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TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Caderno de Estudos Prof. Paulo Cesar dos Santos Prof.ª Graciela Márcia Fochi Prof. Thiago Rodrigo da Silva UNIASSELVI 2016 NEAD Educação a Distância GRUPO CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, nº 1.040, Bairro Benedito 89130-000 - INDAIAL/SC www.uniasselvi.com.br Copyright UNIASSELVI 2016 Elaboração: Prof. Paulo Cesar dos Santos Prof.ª Graciela Márcia Fochi Prof. Thiago Rodrigo da Silva Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 907 S237h Santos, Paulo Cesar dos Teoria da história e historiografia/ Paulo Cesar dos Santos; Graciela Márcia Fochi; Thiago Rodrigo da Silva. Indaial : UNIASSELVI, 2016. 209 p. : il. ISBN 978-85-7830-952-7 1. História – Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA APRESENTAÇÃO Caro(a) acadêmico(a)! Bem-vindo ao Caderno de Estudos da disciplina Teoria da História e Historiografia! A intenção deste caderno é apresentar o processo pelo qual a história se constituiu como uma disciplina no campo das ciências humanas. Deste modo, iremos expor (em uma perspectiva cronológica e contextualizada) as principais teorias e escolas historiográficas dos últimos quatrocentos anos. Para tanto, iremos relacionar os principais estudiosos, como eles definiram e conceituaram a história. Também veremos a relação da história com outras ciências. Na Unidade 1 serão apresentadas questões concernentes à teoria da história. Polêmicas como objetividade, verdade e método serão abordadas. Também os principais teóricos da historiografia, da época iluminista até o final do século XIX serão contemplados. Assim, veremos a relação de alguns pensadores com o desenvolvimento da história enquanto campo do conhecimento. Entre eles, Descartes, Vico, Kant, Hegel, Marx, Comte e Ranke. Na Unidade 2 será discutida a produção historiográfica do século XIX e como esta se relacionou com o conhecimento histórico do século XX. Em especial, foram contemplados os intelectuais e as escolas teóricas. Os intelectuais relacionados foram: Michele, Droysen, Buckhard, Weber, Walter Benjamim e Michel Foucault. Entre as escolas de pensamento histórico, estão relacionadas a Escola dos Annales, a Escola de Frankfurt, a Escola Marxista Inglesa, a Historiografia Latino-americana, a Micro-História, a História Ambiental e a História do Tempo Presente. Na Unidade 3 será abordada a historiografia brasileira. Assim serão relacionados os historiadores dos períodos colonial, imperial e republicano. As influências teóricas e as diversas gerações de historiadores brasileiros serão trabalhadas. Intelectuais como Varnhagen, Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Gilberto Freire, além de pesquisadores contemporâneos, terão sua produção acadêmica apresentada e analisada. Um detalhe importante: procure ter em mãos e não hesite em consultar dicionários toda vez que surgirem expressões e conceitos de outras áreas, que ainda lhe são estranhos, como do campo da ciência e da filosofia. Retome os conteúdos já abordados nas disciplinas de Introdução ao Conhecimento Histórico, Metodologia do Ensino da História, História Moderna e História Contemporânea. Votos de uma jornada construtiva e satisfatória de conhecimentos! Os autores iii TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA iv UNI Oi!! Eu sou o UNI, você já me conhece das outras disciplinas. Estarei com você ao longo deste caderno. Acompanharei os seus estudos e, sempre que precisar, farei algumas observações. Desejo a você excelentes estudos! UNI SUMÁRIO UNIDADE 1 – TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA .......................................... 1 TÓPICO 1 – TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: CONCEITOS INICIAIS ...... 3 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 3 2 APRESENTAÇÃO E DEFINIÇÃO DE CONCEITOS ..................................................... 4 2.1 CIÊNCIA ...................................................................................................................... 4 2.2 TEORIA ....................................................................................................................... 5 2.3 PARADIGMA ............................................................................................................... 6 2.4 MÉTODO ..................................................................................................................... 7 2.5 DISCURSO .................................................................................................................. 8 2.6 HISTORIOGRAFIA ...................................................................................................... 9 2.7 EPISTEMOLOGIA ....................................................................................................... 9 2.8 RAZÃO ...................................................................................................................... 10 2.9 IDEOLOGIA ............................................................................................................... 10 2.10 DIALÉTICA ............................................................................................................... 11 2.11 PROGRESSO .......................................................................................................... 12 3 O CONTEXTO HISTÓRICO E INTELECTUAL DO ILUMINISMO .............................. 13 3.1 O EXEMPLO DE GIAMBATTISTA VICO ................................................................... 15 4 O IDEALISMO ALEMÃO: AS PERSPECTIVAS DE KANT E HEGEL SOBRE A HISTÓRIA .................................................................................................................... 19 4.1 O EXEMPLO DE KANT ............................................................................................. 19 4.1.1 A ideia de história cosmopolita ............................................................................... 21 4.2 O PENSAMENTO HEGELIANO: ESPÍRITO E RAZÃO NA HISTÓRIA .................... 21 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................... 24 RESUMO DO TÓPICO 1 ................................................................................................. 29 AUTOATIVIDADE ........................................................................................................... 30 TÓPICO 2 – O PENSAMENTO SÓCIO-HISTÓRICO DO SÉCULO XVIII E XIX ........... 33 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 33 2 O POSITIVISMO COMTEANO: A FÍSICA SOCIAL E A HISTÓRIA ENQUANTO CIÊNCIA DO PASSADO .............................................................................................. 34 3 O MATERIALISMO HISTÓRICO ................................................................................. 36 4 O MATERIALISMO DIALÉTICO .................................................................................. 40 RESUMO DO TÓPICO 2 ................................................................................................. 43 AUTOATIVIDADE ........................................................................................................... 44 TÓPICO 3 – O HISTORICISMO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ................ 47 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................47 2 A HISTÓRIA, AS FONTES E A ESCRITA ................................................................... 47 3 O EXEMPLO DE LEOPOLD VON RANKE (1795-1888) ............................................. 49 4 O PROBLEMA DA OBJETIVIDADE NA CIÊNCIA E NA HISTÓRIA .......................... 51 TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA v TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA vi 5 A PROBLEMÁTICA DA VERDADE NA HISTÓRIA ..................................................... 55 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................... 57 RESUMO DO TÓPICO 3 ................................................................................................. 61 AUTOATIVIDADE ........................................................................................................... 62 AVALIAÇÃO .................................................................................................................... 63 UNIDADE 2 – O PENSAMENTO HISTÓRICO A PARTIR DO SÉCULO XIX ................ 65 TÓPICO 1 – A TRADIÇÃO HISTORIOGRÁFICA NO SÉCULO XIX: ALGUNS EXEMPLOS ................................................................................................. 67 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 67 2 SÉCULO XIX: QUAL HISTÓRIA? ............................................................................... 68 3 JULES MICHELET ....................................................................................................... 69 4 FUSTEL DE COULANGES .......................................................................................... 70 5 JOHANN GUSTAV DROYSEN .................................................................................... 71 6 JACOB BUCKHARDT ................................................................................................. 71 7 MAX WEBER ............................................................................................................... 