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1 Disciplina: Financiamento e Gestão Escolar Autores: Esp. Marina Feldman Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt / Sérgio Antonio Zanvettor Júnior. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2016 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Marina Feldman Financiamento e Gestão Escolar 1ª Edição 2016 Curitiba, PR Editora São Braz 3 FICHA CATALOGRÁFICA FELDMAN, Marina. Financiamento e Gestão Escolar / Marina Feldman – Curitiba, 2016. 58 p. Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Financiamento e Gestão Escolar – Faculdade São Braz (FSB), 2016. ISBN: 978-85-5475-019-0 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons p rofissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz Apresentação da disciplina 5 A presente disciplina tem como objetivo abordar questões relativas ao financiamento e a gestão da educação. Estudar o financiamento da educação vai além de falar sobre números: trata-se de uma questão que diz respeito a todos aqueles envolvidos no processo de funcionamento e gestão da escola e da educação. Isso porque não é possível a realização de quaisquer processos educativos, e menos ainda de uma educação de qualidade, sem as condições materiais necessárias. Essas condições materiais passam pela infraestrutura escolar, pela disponibilidade de pessoal com formação apropriada e por condições para que todos os alunos possam de fato estar na escola, como o transporte escolar, por exemplo. Nada disso pode acontecer sem que recursos financeiros sejam alocados devidamente. Tendo isso em vista, será abordado primeiramente a estrutura e funcionamento do sistema de financiamento da educação no Brasil, passando por um breve histórico que permite compreender, em partes, a enorme desigualdade existente entre os diferentes sistemas educacionais do Brasil, e mesmo no próprio interior dos sistemas. Em seguida, será debatido as políticas de fundos, que tem uma função redistributiva, buscando combater as referidas desigualdades. Porém, se vê que existem ainda limitações nas políticas existentes, bem como enormes desafios a serem enfrentados. Na sequência, serão levantados alguns aspectos do financiamento da educação no interior dos entes subnacionais (estados e municípios), já que grande parte da oferta da educação básica se encontra nas mãos desses entes. Por fim, propõe-se o debate do Custo Aluno Qualidade, uma proposta que permite pensar a lógica do financiamento educacional de outra maneira, tendo em vista primeiramente os requisitos para a oferta de uma educação de qualidade. Tudo isso será apresentado e debatido tendo-se em vista que as leis, políticas e programas estatais são campos de disputa, que por vezes trazem interesses contraditórios conciliados em um mesmo texto. Da mesma maneira, mudanças nas leis e novas políticas podem trazer simultaneamente avanços e retrocessos. Cabe então analisar as leis e políticas com afinco, levantando sempre novas perguntas, que visam compreender tanto as potencialidades quanto as limitações dessas leis e sua aplicabilidade. Aula 1 – Organização do Financiamento da Educação no Brasil 6 Apresentação da Aula 01 Nesta aula, será compreendido um pouco mais sobre as principais características do financiamento da educação no Brasil, bem como sobre as condições históricas que levaram à conformação atual. 1 Algumas Características do Financiamento da Educação no Brasil Ao longo das discussões sobre o Plano Nacional de Educação (PNE 2014 - 2024), se teve o debate sobre a destinação de 10% do PIB para a educação. Trata-se de um debate importante, pois ele tem a ver com a vontade política envolvida no desenvolvimento da educação nacional. Isso porque não se pode falar em uma educação pública de qualidade se não se pensar em como se dará a devida destinação de recursos para esse fim. E é compreendendo melhor o processo de obtenção e alocação de recursos que pode-se estar melhor preparados para debater a vontade política dos diferentes governos em, de fato, investir na educação. Quando se falava sobre a destinação de 10% do PIB para a educação, estava se debatendo o nível de real esforço que se esperaria da administração pública em oferecer a educação de qualidade que esteve em debate ao longo de todo o processo de formulação do plano. Note que a meta do plano que fala nesta porcentagem do PIB (produto interno bruto) é a 20, ou seja, a última do PNE. Ou seja, se ao longo do PNE são indicadas diversas intenções do poder público em relação à educação, é na última meta que se indica de que forma serão ofertadas as reais condições materiais para efetivação dessas intenções. Ví deo 7 Veja a entrevista com José Marcelino Rezende Pinto sobre a ampliação do investimento público na Educação, o qual visa atingir até 7% do PIB do País. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QhgNyVyt7Xc Entretanto, deve-se frisar que se trata de uma meta de esforço, que aponta para um caminho que o poder público deverá seguir e um nível de priorização em que deverá colocar a educação. Entretanto, quando se fala em financiamento da educação, não basta pensar nos percentuais do PIB, que será um cálculo feito de modo preciso apenas a posteriori, a partir do cálculo do produto interno bruto do país e das quantias investidas em educação. É necessário também pensar os percentuais da arrecadação de impostos, bem como as diferentes fontes de recursos públicos investidos na educação. Existem diferentes tipos de tributos no Brasil, sendo eles classificados como impostos, taxas e contribuições de melhoria ou social, o que afirmamos que todas as pessoas que se encontram em uma determinada situação devem pagar imposto. 1.1 Fontes de Financiamento da Educação no Brasil Primeiramente, precisa-se de uma breve compreensão do sistema tributário brasileiro, pois a tributação é a fonte dos recursos que vão ser empregados nas diversas políticas sociais e, em específico, na educação. Tributos são todos os pagamentos efetuados pelos cidadãos ao estado que não sejam multas ou algum tipo de sanção, pois essas últimas não compõem o fundo público (BRASIL, 1966). Entre os diferentes tipos de tributos estão os impostos, que devem ser pagos portodos aqueles que se encontrarem em uma determinada situação – por exemplo, se sou proprietário de um veículo, devo pagar o IPVA e, possuindo certo nível de renda, devo pagar o Imposto de Renda. Já as taxas, outo tipo de tributo, são pagamentos efetuados por prestações específicas, como taxas cobradas pela iluminação pública, por exemplo. Por fim, existem as contribuições de melhoria e contribuições sociais, que podem ser cobradas apenas pela União. As contribuições sociais podem ser criadas pela 8 União com o objetivo de intervir no domínio econômico ou proteger interesses de categorias profissionais ou econômicas. Para pensar nas políticas sociais e, entre elas, na educação, é fundamental considerar principalmente os impostos, que não tem uma destinação específica, estando sujeitos a decisões políticas na sua alocação, ainda que respeitando as vinculações estabelecidas constitucionalmente. Entre as contribuições sociais também é necessário levar em conta o salário educação, que é um recurso complementar usado na educação e que será discutido mais adiante, na aula 3. Por enquanto, será retomada a ideia de vinculação de receitas. Trata-se de uma ferramenta que existe na Constituição brasileira visando garantir prioridade de investimento para algumas áreas, como é o caso da saúde e da educação. A vinculação de receitas implica que, necessariamente, um percentual do que for arrecadado com um determinado conjunto de impostos por um determinado ente federado, será investido na educação. Para o cálculo desse percentual também são consideradas as transferências recebidas por esse mesmo ente, que são verbas arrecadas, por exemplo, pela União, mas que cabem, por determinação constitucional, ao estado ou ao município. LEI 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 (LDB) Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: [...] Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educação os originários de: I - receita de impostos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - receita de transferências constitucionais e outras transferências; III - receita do salário-educação e de outras contribuições sociais; IV - receita de incentivos fiscais; V - outros recursos previstos em lei. Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público. 