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Equipe de tradução Aline Barcellos Prates dos Santos (Caps. 2, 12, 13 e 14) Bióloga do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Entomologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Laura Romanowski Wainer (Caps. 20 a 24) Acadêmica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Certificada em Língua Inglesa por Cambridge ESOL Certificate International. Melissa Oliveira Teixeira (Caps. 9, 10, 11, 15 a 19) Bióloga. Doutoranda em Biologia Animal do Instituto de Biociências da UFRGS. Mestre em Biologia Animal pelo Instituto de Biociências da UFRGS. Paulo Luiz de Oliveira (Iniciais, Caps. 1, 3 a 8, Glossário e Índice) Biólogo. Professor titular aposentado do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da UFRGS. Mestre em Botânica pela UFRGS. Doutor em Ciências Agrárias pela Universität Hohenheim, Stuttgart, República Federal da Alemanha. Revisão técnica desta edição Aline Barcellos Prates dos Santos (Caps. 12, 13 e 14) Bióloga do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Entomologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ana Maria Leal Zanchet (Caps. 8, 9, 10, 11, 16, 17 e 22) Bióloga. Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Biologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Zoologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciências Naturais pela Universität Tübingen, Tübingen, Alemanha. Helena Piccoli Romanowski (Caps. 15, 18, 19, 20, 21, 23, 24 e Glossário) Bióloga. Professora titular do Departamento de Zoologia e Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Instituto de Biociências da UFRGS. Ph.D. em Biologia Pura e Aplicada (Ecologia) pela Leeds University, Leeds, Reino Unido. Suzane Both Hilgert-Moreira (Caps. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7) Bióloga. Professora adjunta do Curso de Ciências Biológicas da UNISINOS. Mestre em Geociências pela UFRGS. Doutora em Zoologia pela PUCRS. P365b Pechenik, Jan A. Biologia dos invertebrados [recurso eletrônico] / Jan A. Pechenik ; tradução e revisão técnica: [Aline Barcellos Prates dos Santos ... et al.] . – 7. ed. – Porto Alegre : AMGH, 2016. Editado como livro impresso em 2016. ISBN 978-85-8055-581-3 1. Biologia. 2. Animais invertebrados. I. Título. CDU 592 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 2 Relações e classificação dos invertebrados “De acordo com minha opinião (a qual eu permito a cada um contestar...), a classificação consiste em agrupar seres de acordo com seu real relacionamento, isto é, sua consanguinidade, ou descendência de ancestrais comuns.” Charles Darwin (1843) Introdução Houve um tempo em que, supostamente, não existia animal algum na Terra. A maravilhosa variedade de formas de vida animal e o registro fóssil devem ter evoluído gradualmente, iniciando há mais de 3 bilhões de anos; a própria Terra tem mais de 4,5 bilhões de anos de idade. Aproximadamente 1,7 milhão de espécies animais já foram descritas e nomeadas, mas pelo menos outras 10 milhões de espécies aguardam descoberta e descrição; é provável que muitas dessas espé- cies se tornarão extintas antes de serem descobertas. Pro- vavelmente, várias centenas de milhões de outras espécies estavam aqui antes, mas agora estão extintas. A vida multicelular parece ter levado um longo tempo para evoluir de formas ancestrais unicelulares: fósseis dos eucariotos mais antigos conhecidos (ver Capítulo 3) têm aproximadamente 2 bilhões de anos, mas os fósseis mais antigos de animais multicelulares (chamados de metazoá- rios) ou de suas tocas não têm mais do que 542 a 635 mi- lhões de anos de idade, representantes da chamada fauna Ediacariana, no sul da Austrália. Além disso, nenhum des- ses animais ediacarianos tinha conchas, ossos ou outras partes duras, e sua relação com animais atuais, se existe, não é clara1. Os primeiros metazoários de tamanho per- ceptível claramente relacionados aos animais modernos apareceram subitamente no período Cambriano, há cer- ca de 542 milhões de anos. Os fósseis invertebrados mais bem estudados são dos estratos de Burgess, na Columbia Britânica, que foram descobertos somente em 1909, mas 1Ver Tópicos para posterior investigação e discussão, no 3, no final deste capítulo. 8 Capítulo 2 sua formação data de cerca de 525 milhões de anos atrás, no período Cambriano. Muitos desses animais eram de corpo mole, e outros tinham partes duras, porém, sua ca- racterística mais conspícua é sua grande diversidade. Uma fauna similar foi descoberta mais recentemente na China, a partir de rochas sedimentares antigas, formadas no Cam- briano inferior, há cerca de 540 milhões, de anos. Este aparecimento incrivelmente repentino e a aparentemente rápida diversificação de animais complexos há vários mi- lhões de anos é chamada de explosão do Cambriano. Atualmente, há algumas evidências de que a explosão do Cambriano reflete um registro fóssil incompleto.2 Por exemplo, os fósseis que podem ser parecidos com embriões metazoários cnidários, equinodermos e artrópodes foram descritos em 1998, no sul da China, em rochas formadas há cerca de 580 milhões de anos (Fig. 2.1), sugerindo que formas relacionadas aos animais modernos existiram há, pelo menos, 40 milhões de anos antes da explosão do Cam- briano.3 Mais dramaticamente, alguns estudos moleculares recentes sugerem que os planos corporais animais mais bá- sicos existiram há pelo menos 100 milhões de anos, antes que qualquer um desses animais fosse preservado como fóssil. Essa sugestão é baseada em diferenças na sequên- cia de aminoácidos de certas proteínas ou diferenças nas sequências de nucleotídeos de certos genes amplamente presentes nos vários grupos animais, em conjunto com es- timativas de quanto tempo as proteínas ou sequências gê- nicas teriam levado para divergir entre si. Se as interpreta- ções desses dados estão corretas, os grupos animais básicos podem ter começado a divergir há 1 bilhão de anos, mas sem deixar qualquer registro histórico pelos primeiros 400 a 500 milhões de anos de sua evolução. Possivelmente, es- ses primeiros animais eram simplesmente muito pequenos e sem partes duras para serem fossilizados. Talvez tenha sido o aumento gradual no oxigênio atmosférico acima de alguma concentração crítica, devida à fotossíntese, que te- nha permitido a evolução de maiores tamanhos corporais e coberturas rígidas e impermeáveis, permitindo a fossili- zação. Ou, talvez, as condições ambientais necessárias para a fossilização simplesmente não existiam antes de aproxi- madamente 600 milhões de anos. Se os dados moleculares estão corretos, a explosão dos planos corporais animais, registrada no Cambriano, reflete um aumento no número e nos tipos de animais fossilizáveis, e não a súbita “criação” de novos animais. Ou, ainda, que as análises moleculares sejam enganadoras e houve realmente uma explosão dos planos corporais animais por volta de 540 milhões de anos atrás, atribuível a um drástico incremento das pressões de predação e competição. Em qualquer evento, quase todos os principais filos animais de hoje estão representados entre os fósseis do Cambriano formados há 525 a 540 milhões de anos; sem estágios ancestrais intermediários entre os vários grupos animais, o registro fóssil não fornece pista alguma so- bre como esses filos se relacionam entre si. O estudo do 2Ver Tópicos para posterior investigação e discussão, no 6, no final deste capítulo. 3Ver Tópicos para posterior investigação e discussão, no 8, no final deste capítulo. extenso registro fóssil do Cambriano e pós-Cambriano pode nos dizer algo sobre a evolução desde a explosão do Cambriano, mas nada sobre os ancestrais dos quais esses animais fossilizados evoluíram. Entretanto, se assumir- mos, o que é muito razoável, que todos osanimais têm formas ancestrais em comum, e que à medida que os ani- mais foram evoluindo daqueles ancestrais em comum, eles foram se tornando cada vez menos parecidos, pode- mos inferir relações evolutivas com diferentes graus de certeza. Essas inferências são baseadas em similaridades e diferenças morfológicas, ontogenéticas, fisiológicas, bio- químicas e genéticas entre grupos animais. Nas próximas seções, examinaremos algumas dessas características im- portantes. Antes de considerar as inter-relações evolutivas entre os diferentes grupos de organismos, devemos organizar as milhões de espécies animais dentro de categorias, o que so- mente pode ser feito determinando-se os graus de diferença e semelhança que definirão cada categoria. É importante ter em mente que todos os esquemas de classificação são, ao menos em parte, tentativas artificiais de impor uma ordem. Como será visto ao longo deste livro, muitos organismos não se enquadram claramente em grupo algum; é relativa- mente simples decidir sobre as categorias a serem usadas, mas, em geral, muito mais difícil determinar a categoria à qual um determinado organismo pertence. Uma vez que os organismos são associados a categorias taxonômicas, torna- -se possível considerar as relações evolutivas entre e dentro de cada categoria. Neste capítulo, consideraremos alguns dos esquemas que têm sido propostos para enquadrar ani- mais dentro de grupos e, então, analisaremos as relações evolutivas entre e dentro desses grupos. Figura 2.1 O que parece ser um embrião multicelular fossilizado (~ 500 μm de diâmetro) de depósitos no sul da China, formados há cerca de 580 milhões de anos. Se esse é verdadeiramente o em- brião de um animal multicelular bilateralmente simétrico, então uma diversidade de vida animal multicelular, sem dúvida, existiu bem antes do registro dos estratos de Burgess da explosão do Cambriano. Baseada em Shuhai Xiao e Ed Seling, et al., 1998 in Nature 391:553-58. © Reim- presso, com permissão, de Shuhai Xiao. Ver também Yin et al., 2007. Nature 446: 661-663. Relações e classificação dos invertebrados 9 