73 8 FRIEDRICH NIETZSCHE ............................................................................................. 74 9 CHARLES-VICTOR LANGLOIS (1863- 1929) E CHARLES SEIGNOBOS (1854- 1942) ................................................................................................................. 75 RESUMO DO TÓPICO 1 ................................................................................................. 77 AUTOATIVIDADE ........................................................................................................... 79 TÓPICO 2 – A HISTORIOGRAFIA DO SÉCULO XX ..................................................... 81 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 81 2 A ESCOLA DE FRANKFURT ...................................................................................... 81 3 THEODOR ADORNO (1903-1969) .............................................................................. 82 4 WALTER BENJAMIN (1892-1940) .............................................................................. 83 5 A NOVA ESQUERDA INGLESA .................................................................................. 86 5.1 A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DOS MARXISTAS INGLESES NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX ........................................................................................ 87 6 A HISTORIOGRAFIA LATINO-AMERICANA .............................................................. 89 7 A TRADIÇÃO DOS ANNALES .................................................................................... 91 7.1 PRIMEIRA FASE DA ESCOLA DOS ANNALES (1929-1945) ................................... 93 7.2 SEGUNDA FASE DA ESCOLA DOS ANNALES (1945-1968) ................................... 95 7.3 TERCEIRA FASE DA ESCOLA DOS ANNALES (PÓS 1968...): NOVOS MÉTODOS, OBJETOS E ABORDAGENS .................................................................................... 98 8 O CASO DE MICHEL FOUCAULT ............................................................................ 100 LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................ 102 RESUMO DO TÓPICO 2 ............................................................................................... 109 AUTOATIVIDADE .......................................................................................................... 111 TÓPICO 3 – AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS DO SÉCULO XXI ................................... 113 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 113 TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA vii 2 A NOVA HISTÓRIA CULTURAL ................................................................................. 114 3 A MICRO-HISTÓRIA ................................................................................................... 115 3.1 O MÉTODO INDICIÁRIO DE GINZBURG ............................................................... 116 4 HISTÓRIA E SABER LOCAL ..................................................................................... 118 5 LINGUÍSTICA E NARRATIVA ..................................................................................... 118 6 A HISTÓRIA AMBIENTAL ......................................................................................... 121 7 A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE ....................................................................... 122 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 124 LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................ 126 RESUMO DO TÓPICO 3 ............................................................................................... 132 AUTOATIVIDADE ......................................................................................................... 133 AVALIAÇÃO .................................................................................................................. 136 UNIDADE 3 – A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ...................................................... 137 TÓPICO 1 – HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: DO IHGB À GERAÇÃO DE 1930 .... 139 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 139 2 O PERÍODO ANTERIOR AO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) ........................................................................................................................ 139 3 O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO .................................... 141 4 A GERAÇÃO DOS ANOS 1930 E SEUS DESDOBRAMENTOS .............................. 146 RESUMO DO TÓPICO 1 ............................................................................................... 154 AUTOATIVIDADE ......................................................................................................... 155 TÓPICO 2 – A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA DURANTE A GUERRA FRIA ......... 157 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 157 2 OS ENSAÍSTAS DA REALIDADE HISTÓRICA BRASILEIRA ................................. 158 3 A PRODUÇÃO UNIVERSITÁRIA DE HISTÓRIA DO BRASIL, A FORMAÇÃO DE CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO E PESQUISA HISTÓRICA ................................ 161 4 OS PRINCIPAIS DEBATES ACADÊMICOS .............................................................. 164 5 OS BRASILIANISTAS ............................................................................................... 167 RESUMO DO TÓPICO 2 ...............................................................................................170 AUTOATIVIDADE ......................................................................................................... 171 TÓPICO 3 – A HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ...................... 173 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 173 2 NOVOS ESTUDOS, NOVAS INSTITUIÇÕES, NOVOS TEMAS: O CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS DAS ÚLTIMAS TRÊS DÉCADAS .... 174 3 HISTÓRIA ATLÂNTICA/ HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO/ BRASIL COLONIAL E IMPERIAL .................................................................................................................. 176 4 NOVA HISTÓRIA CULTURAL, GÊNERO, NOVA HISTÓRIA SOCIAL E HISTÓRIA AMBIENTAL: OS NOVOS TEMAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA .................................................................................................. 179 5 OS DEBATES SOBRE O GOLPE MILITAR DE 1964 ............................................... 186 TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA viii LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................ 188 RESUMO DO TÓPICO 3 ............................................................................................... 196 AUTOATIVIDADE ......................................................................................................... 197 AVALIAÇÃO .................................................................................................................. 198 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 199 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A UNIDADE 1 TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: definir, contextualizar e problematizar os principais conceitos que são solicitados nos estudos dos temas de teoria da história e historiografia; apresentar os principais autores, teorias e paradigmas científicos da História que compõem a matriz do pensamento da sociedade ocidental moderna, e da influência que exerceram no pensamento científico e histórico das gerações posteriores; abordar os fundamentos do pensamento iluminista, cartesiano, hegeliano, positivista, marxista e historicista nos aspectos teóricos e metodológicos, contextualizando o momento histórico em que foram formulados; estudar e contextualizar a matriz de pensamento marxista, as categorias do materialismo histórico e dialético e suas implicações na análise e na escrita da história. discutir e problematizar as questões de objetividade e verdade que perpassam as principais tradições do pensamento científico e a produção do conhecimento histórico. TÓPICO 1 – TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: CONCEITOS INICIAIS TÓPICO 2 – O PENSAMENTO SÓCIO-HISTÓRICO DO SÉCULO XVIII E XIX TÓPICO 3 – O HISTORICISMO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX PLANO DE ESTUDOS Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três tópicos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões e dicas que visam potencializar os temas abordados e ao final de cada um, estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas estudados. T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA: CONCEITOS INICIAIS 1 INTRODUÇÃO TÓPICO 1 As disciplinas, os textos, os artigos que se prepõem a analisar e discutir Teoria da História e Historiografia são em número muito inferior aos demais temas da História, como por exemplo, História Regional, História Antiga, História Medieval; assim como acabam sendo motivo de desinteresse e distanciamento por parte dos estudantes e profissionais da história. Refletir sobre estas questões significa pensar sobre os aspectos que perpassam todo o processo de pesquisa, sistematização e comunicação da História. O historiador e o profissional da