9 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Ou seja, como pode-se observar no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), um quarto da receita arrecadada com impostos pelos municípios, estados e Distrito Federal deve ser investida em educação. Já da receita arrecadada pela União, uma parcela de 18% deve ser investida nessa mesma área. Agora, deve-se tomar em conta que 25% da arrecadação de um município, se for um polo industrial, é diferente dessa mesma parcela no caso de um município que possui grande parte de seu território em área de mananciais, onde não é possível construções. Também é diferente considerar a arrecadação de um município que apresentasse uma renda per capita muito baixa com outro que apresentasse uma muito alta. As transferências constitucionais, que vão da União para os estados e municípios, ou dos estados para seus municípios, têm em seu caráter a ideia de combate a essas desigualdades. Existem também outras políticas, de caráter redistributivo, que buscam superar as inequidades existentes no financiamento brasileiro. Entretanto, essas leis e políticas são ainda insuficientes para superar as históricas desigualdades regionais existentes no país. O que a tal cenário indica é que ainda são necessários muitos debates e esforços no sentido de um sistema tributário mais equitativo e justo, e que é preciso pensar políticas redistributivas. Indica, ainda, a existência de alguns esforços significativos no sentido de, pela via do financiamento, combater as desigualdades existente no interior do sistema educacional brasileiro. Como será visto, tais esforços, que hoje encontram-se positivados no texto legal, representam grandes avanços que foram conquistados ao longo da história das políticas educacionais, passando por muitos embates e por uma sequência de avanços e retrocessos. Saiba Mais Acesse o site do Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional e veja os relatórios municipais, estaduais e da União, onde é possível ver a destinação dos recursos arrecadados. 10 Disponível em: https://www.fnde.gov.br/siope/apresentacao.do 1.2 Breve Histórico do Financiamento da Educação no Brasil Segundo Vieira e Vidal (2015), a política de financiamento nacional se caracteriza por 3 fases. Em um primeiro momento, que vai da criação de uma educação nacional, com os jesuítas, até o início da década de 30, há uma indefinição de recursos, ou seja, pouca ou nenhuma referência nos textos legais sobre as fontes e formas de financiamento da educação. Em um segundo momento, que se inicia ao longo do governo de Getúlio Vargas, com a Constituição Federal de 1934, passa-se a debater a vinculação de recursos, receitas para a educação, ou seja, que existe uma parcela da arrecadação que precisa ser necessariamente investida na educação, temática que será objeto de avanços e retrocessos ao longo do tempo, acompanhando em partes as transições sofridas da democracia para os regimes de exceção. O terceiro momento inicia-se após o marco da redemocratização, já na metade dos anos 1990, com a criação dos fundos contábeis para a educação (Fundef e Fundeb), que será discutido na próxima aula, e se caracteriza, portanto, pelas políticas de criação de fundos. 1.2.1 Primeiro Momento – Indefinição de Recursos Ao reconstituirmos a trajetória da(s) política(s) de financiamento, é oportuno ter em mente que o pano de fundo para sua evolução histórica reside na resposta às seguintes questões-chave: Em primeiro lugar, qual é o projeto educacional em curso e a quem se destina? Em segundo, quais são os agentes de seu financiamento? Sob tal perspectiva, o financiamento revela-se um instrumento fecundo para a compreensão das concepções de Estado, de sociedade e de cidadania que vão sendo forjadas tanto no passado como no presente. A omissão do poder público nesse sentido encontra explicações fora do contexto educacional, remetendo a uma trama de relações complexas e historicamente construídas. (VIEIRA; VIDAL, 2015, p. 19) Tendo essas questões em mente, as autoras detalham aspectos relativos aos diferentes períodos. Quanto ao primeiro momento, caracterizado pela indefinição de recursos, as autoras vão até os Jesuítas, os primeiros 11 responsáveis por uma educação nacional. Os missionários da Companhia de Jesus, quando incumbidos dessa tarefa, receberam financiamento inicial da coroa, mas depois deveriam se tornar autossustentáveis a partir das terras doadas pela coroa. Isso foi, de início, interessante para a coroa, que não precisava financiar a educação nacional. Mas quando a administração jesuíta tornou esse empreendimento rentável e aumentou o poder econômico da ordem religiosa, a coroa portuguesa se sentiu ameaçada e expulsou os jesuítas do Brasil. A essa expulsão, porém, não se segue uma instauração de um sistema educacional estatal, havendo apenas a destinação dos impostos sobre a venda de carne e aguardente para a educação. Um projeto de educação nacional começa a parecer menos distante com a vinda da família real portuguesa, mas isso acontece sem que haja uma clara explicitação das fontes derecurso para a empreitada. Já a primeira Constituição do Brasil independente indica claramente a gratuidade da educação para todos os cidadãos, mas não prevê fontes de financiamento e, sabe-se, ao longo do Brasil Império esse direito não se concretiza nem ao menos para os cidadãos livres, quanto mais para toda a parcela da população que estava na condição de escravo. Também as leis propriamente educacionais são quase que totalmente omissas em relação ao financiamento. Já na república, ainda que hajam diversas reformas educacionais, os textos oficiais falam apenas marginalmente de aspectos do financiamento. 1.2.2 Segundo Momento – Vinculação de Recursos O momento histórico em que a ideia de vinculação de recursos entra em debate se inicia nos anos 30, em consonância como um amplo cenário de mudanças sociais, políticas e econômicas. Nesse contexto eclode o movimento de educadores que culmina com a publicação do emblemático Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932. Tal manifesto trazia como um de seus eixos centrais a defesa da educação pública e laica e enfatizava a importância da gratuidade e obrigatoriedade do ensino. Ao abordar a importância da independência técnica, administrativa e econômica necessária ao cumprimento 12 da tarefa de educar, os escreventes trazem uma ideia bastante inovadora, em seu contexto, relativa ao financiamento da educação: A autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um "fundo especial ou escolar", que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção. (MANIFESTO, 2006, p. 195). A ideia de um fundo, que se consolidará no terceiro momento delineado por Vieira e Vidal será melhor debatido na próxima aula. Por ora interessa dizer que é no contexto da década de 1930, considerando as legislações educacionais nacionais, em que o financiamento da educação passa a ser uma questão no debate político, após a publicação do manifesto, que se acirram as disputas, no campo das políticas educacionais em geral e no âmbito do financiamento em específico, entre os defensores da educação pública e os defensores da educação privada, o que transparecerá no texto constitucional de 1934. É nesse ponto que começa o debate que prossegue até hoje, e que esteve bastante marcado no processo de formulação do PNE sobre o destino das verbas públicas para educação: “devem permanecer na educação pública ou podem se destinar ao financiamento público do setor privado?” Esse debate nasce nesse momento, pois trata-se do momento em que passa-se a haver algo substancial a se disputar em termos da provisão da educação, pois é no marco da Constituição de 1934 que se estabelece a vinculação obrigatória de recursos. Na época, municípios e União deveriam investir no mínimo 10% de sua arrecadação, e estados e DF não menos que 20%. Saiba Mais A carta magna da época também falava em um fundo para a educação e na proposta que culminaria posteriormente na criação do salário educação, que é a de que as empresas deveriam se responsabilizar pela educação de seus funcionários e dos filhos dos mesmos, ainda que tais propostas não chegassem a se efetivar no momento. Se a Constituição de 1934 inaugura o de debate sobre vinculação de recursos para a educação e sobre a política de fundos, ela também inaugura um 13 período repleto de avanços e retrocessos nesse sentido. Mesmo porque as décadas que se seguem a essa iniciativa são marcadas pela alternância de períodos democráticos, com avanços nas políticas sociais em geral e educacionais em específico, com períodos de governos ditatoriais que enxergam a educação púbica como uma função meramente supletiva. O que quer dizer entender a educação pública como tendo uma função meramente supletiva? Implica dizer que a educação pública gratuita será destinada apenas àqueles que não puderem, por sua própria conta, pagar sua educação. Exige-se, portanto, a comprovação da falta de recursos para permitir que os cidadãos acessem seu direito educacional. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937) O PRESIDENTE DA REÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL [...] Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público. Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm Nota-se também que o texto de 1937 é omisso em relação à vinculação de recursos. Isso quer dizer que aquele significativo avanço que foi visto em 1934 representa apenas um breve espasmo. Já em 1946, com a retomada da democracia, o texto constitucional volta a prever a vinculação de recursos e também indica a criação de um fundo nacional, em que a União suplementaria 14 os estados e municípios na provisão do ensino primário. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 vai na mesma direção e detalha a ideia de vinculação e dos fundos. LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961 Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. [...] Título XII Art. 92. A União aplicará anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino, 12% (doze por cento), no mínimo, de sua receita de impostos e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 20% (vinte por cento), no mínimo. § 1º Com nove décimos dos recursos federais destinados à educação, serão constituídos, em parcelas iguais, o Fundo Nacional do Ensino Primário, o Fundo Nacional do Ensino Médio e o Fundo Nacional do Ensino Superior. § 2º O Conselho Federal de Educação elaborará, para execução em prazo determinado, o Plano de Educação referente a cada Fundo. § 3º Os Estados, o Distrito Federal e os municípios, se deixarem de aplicar a percentagem prevista na Constituição Federal para a manutenção e desenvolvimento do ensino, não poderão solicitar auxílio da União para esse fim. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro- 1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html O texto da LDB de 1961, além de reforçar a ideia de vinculação de recursos para a educação, insere no debate o conceito fundamental de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), que perdura nos textos legais até hoje. Nesse contexto, se delimita que verbas educacionais não podem ser gastas com ações relacionadas à saúde ou a assistência, mesmo quando estas se encontrem relacionadas à oferta educacional. Estão incluídas, porém, as bolsas de estudos e subvenções parao ensino privado, explicitando, mais uma vez, a conciliação para o já comentado conflito entre os defensores do ensino público e privado. Porém, mais uma vez, os avanços trazidos com as mudanças na legislação perduram pouco, pois a transição para um regime de exceção em 1964 (quando sofreu o golpe militar) e a promulgação da Constituição de 1967, rompem com a rota de avanços que estava se delineando no campo do financiamento da educação. A Carta Magna de 1967 se assemelha à de 1937, 15 com claro apoio ao setor privado e com uma caracterização da função do estado nesse âmbito como meramente supletiva. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967 O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte CONSTITUIÇÃO DO BRASIL [...] Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. § 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos. § 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo. § 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior; IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio. V - o provimento dos cargos iniciais e finais das carreiras do magistério de grau médio e superior será feito, sempre, mediante prova de habilitação, consistindo em concurso público de provas e títulos quando se tratar de ensino oficial; VI - é garantida a liberdade de cátedra. Art.169 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino, e, a União, os dos Territórios, assim como o sistema federal, o qual terá caráter supletivo e se estenderá a todo o País, nos estritos limites das deficiências locais. § 1º - A União prestará assistência técnica e financeira para o desenvolvimento dos sistemas estaduais e do Distrito Federal. § 2º - Cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar. Art. 170 - As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm Como se pode notar, retoma-se a visão assistencialista da função estatal na educação. As outras leis relevantes do período estão em consonância com 16 essa visão, não havendo fronteira clara entre ensino público e privado e ficando a gratuidade restrita aos alunos necessitados. Inclusive, nesse período, chegou a discutir-se que mesmo nesses casos não se oferecesse bolsa aos alunos, mas sim uma espécie de financiamento no ensino secundário, em que o aluno deveria restituir ao poder público o valor de sua educação. Segundo Melchior (1987), que escreve no período de transição para a democracia, deve-se compreender que a operacionalização de ideias e valores depende dos recursos financeiros, sendo o sistema de financiamento meio fundamental para concretizar valores e princípios. Um grande crescimento econômico que não foi acompanhado por uma ampliação proporcional nos aportes para a educação. Para reordenar esse sistema, se passa pelo político. Primeiramente, os valores são estaticamente inscritos na Constituição, depois são aplicados aos casos específicos, fixando graus de liberdade e igualdade. Esses graus, bem como suas restrições, devem ser definidos pela representação política (legislativo e executivo) o que pressupõe pensar sua legitimidade. No contexto da ditadura militar, que é a vivência imediata do autor, há um cenário de falta de legitimidade e desarticulação política, com diversos erros econômicos que se refletem nas finanças da educação. Mas, para além desses erros, que comprometem o funcionamento adequado do sistema econômico e, assim, o financiamento das políticas, há uma problemática no âmbito de clareza de valores e vontade política. Assim, diagnostica Melchior (1987, p. 5), ao longo do referido período houve crescimento econômico, mas não haviam valores claros e vontade política, assim o sistema social não se beneficiou do econômico. Assim, é possível notar um crescimento do PIB com decrescimento das verbas para educação, em especial na esfera federal. Nesse contexto, os municípios esgotaram sua capacidade e somente estados mais ricos puderam seguir desenvolvendo seus sistemas. “Por não termos valores claros e vontade política derivada do universo político, e sim do universo tecnoburocrártico, assistimos nestes 21 anos a uma reativação do sistema econômico que não beneficiou o sistema social e, neste, incluída a Educação” (MELCHIOR, 1987, p. 5) Assim, no contexto que marca o início do período democrático que vive- se até hoje, Melchior aponta para a reorientação do sistema político e econômico que era necessário para reorientar a esfera do financiamento da educação. Assim, após mais de 50 anos de oscilações, entre 1934 e 1988, chega-se 17 finalmente ao contexto em que a vinculação de recursos para a educação se torna uma realidade relativamente mais perene. (VIEIRA; VIDAL, 2015, p. 32). Entretanto, ainda que tal consolidação seja um grande avanço, não resolve o problema das desigualdades internas existentes no interior do sistema educacional brasileiro. A vinculação de recursos para a educação se estabelece de modo que no Brasil passa a ser debatida no início do século XX, mas se torna uma realidade estabelecida apenas no final do mesmo século. Ví deo Para saber mais sobre o financiamento da educação, assista ao vídeo “TV Escola – Programa Salto para o Futuro debate o financiamento da educação. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YFNmicFZtR8 Resumo da Aula 01 Nesta aula foi compreendido, incialmente, quais são as fontes de recursos para o financiamento da educação e das outras políticas sociais, compreendendo o que é a vinculação de recursos e percebendo que há uma forte desigualdade entre as diferentes regiões, estados e municípios do Brasil. Em seguida, buscando compreender avanços e retrocessos ocorridos no campo do financiamento da educação ao longo da história, retomou-se alguns textos legais para compreender a divisão da história, por Vieira e Vidal (2015), em três momentos: de indefinição de recursos, de vinculação de recursos e de políticas de fundos, que será analisado mais a fundo na próxima aula. Por ora, o retrospecto histórico chegou até o marco da redemocratização. Por fim, é relevante lembrar, quando se debate esses três momentos, que não há uma evolução linear, mas mudanças no sistema de financiamento que decorrem da vontade política dos diversos representantes, eleitos ou não, da mobilização da sociedade civil organizada, bem como dos diversos conflitos materializados na formulação da legislação educacional. 