Classificação por número de células, embriologia e simetria corporal Invertebrados têm sido categorizados de muitas maneiras; uma das divisões mais básicas é baseada em se os indivíduos têm uma única célula ou se são compostos por muitas célu- las. Animais verdadeiros são multicelulares, organismos ge- ralmente diploides que se desenvolvem individualmente de uma blástula; esses organismos são referidos coletivamente como os Metazoa, ou metazoários. Outros invertebrados são considerados ou unicelulares (com uma única célula) ou acelulares (sem células) – uma distinção discutida a seguir no Capítulo 3 – e não se desenvolvem de nada que lembre um embrião metazoário. Como veremos nos vários capítulos seguintes, o ponto a partir do qual uma associação de células pode ser vista compondo um organismo multi- celular nem sempre é claro de se precisar. É amplamente reconhecido que a vida multicelular evoluiu de algum or- ganismo unicelular. Então, há considerável interesse em se tentar determinar quantas vezes surgiu a multicelularidade, e de quais ancestrais. Animais podem ser também classificados de acordo com a forma geral do corpo. A maioria dos metazoários mostra um de dois tipos de simetria corporal (Fig. 2.2a, b), pelo menos superficialmente. Animais como nós são bilateralmente simétricos, possuindo lados direito e es- querdo que são imagens aproximadamente em espelho de cada um. A simetria bilateral está altamente correlaciona- da à cefalização, que é a concentração de órgãos e tecidos nervosos e sensoriais em uma extremidade do animal, re- sultando em extremidades anterior e posterior distintas. Para um animal que exibe cefalização, duas imagens em espelho podem ser produzidas somente quando uma fatia é feita paralelamente ao eixo do comprimento do animal (anterior-posterior), com o corte passando sobre a linha média. Qualquer corte perpendicular a essa linha média, mesmo passando pelo centro do animal, gera dois pedaços diferentes. Isso não ocorre com um organismo radialmen- te simétrico. Um animal assim pode ser dividido em duas metades aproximadamente iguais por qualquer secção que passe através do seu centro. Portanto, a maioria dos ani- mais pertence ou aos Radiata ou aos Bilateria. Invertebra- dos assimétricos – aqueles que não apresentam qualquer padrão ordenado na sua morfologia geral – são incomuns (Fig. 2.2c). Novamente, o que parece ser claro na superfície nun- ca é tão simples quando se lida com animais reais. Muitas espécies cujas aparências externas mostram uma típica si- metria radial têm anatomias internas assimétricas. Algumas anêmonas-do-mar, por exemplo, são bilateralmente simé- tricas, e até mesmo mostram padrões de expressão gênica durante o desenvolvimento que lembram as de outros ani- mais bilaterais.4 Talvez teria sido melhor agrupar animais com base no grau de cefalização, em vez de basear-se na simetria corporal. O precedente histórico, entretanto, será respeitado neste livro. Classificação por padrão de desenvolvimento O padrão de desenvolvimento (ontogenético) tem tido, por muito tempo, um papel central na criação de esquemas de classificação e na dedução de relações evolutivas, como será discutido em várias das próximas seções. Por muitos anos, invertebrados multicelulares têm sido divididos em dois grupos, com base no número de camadas germinati- vas distinguíveis durante a embriogênese. Camadas ger- minativas são grupos, de células que se comportam como uma unidade durante os primeiros estágios do desenvolvi- mento embrionário e dão origem a tecidos e/ou sistemas de órgãos distintos nos adultos. Em animais diploblásticos, somente duas camadas germinativas se formam durante ou após o movimento de células no interior do embrião. A camada mais externa de células é chamada de ecto- derme e a camada celular mais interna, de endoderme. Membros de somente uns poucos filos (principalmente os Cnidaria, um grupo que inclui as águas-vivas e os corais) são geralmente considerados diploblásticos (Fig. 2.10). A maioria dos metazoários é triploblástica. Durante a onto- genia dos animais triploblásticos, células da ectoderme ou, mais frequentemente, da endoderme dão origem a uma terceira camada germinativa, a mesoderme. Essa camada mesodérmica de tecido sempre está situada entre o tecido ectodérmico externo e o endodérmico interno. Derivados mesodérmicos importantes incluem os sistemas muscular e circulatório. A ausência de uma terceira camada embrionária dis- tinta não significa que o adulto de uma espécie diploblásti- ca não terá os tecidos que são derivados dessa camada em adultos de espécies triploblásticas. Adultos diploblásticos, por exemplo, possuem musculatura, apesar da ausência de um grupo morfológica ou comportamentalmente dis- tinto de células que pode ser chamado de mesoderme no embrião. 4Finnerty et al., 2004. Science 304:1335-37; Matus, D. Q. et al., 2006. Proc. Natl. Acad. Sci. 103:11195-200. sistemas sensorial e interpretativo Figura 2.2 Diferentes tipos de simetria corporal. (a) Simetria bilateral. (b) Simetria radial. (c) Plano corporal assimétrico de uma es- ponja marinha. 10 Capítulo 2 Animais triploblásticos foram posteriormente classifi- cados em três planos básicos de construção do corpo, com base na presença ou não de uma cavidade do corpo inde- pendente do trato digestório e no modo como essa cavidade se forma durante a embriogênese. Embora sua importância como pistas filogenéticas tenha diminuído consideravel- mente em anos recentes (ou no mínimo se tornado con- troversa), essas características ontogenéticas têm tido por muito tempo papéis centrais em argumentos de como me- tazoários triploblásticos se relacionam entre si. Os celomados Um grande grupo de invertebrados são – como nós, e, de fato, como todos os outros vertebrados – animais tri- ploblásticos com uma cavidade interna preenchidapor fluido, situada entre o tubo digestório e a musculatura da parede externa do corpo, e revestida com tecido de- rivado da mesoderme embrionária (Figs. 2.3a e 2.4a). Esse tipo de cavidade é chamada de celoma, e os animais que possuem essa cavidade corporal são celomados (ou eucelomados). A formação do celoma pode ocorrer por um de dois mecanismos bem distintos, uma característi- ca que tem sido por muito tempo utilizada para associar os celomados a um de dois grandes subgrupos: protosto- mados ou deuterostomados. Entre os protostomados, a formação do celoma ocorre pela expansão gradual de uma fenda na mesoderme (Fig. 2.4b). Esse processo é chamado de esquizocelia. Nos deuterostomados, por outro lado, o celoma se forma geralmente pela evaginação do arquênte- ro no interior da blastocele embrionária (Figs. 2.4c e 2.5). Como o celoma de deuterostomados se forma de uma par- te do que eventualmente se torna um tubo digestório, a formação do celoma nesse grupo de animais é chamada de enterocelia. Se o celoma se forma por esquizocelia ou enterocelia, o resultado final é similar. Em ambos os casos, o organismo é deixado com uma cavidade interna corporal preenchida com fluido, entre o tubo digestório e a musculatura da pa- rede externa do corpo, e a cavidade é revestida por um epi- télio derivado da mesoderme. As forças seletivas favorecendo a evolução dessas ca- vidades corporais internas são fáceis de se imaginar. Por exemplo, com uma cavidade corporal interna, o tubo di- gestório é de algum modo independente das atividades lo- comotoras musculares da parede do corpo. Além disso, o animal ganha espaço interno para seus órgãos digestórios, gônadas e para o desenvolvimento de embriões, e o fluido interno serve para distribuir oxigênio, nutrientes e hormô- nios ou substâncias neurossecretoras pelo corpo, facilitan- do a evolução de tamanhos corporais maiores. Talvez mais significativamente, cavidades corporais preenchidas por fluido podem levar a sistemas locomotores mais efetivos, como será discutido no Capítulo 5. Todavia, o modo de formação do celoma é somente uma das várias características que distinguem protostoma- dos de deuterostomados. De fato, os termos protostomado e deuterostomado foram, na realidade, cunhados para re- fletir diferenças na origem embrionária da boca. Entre os protostomados, a boca (e, algumas vezes, o ânus) forma-se do blastóporo (a abertura externa do embrião em desen- volvimento, dentro do arquêntero) – assim, o termo pro- tostomado significa “primeira boca”, já que a boca se forma da primeira abertura que surge durante o desenvolvimento embrionário. Nos deuterostomados, a boca nunca se forma do blastóporo: embora o blastóporo possa dar origem ao ânus, como em alguns protostomados, a boca deuterosto- mada sempre é formada de uma segunda e nova abertura, em outro local do embrião – daí o termo deuterostomado, significando “segunda boca”. Quais outras características distinguem protostoma- dos de deuterostomados? Além do modo de formação do celoma e da origem embrionária da boca, eles, em geral, diferem no número de cavidades celômicas que se for- mam quando eles se desenvolvem. Nos protostomados, o número de cavidades celômicas é altamente variável: por exemplo, um anelídeo pode ter tantas cavidades celômicas quanto seus segmentos – centenas, em algumas espécies. Entre os deuterostomados, entretanto, a cavidade celômi- ca original geralmente se subdivide para formar três pares de sacos celômicos; ou seja, o celoma deuterostomado é geralmente tripartido. Protostomados e deuterostomados (c) (a) (b) peritônio (revestimento mesodérmico do celoma) ectoderme mesoderme órgão interno endoderme tubo digestório mesentério celoma tubo digestório tubo digestório endoderme endoderme mesoderme mesoderme ectoderme ectoderme pseudoceloma Figura 2.3 Relação entre os principais componentes do corpo e as camadas germinativas que os originam no desenvolvimento embrionário. (a) Secção transversal através do corpo de um celomado. O espaço celômico é inteiramente revestido