo – não encaixa bem e causa efeitos colaterais (dor!). Por essa razão muitas drogas são preparadas com apenas um estereoisômero, como a levobuvacaína e a cetamina. Alguns anestésicos locais são aquirais e não possuem a propriedade de estereoisomeria, como a ametocaína e a lidocaína MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Os anestésicos locais bloqueiam a ação de canais iônicos na membrana celular neuronal, impedindo a neurotransmissão do potencial de ação. A forma ionizada do anestésico local liga-se de modo específico aos canais de sódio, inativando-os e impedindo a propagação da despolarização celular. Porém, a ligação específica ocorre no meio intracelular, por isso é necessário que o anestésico local em sua forma molecular ultrapasse a membrana plasmática para então bloquear os canais de sódio. É provável que exista um segundo mecanismo de ação dos AL, que envolve a inativação dos canais de sódio pela incorporação de moléculas de AL na membrana plasmática (teoria da expansão da membrana plasmática). Esse segundo mecanismo de ação seria gerado pela forma não ionizada dos anestésicos locais, atuando de fora para dentro. As fibras nervosas possuem sensibilidades diferentes aos anestésicos locais, sendo as fibras pequenas mais sensíveis que as grandes, e as fibras mielizadas são bloqueadas mais rapidamente que as não mielizadas de mesmo diâmetro. O bloqueio das fibras nervosas ocorre gradualmente, iniciado com a perda de sensibilidade à dor, à temperatura, ao toque, à propriocepção e finalmente perda do tônus músculo esquelético. Por essa razão os indivíduos podem ainda sentir o toque no momento em que a dor já está ausente após aplicação do anestésico local. A importância do pKa dos anestésicos locais Todos os anestésicos locais são bases fracas, assim eles podem se apresentar de duas formas: não ionizada (B) ou ionizada (BH+). O pKa de uma base fraca define o pH no qual as duas formas coexistem em equilíbrio. Como o pH dos tecidos difere do pKa de uma determinada droga, haverá maior proporção de uma das formas, a ionizada ou a não ionizada. Essa relação é expressa pela equação de Henderson-Hasselbach: O pKa dos anestésicos locais determina a quantidade de droga existente na forma ionizada em um determinado pH. No pH fisiológico (7,4) todos os anestésicos locais apresentam sua forma ionizada em maior proporção, visto que o pKa de todos os AL é maior que 7,4. Todavia, como cada droga possui um pKa diferente, a proporção da forma ionizada e não-ionizada (molecular) presentes no local apresenta variabilidade. A lidocaína possui pKa de 7,9, por isso em pH fisiológico apenas 25% da droga apresenta-se na sua forma não-ionizada. A bupivacaína possui pKa de 8,1, por isso em pH fisiológico haverá uma fração ainda menor da forma não-ionizada, aproximadamente 15%. A droga deve atravessar a membrana lipídica da célula para no meio intracelular atuar nos canais de sódio. A porção não-ionizada atravessa a membrana mais facilmente que a ionizada. Assim, a droga com maior fração não-ionizada em pH fisiológico alcança seu sítio efetor de forma mais rápida. Isso explica porque a lidocaína tem menor tempo de latência que a bupivacaína. O fato relevante em relação aos tecidos infectados é que eles tendem a ser um meio mais ácido que o habitual. Como há redução no pH local, há menor fração não-ionizada de anestésico local e por isso o efeito será mais lento e reduzido. Tecidos infectados também podem apresentar maior fluxo sanguíneo local, levando à maior remoção do anestésico local antes que ele atue sobre os neurônios. Características físico-químicas como a estrutura do anel aromático e o comprimento da cadeia de hidrocarbonetos determinam a lipossolubilidade do anestésico local, relacionada com sua potência. Drogas lipossolúveis penetram mais facilmente a membrana celular para exercer seu efeito. Quanto mais potente, menor a quantidade de droga necessária para ocasionar o mesmo efeito. Assim, a bupivacaína – altamente