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GASTRITE “Gastrite” significa inflamação gástrica... Este termo é utilizado atualmente para indicar a presença de infiltrado leucocitário inflamatório na mucosa do estômago, que pode ou não se associar a alterações do aspecto endoscópico. A gastrite por H. pylori e a gastrite autoimune (anemia perniciosa) são os dois principais representantes. O termo “Gastropatia” foi criado para indicar a lesão da mucosa gástrica, com injúria e regeneração epitelial, edema e vasodilatação, não acompanhados de infiltrado leucocitário. Gastropatia por AINE, lesão aguda de mucosa gástrica e gastropatia alcoólica são os principais exemplos. Antigamente, atribuía-se a gastrite aos sintomas de dispepsia, quando o paciente apresentava na endoscopia enantema ou erosões da mucosa gástrica. Hoje sabemos que a relação entre gastrite e dispepsia é precária, pois a maioria das gastrites é assintomática e a maioria dos pacientes com dispepsia sem úlcera não tem gastrite. Por isso, foi criado o termo “Dispepsia não ulcerosa” ou “Dispepsia funcional” para todo paciente com sintomas dispépticos não acompanhados de úlcera péptica ou neoplasia na endoscopia. Diversas classificações foram criadas na tentativa de agrupar e distinguir as diferentes formas de gastrite, levando-se em conta principalmente seus aspectos clínicos e etiopatogênicos. Há pouco tempo, a classificação das gastrites era feita em três grupos: gastrite erosiva/hemorrágica, gastrite não erosiva (ou inflamatória) e formas raras de gastrite – nesta classificação, o Helicobacter pylori era tido apenas como uma das muitas causas de gastrite não erosiva (ou seja, inflamatória). Com o maior entendimento do papel decisivo do H. pylori tanto na gastrite quanto nas úlceras pépticas, houve necessidade urgente de uma nova classificação. Atualmente, o termo “não erosivo” perdeu o sentido, pois constatou-se que sua principal forma (a gastrite por H. pylori), pode se associar a erosões da mucosa gástrica... Os termos gastrite tipo B (antral), tipo A (corpo-fúndica) e tipo AB (pangastrite) também estão em desuso: menc ionamos apenas a loca l ização predominante da gastrite (gastrite antral, pangastrite) sem associar nenhuma letra (A, B ou AB). Hoje classificamos as gastrites e gastropatias baseando-se em: (1) tempo de instalação (aguda ou crônica); (2) histopatologia (gastrite superficial ou gastrite atrófica ou gastropatia); e (3) etiologia (ex.: gastrite por H. pylori. GASTRITE POR H. PYLORI O H. pylori é um bacilo Gram-negativo que se adere à mucosa gástrica, sobrevivendo neste local graças à secreção de urease (enzima que converte a ureia em amônia, alcalinizando o meio ambiente). O germe não é invasivo, mas possui fatores de virulência que estimulam a resposta inflamatória tecidual (como os produtos dos genes cagA e vacA). Trata-se da infecção crônica mais comum do mundo, geralmente adquirida na infância AGUDA POR H. PYLORI Após aquisição da bactéria, o paciente desenvo lve uma pangastr i te aguda superficial, que pode ser totalmente assintomática ou se apresentar com dispepsia (dor epigástrica, náuseas e vômitos). Neste momento, o histopatológico revela uma gastrite neutrofílica. Tal quadro evolui com resolução espontânea dentro de alguns dias ou semanas, porém, na maioria das vezes, a bactéria não desaparece... A partir daí, três evoluções são possíveis: (1) gastrite crônica leve; (2) gastrite antral crônica; (3) pangastrite crônica grave (atrófica). Em todas elas, o histopatológico revela uma gastrite linfocítica. A gastrite crônica leve representa o fenótipo ma i s comum, cu r sando de fo rma assintomática e sem repercussões clínicas no futuro. A gastrite antral crônica (15% dos casos), por outro lado, se associa à H I PERc l o r i d r i a e à ú l ce r a pép t i c a (principalmente duodenal). O mecanismo é o seguinte: o H. pylori danifica de forma seletiva as células D do antro, secretoras de somatostatina, o que suprime o feedback negativo deste hormônio sobre as células G, secretoras de gastrina... Assim, ocorre hipergastrinemia, que estimula a secreção ácida do corpo e fundo gástrico (os quais se encontram livres de doença nesta forma de gastrite). Na pangastrite grave (forma menos frequente) há destruição e atrofia das glândulas oxínticas do corpo e fundo gástrico, gerando HIPOcloridria. Tal fenótipo se associa às úlceras gástricas, à metaplasia intestinal (lesão precursora do adenocarcinoma) e à hiperestimulação do tecido linfoide associado à mucosa, aumentando o risco de linfoma B de baixo grau (linfoma MALT do estômago). Quando pesquisar infecção pelo H. pylori? A literatura moderna aceita a solicitação de exames com este intuito nas seguintes situações: 1- Doença ulcerosa péptica. 