por tecido derivado da meso- derme embrionária. (b) Secção transversal através do corpo de um pseudocelomado. O tubo digestório é derivado inteiramente da endoderme e, portanto, não é revestido por mesoderme. (c) Secção transversal esquemática pelo corpo de um acelomado. O espaço entre o tubo digestório e a parede externa do corpo é completamente preenchido com tecido derivado da mesoderme embrionária. Relações e classificação dos invertebrados 11 também podem diferir com respeito à orientação dos fu- sos acromáticos das células durante a clivagem (o ponto do desenvolvimento no qual o destino das células torna-se ir- reversivelmente fixado), como a mesoderme origina-se e a posição do cordão nervoso principal. A clivagem é normalmente referida como radial ou espiral, dependendo da orientação dos fusos acromáticos mitóticos em relação ao eixo do ovo. Em geral, o vitelo é distribuído assimetricamente dentro dos ovos, e o núcleo ocorre dentro, ou move-se para, a região de menor densi- dade de vitelo. Essa região é o polo animal, e é nele que os corpos polares são liberados durante a meiose. A extremi- dade oposta do ovo é chamada de polo vegetal. No padrão radial de clivagem mostrado por deuteros- tomados, os fusos acromáticos de uma determinada célula, e, portanto, os planos de clivagem, são orientados ou para- lela ou perpendicularmente ao eixo animal-vegetal. Assim, células-filhas derivadas de uma divisão na qual o plano de clivagem é paralelo ao eixo animal-vegetal ficam sobre o mesmo plano, como na célula-mãe original (Fig. 2.6a, b). As duas células-filhas resultantes de uma divisão perpendicu- lar ao eixo animal-vegetal posicionam-se diretamente uma sobre a outra, com o centro da célula superior posicionado diretamente sobre o centro da célula subjacente (Figs. 2.6c-f). Em contrapartida, os fusos acromáticos de células que sofrem clivagem espiral no desenvolvimento protostomado bolsa celômica futuro celoma blastocele futuro tubo digestório evaginação futura mesoderme blastocele arquêntero blastocele fenda na mesoderme blastocele tubo digestório camada muscular circular camada muscular longitudinal celoma cordão nervoso vaso sanguíneo ventral órgão excretor lúmen do tubo digestório músculo circular do tubo digestório músculo longitudinal do tubo digestório peritônio epiderme vaso sanguíneo dorsal celoma endoderme mesoderme mesoderme mesoderme ectoderme ectodermeectoderme (c) (b) (a) (1) (2) (3) (4) (1) (2) (3) (4) endoderme mesoderme ectoderme celoma tubo digestório em desenvolvimento Figura 2.4 (a) Secção transversal detalhada através do corpo de um ce- lomado. Os tecidos envolvendo o espaço celômico incluem a musculatura do tubo digestório; os mesentérios, que sustentam os vários órgãos dentro do celoma; e o peritônio, que reveste a cavidade celômica. (b) Formação do celoma por esquizocelia – isto é, por uma verdadeira fenda ou divisão no tecido meso- dérmico. (c) Formação do celoma por enterocelia, na qual o arquên tero evagina-se dentro da blastocele embrionária. 12 Capítulo 2 são orientados (depois das duas primeiras clivagens) em ângulos de 45° relativos ao eixo animal-vegetal (Fig. 2.6j-k). Além disso, a linha de divisão não necessariamente passa pelo centro da célula em divisão. Como resultado, até o es- tágio de oito células, geralmente vemos um grupo de cé- lulas menores (micrômeros) situadas nos espaços entre as células maiores subjacentes (macrômeros) (Fig. 2.6k-m). A divisão celular continua desta maneira, com os planos de clivagem sempre oblíquos ao eixo polar do embrião. Embriões em clivagem de protostomados e deuterosto- mados também geralmente diferem em relação a quando eles se tornam completamente fixados a um destino em particular. Entre os deuterostomados, pode-se separar as células de um embrião com duas ou com quatro células, e cada umadelas, em geral, se desenvolverá em um animal plenamente funcional. Assim, deuterostomados exibem clivagem indeterminada (ou reguladora); cada célula re- tém – algumas vezes até o estágio de oito células – a ca- pacidade de diferenciar-se como um organismo inteiro se aquela célula perde o contato com suas células associadas. Entre a maioria dos protostomados, em contrapartida, o potencial de desenvolvimento de cada célula é irreversivel- mente determinado na primeira clivagem; separar os blas- tômeros de um embrião protostomado com duas células e, na maioria das espécies, cada célula dará origem somente a um “monstro” malformado, com vida curta. A clivagem dos protostomados, portanto, é chamada de determinada ou em mosaico. Espécies com desenvolvimento determinado nun- ca produzem gêmeos idênticos, os quais em deuterostômios surgem da separação natural de blastômeros durante as pri- meiras clivagens. Interessantemente, ambos os protostoma- dos (p. ex., muitos anelídeos) e os deuterostomados (p. ex., arquêntero blastocele blastóporo (a) (b) saco celômico (c) saco celômico arquêntero (d) Figura 2.5 (a–c) Enterocelia em uma estrela-do-mar, mostrando os sacos ce- lômicos formando-se das laterais do arquêntero e se separando. (d) Os sacos celômicos são mostrados claramente nesta micro- grafia eletrônica de varredura. Os sacos se ampliam gradualmente para formar o celoma. © B.J. Crawford, de Crawford e Chia, 1978 “Journal of Morphology” 157:99. Reim- presssa, com permissão, de Wiley-Liss, Inc., uma subsidiária de John Wiley & Sons, Inc. Relações e classificação dos invertebrados 13 corpos polares corpos polares (h) (i) (k)(j) (d) (e) (g) (a) (b) (c) (f) (n)(m)(l) Figura 2.6 (a–g) Clivagem radial, como vista no pepino-do-mar Synapta digitata. Em (g), parte do embrião foi removida para mostrar a blastocele. (h-n) Clivagem espiral. As duas primeiras clivagens (h) são idênticas àquelas vistas em embriões sofrendo clivagem radial, formando quatro grandes blastômeros (j). O plano de clivagem durante a próxima cli- vagem, entretanto, é oblíquo ao eixo animal-vegetal do embrião e não passa pelo centro de uma determinada célula (k). Isso produz um anel de células menores (micrômeros) entre as células maiores sub- jacentes (macrômeros), como mostrado em (l). O sistema de letras ilustrado foi criado pelo embriologista E. B. Wilson, no final dos anos 1800, para tornar possível uma discussão das origens e destinos de células em particular. O número precedendo uma letra indica a cli- vagem na qual um dado micrômero foi formado. Letras maiúsculas referem-se a macrômeros, e as minúsculas, a micrômeros. Com cada clivagem subsequente, os macrômeros dividem-se para formar um macrômero-filho e um micrômero-filho, ao passo que os micrô- meros dividem-se para formar dois micrômeros-filhos. O embrião de 32 células do gastrópode marinho Crepidula fornicata é mostrado em (n). Observe a célula 4d, da qual a maior parte do tecido meso- dérmico dos protostômios será finalmente derivada. 14 Capítulo 2 muitos equinodermos) podem frequentemente regenerar partes do corpo quando adultos, seja seu desenvolvimento determinado ou indeterminado. Uma outra diferença entre os dois grupos de celomados refere-se à origem da mesoderme. Entre protostomados, muito do tecido mesodérmico é derivado de uma única cé- lula do embrião de 64 células, localizada na extremidade do blastóporo. Isso não ocorre nos deuterostomados, os quais produzem mesoderme a partir das paredes do arquêntero. Por fim, protostomados são únicos e distintos por possuí- rem um cordão nervoso ventral pareado. Durante sua primeira ou segunda clivagem, os embriões de alguns protostomados formam lobos polares (não confunda com corpos polares, que surgem durante a meiose). Um lobo polar é uma conspícua projeção de citoplasma que se forma antes da divisão celular e que não contém material nuclear; depois que a divisão celular se completa, a projeção é reabsor- vida dentro de uma única célula-filha, a qual ainda está pre- sa (Fig. 2.7). Embora o significado funcional desse fenômeno para o embrião não esteja ainda plenamente compreendido,5 a formação do lobo polar tem fornecido aos embriologistas um sistema intrigante por meio do qual é estudado o papel de fatores citoplasmáticos na determinação do destino da célula. No experimento básico, o lobo polar completamente formado é retirado de um embrião, e o desenvolvimento do embrião sem o lobo é subsequentemente monitorado. A formação do lobo polar é característica de somente algumas espécies pro- tostomadas (alguns anelídeos e alguns moluscos), mas nunca é encontrada em deuterostomados. Por fim, as bandas ciliares envolvidas na alimentação e locomoção de larvas deuterostomadas (e adultos) são, em geral, monociliadas (Fig. 2.8a), ao passo que aquelas 5Henry, J. Q., K. J. Perry e M. Q. Martindale. 