lipossolúvel – é aproximadamente quatro vezes mais potente que a lidocaína. Isso se reflete nas preparações de drogas comercialmente disponíveis, pois como a bupivacaína é mais potente, suas apresentações são em soluções de 0,1 a 0,5%, enquanto a lidocaína é geralmente apresentada em soluções de 1 a 2%. A duração da ação do anestésico local está relacionada à sua estrutura molecular, principalmente ao comprimento da cadeia intermediária que liga o anel aromático ao grupo amina, e ao grau de ligação protéica da droga. Entre os diferentes anestésicos locais existe uma grande variabilidade de cadeias intermediárias e do grau de ligação protéica. Quanto maior a ligação protéica, maior o tempo de duração do anestésico. Assim, como exemplo, o grau de ligação protéica da lidocaína é 65%, enquanto o da bupivacaína é 95%, pode-se prever que a bupivacaína possua maior duração de ação que a lidocaína – o que de fato ocorre. A procaína (éster) tem baixo grau de ligação protéica, apenas 6%, por isso possui ação ultra rápida. É importante ressaltar que o tempo de duração dos efeitos colaterais da droga também está relacionado ao grau de ligação protéica, por isso a bupivacaína é considerada mais tóxica que a lidocaína. FARMACOCINÉTICA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Absorção e distribuição Os anestésicos locais devem ser infiltrados em áreas próximas aos nervos que devem ser bloqueados – incluindo pele, tecido subcutâneo e espaços intratecal ou epidural. Parte das drogas será absorvida para a circulação sistêmica: a quantidade dependerá do fluxo sanguíneo no tecido onde foi administrado o anestésico e dos efeitos que a droga ou seus aditivos podem desencadear na circulação local. Alguns anestésicos locais em baixas concentrações possuem propriedade vasodilatadora, o que aumenta sua absorção sistêmica. Por isso, a indústria farmacêutica investe em preparações que minimizem esse efeito através da adição de um vasoconstritor como a adrenalina ou fenilefrina. A cocaína apresenta efeito vasoconstritor. A distribuição das drogas é influenciada pelo seu grau de ligação tecidual e plasmática. Como discutido previamente, quanto maior a ligação protéica, maior será a duração, uma vez que a fração livre da droga é disponibilizada mais lentamente. Metabolismo e excreção As amidas e os ésteres são metabolizados de formas diferentes. Ésteres (exceto a cocaína) são rapidamente metabolizados por esterases plasmáticas em metabólitos inativos, e consequentemente apresentam curta meia vida. Os metabólitos dos ésteres são excretados pelos rins. A cocaína é hidrolisada no fígado. As amidas são metabolizadas pelas amidases hepáticas. Esse processo é mais lento, o que determina uma meia vida mais longa, por isso podem apresentar efeito cumulativo em caso de doses repetidas. A prilocaína apresenta metabolização extra-hepática. Os ésteres possuem mínimos efeitos sobre feto, pois são metabolizados de modo tão acelerado que não existem concentrações suficientes na circulação sistêmica para ultrapassar a barreira placentária. As amidas apresentam maior tendência à passagem transplacentária. Nesse grupo, as amidas com menor grau de ligação protéica, como a lidocaína, atravessam em maior quantidade a barreira placentária. O sofrimento fetal pode resultar em acidose metabólica. Nessa situação, o anestésico local alcança a circulação fetal e uma maior fração da droga será ionizada. A forma ionizada não é capaz de atravessar novamente a barreira placentária e retornar à circulação materna, acumulando-se na circulação fetal. Esse fenômeno é conhecido como ion trapping (aprisionamento iônico) e pode resultar em toxicidade por anestésico local para o feto. Esses efeitos não são importantes quando utilizadas baixas doses de anestésicoslocais, como no bloqueio subaracnóideo, porém podem tornar-se relevantes no caso de doses maiores utilizadas em bloqueios epidurais ou bloqueios periféricos ao fim da gestação. USO