18 Atividade de Aprendizagem Em que momentos da história você considera que houveram avanços e retrocessos no sentido de combater a desigualdades sociais e territoriais existentesno Brasil? Analisando as diferentes legislações, faça uma breve retrospectiva. Aula 2 – Organização do Financiamento e As Políticas de Fundos e sua Função Redistributiva Apresentação da Aula 02 Nesta aula será aprofundado o Segundo momento da Política de Financiamento da Educação – Vinculação de Recursos, e o terceiro – Política de fundos, também será compreendido melhor a configuração atual do financiamento da educação no Brasil, voltando um olhar para as desigualdades existentes. Assim, será pensado sobre os limites e potencialidades das políticas redistributivas em vigor. Assim, a aula inicia-se no contexto de redemocratização do país, nos anos 1980, e buscará compreender-se melhor o funcionamento atual do sistema. Esse funcionamento tem permitido, ao longo do tempo, diminuir as desigualdades no interior do sistema, mas essa caminhada está apenas começando. Para compreender os avanços já conquistados, será feita uma breve análise das potencialidades e limitações das atuais políticas de fundos em termos de diminuição das desigualdades. 2.1 O Contexto da Redemocratização e o Delineamento do Atual Sistema de Financiamento da Educação 19 O final dos anos 1970 e início dos anos 1980 foram marcados pelo lento processo de redemocratização, com a gradual dissolução do governo militar, a luta pelas eleições diretas, que não obteve sucesso, e o processo de elaboração da nova constituição. A Assembleia Constituinte, que se inicia em 1987, retoma diversos aspectos dos direitos de cidadania que permaneceram obscuros ao longo do período de governo ditatorial. No bojo da democratização, podemos perceber um contexto de valorização da educação como bem público. Quando se quebra a ordem democrática, com o golpe militar em 1964, inicia-se um período de desvalorização da educação como bem público. Considerando-se o financiamento da educação, seria o primeiro marco que representa uma mudança de paradigmas nesse sentido. Esse contexto, que está claramente expresso no texto constitucional de 1988, já começa a se apresentar na Emenda Calmon, que reinsere no marco legal brasileiro a ideia de vinculação de recursos para a educação, como já havia sido indicado nas constituições de 1934 e 1946. Falar em recursos exclusivos para manutenção e desenvolvimento do ensino significa que tais recursos não podem ser investidos em políticas suplementares, como alimentação escolar. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 24, DE DEZEMBRO DE 1983 Estabelece a obrigatoriedade de aplicação anual, pela União, de nunca menos de treze por cento, e pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, de, no mínimo, vinte e cinco por cento da renda resultante dos impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 49 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Artigo único. O art. 176 da Constituição Federal passa a vigorar com o acréscimo do seguinte parágrafo: "§ 4º Anualmente, a União aplicará nunca menos de treze por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino." Brasília, em 1º de dezembro de 1983 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1980- 1987/emendaconstitucional-24-1-dezembro-1983-364949-publicacaooriginal-1-pl.html 20 Assim, se o debate da vinculação de recursos já estava em debate nas casas legislativas, mesmo antes de 1987, na constituinte se torna um elemento importante. Nos debates da comissão responsável por discutir a educação na Constituinte também é possível se notar certo entusiasmo referente à descentralização de parte das políticas de educação, a partir da ideia de que cada município teria melhor capacidade de reconhecer as necessidades locais. Nesses debates se nota também a preocupação, por parte de alguns constituintes, de que seja feita uma mudança significativa no arranjo tributário brasileiro. Ou seja, que não basta passar a responsabilidade de certas políticas para o município e vincular parte de suas receitas para tanto, se suas receitas são muito pequenas (BRASIL, 1987). O SR CONSTITUINTE ÁTILA LIRA: [...] Acho que a maior luta que temos, hoje, nesta Constituinte, é a questão da quebra do excesso de poder do Estado em relação à Federação e em relação ao próprio cidadão e a municipalização é uma forma, eu creio, de descentralização desse poder e [...] um dos pontos básicos da busca de uma democratização do ensino e eficiência do ensino[...]. O SR. CONSTITUINTE SÓLON BORGES DOS REIS: [...] Se o regime tributário não for descentralizador, nós não vamos pensar em municipalização, mesmo que a lei diga, [...] uma coisa é o Brasil real e outra coisa é o Brasil legal. Mas é fundamental que a Comissão específica dessa matéria esteja decidindo sobre o regime tributário brasileiro para sabermos se realmente o município pode arcar, como seria bom e quer, com muita razão, o Constituinte Átila, com a responsabilidade. – Quem sabe se o ideal não seria, se houvesse recursos, que os Municípios ficassem com o primeiro grau, os Estados com o segundo grau e a União com o ensino superior? Mas precisaria haver uma distribuição de recursos que permitisse essa divisão de atribuições descentralizadoras” (BRASIL, 1987, p. 17). Entretanto, o que vemos, segundo Fabrício Augusto de Oliveira (2006), é que o marco de 1988 não representou uma real mudança no arranjo tributário. Por mais que a Constituição Federal (CF/88) falasse em um sistema descentralizado e equitativo, ela delegava para o legislador comum pensar em como esses princípios se efetivariam. Isso faz com que as correlações de forças entre os entes federativos pouco se alterem e gera um desequilíbrio federativo: Os entes que estão responsáveis pela maior parte das políticas sociais são entes financeiramente frágeis. 21 Amplie Seus Estudos Sobre esta temática, recomenda-se a leitura do artigo de Nalú Farenzena e Maria Beatriz Luce, intitulado Financiamento da educação e responsabilidades federativas: 25 anos de agenda constituinte. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/43523/2739 3 De qualquer forma, não é irrelevante a consolidação da vinculação de recursos, que Segundo Vieira e Vidal (2015), recebe tratamento prioritário. Ampliando a conquista da Emenda Calmon, o texto final consolida os 18% para a União e 25% para estados, Distrito Federal e Municípios, os municípios podem investir na educação valores acima de 25% em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), desde que respeitadas as outras áreas prioritárias, como saúde. Há também uma afirmação de prioridade da educação obrigatória na alocação de recursos o que, na época da promulgação da Carta Magna, representava o Ensino Fundamental e hoje inclui também parte da Educação Infantil e o Ensino Médio. Mantém-se, ainda, a contribuição do salário educação e declara-se que programas de apoio à saúde e alimentação do educando deverão provir de contribuições sociais e outros recursos, não se enquadrando no conceito de MDE. Assim, a CF (88) fala que educação é um direito de todos e dever do estado, que a União tenha papel supletivo, e que a divisão das responsabilidades fica vinculada com 25% para estados e municípios e 18% para a união. Ou seja, há avanços diversos, porém ainda tem desigualdade entre os entes. Logo após a promulgação da CF/88 entra em discussão uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), visando substituir o texto de 1961, reformado em 1971. Esse debate, entretanto, se estende por quase uma década e chega a uma conclusão apenas em 1996, já no contexto do ajuste fiscal dos anos 1990. Depois de muitas contramarchas, no apagar das luzes de 1996,o Congresso aprovou a primeira lei geral da educação promulgada desde 22 1961 – a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Consequência da Constituição de 1988, essa lei demorou oito anos para chegar ao formato final, que foi aprovado pelo Congresso Nacional em um período de grandes embates entre os diversos setores sociais. À luz de ideologias e concepções educacionais diferentes, a LDB defendia a inclusão de interesses contraditórios. (VIEIRA; VIDAL, 2015, p. 27). Assim, a leitura atenta do texto da LDB permite identificar a conciliação de diversos interesses, que representam os diferentes grupos envolvidos em sua formulação. A lei repete muitas formulações da Constituição e específica e aprofunda outras, como é o caso das responsabilidades de oferta dos diferentes entes federados. Afirma, ainda, a função supletiva e redistributiva da União e retoma o conceito de MDE, que já havia sido delineado na lei de diretrizes anterior (LDB 1961). LEI 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: [...] Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo; VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm 23 Pode-se notar que, novamente, o conceito de MDE abarca os aportes públicos para a iniciativa privada, o que tem a ver com o caráter conciliação de interesses contraditório expressos nesse texto legal. Tal formulação indica que perduram, na educação nacional, os conflitos entre os defensores do ensino público e privado, já bastante centrais desde a década de 1930. 2.2 3º Momento - A Política de Fundos na Educação Retomando a cronologia de Vieira e Vidal (2015), o terceiro momento da política de financiamento da educação nacional se caracteriza pelas políticas de fundos. Para além da vinculação de recursos, nesse momento entra em debate a ideia de políticas redistributivas, que diminuam as desigualdades entre entes federativos, bem como a ideia de subvinculação. Ou seja, para além de uma parcela da arrecadação estar vinculada à educação, ela passa também a estar destinada a etapas específicas e à remuneração docente nessas etapas. A ideia de uma política de fundos já havia sido trazida à debate nos anos 1930 pelos pioneiros da educação nova (MANIFESTO, 2006), e diversas vezes retomada por Anísio Teixeira (2015): Antes do mais, caberia transformar tais recursos em fundos de educação, com a administração especial e autônoma. Esta providência permitiria tratar esses recursos como o patrimônio das crianças do País, a ser administrado para o seu máximo proveito e dentro de regras especiais, que tornassem difícil, senão impossível, qualquer desvio dos seus estritos objetivos educacionais. O Fundo Federal de Educação, representado pelos 10% da receita tributária federal, constituiria a verba global mínima ou irredutível do Ministério da Educação e Cultura, que se veria, deste modo, transformado em sua estrutura, para poder atingir os seus objetivos com a flexibilidade e a autonomia necessárias. Competindo-lhe administrar esse fundo, destinado a custear o programa federal da educação, não poderia o dito Ministério ter a organização convencional dos demais, mas a de um órgão autônomo, com suas normas próprias e uma grande amplitude de ação no cumprimento dos seus fins de velar pela melhor formação nacional possível. (TEIXEIRA, 2015, p. 156-157) Amplie Seus Estudos O texto de Anísio Teixeira citado acima é originalmente de 1954, tendo sido republicado na revista Em Aberto, no 23, de 2015. Nesse mesmo número encontra-se o texto já muitas 24 vezes citado de Vieira e Vidal, bem como outros que servirão de base para essa e outras aulas. A revista, publicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é de acesso gratuito. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2466 /2423 Pode-se notar que o argumento central para Teixeira é a ideia da autonomia, ou seja, que o dinheiro destinado a educação precisa ser administrado em fundos para que haja autonomia em sua gestão, independente das vontades governamentais. Tal foco central se justifica quando se compreende que o contexto em que o autor está inserido é de contínuas transições entre governos democráticos e estados ou regimes de exceção é possível perceber alguns padrões nas políticas educacionais. Em geral, no Brasil, nos contextos de períodos democráticos, em comparação com os períodos de governos ditatoriais, o que é possível perceber uma valorização da educação como bem público. Entretanto, mais adiante o autor não apenas fala no potencial redistributivo desses fundos, como pioneiramente traz o debate de que a alocação de recursos para a educação seja feita segundo um cálculo que se assemelha com a atual proposta do custo aluno qualidade. Assim, a política de fundos visa: Distribuição; Subvinculação; Valorização docente; Conselhos – para ter o controle social. Dessa forma, a Emenda Constitucional n 14/1996 cria o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Na sua criação vivia-se em um contexto de ajuste fiscal, com descentralização da execução das políticas sociais. 2.2.1 Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério 25 Destacado o pioneirismo de Teixeira, volta-se ao contexto de real efetivação da política de fundos. Há que se lembrar que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) foi criado em 1996, em um contexto de ajuste fiscal, uma das características do Fundef é a redistribuição de recursos para a educação no interior dos estados, quando buscava-se reduzir o investimento em políticas sociais, usando como argumento a otimização dos recursos públicos, ou seja, uma reforma gerencial na gestão pública. Nesse sentido, cabe destacar a reflexão de Andréa Barbosa Gouveia e Ângelo Ricardo de Souza (2015, p. 47) sobre a política de fundos: A política de fundos constitui-se numa tensão entre o gerenciamento de recursos já estabelecidos ou o reconhecimento da necessidade de expansão desses recursos e o reconhecimento da necessidade de enfrentamento às desigualdades educacionais brasileiras com investimento público. Entender esse período – que começa em 1996, com o curto debate e a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 14, a qual criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), e a substituição deste, com um longo e intenso debate, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2007,por meio da aprovação da Emenda Constitucional nº 53 – como uma nova fase na história do financiamento da educação brasileira decorre da compreensão de que apenas no cenário democrático, em que o patamar mínimo da vinculação possibilitou uma estabilidade relativa de investimentos em educação (Farenzena, 2006), foi possível abrir caminho para a sofisticação da disputa pelos recursos (GOUVEIA e SOUZA, 2015, p. 47). Assim, deve-se compreender o contexto de criação da política de fundos como um contexto em que, devido à conquista da vinculação de recursos para a educação, já havia algo para se disputar em termos de financiamento da educação, ou seja, já haviam recursos destinados à educação e, portanto, interesses diversos desejosos de influir na decisão sobre a destinação desses recursos. O processo de formulação do Fundef, assim, poderia ter se configurado como um amplo debate. Entretanto, tendo sido formulado em um contexto de ajuste fiscal, não interessava ao governo abrir demasiado esse debate, pois não havia disposição da União em ampliar seus aportes para a educação. Desse modo, a lei que regulamenta o Fundef teve um período curto de tramitação e pouca abertura para o debate com a sociedade civil. 26 Ainda no bojo do ajuste fiscal, há que se destacar que a vigência do Fundef aconteceu enquanto vigorava a Desvinculação de Recursos da União, no início dos anos 90, (DRU), (ela ganhou essa nomenclatura apenas no ano de 2000), sendo que abria uma brecha para que 20% dos recursos vinculados não fosse investido na sua área de destinação prioritária. Isso quer dizer que, dos 18% da arrecadação da União que deveriam ser investidos na educação, restavam apenas 14,4%. Tal quadro só seria revertido em 2009, quando a Emenda Constitucional 59 (EC 59/2009) extinguiu as DRU para recursos de MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino) (BRASIL, 2009; VIEIRA; VIDAL, 2015). Saiba Mais Para saber mais sobre os recursos destinados, o que cada ente é obrigado, e como será feito esse repasse, acesse: http://educarparacrescer.abril.com.br/politica- publica/dinheiro-educacao-509097.shtml Dessa forma, a União pode ser considerada a maior contribuinte, pois é a que mais possui verbas, apesar de contribuir com menos percentagem, por ter essa maior verba, sua contribuição é mais significativa. O Fundef foi criado com vigência de dez anos a partir da lei n° 9.424/96, que é bastante sucinta e detalha tecnicamente o funcionamento do fundo. O fundo tem natureza contábil, ou seja, não se cria uma nova instância de tomada de decisões sobre a alocação de recursos, mas apenas um mecanismo de transferência dos recursos existentes, que é feito através do Banco do Brasil, pela transferência entre as contas dos diferentes entes. Estabelece-se, também, que 60% dos recursos de MDE devem ser investidos na remuneração dos docentes do Ensino Fundamental (BRASIL, 1996). Em 2000, foi estabelecido valores diferenciados para as séries iniciais e finais do ensino fundamental, sendo que o ensino básico e o ensino médio, assim como a educação especial, a educação do campo e o EJA foram deixadas de lado. 27 Importante destacar que, por mais que se fale do fundo no singular, na realidade tratam-se de diversos fundos, um em cada estado da federação. Isso quer dizer que a redistribuição de recursos é feita apenas no interior dos estados. Essa redistribuição é feita segundo cálculos proporcionais que tomam em conta a quantidade de alunos matriculados no Ensino Fundamental público, a partir de dados do