2006. Devel. Biol. 297:295-307. célula monociliada uma célula multiciliada (a) (b) sistema de coleta contracorrente (deuterostomados) sistema de coleta contracorrente (protostomados) (c) Figura 2.8 (a) Uma célula monociliada, característica de larvas ciliadas deute- rostomadas. (b) Uma célula multiciliada com um cílio composto, típica de larvas protostomadas. (c) Os sistemas de coleta de par- tículas contracorrente e a favor da corrente caracterizando as larvas ciliadas de todos os deuterostomados e de pelo menos a maioria dos protostomados, respectivamente. No sistema de coleta contracorrente, cílios individuais revertem temporaria- mente a direção do seu batimento – provavelmente em resposta ao contato mecânico com partículas de alimento – e, então, as partículas são dirigidas para a superfície acima da banda ciliar. De C. Nielsen, 1987. Acta Zoologica (Stockholm), 68:205-62. Reimpressa com permissão. Figura 2.7 (a) Formação do lobo polar durante o desenvolvimento de um protostomado. Após a reabsorção do lobo polar, os dois blastômeros são claramente desiguais em tamanho, uma vez que o citoplasma contido dentro do lobo polar não participa di- retamente no processo de clivagem. (b) Micrografia eletrônica de varredura do em- brião com duas células do gastrópode marinho Nassarius reticulatus. O lobo polar (na parte inferior) é quase do mesmo tamanho do blastômero dentro do qual ele é reabsorvido. A linha de clivagem recém-formada é visível entre os blastômeros AB e CD. O lobo polar é claramente relacionado a somente uma das células-filhas (o blastômero CD). Um corpo polar (um produto da divisão meiótica anterior à clivagem) pode ser visto no polo animal do embrião. (b) © M.R. Dohmen corpos polares viteloovo fertilizado lobo polar (a) embrião com suas células AB CD AB CD AB CD (b) encontradas entre as larvas protostomadas são geralmente compostas por células multiciliadas (Fig. 2.8b). Detalhes da captura de partículas também diferem entre larvas protos- tomadas e deuterostomadas (Fig. 2.8c). Relações e classificação dos invertebrados 15 Coanoflagelados e outros “protozoários” (p. 36) Porifera (p. 77) Placozoa (p. 90) Bilateria Cnidaria (p. 99) Ctenophora? (p. 135) Unicelulares Camadas de tecido pobremente definidas Diploblásticos (os “Radiata”) Gnathifera Trochozoa Lophophorates Ambulacraria Platyzoa Spiralia Panarthropoda Cycloneuralia Protostomados Ecdysozoa Nematoda (Ps) (p. 431) Nematomorpha (Ps) (p. 452) Priapulida (C+Ps) (p. 454) Loricifera (A+Ps) (p. 456) Kinorhyncha (Ps) (p. 454) Arthropoda (C) (p. 341) Tardigrada (C) (p. 422) Onychophora (C) (p. 424) Lophotrochozoa (= Spiralia) Platyhelminthes (A) (p. 147) Rotifera (Ps) (p. 183) Acanthocephala (Ps) (p. 196) Gnathostomulida (A) (p. 198) Micrognathozoa (A) (p. 198) Gastrotricha (C) (p. 459) Mesozoa (p. 179) Nemertea (A) (p. 205) Annelida (C) (p. 295) Mollusca (C) (p. 215) Cycliophora (C) (p. 467) Brachiopoda (C) (p. 476) Phoronida (C) (p. 474) Bryozoa (C) (p. 480) Entoprocta? (C) (p. 491) Chaetognatha? (C) (p. 461) DeuterostomadosHemichordata (C) (p. 529) Xenoturbellida (p. 537) Chordata Echinodermata (C) (p. 497) Vertebrata (C) (p. 553) Urochordata (p. 540) Cephalochordata (p. 548) Triploblásticos Multicelulares Figura 2.9 Um esquema moderno de classificação de grupos de animais tri- ploblásticos de acordo com os fatores discutidos neste capítulo. Os dois principais grupos, protostomados e deuterostomados, são realçados em azul, assim como as indicações dos tipos de cavidade corporal: A = acelomado, Ps = pseudocelomado, C = celomado. Um “+” indica que diferentes membros de um grupo pertencem a categorias diferentes (p. ex., “C+Ps” significa que o grupo inclui ambos os celomados e pseudocelomados). Nenhum tipo de cavidade corporal atribuída indica incerteza para aquele grupo. Alguns agrupamentos (p. ex., Ecdyzoa) são ainda contro- versos, e não há ainda um consenso sobre a composição nos prin- cipais grupos protostomados, Cycloneuralia e Lophotrochozoa. Em alguns esquemas, os filos lofoforados são incluídos nos Trochozoa. Baseada em diferentes fontes recentes, especialmente Edgecombe et al., 2011. Org. Divers. Evol. 11:151-172. 16 Capítulo 2 As características desenvolvimentais distinguindo pro- tostomados ideais de deuterostomados ideais estão resumi- das na Tabela 2.1. Os pseudocelomados e acelomados Um segundo grupo de animais também tem uma cavidade corporal interna entre a musculatura da parede externa do corpo e a endoderme do tubo digestório (Fig. 2.3b), con- tudo, essa cavidade não é formada por esquizocelia nem por enterocelia, e não é revestida com derivados mesodér- micos; em vez disso, é derivada da blastocele, um espaço interno que se desenvolve no embrião antes da gastrula- ção [(Fig. 2.4c(1) e c(2))]. Essa cavidade corporal é cha- mada de pseudocele, e o organismo que a contém é dito ser um pseudocelomado. Observe que esse termo é um pouco enganador. O pseudo não pretende depreciar o cele; a cavidade corporal é genuína, conferindo aos pseudoce- lomados todas as vantagens mencionadas anteriormente, quando se discutiu os celomados. O prefixo pseudo sim- plesmente chama a atenção para o fato de que essa cavi- dade do corpo não é um celoma verdadeiro – isto é, ela é formada por um mecanismo completamente diferente e não é revestida completamente com tecido derivado da mesoderme embrionária. Ainda em um terceiro grupo de animais triploblásticos, não há cavidade corporal interna, e os animais são ditos acelomados. Caracteristicamente, a região situada entre a parede externa do corpo e o tubo digestório em aceloma- dos é sólida, sendo ocupada por mesoderme (Fig. 2.3c), e nenhuma cavidade interna corporal se forma durante o de- senvolvimento embrionário. Para resumir, animais triploblásticos podem ser acelo- mados, pseudocelomados ou celomados, dependendo de se eles possuem uma cavidade corporal interna preenchida por fluido e se essa cavidade corporal é revestida por tecido derivado mesodermicamente. Esses são os três tipos dis- tintivos de organização. Infelizmente, biólogos geralmente acham bem mais simples construir sistemas lógicos de clas- sificação do que distribuir os animais precisamente dentro deles. Em particular, tem-se tornado cada vez mais óbvio que cavidades celômicas podem ser perdidas, bem como adquiridas na evolução, que é improvável que acelomados tenham evoluído de um único ancestral comum e que o plano corporal acelomado pode até mesmo não ser primiti- vo (i.e., mais próximo da condição triploblástica ancestral). Alguns pesquisadores têm sugerido que os animais triplo- blásticos mais antigos eram, na realidade, celomados, e que a condição acelomada, portanto, pode refletir um número de perdas independentes de uma cavidade corporal. Além disso, como a confiança no significado filogené- tico das cavidades celômicas tem diminuído, a definição de protostomado tem sido expandida, a fim de incluir animais acelomados e pseudocelomados (p. ex., vermes chatos e nematódeos, respectivamente). Poucas espécies protosto- madas exibem todas as características protostomadas lista- das. Nem todos os protostomados exibem clivagem espiral determinada, por exemplo. De forma similar, embora o blastóporo geralmente se torne a boca durante o desen- volvimento protostomado, como descrito anteriormente, em algumas espécies protostomadas, como em deuterosto- madas, ele se torna, em vez disso, o ânus.6 Além disso, al- gumas espécies deuterostomadas (p. ex., as ascídias) mos- tram um padrão de clivagem completamente determinado, geralmente associado aos protostomados, ao passo que ao menos uma espécie protostomada (um tardígrado)7 exibe o padrão de clivagem indeterminado, em geral associado aos deuterostomados. Por fim, algumas espécies (p. ex., quetognatas, p. 465) exibem uma intrigante combinação de características pro- tostomadas e deuterostomadas. Já que todos os grupos animais tiveram formas ancestrais em comum em algum momento durante sua evolução, porque a evolução é um processo contínuo, e já que embriões, bem como adultos, estão sujeitos às forças modificadoras da seleção natural, algumas espécies provavelmente têm características de- senvolvimentais que saem do padrão. De qualquer modo, é provável que as espécies que exibem características in- teira ou principalmente protostomadas sejam mais pro- ximamente relacionadas entre si do que àquelas espécies que exibem características puramente deuterostomadas. Evidências moleculares até o momento dão forte suporte a essa afirmação. O desenvolvimento deuterostomado, com o blastóporo tornando-se o ânus, pode ser a condição ances- tral para todos os animais bilateralmente simétricos, com 6Martin-Durán, J. M. et al., 2012. Current Biol. 22:1-6. 7Hejnol, A. e R. Schnabel. 2005. Development 132:1349-61. Tabela 2.1 Sumário das características desenvolvimentais de celomados protostomados e deuterostomados idealizados Característica desenvolvimental Protostomados Deuterostomados Origem da boca Do blastóporo Nunca do blastóporo Formação do celoma Esquizocelia Enterocelia Arranjo das cavidades celômicas Variável em número Geralmente em três pares Origem da mesoderme Célula 4d (Fig. 2.6n) Outra Padrão de clivagem Espiral, determinado Radial, indeterminado Formação do lobo polar Presente em algumas espécies Ausente em todas as espécies Bandas ciliares larvais Cílios compostos por células multiciliadas Captura de partículas a jusante Cílios simples, um cílio por célula Captura de partículas a montante Relações e classificação dos invertebrados 17 uma dupla de genes especificando o blastóporo e a boca originando-se secundária e independentemente em um nú- mero de linhagens protostomadas.8 8Martin-Durán, J. M. et al., 2012. Current Biol. 22:1-6. A Figura 2.9 mostra uma ideia amplamente supor- tada sobre onde cada filo animal se encaixa dentro do quadro discutido nesta seção. O número seguindo cada lista fornece a página na qual cada grupo é primeiramente discutido. to do s os o ut ro s (2 3 fil os ) nú m er o de e sp éc ie s de sc ri ta s (× 1 03 ) 1,8 1,4 1,0 0 0,2 0,6 0,2 nú m er o de e sp éc ie s (× 1 03 ) 1.000 Figura 2.10 Representação gráfica da distribuição de espécies descritas entre os 33 principais grupos de invertebrados. Neste texto, protozo- ários estão divididos entre mais de uma dúzia de filos. Filos me- tazoários contendo menos do que 2 mil espécies descritas estão apresentados no conjunto interno. Observe a escala diferente no eixo Y do conjunto interno. A área aberta (não sombreada) da barra nomeada “Chordata” representa espécies vertebradas. Todas as outras espécies em todos os outros filos são invertebradas. 