CLÍNICO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Preparações Anestésicos locais estão disponíveis como soluções injetáveis, sprays, cremes e géis. Eles são preparados como um sal de hidrocloreto para permitir que sejam dissolvidos em água,resultando em uma solução ácida. Devido à nova legislação, alguns anestésicos locais mais recentes são descritos em termos de quantidade de base fraca isolada e não como quantidade de sal de hidrocloreto presente na solução, como os anestésicos mais antigos. Por essa razão 10mL de bupicavaína a 0,5% (mistura racêmica) contém menos moléculas de anestésico local que 10mL de levobupivacaína a 0,5%. A maioria das preparações de anestésicos locais contém um agente conservante, como o metabissulfato de sódio a 0,1%, com ou sem fungicida. Frascos para múltiplas doses contêm 1mg/mL do conservante metil para-hidroxibenzoato. A droga também pode ser associada (pelo fabricante ou pelo médico) a outros anestésicos locais ou a drogas aditivas para ampliar seus afeitos. Aditivos comumente utilizados incluem a adrenalina 1/200.000, o bicarbonato (ex. 0,15mL da solução a 8,4% adicionados à bupivacaína 10mL 0,5%) ou a glicose (80mg/mL). A adrenalina atua como um vasoconstritor, minimizando o efeito vasodilatador de alguns anestésicos locais (como a lidocaína), por isso reduz a taxa de absorção da droga para a circulação sistêmica, aumentando o efeito local. Através da vasoconstrição local, a adrenalina também reduz a perda sanguínea em casos de trauma. O bicarbonato adicionado aos anestésicos locais aumenta o pH do meio e, consequentemente, haverá maior proporção da droga na forma não-ionizada, o que aumenta a velocidade de ação da anestesia (redução da latência). Porém, a adição de concentrações excessivas de bicarbonato à solução pode levar à precipitação do anestésico local, porque a forma não-ionizada do AL é menos solúvel em água que o sal de hidrocloreto. A glicose é adicionada à bupivacaína para aumentar a baricidade da solução, tornando-a hiperbárica em relação ao líquor, o que permite maior controle da dispersão intratecal do anestésico. Possíveis problemas Os anestésicos locais podem ser tóxicos de acordo com a dose aplicada e o grau de absorção sistêmica. Todos podem ser perigosos, principalmente a bupivacaína. A toxicidade clínica está relacionada aos efeitos da droga em outras membranas excitáveis no sistema nervoso central e cardiovascular. Os efeitos centrais incluem parestesia nos lábios, dificuldade na articulação das palavras, redução do nível de consciência e convulsões. As múltiplas alterações em canais iônicos cardíacos, podem levar à arritmias e redução da contratilidade miocárdica. No caso da bupivacaína os efeitos cardíacos são de difícil tratamento pelo alto grau de ligação protéica desse anestésico, tornando difícil sua remoção do miocárdio. Em contrapartida, a lidocaína pode ser usada clinicamente por seus efeitos cardíacos antiarrítmicos. Em pacientes que apresentem alterações na farmacocinética dos anestésicos locais pela presença de comorbidades como a insuficiência cardíaca ou hepática (redução do metabolismo da droga), por alterações de proteínas plasmáticas ou pela interação com outras drogas, deve-se estar mais atento à possibilidade de toxicidade do AL. Cada droga possui seus efeitos colaterais específicos. O PABA, metabólito dos ésteres, pode desencadear reações alérgicas. A prilocaína é metabolizada em O-toluidina que pode causar metahemoglobinemia em indivíduos suscetíveis. A cocaína é um potente vasoconstritor e pode ocasionar sérios problemas em pacientes que utilizam outras medicações com propriedades vasoconstritoras, como os inibidores da monoamino oxidase (IMAO). 