censo escolar. Como indicam Vieira e Vidal (2015), o Fundef se configurou com um elemento redistributivo e que permitiu a expansão do Ensino Fundamental e a melhoria salarial dos professores desta etapa. Entretanto, mantiveram-se as desigualdades regionais e também foram deixadas de lado outras etapas da educação básica. Alguns problemas foram constatados, ele foi formulado às pressas, fragmentava a Educação Básica, sendo que excluiu a modalidade EJA, tinha pouco aporte da União, que era suscetível à vontade política e, segundo Araújo (2014), se teve a redistribuição da pobreza, ou seja, tinha pouco, e somente foi distribuído pela educação básica, deixando o ensino fundamental e o ensino médio desamparados. É ainda interessante frisar que o Fundef foi uma ferramenta do governo federal para controlar as definições das políticas educacionais, descentralizando sua execução para os outros entes. Um dos efeitos relevantes do Fundef foi a intensificação da municipalização do Ensino Fundamental, já que interessava a esses entes ampliar suas matrículas para aumentar os aportes recebidos através do fundo. Nesse contexto, entra em debate a criação de um novo fundo, que agregasse as diferentes etapas da educação e contasse com aportes do governo federal para minimizar as desigualdades existentes entre os diferentes estados da federação. 2.2.2 FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi criado pela emenda constitucional no 53, de 2006, e regulamentada pela lei no 11.494, de 2007, sendo fruto de intensos e longos debates a ampliação do aporte da União, com ampla participação da sociedade civil organizada (MARTINS, 2009). O Fundeb, que 28 tem vigência de 14 anos e a existência de 27 fundos estatais, que pode ser entendida como um problema em termos de diminuição das desigualdades, foi aplicado gradualmente, abarca uma parcela maior da arrecadação dos entes federados e a distribui segundo critérios de quantidade de matrículas, porém, abarca todas as etapas e modalidade da educação básica (VIEIRA; VIDAL, 2015). Ví deo Assista ao vídeo do Conviva Educação – Arrecadação e investimento dos recursos da educação – Como funciona o FUNDEB? Para compreender como funciona o fundo, que é a principal fonte de recursos para a educação básica para Estados e Municípios, e como esses devem ser utilizados. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IVhkU_gW5OY A complementação da União é um aspecto fundamental do fundo, pois é esse aspecto que permite combater as desigualdades existentes entre os diferentes fundos estatais. Tal complementação foi ampliada gradualmente, sendo que a partir de 2010 coube à União investir valor correspondente a, no mínimo 10% do total dos recursos do fundo. Essa complementação é destinada aos fundos estaduais que não conseguem alcançar o custo-aluno médio naquele ano. A criação do Fundeb ampliou, de fato, a participação da União no financiamento da educação, embora a continuidade da existência de 27 fundos continue criando e mantendo situações de desigualdades no valor aluno/ano bastante significativas. No período 2007-2013, observa-se um crescimento de 134,8% no valor mínimo de referência. Se, por um lado, tal crescimento pode ser visto como alvissareiro para a melhoria da educação, por outro, traz em si a marca das desigualdades regionais, uma vez que, enquanto os estados que precisam de complementação da União têm no valor mínimo seu parâmetro, os mais ricos e com mais arrecadação de impostos apresentam um valor aluno/ano muito superior ao estipulado pelo governo federal. (VIEIRA; VIDAL, 2015, p. 31). 29 Ou seja, por mais que o maior aporte da União seja significativo para combater as desigualdades existentes no interior do sistema, ele é ainda insuficiente. As disparidades entre os diferentes estados e, no interior dele, os diferentes municípios, seguem existindo de modo bastante acentuado (ARAÚJO, 2014; FERRAZ, 2013). Deve-se considerar, também, que a complementação da União é feita para os estados que não atingem a média nacional de custo-aluno, entretanto, esse custo nãoé calculado de acordo com o valor que seria, de fato, necessário para ofertar uma educação de qualidade para cada um dos alunos. Desse modo, para se falar em um Custo Aluno Qualidade, conforme discutido em aula, entra em questão a real ampliação dos aportes da União para a educação básica, conforme previsto no PNE 2014. 2.3 Controle Social Há os conselhos do Fundef/Fundeb, que são conselhos de controle social, ou seja, eles que fazem o acompanhamento e o controle social, que visa ao controle sobre o uso das verbas. Assim, a ideia de criação de conselhos com representantes não formalmente ligados ao governo para formular (não é o caso do FUNDEB) e acompanhar a execução de políticas públicas pode estar, na prática, sendo subvertida por estratégias antigas e novas do poder estatal. O potencial democrático desses conselhos é bastante limitado, por uma série de razões. Uma é que, apesar do nome, são mais estatais do que sociais, pois têm mais representantes do Estado do que da sociedade. (DAVIES, 2015, p. 138) Quando se fala sobre a participação da sociedade dentro dos conselhos, são mais ativos e participantes dentro dos conselhos municipais em comparação com os estaduais. Saiba Mais Para compreender melhor sobre controle social na política de fundos, leia o texto de Nicholas Davies, na Revista Em Aberto n. 6: A confiabilidade dos órgãos de controle das verbas da educação. 30 Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/ 2462 Resumo da Aula 02 Nesta aula concluiu-se o histórico do financiamento da educação no Brasil, compreendendo algumas das legislações atuais que regulam essa matéria, como a CF/88 e a LDB/1996. Em seguida, buscou-se compreender como se configuram as políticas de fundos, e os avanços ocorridos na transição do Fundef para o Fundeb. Tais políticas tem uma fundamental função redistributiva da União, função de utilizar parte de sua arrecadação para distribuir recursos aos entes federativos mais pobres, tendo como avanço a consolidação da educação como bem público e a redução das desigualdades se comparado com antigamente, entretanto, existem ainda enormes desafios para a equalização das oportunidades educacionais ao redor do Brasil, que passam pela ampliação do aporte de verbas pela União, ainda existindo muitas desigualdades e faltando aprimorar o controle social. Atividade de Aprendizagem Após a explicação, discorra sobre quais foram os aspectos mais relevantes que o Fundeb gerou e sobre quais permanecem sendo as limitações dessa política. Aula 3 – A Organização do Financiamento da Educação nos Entes Subnacionais Apresentação da Aula 03 31 Nesta aula serão discutidos alguns aspectos do financiamento da educação que já foram comentados nas aulas anteriores, mas precisam ser melhor compreendidos, como o salário educação e a formulação dos orçamentos. Abordar-se-ão alguns aspectos do financiamento da educação básica, que se encontra na mão dos entes subnacionais: municípios e estados, ou seja, mais perto da população. Isso pode ajudar a compreensão dos níveis de gestão sobre os quais se tem maior possibilidade de intervenção no dia a dia. Na sequência, será feita uma discussão sobre as limitações no financiamento da educação básica pelo município, reconhecido como o ente mais frágil do pacto federativo, mas que tem como atribuição grande parte da responsabilidade pelos direitos educacionais da população. 3 Contexto Atual de Financiamento da Educação Quando se fala sobre o contexto ao qual a educação está no momento, tem que se compreender as legislações que a regem, e são 4 pontos que foram importantes para a mesma, são eles: Constituição Federal de 1988 – Vinculação de recursos para a Educação; Lei de Diretrizes e Bases de 1996 – Definição de MDE; Emenda Constitucional 14/1996 – Criação do Fundef; Emenda Constitucional 53/2006 – Criação do Fundeb. Já quando se fala dos avanços, teve a consolidação da educação como bem público e a redução das desigualdades, e como desafio, a superação da desigualdade, que por mais que tenha diminuído, ainda são existentes, e também se busca o aprimoramento do controle social. Gouveia (2008, p. 54) fala sobre o âmbito local sendo privilégio de emergência da participação e do controle social: O processo de descentralização e de repartição das responsabilidades sob políticas sociais com ênfase na ação municipal fortalece o âmbito local como espaço de participação porque (sobre)responsabiliza o município pelo atendimento das necessidades imediatas da população quanto à saúde, assistência social, educação, entre outras. (GOUVEIA, 2008, p. 54) 32 Importante Falar em participação popular na esfera local e em controle social, é um avanço, porém, muitas vezes, vêm com uma sobrecarga de responsabilização do município e pode trazer consigo uma falta de responsabilidade do estado, que deixa as políticas nas mãos da sociedade. 