história consciente e comprometido com o fazer histórico não pode negligenciar tais aspectos, pois estará procedendo de forma superficial com o conhecimento que está elaborando e até com o conhecimento que se utiliza, cuja autoria não é sua. Cardoso (1997) nos coloca a questão de que devemos estar despertos e atentos em meio ao contexto social, político, econômico e cultural no qual nos encontramos, pois este se apresenta tanto com ares de tradição sólida, como de renovação, se encontra em pleno devir e superação, tende a se tornar outro, ainda mais aberto e tolerante, porém ainda está sendo plasmado em meio a um modelo fortemente estruturado, hierarquizado e conservador; em outdoors esboçam- se tempos de mudança, mas as bases de realização prática encontram-se ainda sustentadas na antiga matriz ideológica do capitalismo, que impera pelo menos há três séculos. Rüsen (2009) discute que a Teoria da História conta com toda uma identidade construída, porém o desafio está em estabelecer as fronteiras entre a escrita da história (historiografia), o estudo crítico, fazer a história da história, pois a historiografia, mal consegue ser separada de seu objeto mais evidente que é a escrita da história. A indecisão na forma de referir a atividade intelectual, o fazer/pesquisar escrever em História (historiografia, história da história, teoria da história) é resultado também da escassez UNIDADE 1 UNIDADE 1TÓPICO 14 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A de problematizações teóricas, fato que pode ser verificado com facilidade se tomados os temas anunciados nos encontros dos profissionais em história, nos títulos das dissertações e teses defendidas no interior das instituições de ensino de pós-graduação e nas linhas de pesquisas que são desenvolvidos pelas mesmas instituições. Trata-se de uma discussão e tema que requer aprofundamentos sobre os conceitos e concepções teóricas que pertencem à teoria do conhecimento, à história da filosofia e da ciência, e paradigmas científicos. Cientes disto, procurou-se apresentar e definir os conceitos que vão ser mencionados com maior ênfase ao longo deste Caderno de Estudos. Não perca de vista a ideia de recorrer e consultar um dicionário toda vez que surgirem conceitos e expressões que lhe parecem estranhos ou incertos dos significados que comportam. No sentido de lhe auxiliar, observe as sugestões de consulta a seguir: DIC AS! DICINÁRIO DE CONCEITOS HISTÓRICOS SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. Disponível em: <http://www.meuportalacademico.com.br/wp- content/uploads/2013/04/SILVA-K-SILVA-M.-Dicion%C3%A1rio- de-conceitos-hist%C3%B3ricos.pdf>. DICIONÁRIO DE FILOSOFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Disponível em: <http://charlezine.com.br/wp-content/ uploads/2011/11/Dicionario-de-Filosofia-Nicola-ABBAGNANO.pdf>. 2 APRESENTAÇÃO E DEFINIÇÃO DE CONCEITOS 2.1 CIÊNCIA Compreende o processo, o percurso metodológico, os princípios lógicos de investigação; tem por finalidade elaborar conhecimentos e/ou resolver os problemas que o próprio homem UNIDADE 1 TÓPICO 1 5 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A formula ou que se apresentam em uma dada realidade. Entre os principais métodos existe o da observação empírica, seja de seres ou fenômenos naturais ou de fatos e fenômenos sociais, cuja finalidade reside empromover o aprimoramento e melhoramento da vida e da humanidade. A ciência moderna se desenvolveu e consolidou ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, tratou-se de um conhecimento obtido de forma natural, independente e desarticulado das dimensões sobrenaturais, mitológicas, mágicas e/fantásticas da realidade. É quando se acentua o distanciamento entre o campo da fé, do espiritual, do religioso, do sagrado e do eterno (poder invisível) e o campo do temporal, do método, do racional, do profano e do leigo (poder visível). A ciência acabou por se tornar em uma ideologia dominante – o cientificismo, uma forma de saber superior, criada pelo positivismo no século XIX. A ciência resumia-se na busca pela verdade a qualquer custo, almejava extrair todos os segredos que houvesse na natureza, e para tanto deveria proceder rigorosa observação empírica, lançando mão da imaginação, dos sentimentos e das emoções quando investigava tanto os seres da natureza como os fatos e acontecimentos humanos. Surgiram muitas críticas à ciência, entre elas estão as que foram proferidas por Nietzsche (1844-1900), quando afirmava que a ciência havia matado Deus. Outros estudiosos começam a perceber que a racionalização e o cientificismo não estavam dando conta de libertar o homem, pelo contrário, as forças produtivas do capitalismo, que eram justificadas e estimuladas pelo saber científico-tecnológico, favoreciam ainda mais a dominação predatória do homem sobre a natureza e do homem sobre o próprio homem. Para Max Weber (1983) a ciência não possui maior objetivo e sentido do que o de fazer surgir novas questões, novos problemas, ser ultrapassada e superada; que se trata de um fazer que jamais cessa e que não tem fim. Silva (2009) apresenta que a ciência data de aproximadamente 10 mil anos, que teria surgido no Oriente Médio, quando eram reunidos exemplares e conhecimentos sobre plantas, animais e tecnologias. No século XX, com as experiências das guerras mundiais, com o aprofundamento da fome e da miséria, da concentração da riqueza e aumento das desigualdades, dos conflitos étnico-raciais, os estudiosos passam a questionar os objetivos, os meios e os fins da ciência e do cientificismo descomprometido com a melhoria da vida humana. 2.2 TEORIA Pode ser considerado desde o ato de ‘tomada de consciência’, a formulação e organização do pensamento, a reflexão sobre a realidade, que almeja resultados práticos, a UNIDADE 1TÓPICO 16 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A ação e a transformação da realidade. Somente adquire o status de teoria quando apresenta uma estrutura toda organizada de princípios, categorias, métodos, regras e leis que podem ser aplicados e verificados diante de fatos, fenômenos do mundo e da natureza. Kuhn (2000) afirma que as teorias não são eternas, possuem certo tempo de validade e que quando não dão conta de fornecer resultados e respostas satisfatórios diante dos problemas e fatos, fornecem as condições para que outras teorias sejam apresentadas em seu lugar: A emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de in- segurança profissional pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal. Como seria de esperar, essa insegurança é gerada pelo fracasso constante dos quebra-cabeças da ciência normal em produzir resultados esperados. O fracasso das regras existentes é o prelúdio para a busca de novas regras. (KUHN, 2000, p. 95). Silva (2009) apresenta que existem teorias em praticamente todas as áreas do conhecimento, apesar de serem mais usuais e empregadas nas ciências biológicas e exatas. Nas ciências humanas, as áreas do conhecimento que mais buscam formular teorias são as da economia, a sociologia, a antropologia e a linguística. A peculiaridade dos fenômenos e fatos humanos (o homem, o homem no tempo) é que estes costumam ser atípicos, anárquicos, imprevisíveis e não ocorrem duas ou mais vezes, bem como é raro conseguir estabelecer semelhanças e repetições para com outros fatos e fenômenos ocorridos em outros locais, e por fim serem classificados numa teoria rigorosa e precisa. Silva (2009) aborda que os historiadores atualmente são mais receosos em formular teorias do que em outras épocas (embora não dispensem conceitos, categorias e modelos explicativos em suas análises). A autora explica que durante o século XVIII e XIX, quando vigorava o historicismo, a escola metódica e o materialismo histórico, muitos historiadores se preocupavam com o estabelecimento de modelos que estruturavam as explicações da História, porém com os questionamentos e as crises que a ciência sofreu ao longo do século XX, em especial com a ascensão da Nova História, na segunda metade do século, a História foi se tornando cada vez menos teórica, ou seja, cada vez menos preocupada com os métodos, com categorias e explicações preestabelecidas para proceder análises de fatos e fenômenos. 2.3 PARADIGMA Kuhn (2000) discute que um paradigma corresponde aos elementos que unem e aproximam membros de uma comunidade, e estes preparam um campo de atuação, iniciam e formam outras pessoas e estudantes para serem futuros membros da comunidade científica. Os paradigmas são compostos pelas realizações científicas que são reconhecidas universalmente, UNIDADE 1 TÓPICO 1 7 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A são responsáveis por legitimar a ciência feita e o conhecimento elaborado por um determinado grupo ou nicho/campo de pesquisa. É comum ouvirmos falar fulano de tal é weberiano, ciclano é marxista, isso quer dizer que em suas atividades científicas e intelectuais apresentam estudos que possuem temas, recortes temporais, aplicam métodos e categorias de análises que pertencem originalmente aos paradigmas daqueles estudiosos. 