6- Estudar o uso de antidepressivos em caso de fibromialgia. Os antidepressivos são o grupo de medicamentos mais estudados para o tratamento da FM. São diversos os estudos que investigam os efeitos dos inibidores da recaptação da noradrenalina (IRN), dos inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (IRSN), dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), dos inibidores da monoamino oxidase (IMAO) e dos antidepressivos tricíclicos (ATC) na melhoria da sintomatologia associada à FM. Até ao presente, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou 3 fármacos dos quais ainda nenhum obteve aprovação na Europa pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) para o tratamento sintomático de FM, tal como a Pregabalina, a Duloxetina e o Milnacipran. No entanto, o fármaco melhor estudado para o tratamento da FM é a Amitriptilina. Os IMAO não demonstram ter um efeito significativo sobre os distúrbios do sono, fadiga e dor em comparação com o uso de placebo. ❖ Amitriptilina (AMT) É um agente terapêutico pertencente à classe ATC que atua como inibidor da recaptação da serotonina e noradrenalina. Diversos estudos têm demonstrado que é um fármaco bastante eficaz, sendo por isso considerado por muitos autores como o tratamento farmacológico de primeira linha na dor e distúrbios do sono da FM. É um forte modulador do transportador da noradrenalina e um moderado modulador do transportador da serotonina, bloqueando a sua recaptação com o consequente aumento das suas concentrações intrasinápticas.Os ISRS foram menos eficazes do que os compostos tricíclicos, sugerindo um importante papel da noradrenalina para o efeito analgésico. A AMT é fortemente recomendada em doses de 10-50 mg/dia pela Associação de Sociedades Médicas Científicas (AWMF), enquanto que as guidelines da EULAR sugerem que apenas uma dose baixa (até 25 mg/dia) poderá ser benéfica na redução da dor e fadiga, melhorando igualmente a qualidade de sono. A análise dos dados obtidos em sete estudos diferentes realizada por Carette et al., mostrou que o efeito analgésico alcançado com 25 ou 50 mg de AMT na FM era superior ao do placebo. A eficácia da AMT em relação às outras classes de antidepressivos infere que a modulação dos mecanismos de recaptação de monoaminas e propriedades farmacológicas adicionais são necessárias para controlar os sintomas da FM. Apesar da dor em doentes com FM ser mediada por níveis alternados de atividade no SNC característicos, essencialmente associada a uma hiperexcitabilidade, o envolvimento de estímulos nociceptivos periféricos responsáveis pela exacerbação dos sintomas também deverá ser considerado na abordagem terapêutica da doença. Neste contexto, parece improvável que a inibição dos transportadores de recaptação de monoaminas seja o único mecanismo de ação responsável pelas propriedades analgésicas da AMT, uma vez que tanto a noradrenalina como a serotonina aumentam a transmissão nociceptiva a nível periférico. Assim, o bloqueio de adrenoceptores e receptores 5-HT, e possivelmente de receptores histamínicos e muscarínicos, como observado com a AMT, mas não com os Inibidores da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (IRSN) e os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), é um mecanismo de ação analgésico contributivo mais provável a nível periférico em doentes com FM. Os efeitos dos ATC no aumento da qualidade de vida, na dor, na fadiga e nos distúrbios do sono parecem ser significativos em comparação com o placebo. Embora o nível de efeito pareça ser baixo na fadiga e no aumento da qualidade de vida, nos distúrbios do sono e na dor, este parece ser moderado. Os principais efeitos secundários reportados dos ATC foram sonolência, xerostomia e tonturas. ❖ Inibidores da Recaptação da Serotonina e Noradrenalina A Serotonina e a Noradrenalina têm sido implicadas na mediação das vias inibitórias descendentes da dor, que por sua vez estão ligadas à fisiopatologia da FM. Doentes com FM têm menor concentração de serotonina e do seu precursor (triptofano) no líquido cefalorraquidiano. Numa meta-análise, os IRSN evidenciam ter efeitos importantes no aumento da qualidade de vida, na depressão, na fadiga, na dor e nosdistúrbios do sono. Esta classe terapêutica apresenta um número necessário