2- Linfoma MALT. 3- Dispepsia não ulcerosa. 4- Síndrome dispéptica sem indicação de EDA. 5- História de Ca gástrico em parente de 1º grau. 6- Lesões pré-neoplásicas (gastrite atrófica, metaplasia intestinal). 7- Após tratamento do adenocarcinoma gástrico. 8- Usuários crônicos de AINEs ou AAS. 9- Diagnóstico de PTI. 1 0 - Screen ing na popu lação gera l assintomática em países com elevada incidência de câncer gástrico (Japão, China e Coreia). No ocidente, tal conduta não é preconizada. Os métodos de escolha para documentar doença ativa são a pesquisa de antígeno fecal e o teste respiratório da ureia (marcada com C13). A sorologia para H. pylori possui menor sensibil idade que os métodos anteriores, além de não confirmar doença ativa, já que pode refletir apenas uma “cicatriz sorológica” (por este motivo vem caindo em desuso no diagnóstico da infecção). Os IBP devem ser suspensos 7-14 dias antes dos exames, já que podem produzir um resultado falso-negativo... O diagnóstico também pode ser dado por meio da EDA (teste rápido da urease ou histopatológico de um fragmento de biópsia). Contudo, não se indica EDA exclusivamente para diagnóstico de H. pylori… Tais métodos poderão ser empregados caso uma EDA seja solicitada por outros motivos GASTRITE ATRÓFICA AUTOIMUNE Envolve predominantemente a mucosa do corpo e fundo gástricos, poupando o antro. É frequente a associação com outras doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves . Autoanticorpos podem estar presentes: anticélula parietal (o mais frequente) e antifator intrínseco (o mais específico). A falta do fator intr ínseco leva à anemia megaloblástica por carência de B12. Esta gastrite é um importante fator de risco para o adenocarcinoma gástrico! GASTROPATIA EROSIVA HEMORRÁGICA Existem três condições principais que normalmente se associam a este tipo de lesão gástrica: • GASTROPATIA PELOS AINES: Pode ser aguda ou crônica e pode cursar ou não com sintomas dispépticos e sangramento digestivo alto (hematêmese, melena). O uso de AINEs está associado à petéquias, erosões e úlceras na mucosa gástrica, sem que haja inflamação típica. As erosões são superficiais, e raramente causam sangramento importante. Em alguns casos, entretanto, estas são responsáveis por sangramento crônico (sangue oculto nas fezes) que resulta em anemia ferropriva. As petéquias são devidas ao sangramento focal que infiltra a mucosa e têm pouco significado clínico. Eventualmente as erosões evoluem para úlceras, com sangramento importante. A fisiopatologia da gastropatia por AINE é bem conhecida: estes fármacos inibem a formação de prostaglandinas pelas células da mucosa gástrica, prejudicando seriamente a proteção contra o ácido gástrico e a própria regeneração epitelial. Deve-se suspender o AINE incriminado e iniciar terapia com IBP. Caso o paciente necessite retomar a terapia anti-inflamatória, devemos fazer profilaxia com IBP. A presença do H. pylori contribui para piorar a lesão gástrica por AINE e, por isso, a erradicação da bactéria está indicada se o paciente tiver que manter os AINE. LESÃO AGUDA DA MUCOSA GÁSTRICAA Lesão Aguda de Mucosa Gástrica (LAMG) ocorre no curso de uma doença grave, frequentemente nos pacientes de CTI, já nas primeiras 72h da internação. O mecanismo de injúria não é totalmente conhecido, mas há participação fundamental de isquemia mucosa. As lesões erosivo/ hemorrágicas são responsáveis por episódios de hemorragia digestiva alta em cerca de 6% desses pacientes, acarretando aumento da morbimortalidade. Os principais fatores de risco são: (1) coagulopatia (plaquetas < 50.000/ml e/ou INR > 1.5); (2) ventilação mecânica > 48h. Na ausência desses fatores, o risco de hemorragia digestiva cai para < 0,1%... Outros fatores de risco são: trauma cranioencefálico, grandes queimaduras, sepse, corticoterapia, uso de vasopressores e história de doença péptica complicada por hemorragia digestiva prévia. A nutrição enteral é fator de PROTEÇÃO, em particular se instituída precocemente. Todo paciente que apresenta fatores de risco para LAMG deve receber profilaxia. A