2.4 MÉTODO Caminhos, procedimentos pelos quais se chega a um determinado resultado coerente; técnicas para realizar praticamente uma ação teórica; regras racionais que regulamentam, metodizam a pesquisa histórica no sentido de obter reconhecimento científico e teor de verdade. Diehl (2001) apresenta que os procedimentos metodológicos utilizados no fazer histórico (fontes e narrativas) indicam os processos pelos quais o passado humano é contemporaneizado como história. Consiste no conjunto de elementos que compõe o percurso, as regras e o tratamento investigativo, analítico e crítico atribuídos ao passado (fatos e fenômenos humanos e sociais); uma vez coerentemente aplicados são responsáveis por conferir ao conhecimento unidade, inteligibilidade e teor científico. O método representa uma tentativa de destrinchar o passado dos interesses e visões/versões que o alteram, o distorcem e o corrompem da verdade e de como os fatos e fenômenos transcorreram. Existem inúmeros métodos que são utilizados pelos pesquisadores e estudiosos, cada paradigma estrutura-se de forma diferente e variável aos outros. Determinados estudiosos participaram como idealizadores ou como adeptos, observe a tabela a seguir: QUADRO 1 - PRINCIPAIS PARADIGMAS DO CONHECIMENTO PARADIGMAS PRESSUPOSTOS REPRESENTANTES POSITIVISMO EMPIRISMO MÉTODO INDUTIVO: O conhecimento é obtido com base nos fatos dados da experiência vivida no mundo (empirismo). Tem como finalidade alcançar o formalismo lógico-matemático e a aplicação prática dos conhecimentos obtidos. F. Bacon, T. Hobbes, J. Locke, Hume, A. Comte UNIDADE 1TÓPICO 18 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A FUNCIONALISMO RAZÃO MÉTODO DEDUTIVO: Dotado de umaunidade funcional e coerência interna. Os elementos culturais representam a ligação de necessidade entre o grupo humano e o meio físico (necessidades biológicas e os imperativos culturais). Parte-se de uma teoria geral para explicar o caso particular. R . D e s c a r t e s , Spinoza, Leibniz MATERIALISMO HISTÓRICO METÓDO DIALÉTICO: Considera relações concretas e materiais como suficientes para explicar os fenômenos mentais, sociais, históricos. Karl Marx, Friedrich Engels ESTRUTURALISMO MÉTODO SISTÊMICO: Preocupa-se com aspectos quantitativos dos fenômenos e a inter- relação dos objetos que o compõe. As estruturas pressupõem relações, existem conexões entre as partes de um fenômeno. Saussure, Claude L e v i - S t r a u s s , Jacques Lacan. FONTE: Os autores ATEN ÇÃO! Caro(a) acadêmico(a)! Ao longo deste Caderno de Estudos, os principais paradigmas do conhecimento serão retomados e discutidos no sentido de como foram introduzidos na escrita da história. Fique atento(a)! 2.5 DISCURSO O discurso é composto pelo universo de experiências, referências e significados que compõem o imaginário de quem redige e narra o passado. Estes são oriundos das posições em que os indivíduos se encontram ou querem alcançar, aos grupos aos quais se encontram associados e filiados; aos ideais que defendem ou querem galgar para si e para os demais integrantes e apoiadores. O discurso possui e fornece informações dos indivíduos que tanto abarcam a dimensão individual/particular como relações sociais e coletivas mais amplas. Um discurso, uma narrativa deve ser entendida como um ato político, no sentido de que almeja, objetiva, tem algo em vista. A finalidade de todo e qualquer discurso é transmitir uma ideologia, alcançar algum fim. UNIDADE 1 TÓPICO 1 9 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A 2.6 HISTORIOGRAFIA Diz respeito às variáveis que perpassam a produção e sistematização do conhecimento histórico. Assemelha-se com as noções de “Filosofia da História”, ‘História das Ideias’, ‘História da Intelectualidade’, ‘História da escrita da História’. O conhecimento histórico é tomado em perspectiva e no conjunto que o compõe; são feitos balanços, análises, comparações e sínteses. Trata-se do estudo do processo de redação da História propriamente dito, onde se procura identificar de que forma os historiadores pesquisam, organizam e narram o conhecimento, os métodos que foram utilizados, os elementos discursivos, as categorias de análise e interpretação, o repertório conceitual, o sentido e o valor moral e ético que foi atribuído aos fatos e ações humanas. Cada profissional da história acaba por fazer a sua escolha, por consequência os demais estudiosos que tomarão os escritos que este historiador produziu, tenderão a procurar identificar semelhanças, aproximações ou distanciamentos com relação a determinados paradigmas, tendências, escolas já conhecidas assim como reconhecer se tal escrito, estudo e tese foi responsável por formular e empreender alguma mudança ou revolução na forma de fazer/escrever a história como até então havia sido feito. DIC AS! Ao longo deste Caderno de Estudos serão apresentadas as principais escolas e tendências historiográficas (Historicismo, Escola Metódica, os Annales, Nova História Cultural, Micro- história, entre outras), que são reconhecidas no interior da produção do conhecimento histórico. Prossiga na leitura do Caderno de Estudos! 2.7 EPISTEMOLOGIA É um modo de tratar um problema nascido de um pressuposto filosófico específico no âmbito de determinada corrente filosófica. Estudo da natureza, das origens e da validade de um determinado conhecimento. Episteme significa também "lugar", local onde o homem se instala, para conhecer e agir de forma apropriada e de acordo com as regras estruturais daquela episteme. UNIDADE 1TÓPICO 110 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Na frase, ‘as ciências humanas são parte da episteme moderna’, significa dizer que as ciências humanas correspondem ao local de onde a sociedade moderna retirava suas referências teóricas; por outro lado, pode-se dizer que a teologia foi a episteme da Idade Média. Cada uma possui categorias, bases de referências e valores específicos para analisar e interpretar a realidade. Abbagnano (2007) explica que se trata de um modo de abordar um problema nascido de um pressuposto filosófico específico, no âmbito de determinada corrente filosófica, no interior de uma dada área do conhecimento. 2.8 RAZÃO Abbagnano (2007) descreve que consiste na base de referenciais sob os quais é possível proceder a indagações e investigações. Trata-se de uma faculdade que é reconhecida no homem e não nas demais espécies e seres da natureza. Razão também comporta a ideia de justa medida, postura comedida, de uso de critérios e parâmetros racionais. É comumente empregada no sentido de designar a força que liberta dos preconceitos, dos mitos, das opiniões enraizadas, do mundo das aparências, permitindo estabelecer um critério universal ou comum para a conduta do homem em todos os campos. Também é colocada como ponto de referência e equilíbrio aos sentimentos desmedidos, às paixões, às emoções, aos instintos viscerais, aos modos rudes e aos apetites primitivos. Descartes (1979) identificou a razão ao bom senso e a definiu como sendo a capacidade de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso; de ser um instrumento do conhecimento provável, e não apenas do conhecimento estabelecido. Para Hegel (1995) a razão é a identidade da autoconsciência, do pensamento, da realidade, das coisas e dos acontecimentos, como manifestação ou determinação. 2.9 IDEOLOGIA Abbagnano (2007) descreve que o termo foi criado por Destut de Tracy, em 1801, para designar "a análise das sensações e das ideias". Outros estudiosos defendem que consistiu na corrente filosófica que marcou a transição do empirismo iluminista para o espiritualismo tradicionalista que floresceu na primeira metade do séc. XIX. Napoleão empregou o termo para nomear os estudiosos que eram desfavoráveis ao seu governo, porém com um sentido depreciativo, querendo designá-los como pessoas sectárias, dogmáticas, sem senso político e distantes da realidade. UNIDADE 1 TÓPICO 1 11 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A A palavra ideologia é também empregada para designar qualquer espécie de análise filosófica, ou uma doutrina que possui validade objetiva e que é mantida em nome dos interesses de quem a utiliza e se vale dela. Em meados do séc. XIX, a última noção de ideologia passou a ser fundamental em meio ao paradigma marxista, quando foi utilizada na interpretação da luta dos trabalhadores operários contra a dominação dos proprietários capitalistas e da sociedade burguesa. Segundo Marx (2010), os homens faziam a sua própria história, mas não a faziam segundo sua própria vontade; não a faziam sob circunstâncias de sua escolha, mas sob as circunstâncias que encontravam diante de si, que foram legadas e transmitidas pelo passado, impingidas e plasmadas pelas ideologias. Segundo Marx (2010) é também pelas formas ideológicas em que os homens tomam consciência da sua condição de vida e das contrariedades que se apresentam na vida material. Nesse sentido, pode-se entender ideologia como sendo toda crença que é usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença, em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode ter ou não validade objetiva. 