18 Capítulo 2 Classificação por relação evolutiva Provavelmente o esquema mais familiar de classificação é a estrutura taxonômica estabelecida há aproximadamente 250 anos (1758) por Carolus Linnaeus. O sistema é hierár- quico, isto é, uma categoria contém menos grupos inclu- sivos, os quais, porsua vez, contêm ainda menos grupos inclusivos, e assim por diante: Reino Filo Classe Ordem Família Gênero espécie Muitos subgrupos podem ser incluídos nesta estrutura básica. Podem-se encontrar em artrópodes, por exemplo, subclasses dentro de classes, subordens dentro de ordens, infraordens dentro de subordens, e mesmo seções dentro de infraordens, e famílias agrupadas dentro de superfamí- lias. Qualquer grupo nomeado de organismos (p. ex., ouri- ços-do-mar, lesmas) que seja suficientemente distinto para se associado a essas categorias é chamado de táxon. Os membros de um determinado táxon mostram um alto grau de similaridade – morfológica, ontogenética, bioquímica, genética e, algumas vezes, comportamental – e são presumivelmente mais relacionados entre si do que a qualquer outro táxon no mesmo nível taxonômico. Supõe-se que os membros de uma ordem particular de caramujos, por exemplo, sejam evoluídos de um único ancestral que não é um ancestral de caramujos em outras ordens. Similarmente, presume-se que todos os membros de qualquer filo em particular sejam evoluídos de uma única forma ancestral. Esses grupos, em cada nível taxo- nômico, são ditos monofiléticos. Atualmente, a maioria dos pesquisadores modernos concorda que todos os gru- pos monofiléticos devem também incluir todos os des- cendentes do ancestral que os originou. Um grupo que não tem essa característica é chamado de parafilético. Por essa definição, os invertebrados formam um grupo parafilético, uma vez que seus descendentes vertebrados estão excluídos. O filo é, em geral, o nível taxonômico mais alto que será discutido neste texto. Animais invertebrados estão presen- temente distribuídos entre pelo menos 23 filos (32 filos nes- te livro), cada um representando um plano corporal único, e invertebrados unicelulares (protistas) estão distribuídos em ainda mais filos. A distribuição das espécies descritas nos vários filos animais está resumida na Figura 2.10. Ob- serve que a porcentagem de espécies contidas dentro de nosso próprio filo – o filo Chordata – é bem pequena (não mais do que 5% de todas as espécies descritas), e que esse filo contém ambos invertebrados e vertebrados. Notavelmente, baseado na evidência fóssil, nenhum novo plano corporal em nível de filo surgiu nos últimos 600 milhões de anos, apesar da grande radiação que seguiu cada uma das cinco maiores e cerca das 10 menores extinções que tiveram lugar durante esse tempo. No mais devastador evento de extinção até hoje, há 251 milhões de anos, entre o Permiano e o Triássico, quase 95% de toda a diversidade animal em nível de espécie foi perdida. Nos 250 milhões de anos subsequentes, muitas espécies evoluíram, geralmente representando novas ordens e classes, mas nenhum novo plano corporal em nível de filo parece ter surgido. É pos- sível, é claro, que alguns grupos sem registro fóssil tenham origem mais recente. A categoria de espécie tem um significado biológico particular, embora uma definição funcional única e precisa não tenha sido encontrada. Teoricamente, os membros de uma espécie são reprodutivamente isolados de membros de todas as outras espécies. A espécie, portanto, forma um pool (conjunto) de material genético que somente membros da- quela espécie têm acesso e que é isolado do pool genético de todas as outras espécies. O nome científico de uma espécie é binomial (tem duas partes): o nome genérico e o nome (chamado de epíteto) específico. Os nomes genérico e específico (i.e., o nome da espécie) são geralmente impressos em itálico e, na escrita manual, sublinhados. O nome genérico inicia com uma letra maiúscula, mas não o epíteto específico. Por exemplo, o nome científico correto dos caramujos co- muns marinhos de águas rasas, encontrados na costa de Cape Cod, Massachusetts, é Crepidula fornicata. Espécies relacionadas são Crepidula plana e Crepidula convexa. Após um nome genérico ser escrito pela primeira vez no corpo de um texto, ele pode ser abreviado quando utili- zado subsequentemente, a menos que resulte em confu- são (p. ex., se um autor está se referindo aos dois gêneros Crepidula e Conus, nenhum nome genérico pode ser abre- viado com “C”). Então, Crepidula fornicata, C. plana e C. convexa são gastrópodes marinhos de águas rasas comuns encontrados perto de Woods Hole, Massachusetts. Todos eles pertencem ao filo Mollusca e estão contidos dentro da classe Gastropoda, família Calyptraeidae. A família Calyptraeidae contém outros gêneros além de Crepidula; a classe Gastropoda contém outras famílias além de Calyptraeidae; e o filo Mollusca contém outras classes além de Gastropoda. O sistema de classificação taxonômi- ca é, de fato, hierárquico. O nome da pessoa que primeiro descreveu o organis- mo geralmente segue o nome da espécie. Ele é grafado em maiúscula, mas não em itálico. Uma craca (Cirripedia, Crustacea –“barnacle”) comum ao longo da costa do su- deste dos Estados Unidos, por exemplo, Balanus amphi- trite Darwin, foi primeiro descrita por Charles Darwin. O nome de Linnaeus é geralmente abreviado como L., já que ele está associado às descrições de muitas espécies. Se o organismo foi originalmente descrito em um gênero diferente do atual, o nome do descritor é colocado en- tre parênteses; assim, o caramujo Ilyanassa obsoleta (Say) foi descrito por um homem chamado Say, o qual origi- nalmente associou essa espécie a um outro gênero (o gê- nero Nassa). Esse caramujo foi mais tarde considerado suficientemente diferente dos outros membros do gênero Nassa para ser incluído em um gênero diferente. Ocasio- nalmente, o nome de uma pessoa é seguido por uma data, identificando o ano no qual a espécie foi primeiramente descrita. Por exemplo, o animal em forma de camarão, conhecido como “Euphausia superba, Dana 1858”, foi Relações e classificação dos invertebrados 19 primeiro descrito por Dana, em 1858, e tem-se mantido no gênero Euphausia desde que ele foi originalmente no- meado. O sistema recém-descrito tem estado conosco por tanto tempo que parece óbvio… e permanente. Em 1998, entretanto, um grupo de biólogos influentes se reuniu com a intenção de substituí-lo. A substituição propos- ta é chamada de PhyloCode. Diferentemente do sistema lineano, o PhyloCode – embora permaneça hierárquico – tem menos categorias: não há classes, ordens ou famí- lias. Se amplamente adotado, ele promete revolucionar a sistemática. As duas citações seguintes dão uma pista de onde as coi- sas estão atualmente. “Nós defendemos que os nomes taxonômicos sob o sistema lineano não são claros no seu significado e promovem associações instáveis sob o nome do grupo… Além disso, as atribuições às categorias não apresentam justificativa e induzem a comparações não confiáveis entre táxons.” F. Pleijel e G. W. Rouse. 2003. J. Zool. Syst. Evol. Res. 41:162. “Em poucas palavras, meu ponto de vista é que a nomenclatura filogenética e o abandono de categorias são desnecessários, e que o Phylocode é um esquema regulador discutível procurando um problema que não existe.” M. H. Benton, 2007. Acta Palaeontol. Pol. 52:651. Inferindo relações evolutivas . . . milhares de hipóteses filogenéticas têm sido publica- das somente na última década, e mesmo o mais dedica- do pesquisador sistemático pode, de tempos em tempos, falhar em enxergar o consenso nesta densa floresta de árvores filogenéticas. G. D. Edgecombe et al. 2011. Org. Divers. Evol. 11:151-172. Um esquema de classificação taxonômica ideal reflete graus de parentesco filogenético. Idealmente, cada agru- pamento é monofilético; isto é, todos os membros de um determinado grupo taxonômico deveriam ter descendido de uma única espécie ancestral e, portanto, ser mais pro- ximamente relacionados entre si do que com membros de qualquer outro grupo. Se todos os metazoários atuais evoluíram de uma única forma ancestral há muitos milhões de anos, então todos os animais são relacionados entre si: não importa quão dis-tantes, deve haver alguma conexão genealógica entre pro- tozoários, vermes chatos, caracóis, lulas, anelídeos, insetos, lagostas, ouriços-do-mar, vacas e baleias. Trace sua própria linha ancestral suficientemente longe para trás, e você irá certamente encontrar um invertebrado em sua árvore ge- nealógica. Tentar desvendar as conexões evolutivas entre os prin- cipais grupos animais é um dos maiores quebra-cabeças da vida e um grande desafio intelectual. Em particular, há muitas dificuldades em se decidir qual a melhor forma de se arranjar e separar as peças, e mesmo quais peças usar na análise – e em avaliar a acurácia do quadro que resulta quando esse trabalho é feito. Essas e outras dificuldades são discutidas nas páginas seguintes. Discussões muito mais de- talhadas são encontradas nas referências listadas ao final de cada capítulo. Descobrir relações evolutivas entre os principais grupos animais não é tarefa fácil.9 Até bem recentemente, relações evolutivas eram deduzidas inteiramente por meio de estu- dos anatômicos, ultraestruturais e bioquímicos detalhados, de adultos e estágios do desenvolvimento, e por meio de exame cuidadoso de animais preservados no registro fóssil, com fenótipos, em todos os casos, servindo como reflexos dos genótipos por trás deles. A dificuldade em interpretar esses dados está na importância relativa das similaridades feno- típicas entre os táxons, e em que medida se está disposto a admitir (e lidar com o fato) que o fenótipo pode ser um fator muito enganoso de similaridades e diferenças genéticas. Por meio do processo de convergência, animais distantemente relacionados podem vir a se parecer muito nitidamente entre si. Caracteres que se parecem por convergência são referidos como análogos, ao contrário de homólogos. Por exemplo, o olho de um polvo (um molusco cefalópode) é notavelmente parecido com o de seres humanos, mas esses órgãos visuais são considerados análogos, em vez de homólogos, e não indi- cam qualquer relação evolutiva entre vertebrados e moluscos. Quais caracteres indicam proximidade evolutiva e quais não? Como podemos saber se nossa decisão é correta? Além