escolha recai sobre os IBP, que podem ser feitos pela via oral/enteral ou venosa (o melhor esquema ainda não foi definido, mas é praxe ministrar IBP 1x ao dia – ex.: p a n t op r a zo l 2 0 mg ) . S e o co r r e r sangramento, o IBP passa a ser feito em infusão venosa contínua (ex.: pantoprazol 80 mg em bolus, seguido de 8 mg/h), associando-se, pela via oral/enteral, o sucralfato em suspensão (substância viscosa que protege a superfície gástrica – dose: 1 g de 4/4h). Uma EDA deve ser feita nas primeiras 24h, após estabil ização do paciente. O objetivo é identificar lesões passíveis de hemostasia endoscópica (ex.: erosões focais sangrantes ou com vaso visível). Na presença de hemorragia difusa, a terapia endoscópica é largamente ineficaz. GASTROPATIA ALCOOLICA Comumente são encontradas em pacientes a lcoó latras hemorragias subepite l ia is puntiformes, com aspecto endoscópico de “sangue sob envoltório plástico”, associadas a o e d e m a d e m u c o s a . E m b o r a anteriormente denominadas “gastrites hemorrágicas”, estas lesões não costumam c a u s a r s a n g r ame n t o i m p o r t a n t e . Sangramentos graves indicam a procura de outras condições (úlcera péptica, hipertensão porta, Mallory-Weiss etc.). O real papel do álcool nessas lesões ainda não está claro... Na prática, é comum o tratamento empírico com IBP, associado ou não ao sucralfato DISPEPSIA NÃO ULCEROSA (FUNCIONAL) Dispepsia ou síndrome dispéptica é um conjunto de sintomas que acomete 20-40% da população e pode ser classificada em orgânica (associada à úlcera péptica ou qualquer outra patologia gastroduodenal, excetuando-se a gastrite) ou funcional. A dispepsia funcional pode vir associada à DRGE, à síndrome do cólon irritável e/ou à dor torácica não cardíaca. Os sintomas da dispepsia são: epigastralgia (“tipo úlcera”), desconforto epigástrico, náuseas, vômitos, saciedade precoce, plenitude pós-prandial, distensão abdominal e eructações. Tais sintomas podem ser agrupados em três padrões clínicos de dispepsia: • Dispepsia “tipo úlcera”: predomina a dor epigástrica, frequentemente aliviada por antiácidos, bloqueadores H2 ou alimento, eventualmente despertando o paciente à noite. Tem caráter periódico (períodos do lorosos de semanas a meses , intercalados com remissões de, no mínimo, duas semanas) • Dispepsia “tipo dismotilidade”: predomina o desconforto abdominal, além de saciedade precoce, náusea, peso epigástrico pós- prandial, vômito, sensação de gases no abdome sem distensão abdominal. • Dispepsia “tipo inespecífica”: sintomas vagos e inespecíficos que não se enquadram nos dois tipos anteriores. Para o diagnóstico de dispepsia não ulcerosa, ou dispepsia funcional, são necessários pelo menos 12 semanas de sintomatologia, não necessariamente consecutivas. TRATAMENTO O tratamento da dispepsia funcional representa um dos maiores desafios dentro da gastroenterologia… Uma boa relação mé d i c o - p a c i e n t e c o n t i n u a s e n d o determinante e fundamental no tratamento dos transtornos funcionais. A primeira conduta é tranquilizar o paciente quanto ao caráter benigno de seu quadro, sem desmerecer seus sintomas. Quanto à dieta, devemos respeitar as intolerâncias específicas de cada paciente. A saciedade precoce pode ser a l iv iada com o fracionamento das refeições e a plenitude pós-prand ia l , ev i tando-se a l imentos gordurosos e condimentos. A psicoterapia tem bons resultados em um subgrupo de pacientes, especialmente quando os fatores emocionais parecem predominar. O tratamento farmacológico em geral é pouco eficaz quando comparado ao placebo! Vale ressaltar que o placebo pode melhorar transitoriamente 30-60% dos pacientes, mostrando a necessidade de se prescrever algum medicamento para eles... Como já enfatizamos, se o H. pylori estiver presente recomenda-se instituir o tratamento de erradicação da bactéria. Para os pacientes com dispepsia “tipo úlcera”, os bloqueadores H2 e os IBP se mostraram 20% superiores ao placebo, devendo ser prescritos por 1-2 meses. A domperidona (Motilium) 10 mg 12/12h tem sido o procinético mais recomendado na dispepsia “tipo dismotilidade”, por apresentar vantagens de menor toxicidade em relação à metoclopramida e à cisaprida. Os antidepressivos tricíclicos (amitripti l ina, imipramina) e a fluoxetina, em baixas doses, mostraram eficácia em alguns estudos. Referência usada: Med Curso
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