2.10 DIALÉTICA Abbagnano (2007)discorre que a dialética pode ser compreendida como método da divisão entre bem e mal (platônica) e como síntese dos opostos (hegeliana). Levando em consideração estas duas definições pode-se pensar que a dialética é um processo em que há um adversário que é combatido ou uma tese que será refutada, existem dois protagonistas ou duas teses em debate, diálogo, conflito; ou então, que é um processo resultante de conflito ou de oposição entre dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer. O conceito de dialética, como síntese dos opostos, defendida por Hegel, sugere que se pense que a resolução das contradições se move dialeticamente e, portanto, a filosofia hegeliana vê em toda parte a tríade de tese, antítese e síntese, nas quais a antítese representa a "negação", "o oposto", ou "o outro" da tese, e a síntese constitui a unidade e, ao mesmo tempo, a negociação, a certificação de ambas. Assim como as teorias generalizadoras e racionalistas, a dialética também acabou por sofrer críticas de que possuía a pretensão de ser mais uma fórmula e modelo ideal e totalizador, bem como foi indicada como responsável por justificar tudo o que aconteceu no passado e que se prevê ou se espera que aconteça no futuro, uma espécie de “aconteceu por que tinha que acontecer”, “é aceitável o mal em nome do bem”, “a escravidão em nome da liberdade”, e assim por diante. UNIDADE 1TÓPICO 112 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A 2.11 PROGRESSO Abbagnano (2007) descreve que consiste no raciocínio que os acontecimentos históricos se desenvolvem num sentido desejável, em que se dá o aperfeiçoamento crescente e que vai assim transcorrer rumo ao futuro. A principal implicação da noção de progresso na sociedade que é a percepção do ‘curso dos eventos (naturais e históricos) como uma série unilinear’. A noção de progresso é reconhecida como de autoria de Francis Bacon, que a apresentou na obra Novum Organum, publicada em 1620. Este conceito dominou as manifestações da cultura ocidental do séc. XIX e ainda continua sendo o pano de fundo de muitas concepções filosóficas e científicas. Por outro lado, a noção moderna de progresso reside na significação da concepção de tempo com uma dinâmica cumulativa, que desloca a centralidade do tempo cíclico à dinâmica temporal crescente e linear. O progresso é propriedade e forma, a do progredir, construir (typisch aufbauend) e em expansão contínua. Progresso refere-se, também, à emancipação humana, a evolução do saber e da técnica, os desdobramentos cada vez mais complexos, em que impera a racionalidade cumulativa e progressiva, cada vez mais complexa. É acompanhado pelas noções de ‘secularização’, ou seja, explicações científicas que suplantam as tradições religiosas e a “divina providência”; e a noção de ‘estado laico’ que estabelece o fim da influência religiosa nas decisões políticas e vice-versa. Tanto na história, na filosofia, na cultura e na sociedade, esta expressão encontra-se relacionada à visão de acúmulo e síntese do passado e como profecia realizável e triunfante no futuro, que interpreta a humanidade como uma grande estrutura, que ao longo das eras e épocas caminha arduamente e constantemente a um desenvolvimento glorioso, que conta com o campo técnico e científico como os principais motores propulsores. Da mesma forma como a ciência e a razão receberam fortes críticas dos estudiosos, a noção de progresso também passou por este processo, especialmente depois das duas grandes guerras mundiais do século XX, quando foram criados comitês de ética cujos estatutos solicitam zelo pela dignidade e preservação da vida, bem como antever riscos, custos e danos para com o meio ambiente e as pessoas participantes de projetos/pesquisas e obras tanto no ramo científico, da extração de matéria-prima da natureza, como em projetos de urbanização, construção de usinas, estradas e de obras em geral. UNIDADE 1 TÓPICO 1 13 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A 3 O CONTEXTO HISTÓRICO E INTELECTUAL DO ILUMINISMO O Iluminismo, ou século das luzes ou da ilustração, foi um movimento intelectual e cultural do século XVIII, que almejava libertar o homem das crenças mitológicas e de toda herança dogmática da época medieval. Defendia os princípios da razão crítica, do progresso, da autonomia dos indivíduos e da liberdade de pensamento. O Iluminismo não foi uma invenção da sociedade de sua época propriamente dita, sustentava-se em bases teóricas que já haviam sido defendidas ainda na Antiguidade e também na época da Renascença, porém encontrou no século XVIII o melhor momento de alcance e amplitude. Abbagnano (2007) descreve que é possível entender o Iluminismo como uma linha filosófica que defende a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana. Kant (1724-1804) defende que o Iluminismo contou com o empirismo como um grande aliado, ambos garantiram a abertura do domínio da ciência e, em geral, do conhecimento, que por sua vez favoreceu à crítica da razão, no sentido de que toda verdade poderia e deveria ser colocada à prova, e eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Os fundamentos teóricos que favorecem a ancoragem do movimento do Iluminismo podem ser encontrados na física e sistematizados na obra de I. Newton (1643-1727) ‘Princípios matemáticos de filosofia natural, publicada em 1687, nas pesquisas de Boyle (1627-1691), que encaminham a química como ciência positiva; na obra de Buffon (1707-1788) e de outros naturalistas, que assinalam as ciências biológicas como responsáveis por explicar as etapas fundamentais de desenvolvimento. O empirismo foi o ponto de partida e o pressuposto da filosofia defendida como por exemplo de Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784) e D'Alembert (1717- 1783). A Enciclopédia continha o pensamento contrário aos privilégios que foram reclamados posteriormente na Revolução Francesa, defendia a felicidade ou o bem-estar do gênero humano, alcançados e desfrutados através de práticas tolerantes e com fé no progresso. Estas noções enfraqueceram a ideia de fatalidade histórica que impedia qualquer iniciativa de transformação da realidade. Segundo Abbagnano (2007), o princípio da tolerância religiosa não só exigia a convivência pacífica das várias tradições religiosas, como também impedia que a religião se tornasse um instrumento de governo. Dosse (2003) apresenta em 1880 que a História ganha um estatuto próprio como disciplina e conhecimento científico, separada da literatura. Fochi (2015) apresenta que quando os primeiros diplomas em História foram emitidos, imediatamente foram fundadas as primeiras revistas de caráter erudito e científico. UNIDADE 1TÓPICO 114 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Os historiadores se preocupavam no sentido de promover uma acumulação volumosa de trabalhos científicos, os temas ganhavam uma abordagem linear e eram enriquecidos pelos conhecimentos de outras áreas como a antropologia, numismática, paleografia, epigrafia, diplomacia, entre outras. Rüsen (1997) explica que o Iluminismo deu o primeiro passo na direção dos procedimentos de crítica das fontes e da formulação de método histórico. Entre os principais estudiosos pode-se relacionar Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Isaac Newton (1643-1727), Voltaire (1694-1778) Montesquieu (1689-1755). Segundo Ruanet (1987) o Iluminismo, oferecia inúmeras possibilidades ao homem de sua época, porém que com o passar dos tempos acabou por apresentar equívocos e erros: Ele acenou ao homem com a possibilidade deconstruir racionalmente o seu destino, livre da tirania e da superstição. Propôs ideais de paz e tolerância, que até hoje não se realizaram. Mostrou o caminho para que nos libertássemos do reino da necessidade, através do desenvolvimento das forças produtivas. Seu ideal de ciência era o de um saber posto a serviço do homem, e não o de um saber cego, seguindo uma lógica desvinculada de fins humanos. Sua moral era livre e visava uma liberdade concreta, valorizando como nenhum outro período a vida das paixões e pregando uma ordem em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não fosse oprimido pela religião, e a mulher não fosse oprimida pelo homem. Sua doutrina dos direitos humanos era abs- trata, mas por isso mesmo universal, transcendendo os limites do tempo e do espaço, suscetível de apropriações sempre novas, e gerando continuamente novos objetivos políticos. (RUANET, 1987, p. 26). Isaac Newton, físico, matemático, filósofo e teólogo inglês ficou amplamente conhecido com os três volumes de ‘Princípios matemáticos da filosofia natural’, nos quais constam as famosas Leis de Newton, que compõem os princípios da mecânica e de todo o pensamento moderno. As leis de Newton contêm o princípio de ‘inércia’, em que todo corpo continua em seu estado (repouso ou movimento) a menos que seja forçado a mudar; o princípio de ‘dinâmica’ em que a mudança é proporcional à força atribuída; e o princípio de ‘ação e reação’ em que para toda ação há sempre uma reação oposta e em igual proporção. Um século anterior ao florescimento do movimento do Iluminismo existia o movimento intelectual chamado de pensamento cartesiano. René Descartes (1596-1650) foi um dos principais ideólogos e propagadores das ideias iluministas. Escreveu a obra Discurso sobre o método, (Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência) publicada no ano de 1637, na qual consta a defesa da ideia de que para encontrar a verdade fazia-se necessário empreender os procedimentos científicos tais como: fragmentar, fracionar, romper em partes, reduzir, dividir: quebrar a integridade dos seres e das coisas; o que sustentaria basicamente todo sistema e paradigma chamado cartesiano. Este paradigma possuía forte relação com conhecimentos matemáticos