disso, no processo evolutivo, estruturas algumas vezes se tornam menos, em vez de mais, complexas, e po- dem realmente ser completamente perdidas. Supondo, por exemplo, que você descubra uma nova espécie de inseto sem asas. Como você pode dizer se essa espécie evoluiu antes do surgimento das asas dos insetos ou que ela, em vez disso, descende de um ancestral alado e que perdeu as asas ao longo da sua evolução? Caracteres podem ser perdidos ou ganhos. É frequentemente difícil determinar qual de dois estados de caráter é a condição original (primitiva, ou plesiomórfica) e qual é a condição avançada (derivada, ou apomórfica). Durante mais ou menos os últimos 20 anos, estudos moleculares têm nos permitido examinar diretamente a diversidade genotípica. Análises moleculares comparativas da estrutura de proteínas, sequências de DNA de genes em particular (incluindo genes Hox), sequências de RNA ri- bossomal (rRNA), tags de sequência expressa (ESTs) (frag- mentos de DNA complementares ao mRNA expresso), microRNAs (pequenos RNAs não codificadores); e mesmo genomas inteiros de espécies amostradas de vários grupos têm alterado nossa visão das relações animais, e os proces- sos evolutivos, substancialmente.10 Essa pesquisa somente tornou-se possível com o desenvolvimento da reação em cadeia da polimerase (PCR), na metade da década de 80, permitindo aos biólogos gerar muitas cópias de sequências específicas de DNA de maneira muito rápida e barata; 1 9Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 1 e 2, no final deste ca pítulo. 10Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 5, no final deste ca- pítulo. 20 Capítulo 2 bilhão de cópias de uma única molécula de DNA podem ser obtidas em poucas horas, produzindo material suficien- te para análise. Estudos moleculares têm produzido alguns resultados notáveis e surpreendentes, que diferem consideravelmente daqueles antigos estudos de organismos. Esses resultados são frequentemente controversos; em alguns casos, há con- siderável divergência entre pesquisadores sobre os proce- dimentos usados para preparar e analisar os dados, e sobre como os resultados dos estudos moleculares deveriam ser interpretados, como será discutido mais adiante neste ca- pítulo. Contudo, mesmo antes de os biólogos moleculares entrarem na briga, relações filogenéticas propostas eram controversas; uma variedade de árvores filogenéticas tem sido proposta ao longo dos anos. Alguns desses “dendro- gramas” estão ilustrados na Figura 2.11. Nenhum dos es- quemas propostos representa uma especulação vazia; todos refletem um trabalho árduo e detalhado, e uma argumenta- ção cuidadosa. As relações hipotéticas entre nematódeos, vermes chatos (Platyhelminthes), anelídeos, artrópodes e molus- cos diferem consideravelmente entre os diferentes pon- tos de vista (Fig. 2.11). Quanto mais de perto se exami- na os diferentes esquemas, mais fascinantes se tornam as comparações; vale a pena retornar à Figura 2.11 de tem- pos em tempos à medida que você lê o restante do livro. A Figura 2.11c representa uma visão atual particularmente bem difundida, com todos os animais triploblásticos ace- lomados e pseudocelomados abrigados (folded) dentro de Protostomia, e os protostomados divididos em dois cla- dos principais: os Ecdysozoa (animais que sofrem muda) e os Lophotrochozoa (também chamados de Spiralia; ver também Fig. 2.19). Estudos do altamente conservado gene Hox, gene miosina e sequências do gene da subunidade maior do rRNA (chamadas de sequências-assinatura) têm adicionado forte suporte para esses clados, embora o tema seja ainda debatido na literatura.11 Pelo menos algumas das diferenças entre os vários es- quemas podem ser atribuídas a dados insuficientes. À me- dida que informação adicional sobre os vários grupos vai sendo obtida, a evidência em favor de uma hipótese sobre outra pode se tornar mais forte, ou outras modificações po- dem ser propostas. É importante ter em mente que a atribuição de um de- terminado animal ou grupo de animais a uma posição par- ticular dentro da hierarquia taxonômica não é um evento irrevogável; trata-se de um trabalho em andamento. Estu- dos do desenvolvimento inicial de um animal, por exemplo, podem revelar nova informação sobre a natureza da cavi- dade corporal interna do organismo, informação esta que pode colocar esse organismo em um grupo inteiramente diferente daquele ao que era anteriormente incluído. Con- trovérsias também podem diminuir – ou aumentar – quan- do dados do registro fóssil são adicionados aos dados das espécies atuais. Ou um estudo detalhado pode demonstrar a inutilidade de certos caracteres para a questão. Se, por exemplo, algum padrão de clivagem embrionário surgiu so- mente uma vez na história evolutiva, então aqueles animais 11Roy, S. W. e M. Irimia. 2008. Molec. Biol. Evol. 25: 620-623. que se desenvolvem daquela maneira devem ser proxima- mente relacionados. Todavia, se é encontrada evidência de que esse padrão evoluiu independentemente em vários grupos animais, então o caráter traz pouca, se alguma, in- formação filogenética. Classificações também podem mudar quando biólo- gos descobrem organismos com características não com- partilhadas com qualquer grupo existente. Por exemplo, duas classes de artrópodes (Remipedia e Tantulocarida, p. 418) e três pequenos, mas marcadamente distintos, filos de animais marinhos recentemente descobertos, chamados de loricíferos (Loricifera, p. 456), micrognatozoários (Mi- crognathozoa, p. 198) e ciclióforos (Cycliophora, p. 467) fo- ram estabelecidas nos últimos 25 anos, aproximadamente. Ciclióforos foram descritos em 1995, e micrognatozoários, em 2000 (p. 198). Algumas vezes, as classificações mudam quando biólo- gos reexaminam material previamente estudado, ou adqui- rem material novo. Umpequeno, porém fascinante, grupo de vermes sem tubo digestório, por exemplo, os sibogli- nídeos (p. 305), foram originalmente caracterizados como deuterostomados inquestionáveis, com base na morfologia do adulto. Anos mais tarde, espécimes com uma pequena parte do corpo a mais foram obtidos – a parte posterior do espécime anterior havia se desprendido do animal sem que fosse percebido –, e os animais foram rapidamente re- classificados como um filo de protostomados. De fato, em grande parte com base nos caracteres da pequena porção terminal, pogonóforos foram recentemente incorporados ao filo Annelida, um grupo que contém minhocas e san- guessugas. Essa incorporação tem sido agora suportada por dados moleculares. Além disso, é claro, temos o impacto crescente de es- tudos moleculares – que agora incluem análises de ge- nomas inteiros – que estão alterando significativamente nossa compreensão de muitas relações nos invertebrados. Enquanto dados moleculares frequentemente apoiam con- clusões prévias baseadas em morfologia e padrão ontogené- tico, como a monofilia dos animais atuais, eles frequente- mente sugerem relações bem diferentes daquelas baseadas em outros critérios e têm, de fato, alterado a definição do que significa ser um “protostomado”. Onde dados molecu- lares produzem filogenias muito diferentes daquelas basea- das em morfologia, decisões terão de ser tomadas a respeito de qual evidência é provavelmente a mais correta. Por um lado, os resultados de análises moleculares são, algumas ve- zes, consideravelmente alterados ao se escolher um grupo externo diferente, ou mesmo somente por se incluir mais espécies (ou remover algumas) de um determinado grupo. Além disso, deve-se ressaltar que estudos moleculares, por mais poderosas que sejam essas ferramentas, nunca resol- verão todas as questões filogenéticas, não importa quão sofisticados se tornem. Em contrapartida, quando espécies se diversificam muito rapidamente, estudos moleculares nunca serão capazes de nos dizer a sequência precisa que ocorreu quando uma forma deu origem a outra, ou quais pressões de seleção resultaram dessas mudanças morfoló- gicas; estudos moleculares nunca irão nos dizer com o que animais ancestrais fossilizados se pareciam. Talvez evidên- cias paleontológicas, ecológicas e morfológicas possam ser Relações e classificação dos invertebrados 21 Figura 2.11 (a) Três hipóteses que têm sido propostas para ilustrar as prováveis relações filogenéticas entre animais. (a) De acordo com Hyman, 1940. (b) Baseada em uma combi- nação de sequência de dados de rDNA 18S e 276 ca- racteres morfológicos. Nessa proposta, protostomados estão divididos em dois grupos principais: todos os membros de um grupo (Ecdysozoa) trocam uma cutícula externa, ao passo que membros de um segundo grupo (os Lophotrochozoa) não o fazem. Em alguns esquemas, Platyzoa é um subgrupo de Lophotrochozoa. (c) Resumo do pensamento atual sobre as relações filogenéticas animais. As relações entre os organismos dentro de col- chetes são especialmente incertas atualmente. Grupos deuterostomados são mostrados em azul-escuro; grupos protostomados, em azul-claro. Baseada em Edgecombe, G. C., G. Giribet, C. W. Dunn, A. Hejnol, R. M. Kristensen, R. C. Neves, G. W. Rouse, K. Worsaae e M. V. Sörensen. 2011. Org. Divers. Evol. 11:151-172. (b) Baseada em Giribet, G., D. L. Distel, M. Polz, W. Sterrer e W. C. Wheeler. 