3.1 O salário educação Conforme explicitado em aulas anteriores, em sua configuração atual o salário educação é uma fonte complementar de recursos para a educação, a ideia por trás da criação do salário educação já aparecia na CF de 1934, que é a de tornar os empresários responsáveis pela educação de seus empregados e dependentes, como pode ser visto no art. 139: Art. 139 - Toda empresa industrial ou agrícola, fora dos centros escolares, e onde trabalharem mais de cinqüenta pessoas, perfazendo estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos, será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito. Porém a legislação vai além quando se fala sobre a educação e cultura. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946) (...) Capítulo II Da Educação e da Cultura Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê- lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; 33 IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável; VI - para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exigir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII - é garantida a liberdade de cátedra. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm Oficialmente, porém, como narra Melchior (1987), é criado em 1960, o tributo visando combater o analfabetismo e suplementar as despesas com a educação primária, única etapa obrigatória nesse contexto. Sua regulamentação decorre da lei no 4440/64, do decreto-lei no 1422/75 e do decreto no 87043/82, que o define como contribuição devida pelas empresas para suplementar os recursos públicos no funcionamento do ensino de 1º grau. O tributo surge para substituir a obrigatoriedade, que existia desde 1946, das empresas ofertarem escolarização para empregados analfabetos e seus filhos em faixa de escolaridade obrigatória e responde a uma pressão internacional em relação à erradicação do analfabetismo, já que em 1962,o Brasil era o pais latino-americano com maior número de analfabetos. Inicialmente, o tributo surge com a característica de contraprestação, ou seja, como uma taxa que as empresas pagam para que o estado, no lugar da empresa, oferte educação para seus trabalhadores analfabetos. Por algum tempo se mantém a possibilidade de as empresas ofertarem educação para seus funcionários e dependentes, bem como oferecer bolsas de estudo em instituições privadas, em lugar de pagar o tributo. Em sua concepção, o salário educação teria a função prioritária de expandir equipamentos para ampliar rede pública, porém essa intenção não era corroborada pela ação dos estados, quando recebiam os 50% da arrecadação do tributo que lhes cabia. Também a intenção inicial de investir na educação dos adultos trabalhadores foi se perdendo. Muito relevante, também, em sua transformação ao longo do tempo, é o cálculo da alíquota do tributo. Inicialmente, o salário educação é calculado a partir de custo aluno que foi projetado pela 34 gestão de Anísio Teixeira no INEP, estando indexado como porcentagem do salário mínimo (7% do salário mínimo regional). Posteriormente, porém, o Ministério do Trabalho realizou uma pesquisa que mostrou que para 100 trabalhadores haviam 30 crianças em faixa de escolarização obrigatória e se corrigiu a alíquota para 2% do salário mínimo. A partir daí, caberia ao INEP atualizar a alíquota, o que não aconteceu, fazendo com que nova pesquisa do Ministério do Trabalho determinasse a fixação dessa em 1,4% da folha mensal de contribuição ao INPS. Já em 1975, tendo sido ampliada a obrigatoriedade em 1967, ocorreu um aumento da alíquota para 2,5% da folha de pagamento. Um debate relevante que sofre avanços e retrocessos ao longo das transformações do tributo é a questão redistributiva. 50% da arrecadação do salário educação caberia aos estados aonde foi arrecadado. Já os outros 50% ficavam nas mãos da União, e é nessa parcela que se poderia pensar em uma distribuição equitativa, visando diminuir as desigualdades regionais. Tendo isso em vista, em 1969 é criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que inicialmente era responsável por distribuir a parcela da União de modo equitativo. Entretanto, as disputas políticas fazem com que, ao longo do tempo, a parcela redistribuída se tornasse menor. Outro debate central é a questão da natureza do tributo e de onde ele deveria ser aplicado: na educação pública ou privada? Muitas empresas pagavam sua contribuição através de bolsas para escolas privadas, até o momento em que foram encontradas fraudes nesse procedimento e decidiu acabar-se com essa opção. Entretanto, no momento em que Melchior (1987) escrevia, a pressão das empresas não havia permitido que tal modalidade fosse de fato extinta. Outra problemática que o autor indica sobre esse tributo é que a alíquota recaía apenas sobre a folha de contribuição, o que inclui apenas os salários mais baixos e não aqueles dos funcionários mais bem remunerados. Desse modo, penalizavam-se às empresas que geram maior quantidade de empregos. Posteriormente, o tributo sofre novas alterações, chegando à forma atual, conforme narram Vieira e Vidal (2015, p. 25): Criado como contribuição social das empresas para custeio do ensino Fundamental de seus funcionários ou dos filhos destes, o salário- educação foi gradativamente incorporado como fonte adicional de 35 receitas da educação básica administrada pelo governo federal. Assim, o portal do Ministério da Educação (MEC) o define como: “contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para o financiamento da educação básica pública e que também pode ser aplicada na educação especial, desde que vinculada à educação básica”. Além de estar previsto na Constituição Federal, o salário-educação foi regulamentado pela Lei n° 9.424/96, Lei n° 9.766/98, Decreto nº 6.003/2006 e Lei nº 11.457/2007. A contribuição é calculada “com base na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelas empresas, a qualquer título, aos segurados empregados, ressalvadas as exceções legais, e é arrecadada, fiscalizada e cobrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda(RFB/MF). Os recursos advindos do salário educação, conforme comentado anteriormente, são relevantes para a garantia de programas suplementares, como os de alimentação escolar. Tais investimentos não estão incluídos nos recursos vinculados, por não serem gastos com MDE, mas ainda assim são extremamente relevantes para a permanência na escola de diversas crianças, e devem ser usados exclusivamente para a Educação Básica, sendo 1/3 distribuído para a União e 2/3 para os municípios. Com essa digressão sobre o salário-educação, finaliza-se a discussão sobre as principais fontes de financiamento da educação no Brasil, a organização do sistema de financiamento da educação no Brasil apresenta algumas características fundamentais, chegando a cinco: Repartição das responsabilidades entre os entes; Fixação de regras de vinculação de impostos e transferências; Definição de MDE como destinação; Existência de fundos contábeis de caráter redistributivo; Existência de recursos complementares: salário-educação, convênios e outros recursos. Nesse ponto, deve-se voltar o olhar com mais especificidade para o âmbito dos estados e municípios e do campo orçamentário. 36 3.2 O Planejamento e a Execução Orçamentária Até o momento esteve-se discutindo as fontes de financiamento da educação, ou seja, as receitas. Agora, cabe compreender minimamente como funciona o processo de definição das despesas a serem realizadas pelos diferentes entes, ou seja, o processo de planejamento e execução orçamentária, que pode ser compreendido a partir das contribuições de José Carlos Polo (2001), o qual fala que a CF/88 consagra o princípio de que orçamento integra um sistema amplo de planejamento das ações de governo, no qual as metas e diretrizes da administração pública devem ser previamente estabelecidas, abrangendo um período inclusive maior que o da lei orçamentária. Para tanto, existem três ferramentas fundamentais: O Plano Plurianual (PPA), 4 anos, transcendente gestões, metas gerais – Nível estratégico – “O que deve ser feito?” A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), anual, prioridades a partir das metas – Nível tático – “O que pode ser feito?” O Orçamento Anual (LOA), anual, ações para efetivar prioridades – Nível operacional – “O que será feito?” Alguns desses instrumentos, porém, seguem sendo regidos por legislação anterior à redemocratização. Toda a ação estatal deve ser prevista em orçamento, mas nem tudo que é previsto em orçamento precisa ser realizado. As peças orçamentárias são elaboradas pelo poder legislativo, devendo