e mecânicos, e buscava essencialmente obter certeza e eliminar qualquer resquício de dúvida tanto diante dos seres da natureza, fatos e fenômenos sociais. Descartes buscava provar a existência do próprio eu (que duvida: portanto, é sujeito de algo); que se expressava na máxima Ego cogito ergo sum, "eu que penso, logo existo". UNIDADE 1 TÓPICO 1 15 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Rejeitava as formas de conhecimento do mundo realizadas através dos sentidos, da intuição, da subjetividade e dos sentimentos, defendendo a razão e o pensamento como formas mais coerentes e significativas de conhecer. Para tanto, como método para realizar esta tarefa, propôs que se faziam necessários os seguintes procedimentos: • VERIFICAR: evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada. • ANALISAR: dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples. • SINTETIZAR: agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro. • ENUMERAR: as conclusões e princípios utilizados, a fim de estabelecer coerência e ordem do pensamento. Uma das críticas que foi feita ao método proposto por Descartes é a de que uma vez divididas e reagrupadas todas as partes de um animal, por exemplo, o custo inerente e imprescindível seria a vida daquele ser, ou seja, o reagrupamento não seria capaz de reverter o rompimento e a desintegração da vida que havia ocorrido em meio ao processo de investigação. Na essência da filosofia de Descartes encontra-se a noção de ceticismo com relação ao conhecimento histórico. Descartes não identificava na História conhecimentos coerentes e com potencial de verdade, pois considerava a História (o estudo do passado) uma espécie de fuga da realidade; que um estudioso, uma vez mergulhado no passado, ficava estranho, indiferente ao momento presente, à realidade; e de que as narrativas históricas resultavam do conhecimento indireto do passado, e que eram exageradamente fantasiosas, lendárias e fabulosas, não dignas de confiança. 3.1 O EXEMPLO DE GIAMBATTISTA VICO O homem é uma vontade, uma força e um conhecimento que tende para o infinito. Giambattista Vico Giambattista Vico (1668-1744), filólogo e historiador italiano, foi um pensador que se interessou por direito, poesia, história, mitologia e linguagem, as ‘novas ciências humanas’, como eram chamadas em sua época. Foi responsável pela escrita de ‘Ciência Nova’ publicada em 1725, que se tornou um clássico no campo da teoria da História, cujo valor e relevância somente foi reconhecida postumamente. UNIDADE 1TÓPICO 116 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A A obra de Vico se encontra em contraponto à duas tradições, tanto a da época medieval como da época moderna, pois procura desvencilhar-se da tradição que atribuía à história uma finalidade teológica (época medieval), apresentava-se como um erudito antirracionalista, assistemático, cujos escritos eram de difícil leitura e interpretação, isto em pleno Iluminismo, época em que vigorava o modelo cartesiano. As principais críticas de Vico ao pensamento de seu tempo voltavam-se ao Iluminismo cartesiano, no ponto em que o homem não poderia conhecer o que não é fruto da própria criação, que só é possível conhecer com propriedade o que se fez e os seres da natureza não são obras humanas. Para Vico, a matemática, as artes, a história, os costumes e a cultura são conhecíveis; já os animais, as florestas, as aves, e demais seres da natureza constituem um conhecimento não verdadeiro. No que se refere em específico ao campo da história, Vico fez inúmeras contribuições. Vico defendia que o processo de realização do homem não se dava de forma linear e que não se encontrava em marcha constante e que partia do homem natural ao homem civilizado, do mitológico ao científico; mas que ocorria em uma relação de integração progressiva, cíclica, espiralada, helicoidal, da emoção à razão, da fantasia ao pensamento racional, conforme procura expressar a imagem da escada espiral a seguir: FIGURA 1 - FOTO DE AFONSO MASEDA VARELA. MUSEUS DO VATICANO FONTE: Disponível em: <http://www.minube.com.br/fotos/sitio-preferido/3405/7639507>. Acesso em: 15 jan. 2016. UNIDADE 1 TÓPICO 1 17 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A ATEN ÇÃO! Caro(a) acadêmico(a)! Você deve se perguntar: – isso nada mais é que o sentido de evolução que o Iluminismo defendia? – Vamos com calma. É exatamente a partir deste ponto que se dá a grande ruptura que Vico apresentava em relação ao pensamento iluminista e evolucionista de seu tempo. Mas vamos ver com mais profundidade como Vico discorreu sobre tal teoria. Para Vico os homens, as nações e as civilizações passam por três fases, nas quais se destacam três linguagens, três tipos de governo e três jurisprudências. Observe o quadro síntese a seguir: QUADRO 2 - A DIVISÃO/EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA SEGUNDO VICO FASE PREDOMÍNIO FASE/ERA DOS DEUSES DA INFÂNCIA, OU DOS SENTIDOS (‘o imã ama o ferro, o sol é namorado da lua’) Quando predominavam os governos mágicos e divinos, ou seja, teocráticos, ou repúblicas monásticas, geridas por autoridades paternas. Centrada em tradições religiosas surgem os primeiros códigos morais, os matrimônios solenes, as famílias; sepultam e cultuam seusmortos. Na civilização grega, pode ser identificada com a época dos oráculos, das adivinhações entre os gregos. Júpiter foi o grande deus deste período, que se manifestava através de raios e trovões. O pensamento e linguagem são cifrados, esotéricos, figurativos, em versos, com acesso apenas à poetas teólogos, que decifravam as mensagens e os mistérios das coisas (coisas com alma, deuses). Coisas inanimadas ganham vida e paixão; a fantasia e a fábula dão sentido ao mundo. FASE/ERA DOS HERÓIS (‘tanto mais robusta a fantasia, tanto mais débil o raciocínio’) Pode ser ilustrada com as experiências da Grécia narrada por Homero em Ilíada e Odisseia (Ulisses, Aquiles e Teseu) e a Roma dos reis (Rômulo). Os heróis, homens fortes, semideuses, passam a ganhar importância diante dos desígnios dos deuses. Surgem as primeiras instituições políticas, os governos são aristocráticos, ocorre a construção das primeiras cidades. A estrutura social era mantida pela autoridade, sem negociação e/ou discussão, pois a vontade de Deus deveria ser atendida. Diferenciam-se os grupos sociais dos patrícios e plebeus, que passam a se relacionar de forma hostil e conflituosa. O pensamento e a linguagem são ao mesmo tempo poéticos, heroicos, herméticos e religiosos. UNIDADE 1TÓPICO 118 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A FASE/ERA DOS HOMENS LEIS RACIONAIS E UNIVERSAIS Corresponde à Grécia Clássica, à Roma Republicana e ao mundo moderno. Processo longo e trabalhoso. Predomínio do governo dos homens, repúblicas populares, porém de fortes conflitos e tensões entre os grupos sociais, que almejavam por igualdade. As distinções sociais são demarcadas pela capacidade de trabalho. Criam-se as condições favoráveis ao desenvolvimento da filosofia, centrada nas questões de verdade e justiça. O reconhecimento dos direitos dos cidadãos fomenta a elaboração dos códigos civis, a polis grega e o fórum romano são os espaços primordiais destas realizações. As leis como a do dever, da consciência e da razão ganham espaço e se tornam universais O pensamento e a linguagem são populares, benignas, modestas, moderadas e de acesso a todos. Ocorre o declínio da fantasia e da imaginação. FONTE: Os autores Vico compreendia que quando uma nação chega ao seu momento de maior expressão na fase/era racional, concreta, lógico-demonstrativa, ocorre uma espécie de retorno ao estágio mitológico, da fantasia, da magia e da lenda; segundo ele as fases/eras vão e vem, retornam, recorrem, recomeçam. Veja como procura explicar Reis (2001, p. 12). Ela avança para a racionalidade, recusando a irrazão (corsi) e, depois, retorna à irracionalidade (ricorsi), para novamente avançar, em um nível acima, em uma razão equilibrada, que integra a razão em si a irrazão (corsi), para recair no irracionalismo. Vico não pode ser taxado como um relativista, de que compreendia cada época como fase/era de forma particular e que possuía importância e relevância indiferente uma da outra, pois aponta costumes e leis que foram elaborados ainda em momentos primitivos, e que significam melhoramentos e desenvolvimentos como verdades universais e que ocorreram em todas as civilizações, tais como o sepultamento dos mortos, o casamento ritualístico e as tradições religiosas. Outra preocupação de Vico em Ciência Nova foi o de demostrar que o direito natural nasceu em todos os povos, mesmo que estes tivessem contato entre si, ou seja, pode-se deduzir que para Vico, as atividades humanas possuem um fundo comum e que é recorrente a todo gênero humano, o que depois mais tarde foi estudado e aprofundado por Carl Jung (1875-1961) e compreendido como ‘inconsciente coletivo’. Vico defendia que a maior criação do homem é a sua própria história, que esta não significa somente uma necessidade política ou econômica, mas o registro da necessidade que o próprio homem tem de se expressar. Com isto Vico pretendia colocar a História em grau de hierarquia maior do que as ciências naturais. Para Vico o conhecimento histórico deveria ser compreensivo, e promover ao ser humano, em sua diversidade, uma autoconsciência de sua própria vida. Estes argumentos foram utilizados posteriormente para justificar a ciência UNIDADE 1 TÓPICO 1 19 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A enquanto disciplina do conhecimento. Burke (1997) considera Vico ‘o homem do futuro que nasceu no passado’, pois anunciava reflexões que seriam contempladas posteriormente pelo historicismo, existencialismo, estruturalismo e na fenomenologia. UNI CARO ESTUDANTE! Inspiraram-se nos estudos de Vico estudiosos de diversas épocas. No século XIX, Goethe, Herder, Dilthey, Ranke, Victor Cousin, Michelet e Marx; no século XX Collingwood, Croce, Meinecke, Levi-Strauss, Piaget e os integrantes dos Annales, que serão abordados na continuidade deste Caderno de Estudos. 