2000. Syst. Biol. 49:539-62. (c) Baseada em ESTs, consistindo em DNA que é complementar ao mRNA, e longas sequências genômicas de 82 espécies de muitos grupos diferentes. Manchas pretas grandes indicam ramos que têm forte suporte estatístico. (e) Baseada em Pick, K.S. et al., 2010. Molec. Biol. Evol. 27:1983-1987. Echinodermata Enteropneusta Cephalochordata Urochordata Vertebrata Chaetognatha Nemertodermatida Bryozoa Arthropoda Tardigrada Onychophora Priapulida Kinorhyncha Nematoda Nematomorpha Phoronida Inarticulata Articulata Entoprocta Nemertea Sipuncula Mollusca Pogonophora Echiura Polychaeta Clitellata Gnathostomulida Cycliophora Monogononta Acanthocephala Bdelloida Gastrotricha Catenulida Acoela Neoophora Macrostomida Polycladida D euterostom ia A nnelida Synderm ata Ecdysozoa Lophotrochozoa = (Trochozoa) Protostom ia PlatyzoaPlatyhelm inthes C ycloneuralia (b) Brachiopoda Deuterostomados Protostomados Nemertea nematódeos, rotíferos outros asquelmintos outros esqui- zocelomados larva dipleurula bilateral larva trocófora acelomados primitivos larva plânula outros protistas protozoários flagelados Choanozoa (protista) Cnidaria Ctenophora Calcarea Esponjas Chordata Ambulacraria Ecdysozoa Protostom ados D euterostom ados Polyzoa Trochozoa Spiralia Silicea Homoscleromorpha Placozoa Xenotvrbella Nemertodermatida (vermes chatos) Acuela (vermes chatos) Cephalochordata Urochordata Craniata (inclui vertebrados) Hemichordata Echinodermata Chaetognatha Nematoda Nematomorpha Tardigrada Arthropoda Onychophora Priapulida Loricifera Kinorhyncha Bryozoa Entoprocta Cycliophora Annelida Mullusca Nemertea Phoronida Brachiopoda Gastrotricha Platyhelminthes (flat worms) Rotifera Micrognathozoa Gnathostomulida (c) 22 Capítulo 2 utilizadas em conjunto para deduzir relações filogenéticas, mas ainda precisaremos decidir quanto peso dar a cada li- nha de evidência quando as diferentes abordagens impli- cam em diferentes cenários evolutivos. Relações filogenéticas têm sido discutidas por mais de 150 anos. Essas discussões irão provavelmente continuar ainda por longo tempo. Por que determinar árvores filogenéticas? Um objetivo das hipóteses de classificação é simplesmente facilitar as discussões sobre diferentes grupos de animais e arranjá-los idealmente dentro de um contexto evolutivo correto. Contudo, saber com certeza o padrão preciso da mudança evolutiva que deu origem à presente diversidade de forma animal nos daria muito mais que um sistema de classificação conveniente e estável. Encontrando uma espé- cie de coral, por exemplo, que produz um certo composto defensivo de grande potencial biomédico, provavelmen- te podemos saber quais outras espécies seriam capazes de sintetizar compostos relacionados. Também seríamos ca- pazes de compreender a sequência de mudanças genéticas envolvidas na evolução do plano corporal, assim como de afirmar quantas vezes certas características teriam evoluí- do independentemente dentro de um grupo de animais em particular. Por exemplo, a Figura 2.12 mostra uma hipótese re- cente sobre as relações evolutivas entre 37 espécies de bichos-pau (insetos da ordem Phasmida), um grupo no qual indivíduos mimetizam – tanto morfológica quanto comportamentalmente – uma variedade de gravetos e fo- lhas. Aproximadamente 40% de todas as espécies de bi- chos-pau conhecidas (cerca de 1.200 espécies) são aladas, ao passo que os outros 60% (aproximadamente 1.800 es- pécies) têm ou asas reduzidas ou nenhuma asa. Na figura, espécies com asas reduzidas ou plenamente desenvolvidas estão indicadas em azul. Uma filogenia convincente para esses animais pode nos dizer muito sobre a evolução das asas dentro do gru- po. Se o cenário mostrado na Figura 2.12 está correto, então os primeiros bichos-pau eram ápteros (sem asas), e se diversificaram em muitas espécies diferentes nessa condição. Observa-se também que asas devem ter surgido mais tarde, pelo menos quatro vezes independentemen- te (indicado pelas quatro estrelas), de pelo menos quatro diferentes ancestrais ápteros. Asas foram, então, perdidas no mínimo duas vezes na evolução subsequente (indicado pelos dois triângulos perto do centro da figura). O aspecto mais marcante do cenário apresentado é que as asas dos bichos-pau, nos diferentes grupos, parecem completa- mente homólogas entre si e com as asas de outras espécies de insetos, significando que as instruções genéticas para o desenvolvimento das asas foram mantidas sem se expres- sar, mas inalteradas por muitos milhares de gerações nosbichos-pau, antes de serem reativadas. Esse é o primeiro suporte publicado para a ideia de que as asas podem ree- voluir em linhagens de insetos que as perderam. Argumentos similares estão sendo levantados para a evolução das histórias de vida, comportamentos, asso- ciações parasíticas, caracteres morfológicos e atributos bioquímicos ou fisiológicos em uma ampla gama de ou- tros grupos animais. Portanto, muito está em andamento na nossa habilidade de hipotetizar de maneira convincente como os animais estão relacionados entre si. Como relações evolutivas são determinadas “Não há dúvida de que os sistematas de metazoários continuarão refinando a posição de muitos dos ramos nessa entrelaçada árvore da vida animal, mas estamos grupo-externoOligotoma nigra Teratembia n. sp. Timema knulli Oreophoetes peruana Libethra regularis Diapheromera sp. Diapheromera femorata Baculum thaii Gratidia fritzschei Sceptrophasma hispidula S. langikawicensis Baculini spec. indet. Medauroidea extradentatum Medaura sp. Oncotophasma martini Bacillus rossius Carausius morosus Eurycantha insularis Phyllium bioculatum Neohirasea maerens Neohirasea sp. Sipyloidea sipylus Pseudodiacantha macklottii Lopaphus perakensis Lopaphus sphalerus Phobaeticus heusii Lamponius guerini Dimorphodes prostasis Tropiderus childrenii Eurycnema goliath Ctenomorphodes briareus Extatosoma tiaratum Anisomorpha ferruginea Pseudophasma rufipes Aretaon asperrimus Sungaya inexpectata Agathemera crassa Heteropteryx dilatata Haaniella dehaanii Surgimento de asas Perda de asas Figura 2.12 Uma hipótese filogenética das relações evolutivas entre 23 espécies de insetos bichos-pau, sugerindo quatro eventos independentes de surgimento de asas (estrelas) e três eventos de perda de asas (triân gulos). As duas espécies aladas no topo da figura pertencem a ordens diferentes de insetos, e servem aqui como grupo-externo (ver “Como relações evolutivas são determinadas”). De Whiting, M. F., S. Bradler e T. Maxwell. 2003. Loss and recovery of wings in stick insects, Nature 421:264-67 Relações e classificação dos invertebrados 23 chegando a um ponto em que os principais ramos estão se tornando bem compreendidos, o que é pré- requisito para explorar outras questões evolutivas na biologia animal.” G. D. Edgecombe et al. 2011. Org. Divers. Evol. 11:151-172. “... é muito difícil distinguir o progresso real em nossa compreensão da macroevolução dos metazoários da mera mudança de opiniões com a passagem do tempo.” R. Jenner, 2003. Unleashing the force of cladistics? Metazoan phylogenetics and hypothesis testing. Integr. Comp. Biol. 43:207-18. Charles Darwin originalmente se referia ao que agora chamamos de evolução como “descendência com modifica- ção”. Os membros de qualquer espécie tendem a se parecer entre si de uma geração para a próxima, pois há cruzamento ao acaso dentro do seu pool genético. Entretanto, se alguns indivíduos se tornam reprodutivamente isolados de outros daquela espécie, eles podem evoluir em direções bem dife- rentes, particularmente ao sofrer diferentes pressões seleti- vas – diferentes regimes de temperaturas ou de salinidade, por exemplo, ou diferentes tipos de predadores ou fontes de recursos. Se as espécies adquirem gradualmente diferen- ças – físicas, fisiológicas, bioquímicas, comportamentais e genéticas – a taxas constantes, e se elas continuamente evo- luem para cada vez menos lembrarem seus ancestrais ao longo do tempo, então seria fácil deduzir relações evoluti- vas. Todavia, animais não evoluem tão simplesmente dessa maneira, o que abre a porta para sofisticada criatividade e controvérsia. A peça central de qualquer trabalho de detetive filoge- nético é a homologia. Caracteres morfológicos que com- partilham uma origem evolutiva comum são ditos homó- logos; nosso crânio, por exemplo, é homólogo ao de gatos, cães, sapos e baleias – o crânio desses animais têm uma única e comum origem evolutiva. Quaisquer diferenças em caracteres homólogos entre diferentes grupos animais re- fletem descendência dos ancestrais com modificação. Em muitos casos, caracteres homólogos desenvolvem-se por meio de rotas similares controladas pelas mesmas instru- ções genéticas. Se você pode reconhecer homologia quan- do a vê, quebra-cabeças evolutivos podem ser facilmente resolvidos. Se você pode assumir de maneira segura, por exemplo, que a clivagem espiral evoluiu apenas uma vez, então a clivagem espiral é um caráter homólogo em todos os grupos que a exibem: todos os animais com essa cliva- gem descenderam de um ancestral comum e devem ser mais proximamente relacionados entre si do que a outros animais que mostram qualquer outro padrão de clivagem. Entretanto, e se a clivagem espiral não for homóloga em todos os grupos? Suponha que quando os ovos sofrem cli- vagem, há somente poucas maneiras para as células-filhas ficarem em uma relação estável entre si, e que o padrão espiral formado por células adjacentes simplesmente re- presente um arranjo geométrico particularmente estável. Nesse caso, diferentes grupos animais têm convergido in- dependentemente para a clivagem espiral como um modo especialmente bem-sucedido para iniciar seu desenvol- vimento: o padrão de clivagem, então, nos leva a erros em nosso pensamento sobre as relações evolutivas, e os moluscos, anelídeos, vermes chatos e outros animais com clivagem espiral não necessariamente são proximamente relacionados. De modo similar, se as cavidades celômicas evoluíram apenas uma vez, então celomados formam um grupo monofilético, e a partir daí nos defrontamos com a questão sobre se os protostomados evoluíram de deu- terostomados, ou vice-versa. Todavia, se as cavidades ce- lômicas se originaram independentemente duas ou mais vezes em diferentes espécies ancestrais, então a condição celomada leva no máximo a uma mensagem filogenética muito distorcida. Mesmo morfologias muito complexas podem evoluir independentemente a partir de diferentes ancestrais, resul- tando em uma grande semelhança por convergência, como discutido anteriormente. É frequentemente difícil