tratar (NNT) para obter um alívio de 30% no alívio da dor equivalente a 10.bA Duloxetina é um dos medicamentos aprovados pela FDA para o tratamento da FM. Em 2014, uma meta-análise que envolveu 2249 doentes a tomar 60mg diários, concluiu que comparativamente ao placebo, a probabilidade de o fármaco contribuir para a redução dos níveis de dor em pelo menos 50% era significativamente superior. Apesar de ter um efeito significativo na dor, o NNT para obter um alívio da dor superior a 50% era de 8. As doses de 30 mg ou inferiores pareceram não surtir efeito, apenas as doses de 60 e 120 mg parecem correlacionar com um alívio da dor. Apesar de este estudo se basear no tratamento da dor, parece ter havido um benefício na qualidade de vida dos doentes com doses de 30, 60 e 120 mg.O Milnacipran foi aprovado na Austrália e nos Estados Unidos da América para o tratamento da FM em vez da depressão. O principal efeito deste medicamento é ser analgésico e parece ser dose dependente. Atua principalmente a nível supra-espinhal, mais especificamente no aumento da neurotransmissão inibitória dos mecanismos cerebrais moduladores da dor. A dose recomendada é de 100 mg diários, que pode ser dividida durante o dia, e evidências de alta qualidade demonstram que tem uma eficácia moderada. O NNT para pelo menos 30% de eficácia no alívio da dor é de 11.Os efeitos secundários mais frequentemente reportados com o uso de IRSN são obstipação, insónia, xerostomia, cefaleias, náuseas, hiperhidrose, palpitações e anorexia. ❖ Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina Os ISRS tal como a Sertralina, Paroxetina, Fluvoxamina, Fluoxetina, Escitalopram e Citalopram desempenham um papel determinante no tratamento sintomático da ansiedade/depressão, mas uma meta-análise recentemente concluiu que não há evidências suficientes que estes fármacos tenham um poder superior ao placebo no tratamento dos sintomas chave da FM: fadiga, distúrbios no sono e dor. Com efeito, as guidelines internacionais não são concordantes em relação aos ISRS. Enquanto que as guidelines da EULAR não recomendam o seu uso, as guidelines Canadianas e AWMF já consideram a sua aplicação.Os efeitos secundários mais reportados com o uso destes fármacos são a impotência sexual, náuseas e distúrbios do sono. Relativamente à eficácia entre os ATC e ISRS, não parece existir diferenças estatisticamente significativas entre estas duas classes. • Mirtazapina A Mirtazapina é um antidepressivo que atua como antagonista dos Receptores Adrenérgicos Pré-Sinápticos α2. A sua eficácia foi testada num estudo piloto de fase II com doses de 15 e 30 mg diários. Este fármaco, embora pareça ser uma opção de tratamento seguro e eficaz para melhorar a dor, o sono e a qualidade de vida em doentes com FM, as diferenças dos doentes tratados com placebo não foram significativas. É necessário recolher uma maior e melhor evidência através de ensaios clínicos de maior duração, para poder definir com clareza o seu papel em doentes com FM. • Trazodona A Trazodona é um derivado triazólico piridínico com propriedades hipnóticas e sedativas, sendo usada frequentemente para melhorar os distúrbios do sono em doentes com FM. São poucos os dados publicados relativamente à sua eficácia, mas numa primeira fase de 12 semanas de um ensaio clínico aberto com doses entre 50-300 mg diários, a eficácia e a tolerância foram avaliadas em cerca de 66 doentes com FM. Esta primeira fase revelou uma melhoria significativa na qualidade de sono e reduziu os scores FIQ, depressão e ansiedade, porém 21,2% dos doentes em estudo relataram a taquicardia como efeito secundário.Numa segunda fase do estudo, também ela de 12 semanas, que avaliou a sua eficácia em administração concomitante com a Pregabalina, concluiu se que a esta combinação da Trazodona com o anticonvulsivante promoveu uma melhoria significativa na gravidade da FM. 7- Elucidar a importância do tratamento não farmacológico em caso de fibromialgia e síndrome miofascial. Como