4 O IDEALISMO ALEMÃO: AS PERSPECTIVAS DE KANT E HEGEL SOBRE A HISTÓRIA 4.1 O EXEMPLO DE KANT Concordia discors. Kant Immanuel Kant (1724-1804) tem sua produção intelectual e filosófica denominada de filosofia crítica, idealismo transcendental, que tinha como finalidade estabelecer um método cognitivo e uma doutrina da experiência pelo uso da razão que suplantasse a metafísica racionalista dos séculos XVII e XVIII, que ele chamava de sono dogmático. Kant foi leitor de Isaac Newton (1643-1727), John Locke (1632-1704), Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) e David Hume (1711-1776). A principal questão de Kant foi: com que direito e entre quais limites a razão pode formular juízos sintéticos a priori sobre dados do sentido? Pergunta que procurou responder na obra ‘Crítica da razão pura’, escrita entre os anos de 1781 e 1787. As contribuições de Kant à História estão no sentido de favorecerem a compreensão da ideia de progresso da humanidade na sua dimensão cultural. Para Kant os homens possuem planos e objetivos diversos, que almejam por desenvolvimento, e que se movem numa dinâmica UNIDADE 1TÓPICO 120 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A do pior ao melhor, e que deve ser percebida e buscada ao longo de toda a experiência humana e não localizada em experiências individuais. Segundo Kant, o fator responsável por colocar em movimento tal dinâmica residia nos desejos antagônicos do homem em sociedade, o que favorecia o desenvolvimento e a manifestação dos talentos individuais, bem como promovia a diferenciação e o acúmulo de cultura. Bodei (2001, p. 46) afirma que no entendimento de Kant: é com a busca do ganho e com a avareza que nasce o comércio e, por conse- guinte, a benéfica troca entre os homens; é pela vaidade de serem recordados, de deixar o próprio nome, que as pessoas realizam atos de beneficência e fazem erguer hospitais ou asilos; é pela inquietação e pela violência de homens sempre prontos a combaterem-se, que as civilizações entram em contato. Neste raciocínio, tanto leis, instituições e estruturas coletivas eram o resultado materializado do operar de bilhões de homens, mesmo vivendo em tempos e lugares diferentes. Segundo Kant (2001), a História avançava por que existe uma espécie de competição benéfica entre indivíduos e estes para se realizarem como pretendem são dependentes uns dos outros. Para Kant (2001) a civilização é o resultado do ondular de homens comedidos na discórdia pela concórdia e por serem concordes na discórdia. Para explicar este processo, Kant faz analogia entre o homem e uma planta, ao ponto que se não tivéssemos outros indivíduos que concorrem pelos mesmos bens que nós e se fizéssemos somente o que mais nosagrada, seríamos como uma árvore, que se expande de forma horizontal e tranquila. Mas como somos ameaçados pelos próprios semelhantes e podemos perder para estes os bens que possuímos e almejamos, nos expandimos para o alto e de forma vertical; competimos, nos qualificamos para obter e conservar tais bens. UNI Caro(a) acadêmico(a)! Percebe-se aqui a prefiguração da dialética que foi discutida e aprofundada posteriormente por Hegel e Marx. Nos estudos de Kant percebe-se o forte afastamento da noção de que a providência divina representava um fator determinante da História, a ampla defesa da ideia de racionalidade e de télos (fim/alvo) e de progresso, que se há passos contínuos, conduziriam a humanidade à emancipação plena. A história, guiada pela razão, seria a fonte maior a partir da qual se alcançaria a liberdade e a perfeição humana. Estas intenções contagiariam a humanidade e se realizariam em escala universal. A ideia de uma história universal se realizaria na conjugação das forças do homem de posse e uso da razão apoiado nas disposições da natureza. UNIDADE 1 TÓPICO 1 21 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A 4.1.1 A ideia de história cosmopolita Para Kant o fim supremo da natureza seria um ordenamento cosmopolita, em uma federação dos povos na qual cada Estado seria tutelado por uma organização maior. Dosse (2003) descreve que quando Kant trata de uma História cosmopolita, refere-se a um sistema de ordenamento semelhante aos dos corpos celestes. Para assegurar uma sociedade reguladora, o homem encontraria no direito formas de conter as alterações e distorções do uso da liberdade. Raulet (apud Dosse, 2003) apresenta que Kant é contrário à ideia cosmopolita que negligencia o que é oriundo das peculiaridades antropológicas dos povos e das culturas, ou dos impactos da absorção de um Estado por outro e contra toda fusão orgânica dos Estados-nações que, enquanto realidade jurídicas e territoriais, possuem e impõem uma identidade própria. Dosse (2003) apresenta que a concepção de história de Kant é teleológica, que atribui à espécie humana a primordialidade diante dos outros seres da natureza, pois estes são dotados de liberdade e razão. O ser humano em Kant seria o cidadão responsável e principal protagonista da História. Bodei (2001) descreve que, para Kant, a Historiografia constitui um conhecimento que fornece elementos à decifração de nós mesmos, e em especial que dá significado e inteireza à nós mesmos. 4.2 O PENSMENTO HEGELIANO: ESPÍRITO E RAZÃO NA HISTÓRIA Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831) foi influenciado pelas obras de Heráclito (353 a.C-475 a.C), Espinoza (1632-1677), Kant (1724-1804) e Rousseau (1712-1778), assim como pela Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte. Dedicou-se aos estudos do Idealismo Absoluto, procurou investigar a relação entre mente e natureza, sujeito e objeto do conhecimento, para tanto, empreendeu estudos em história, arte, religião e filosofia. Com a obra “Fenomenologia do espírito” pretendeu mostrar que a ideia não é seguir o acumular do desenvolvimento histórico da humanidade na dimensão do tempo, mas de colher os momentos estratégicos, de vicissitudes e ideais que são responsáveis por conferir desenvolvimento ao espírito. Para Hegel o desenvolvimento da realidade passa por três momentos fundamentais: o da ideia, o da natureza e o do espírito. O espírito é o absoluto, o complemento de todas as coisas, o ponto extremo de síntese para a qual tende toda filosofia, ciência, religião e cultura. O espírito não é transcendente em relação ao mundo, mas constitui seu complemento interno e sua essência que é a liberdade. UNIDADE 1TÓPICO 122 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Para Hegel o espírito subjetivo e o espírito objetivo são a via pela qual se vai elaborando o espírito absoluto, cujas formas são a arte, religião e filosofia. Hegel apresenta também a unidade dos opostos, como princípio fundador de uma nova lógica, no sentido de que esta é imanente, de modo que aquilo que é real deve ser caracterizado pela unidade dos opostos. Nesse momento, Hegel se aproxima do que defendia anteriormente Vico quando apresentava as fases/eras humanas como um tecer espiralado. Para Hegel o espírito absoluto e o fio formam a espiral, e que cada anel do espiral é uma determinação do espírito absoluto, que segue, avançando de um anel a outro, configurando assim uma espécie de progresso, e destes ao todo. Bodei (2001) apresenta que para Hegel a História deveria ser olhada na perspectiva de buscar a razão, a finalidade, o objetivo “eu” se encontrava por traz das ações humanas, pois defendia que a História não se explicava pelas intenções conscientes dos homens, mas sim pelas suas paixões e pelos interesses individuais. Para Hegel as paixões são o verdadeiro motor da História, elas realizam a si mesmas e os seus fins segundo as suas finalidades naturais e fazem surgir o edifício da sociedade humana. Hegel não foi tão idealista em defender que somente a consciência/razão é a condutora da História. Segundo Hegel, o ordenamento do mundo é constituído pelo ‘ingrediente’, o das paixões e o outro pelo ‘momento racional’, mas para Hegel o elemento ativo é dado pelas paixões. Para Hegel o ‘Espírito’ é nós mesmos, ou os indivíduos, ou os povos; e ‘Razão’ é o sentido. Para Hegel o homem se apresenta como um animal que não tem uma natureza determinada, mas que se forma incessantemente. Seguindo este raciocínio, a História do passado não é capaz de ensinar alguma coisa de útil ao momento presente; o que coloca Hegel distante da doutrina historia magistra vitae que foi proposta desde os historiadores da época antiga como Heródoto, Tucídides e Cícero. A história apresenta uma racionalidade própria, mas não deve apresentar uma tendência na direção de um telos (fim, alvo) específico. Para Hegel os ‘meios’ são mais importantes que