decidir se caracteres que parecem similares em diferentes grupos animais são ou não homólogos. O segundo tema particularmente complexo diz respei- to à direção, ou polaridade, da mudança evolutiva. Mes- mo se dois caracteres são considerados homólogos, existe a questão de qual representa o estado original, ou ances- tral, e qual representa o estado mais avançado, ou deriva- do. Questões sobre homologia e polaridade estão na raiz dos debates mais atuais entre sistematas. Há duas aborda- gens para deduzir parentesco evolutivo, como descrito nas páginas seguintes. Sistemática evolutiva (taxonomia clássica) A sistemática evolutiva tem sido praticada por mais de um século. Ela tem combatido o uso de homologia como um resultado de uma análise e também decidido quais carac- teres provavelmente contêm a maior parte de informação filogenética; a outros caracteres, a sistemática evolutiva têm dado menos peso na análise ou a ignorado totalmente. Uma vez que se acredita que caracteres homólogos são utilizados para deduzir relacionamentos, tanto a extensão em que as várias espécies sob estudo diferem entre si quanto a exten- são em que se parecem são levadas em conta na constru- ção da classificação final. Para usar um exemplo familiar não invertebrado, sistematas evolutivos colocam pássaros em uma classe separada, Aves. Pássaros claramente evoluí- ram de ancestrais reptilianos, mas de maneira tão dramati- camente afastada daqueles ancestrais que eles mereceram o status de uma classe separada. Os outros descendentes, mais parecidos com os mesmos ancestrais reptilianos, são agrupados em uma classe separada, Reptilia. Isso torna in- tuitivo o modo de formar grupos com espécies parecidas e excluir espécies que aparentam ser muito diferentes; nem todos os sistematas, entretanto, compartilham dessa ideia, em grande parte porque a abordagem clássica leva geral- mente à formaçãode grupos parafiléticos. A classe Reptilia, por exemplo, é parafilética porque ela exclui alguns descen- dentes do ancestral reptiliano original: as aves e os mamí- feros. O sistemata evolutivo não se preocupa com grupos parafiléticos. Construir classificações e árvores filogenéticas por esse método é dolorosamente lento, e requer décadas de expe- riên cia trabalhando com animais categorizados. A intuição 24 Capítulo 2 Tabela 2.2 Análise cladística: definição de alguns termos comuns agrupamento parafilético: um grupo de espécies que compartilha um ancestral imediato, mas que não inclui todos os descendentes daquele ancestral. agrupamento polifilético: um agrupamento incorreto contendo espécies que descendem de dois ou mais diferentes ancestrais. Membros de grupos polifiléticos não compartilham todos o mesmo ancestral imediato, podendo ser parecidos entre si em virtude da evolução independente de características similares, a partir de ancestrais diferentes. anagênese: mudança que ocorre dentro de uma linhagem. apomorfia: qualquer caráter derivado ou especializado. autapomorfia: um caráter derivado possuído por somente um descendente de um ancestral e, portanto, inútil para discernir relações entre outros descendentes. bootstrapping: uma técnica para avaliar a confiabilidade de um ramo de uma árvore filogenética por meio da reamostragem aleatória de alguns caracteres do conjunto de dados original (com substituição). Cada reamostragem cria, então, um novo conjunto de dados com alguns valores duplicados e outros omitidos. O valor de bootstrap atribuído para cada ramo mostra a porcentagem de reamostragens (geralmente 500-1.000) que recuperam cada ramo. Por exemplo, na Figura 2.12, os valores de bootstrap eram de pelo menos 95% na maioria das raízes dos ramos, significando que aquelas topologias foram recuperadas em pelo menos 95 de cada 100 simulações. caracteres homólogos, homologia: caracteres que têm a mesma origem evolutiva de um ancestral comum, geralmente codificados pelos mesmos genes. Homologia é a base para todas as decisões sobre relações evolutivas entre espécies. clado: um grupo de organismos que inclui o ancestral comum mais recente de todos os seus membros e todos os descendentes daquele ancestral; cada clado válido forma um grupo “monofilético” (ver táxon monofilético). cladogênese: a divisão de uma única linhagem em duas ou mais linhagens distintas. cladograma: a representação pictórica de sequências de ramos que são caracterizadas por mudanças particulares em características-chave morfológicas ou moleculares (estados de caráter). estado ancestral (primitivo): o estado do caráter exibido pelo ancestral a partir do qual evoluíram os membros atuais de um clado. Também chamado de estado plesiomórfico. estado derivado: um estado alterado, modificado da condição original ou ancestral. Também chamado de estado apomórfico. grupo-externo (outgroup): um grupo de táxons fora do grupo sendo estudado, usado para “enraizar” a árvore e inferir a direção das mudanças evolutivas. grupos-irmãos: dois grupos de animais que descendem do mesmo ancestral imediato. homoplasia: a aquisição independente de características similares (estados de caráter) de diferentes ancestrais por meio de convergência ou paralelismo. Os eventos homoplásticos criam a ilusão de homologia. inferência bayesiana: uma técnica estatística utilizada para inferir a probabilidade de uma determinada hipótese filogenética estar correta. jackknifing: uma técnica para avaliar a confiabilidade de um ramo de uma árvore filogenética ao se deletar alguma porcentagem de informação (p. ex., informação da posição de um par de bases) de maneira aleatória e, então, rodando novamente a análise. O valor de jacknife atribuído para cada ramo mostra a porcentagem das reamostragens (geralmente 500-1.000) que recuperam aquele ramo. nó: um ponto de ramificação no cladograma. parcimônia: um princípio estabelecendo que, na ausência de outras evidências, deve-se sempre aceitar o cenário menos complexo. plesiomorfia: qualquer caráter ancestral ou primitivo. polaridade: a direção da mudança evolutiva. saturação: uma situação na qual as sequências gênicas que são comparadas têm sofrido tantas mudanças de pares de base que o sinal filogenético é em grande parte perdido. sinapomorfia: um estado derivado de caráter que é compartilhado pelo ancestral comum mais recente e por dois ou mais descendentes daquele ancestral. No método cladístico, sinapomorfias definem clados, isto é, elas determinam quais espécies (ou outros grupos) são mais proximamente relacionadas entre si. Essencialmente, sinapomorfias são caracteres homólogos que definem clados. táxon monofilético: um grupo de espécies que evoluíram de um único ancestral e que inclui todos os descendentes daquele ancestral. Por definição, cada clado válido deve formar um táxon monofilético. táxon: qualquer grupo nomeado de organismos, como as águas-vivas, ouriços-do-mar ou caracóis-fechadura (Crepidula fornicata). Relações e classificação dos invertebrados 25 e a lógica exercem papéis importantes em todas as tomadas de decisão. As principais objeções a esse processo são que a ele faltam objetividade e um método rigorosamente padro- nizado, e que aqueles que não participaram têm dificuldade em discutir os resultados. Cladística (sistemática filogenética) Este método para deduzir relações evolutivas tem um gran- de número de seguidores entusiasmados desde que foi in- troduzido por Willi Hennig, em 1950. Embora não sejam universalmente aceitos, os procedimentos cladísticos têm- -se tornado tão amplamente utilizados e discutidos (e de- batidos) que aqui serão aprofundados e reforçados os prin- cípios filosóficos e metodológicos mais detalhadamente do que foi feito em relação à abordagem clássica, a fim de facilitar as discussões em aula e em incursões individuais na crescente literatura primária. Infelizmente, o campo da cladística é terminologicamente extenso. Neste tratamento, utilizaremos o mínimo de termos possível; para aqueles que desejam ler e discutir a literatura relevante, definimos os termos mais importantes na Tabela 2.2. Entre cladistas, filogenias são construídas e acessadas usando-se um de vários procedimentos bem definidos e um número de programas computacionais altamente so- fisticados e amplamente disponíveis. Os únicos caracteres de importância para estabelecer relações evolutivas são as chamadas sinapomorfias, caracteres derivados compar- tilhados, derivados de um ancestral comum no qual esses caracteres se originaram. O leitor atento perceberá que isso lembra a definição de homólogos. Entretanto, os cladistas estão interessados somente em caracteres homólogos que não estão presentes em quaisquer ancestrais; somente no- vidades evolutivas – novas características que surgem em algum organismo e que, então, são passadas para seus des- cendentes – são utilizadas para construir classificações cla- dísticas e para inferir relações evolutivas. Em alguns casos, uma única característica morfológica pode ser suficiente para definir um grande evento evolutivo. A presença de um sistema vascular aquífero derivado da cavidade celômica central (mesocele) durante a embriogênese, por exemplo, define unicamente os equinodermos. Uma diferença par- ticularmente significativa da abordagem da sistemática clássica é a insistência do cladista em afirmar que táxons válidos incluem todos os descendentes de um ancestral. Como mencionado anteriormente, por exemplo, cladistas não podem reconhecer Reptilia como um táxon válido por- que ele não inclui aves e mamíferos, os quais evoluíram de ancestrais reptilianos. Consideremos um exemplo simples de cladística, com quatro grupos de animais imaginários. Características dis- tintivas são mostradas na Figura 2.13. Assumiremos aqui que essas características são geneticamente determinadas. A direção da mudança evolutiva (polaridade) é primeira- mente determinada pela comparação
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