a FM tem uma natureza multifacetada, são necessárias várias terapêuticas multimodais e individualizadas para que seja possível atingir bons resultados em doentes com a patologia. Atualmente, mesmo com o desenvolvimento de novos fármacos, mais seguros e eficazes, o tratamento da FM continua ainda a ser muito empírico, criando assim um desafio para a medicina tradicional. A terapêutica não farmacológica é também ela muito importante para resolver as consequências funcionais da dor, como a ansiedade, fadiga, insónias, entre outros. Como se tem verificado maior sucesso terapêutico nas abordagens não farmacológicas comparativamente às farmacológicas, irei evidenciar algumas das abordagens mais relevantes consoante a literatura, tal como a educação do doente, acupuntura, meditação, exercício físico, entre outras. • Educação do doente A educação e o envolvimento do doente no plano de tratamento são fundamentais na gestão e controlo da doença. Atualmente, a literatura regista que apenas 25% dos doentes com FM mostram melhoras moderadas nos seus sintomas ao longo de uma década. Embora ao fornecer o diagnóstico de FM ajude na redução da ansiedade é importante discutir com o doente a fisiopatologia da sensibilização central versus a dor periférica na FM, modalidades de tratamento e prognóstico. O envolvimento do doente inclui uma discussão detalhada sobre a terapêutica que se irá seguir (não farmacológica 25 e farmacológica) e é muito importante que o doente seja seguido por uma equipa multidisciplinar (ex: psicólogos da dor, nutricionistas e fisioterapeutas).62 • Acupuntura Uma revisão bibliográfica63 que incluiu 9 estudos com 395 doentes demonstrou que a acupuntura combinada teve resultados positivos na melhoria da dor em 30%. A acupuntura elétrica também demonstrou bons resultados na melhoria da dor e fadiga. Foram relatados alguns efeitos secundários, mas estes eram transitórios. Existe ainda pouca compreensão desta abordagem e as evidências que a suporta não são consistentes. O estudo sobre a eficácia da acupuntura é contraditório, pelo que nem sempre é recomendado pelos clínicos para o tratamento da FM.62,63 • Exercício Físico Uma das maiores revisões realizadas considerou 47 intervenções aeróbicas diferentes, e ficou registado que o exercício aeróbico foi associado a uma melhoria da dor e função física.61,62 Num estudo com 219 participantes, conseguiu-se concluir que o treino de resistência resultou na melhoria da dor. Existe assim consistência no que diz respeito aos exercícios aeróbicos e de resistência, embora não haja evidências suficientes para sugerir qual deles o melhor. Exercícios aquáticos e terrestres também se revelaram igualmente eficazes.62 • Terapias cognitivo-comportamentais (TCC) Esta terapia consiste na tomada de consciência de que a dor é uma experiência complexa, para qual contribuem fatores afetivos, cognitivos e comportamentais, para além da fisiopatologia subjacente. É uma modalidade de tratamento abrangente que engloba várias intervenções que permitem que os doentes compreendam, reconheçam e modifiquem padrões psicológicos e comportamentais contraproducentes.62 26 Uma revisão que incluiu 23 estudos e mais de 2000 participantes, indica que as terapias cognitivo-comportamentais são eficazes na redução da intensidade da dor e sofrimento emocional, e melhora a capacidade física no final do tratamento em comparação com os grupos de controlo, cujos resultados se revelaram sustentados a longo prazo.62 • Meditação/ Meditação Mindfulness Estudos focados em yoga, tai-chi, qi-gong e nas suas várias combinações, demonstraram uma melhoria na qualidade de sono.62,64 A Mindfulness Meditation atenua a dor, melhorando a flexibilidade cognitiva e a capacidade de regular as reações emocionais com um foco não crítico/reativo.62,64 O programa padrão de 8 semanas, Mindfulness-based stress reduction (MBSR) é a abordagem de tratamento mais estudada para desfechos relacionados com FM. Demonstrou ser igualmente