os ‘fins’; ou seja, o navio, o automóvel e o trem são mais importantes do que alcançar e chegar do outro lado do oceano, na cidade, e qualquer destino traçado. Uma vez que se conta com tais recursos, pode-se trilhar novos caminhos, percorrer outras distâncias, chegar a diferentes lugares. Bodei (2001) aborda que os instrumentos inventados pelo homem (conceitos, ideias, máquinas, tecnologias) e que são transmitidos de geração a geração são indispensáveis e primordiais. Segundo ele, nós usamos as nossas energias, nossas paixões, para dominar outras energias, na direção dos objetivos por nós mesmos almejados. O homem se apropria dos meios e os submete à sua finalidade, que são diferentes em cada homem e fornecem diferenciação e contraste diante dos demais homens. UNIDADE 1 TÓPICO 1 23 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A A grande tese de Hegel reside na defesa de que o finalismo ad usum hominis (para uso humano) não existe na natureza e, que quando existe na história, não é por virtude da divina providência, mas unicamente pelos feitos das ações humanas. E o fato de propor a relação de prioridade dos meios diante dos fins distanciava-se do pensamento que havia sido proposto desde Maquiavel (1469-1527), Voltaire (1694-1778) até Herder (1744-1803). Para Hegel a racionalidade está por trás de tudo no mundo e a filosofia tem o poder de compreender a racionalidade da história. O pensamento capta a racionalidade da história. Mas Hegel substitui a história linear do progresso por uma filosofia da contradição, da dialética. O percurso dialético que resulta disso pressupõe uma visão unitária e uma síntese do espírito por meio de suas múltiplasconcretizações. No pensamento de Hegel, o espírito do mundo está na preparação de um desenvolvimento cuja efetividade escapa aos atores, conforme Dosse (2003, p. 236) procura explicar que “todo momento histórico é atravessado por uma contradição interna que lhe dá seu caráter singular, ao mesmo tempo que o prepara para ultrapassar para um novo momento”. Pode-se pensar que se trata de um momento ideal e revolucionário que fornece as condições de superação das condições anteriores. Hegel nos adverte que cada ator acredita realizar unicamente as suas paixões, quando que na verdade, só está cumprindo um destino que está inserido em um vasto contexto. Por conseguinte, os indivíduos não conseguem evitar que aconteça o que deve, tende a acontecer; seja o mal, seja uma guerra, pois impera a razão que é almejada e desejada por um todo, pelo conjunto, por uma nação, um Estado. Nesse raciocínio, o autor explana a ideia de Hegel (1995) de particularidade nos termos de que o Espírito particular de um povo pode declinar, desaparecer, mas ele forma e registra uma etapa na marcha geral do Espírito do Mundo e isso não pode desaparecer. Em Hegel (1995), a partir da ideia de que cada ator acredita realizar suas paixões quando, na verdade, ele só cumpre, apesar dele, um destino mais vasto que o engloba, procura explicar que os indivíduos desaparecem diante da substância do conjunto e este conjunto forma os indivíduos dos quais ele necessita. Os indivíduos não conseguem impedir que aconteça o que deve acontecer. Veja o teor de importância que Hegel (1995, p. 31) atribui à razão no curso da história: O único pensamento que consigo traz a filosofia é o simples pensamento da razão, de que governa o mundo, de que, portanto, também a história universal transcorreu de modo racional. Esta convicção e discernimento é um pressuposto relativamente à história como tal. Na filosofia, porém, isto não é pressuposto algum; demostra-se nela, mediante o conhecimento especulativo, que a razão [...], a substância, como poder infinito, é para si mesma a matéria infinita de toda a vida natural e espiritual e, como forma infinita, a atuação deste seu conteúdo. Dosse (2003) discute que o horizonte de percepção de Hegel sobre a realização do UNIDADE 1TÓPICO 124 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Espírito não foi o de uma história linear do progresso, mas que se dava pelos caminhos da contradição. Para Hegel todo momento histórico é atravessado por uma ‘contradição interna’ que lhe fornece as condições para ultrapassar e adentrar em um novo momento, o que ele denominou como ‘motor da história’. ATEN ÇÃO! A noção de Espírito explicada por Hegel no século XVIII pode ser verificada no século XX por meio da ideologia nazista, que surgiu após a Primeira Guerra Mundial. Acabou por fazer com que os indivíduos, cidadãos alemães, fossem unânimes em apoiar as razões do governo de Hitler em submeter a população judaica ao holocausto. LEITURA COMPLEMENTAR O olhar de Hegel sobre a história e seus heróis Agemir Bavaresco Entrevista concedida à Márcia Junges e Ricardo Machado, do Instituto Humanistas da Unissinos On Line (IHU On Line). IHU On-Line - Quem eram os heróis na História segundo Hegel? Agemir Bavaresco - A figura do herói aparece ao longo de toda a trajetória intelectual de Hegel. Ele apresenta muitas figuras de heróis que atravessam a história, desde a antiga Grécia (heróis na cultura) até a modernidade (heróis na moral e na política). Para compreender quem são os heróis, é preciso levar em conta a teoria da ação que justifica o agir do herói na história. Na Fenomenologia do Espírito (Petrópolis: Editora Vozes, 1992), Hegel usa, ao menos 12 vezes, explicitamente, a palavra herói vinculada às figuras da consciência, agindo na cultura e na política. Aqui, nós encontramos uma das chaves da teoria da ação, pois se trata de um silogismo formado pelo fim, meio e objeto, expressando-se como interesse, meio e circunstâncias. Ele descreve a consciência ativa, por exemplo, na figura do herói moderno, que se especializa em atividades como comércio, artesanato etc., constituindo a esfera da sociedade civil em formação. Os indivíduos como heróis modernos tendem a se fixar em sua tarefa privada, trabalhando de forma isolada. Porém, o conceito de individualidade contém a reflexividade relacional, tornando a ação universal. Ou seja, o indivíduo descobre o público no seu agir privado, isto é, ele, pouco a pouco, universaliza-se na ação pública. O sujeito burguês é reconhecido como singular na esfera da sociedade e na intimidade familiar e, ao mesmo tempo, é reconhecido como universal na esfera pública. Este duplo reconhecimento é a identidade entre o Eu e o Nós que é realizado no sujeito burguês. Então, os heróis, para UNIDADE 1 TÓPICO 1 25 T E O R I A D A H I S T Ó R I A E H I S T O R I O G R A F I A Hegel, são aquelas figuras históricas, tanto individuais como coletivas, que são capazes de articular a dimensão privada com a pública, ou seja, a ação que realiza os interesses privados conduz a ampliar a participação nos interesses sociais e públicos. IHU On-Line - Qual é a fundamentação filosófica e quais as influências da ideia de herói nesse autor? Agemir Bavaresco - Na Filosofia do Direito, Hegel usa sete vezes, explicitamente, o termo herói, que está vinculado à figura dos grandes homens ou indivíduos. O herói e o grande homem, em sentido amplo, têm sua fundamentação no agir inserido em mediações históricas constituídas pelas estruturas da liberdade, ou seja, a pessoa de direito, o sujeito moral e o cidadão membro da sociedade civil e do Estado. Os direitos do indivíduo são afirmados no interior de uma comunidade ética em que a liberdade pessoal e pública é garantida num sentido político-pedagógico: “Faze-o cidadão de um Estado no qual as leis são boas”, afirma Hegel em Princípios da Filosofia do Direito (HEGEL, G. W. F. Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses e outros. São Paulo: UNISINOS/ UNICAP/LOYOLA, 2010). Esta é a resposta de um pitagórico a um pai que lhe pergunta qual é a melhor maneira de educar seu filho. Esta resposta mostra que o indivíduo é mediatizado pelo Estado, num processo pedagógico em que ele se torna um cidadão. Para que ocorra uma mudança essencial na história não é suficiente apenas a boa vontade ou as boas ideias, mas a ação. “O que o sujeito é, é a série de suas ações”, afirma Hegel na Filosofia do Direito. A essência do homem não está apenas no seu interior, mas se exterioriza. A história não é um processo anônimo que sucede sem os indivíduos acima deles ou reduzindo- os a meros instrumentos da astúcia da razão. O processo da história existe apenas através da mediação das ações dos indivíduos. São esses os fundadores do Estado, isto é, os heróis que fundam os Estados na história. Ora, são os indivíduos ou os heróis que podem instituir, mediante seu agir, um Estado ou mudar a Constituição de um Estado em direção à liberdade. Por isso, Hegel coloca a fundamentação da ideia de herói na ação, tanto no começo do Estado como nas permanentes mediações dos grandes homens individuais ou coletivos em nível do direito, da moralidade e da eticidade. IHU On-Line - Como pode ser compreendida a ideia de herói em Hegel a partir do autodesenvolvimento do Espírito e a situação histórica? Agemir Bavaresco - Cabe afirmar, inicialmente, que, para Hegel, o critério determinante para avaliar o progresso ou a evolução da história é o grau de consciência da liberdade que os povos alcançam em seu desenvolvimento. Trata-se de uma concepção teleológica da história que encontramos também em Kant, isto
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