ser sancionadas ou aprovadas pelo executivo, tendo sua execução fiscalizada posteriormente pelos Tribunais de Contas. Para modificar um orçamento em exercício, executivo precisa de autorização do legislativo através de emendas na peça orçamentária. Mudanças promovidas pelo legislativo não podem prosperar sem estar de acordo com o PPA e a LDO. Além disso, todos os gastos incluídos no orçamento deverão estar de acordo com a normas que regem as licitações e 37 contratos no setor público, bem como princípios de transparência na prestação de contas. No controle externo do Município, exercido pela Câmara dos Vereadores com auxílio do Tribunal de Contas, surgiram novas instâncias por meio de diversos conselhos, como o Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF. O Ministério Público passou a ter papel relevante, podendo acionar judicialmente a autoridade pública que praticar ato lesivo aos interesses do Município. (POLO,2001, p. 298). É interessante frisar, ainda, que as peças orçamentárias têm caráter autorizativo, porém não mandatário. Isso quer dizer que somente aquilo que está previsto no orçamento pode ser gasto, mas não há obrigação em efetivar aquilo que estava no orçamento. Outra questão interessante levantada pelo autor é a possibilidade de elaboração das peças orçamentárias com a participação dos cidadãos, o que vem ocorrendo nos últimos anos, em especial em municípios. O autor elogia a iniciativa de diversas prefeituras de realizar consultas públicas para elaboração do orçamento anual, entretanto, indica que tal participação seria mais efetiva se ocorresse também nas etapas do PPA e da LDO, que seriam etapas mais estratégicas, de definição de prioridades. Especificamente sobre os recursos da educação, o autor lembra que recursos do Fundef (e hoje do Fundeb), bem como todos os recursos vinculados, devem estar convenientemente destacados nos orçamentos. Cabe aos tribunais de contas, em sua função de fiscalização, verificar se os 25% de recursos vinculados foram, de fato, gasto em despesas de MDE. Adicionalmente, para as verbas do Fundef/Fundeb, existe a atribuição de um conselho de controle, que deverá fiscalizar a alocação apropriada dos recursos. Em suma, a lei exige que o controle deve compreender todos os aspectos descritos anteriormente, não só quanto à legalidade dos atos e da fidelidade dos servidores responsáveis por bens e valores, como também pelos resultados financeiros e físicos das ações de governo praticadas, ou seja, o cumprimento de objetivos e metas definidos na fase de planejamento. (POLO, 2001, p. 326). Vejam que, como bem destacado pelo autor, a função de controle social, seja pelos conselhos ou pelos tribunais de contas, é fundamental para o funcionamento da democracia e, em específico, da devida execução do 38 planejamento orçamentário. No caso dos municípios os mecanismos de controle social podem ser tornar bastante relevantes, pois é esse o ente federado que se encontra mais próximo da população. Entretanto, pensar o financiamento da educação básica no município traz, também, alguns problemas e limitações. 3.3 O Município e o Financiamento da Educação Básica O contexto da redemocratização já discutida marca, para além da garantia constitucional da vinculação de recursos, momento chave no processo de descentralização do poder, que traz em seu bojo a intensificação da municipalização do ensino, ficando grande parte da educação básica nas mãos dos municípios. Fala-se em intensificação da municipalização porque tal transferência já era prevista na LDB de 1971: As providências de que trata este artigo visarão a progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargo e serviços de educação, especialmente de 1º grau, que pela sua natureza possam ser realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais. (BRASIL, 1971, art. 58, Parágrafo Único). Além disso, tratava-se de processo em curso em diversos estados, em especial em estados mais pobres, sendo intensificado após a LDB e a indução causada pelo Fundef. Muitos autores dizem que o município é o ente mais frágil do arranjo federativo, que o município não tem uma arrecadação proporcional às suas responsabilidades. Para que o município possa ofertar uma educação básica de qualidade, seria necessário em termos financeiros uma reforma tributária, considerando-se o município como ente mais frágil, enquanto isso as crianças, na qual é a população que têm seus direitos educacionais mais atingidos. O município é obrigado a investir nunca menos de 25% de arrecadação na educação, em que o valor mínimo investido na educação é desigual e proporcional à riqueza do município. Conforme comentado anteriormente no referido contexto, a municipalização era, em grande parte, vista com “bons olhos”, sendo um dos eixos relevantes dos debates, por exemplo, da subcomissão de Educação, Cultura e Esportes da assembleia constituinte (BRASIL, 1987). Tratava-se de debate em que se valorizava a retomada e fortalecimento da democracia, sendo 39 está relacionada ao fortalecimento dos entes subnacionais, a partir da defesa de uma descentralização que contrariasse o centralismo do governo anterior (MARTINS, 2009, p. 19). Por vezes, porém, tal debate deixa de matizar a questão de que “na tradição brasileira os municípios têm sido reconhecidos tanto como palco da reprodução de práticas patrimonialistas, quanto como palco de inovações institucionais" e que a existência de um número elevadíssimo de municípios complexifica tal processo, por estarem tais municípios ocupados sob condições diversas, seja no âmbito social, econômico ou político (GOUVEIA, 2008, p. 17). Ainda assim, o município não deixa de ser um espaço de poder mais próximo do cidadão em que as possibilidades de controle social e participação política se ampliam (GOUVEIA, 2008), o que em partes corrobora o entusiasmo municipalista. Entretanto, como lembra Martins (2009, p. 23), no período que vai da aprovação da CF/88 até a criação do Plano Real, há um processo de concentração de poder nas mãos dos estados. Já no período pós Plano Real se institui uma lógica mais centralista, como corolário de um ajuste fiscal que visava aumentar a arrecadação da União e flexibilizar a aplicação de recursos desse mesmo ente através, por exemplo, da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Com o cenário do ajuste fiscal nos anos 90, a temática da municipalização ingressou na agenda político-administrativa carregada de traços polêmicos, menos pela valoração acerca de seus méritos ou problemas e mais porque trazia consigo um típico conflito federativo: a transferência de encargos sem que estivessem garantidas as respectivas receitas e selado o compromisso explícito de auxílio pelos níveis federativos de maior abrangência. (MARTINS, 2009, p. 37). Se teve então a descentralização do poder e maior participação popular, porém se teve um desarranjo tributário e maior possibilidades de relações clientelísticas, ou seja, municípios com menos verbas, tinham menos autonomia e muita responsabilidade. Assim, trata-se de contexto em que a ampla gama de políticas sociais que se tornavam a dever do estado, com a ampliação de direitos trazida pela CF/88, não é acompanhada pela devida destinação de verbas nos três entes. Tal quadro, que se relaciona ao ajuste fiscal dos anos 1990, também está vinculado 40 a um desenho tributário anterior, que não foi substancialmente alterado pela reforma tributária de 1988 (OLIVEIRA, 2006). Segundo Oliveira (2006, p. 26) a lógica dessa reforma foi a descentralização e estava em questão uma preocupação com a equidade entre os entes federados, buscando uma melhor distribuição, tanto do ônus fiscal quanto das receitas. Tal reforma ampliou o campo de competências dos entes subnacionais, com aumento significativo dos percentuais dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, bem como reversão de processo em curso de desvinculação de recursos da União. Entretanto, não se chegou a um projeto articulado que equilibrasse a descentralização de encargos com a estrutura de receitas. Ou seja, o tamanho do ônus agora imposto ao município não era condizente com a ampliação de sua participação na arrecadação. Com isso, embora os princípios contemplados na Constituição pudessem imprimir ao sistema tributário um perfil progressivo, mais justo, a falta de regulamentação, diante da inexistência de consenso em torno dessas matérias, continuou mantendo o sistema tributário divorciado de compromissos com essa questão. (OLIVEIRA, 2006, p. 27) Desse modo, configura-se o que o autor chama de desarranjo federativo da Constituição de 1988, que, ainda que tenha sofrido seguidas tentativas de alteração, não foi substancialmente modificado,
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