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Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA Insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento (pré- carga). Devido à heterogeneidade e à complexidade da IC, não existe uma definição amplamente difundida e aceita. Geralmente, resulta de alterações estruturais ou funcionais cardíacas e caracteriza-se por sinais e sintomas típicos, que resultam da redução no débito cardíaco e/ou das elevadas pressões de enchimento no repouso ou no esforço. Salienta- se a diferenciação entre “insuficiência miocárdica”, que ocorre quando a contração miocárdica é comprometida, e a “insuficiência circulatória”, que se dá quando uma anormalidade de algum componente da circulação é responsável pela manifestação da IC. Basicamente, se resume a sintomas correlatos (aumento na pressão de enchimento do VE = síndrome congestiva pulmonar; baixo débito = exaustão, síncope ou mesmo choque cardiogênico). A maioria dos casos é devida à perda de massa miocárdica, cursando com dilatação e/ou hipertrofia compensatória do VE. Essa resposta compensatória envolve ativação neuro-hormonal (sistema adrenérgico, sistema renina-angiotensina-aldosterona), e é justamente a hiperatividade neuro-hormonal a responsável direta pelas alterações deletérias observadas no cardiomiócito (isto é, há cardiotoxicidade de mediadores como epinefrina, angiotensina II e aldosterona). Na ausência de tratamento adequado (bloqueio farmacológico da hiperativação neuro-hormonal), a IC será progressiva e levará o paciente a óbito. CONCEITOS INICIAIS A insuficiência cardíaca normalmente ocorre devido à alterações das funções sistólica (mais comumente) e/ou diastólica dos ventrículos, no entanto em situações menos comuns também pode ser causada por um aumento da demanda tecidual de perfusão. A IC pode ocorrer em pacientes com função sistólica preservada, o que é avaliado pela fração de ejeção (FE) do paciente. Pacientes com FE≥50%, apresentam insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp), enquanto pacientes com FE≤40% apresentam insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr). O grupo de pessoas com FE entre 40 e 50% não é definido como tendo FE reduzida ou aumentada, no entanto alguns estudos apontam que eles apresentam prognóstico e quadro clínico semelhante ao dos pacientes com ICFEp. O termo insuficiência cardíaca congestiva (ICC) é muito usado na prática clínica por descrever uma consequência muito comum da IC, o aumento da pressão hidrostática nos capilares que causa extravasamento de líquido para o interstício e, portanto, o fenômeno de congestão. CICLO CARDÍACO O coração é um órgão que tem o papel de uma bomba hidráulica. Na histologia, é visível uma camada muito proeminente de músculo cardíaco. Sendo assim, tem a capacidade de alterar a pressão para gerar o fluxo, em um sistema fechado em que o fluído é o sangue, no momento de sístole e diástole (contração e relaxamento). ▪ Coração direito: ejeta o sangue para a circulação pulmonar. ▪ Coração esquerdo: ejeta o sangue para a circulação sistêmica. CICLO O ciclo cardíaco tem uma sequência de etapas estabelecidas, que didaticamente são divididas em: sístole, diástole e o enchimento ventricular. ▪ Sabemos que a diástole ocorre após a sístole, ou seja, após a ejeção de sangue pela contração ventricular. No momento inicial da diástole, temos o fechamento das válvulas semi-lunares (aórtica e pulmonar) para evitar o refluxo de sangue para os ventrículos, com isso gerando a SEGUNDA bulha cardíaca – B2 (fechamento das válvulas semi-lunares). ▪ O sangue chega ao átrio, promovendo o enchimento e peso nas válvulas atrioventriculares. Em seguida, temos a abertura das válvulas mitral e tricúspide e o sangue flui dos átrios para os ventrículos na chamada fase de enchimento rápido ventricular. As válvulas mitral e tricúspide permanecem abertas durante um período e o sangue proveniente dos leitos venosos (cavas e pulmonares) fluem diretamente para os ventrículos passando direto pelos átrios. Enquanto isso, as semilunares permanecem fechadas. ▪ Na fase final da diástole, com as válvulas mitral e tricúspide ainda abertas, ocorre contração atrial para encher ao máximo os ventrículos, atingindo então a pressão de enchimento ventricular ou pressão diastólica final (PD2). A partir desse momento, com os ventrículos repletos de sangue, inicia-se a sístole ventricular, fazendo com que os ventrículos se contraiam e, para que não haja refluxo de sangue para os átrios, ocorre fechamento das válvulas mitral e tricúspide, gerando a PRIMEIRA bulha (B1). ▪ Após o fechamento mitral e tricúspide, a pressão dentro dos ventrículos vence a pressão nos leitos Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA arteriais (aórtico e pulmonar), gerando abertura das válvulas aórtica e pulmonar, ocorrendo então a ejeção do sangue e iniciando o esvaziamento ventricular. Durante o esvaziamento ventricular, a pressão intracavitária vai caindo progressivamente, até o ponto em que fica menor que a pressão dos vasos (Aorta e A. Pulmonar), causando novamente o fechamento das válvulas semi-lunares, reiniciando o ciclo. EPIDEMIOLOGIA ▪ A IC é um importante e crescente problema de saúde pública em todas as regiões do mundo. ▪ A IC mantém-se como patologia grave, afetando, no mundo, mais de 23 milhões de pessoas. ▪ Nos Estados Unidos, aproximadamente 5 milhões de pacientes apresentam insuficiência cardíaca, sendo diagnosticados mais de 550 mil novos casos por ano. ▪ No Brasil, estima-se que cerca de 300 mil internações ocorrem devido à insuficiência cardíaca, consumindo milhões de reais por ano, sendo a primeira causa de internação pelo SUS nos pacientes acima de 60 anos de idade. ▪ A incidência de IC vem aumentando nas últimas décadas, atingindo uma prevalência em torno de 2% da população geral; esse aumento é justificado por três fatores principais: (1) envelhecimento populacional (até 10% nos pacientes > 80 anos têm IC); (2) maior prevalência das doenças precursoras (HAS, obesidade, DM); e (3) melhora no tratamento de doenças associadas que antes limitavam a sobrevida do paciente. ▪ A IC com fração de ejeção preservada é responsável por aproximadamente metade dos casos, acomete preferencialmente mulheres, pessoas de faixas etárias mais elevadas e hipertensos. ▪ No Brasil, a IC representa a principal causa de morbimortalidade segundo o Datasus; dados mostraram elevada taxa de mortalidade hospitalar e como principal causa de re-hospitalizações a má adesão à terapêutica básica. ▪ A sobrevida após 5 anos de diagnóstico pode ser de apenas 35%, com prevalência que aumenta conforme a faixa etária (aproximadamente de 1% em indivíduos com idade entre 55 e 64 anos, chegando a 17,4% naqueles com idade maior ou igual a 85 anos). ▪ A doença reumática e a doença de chagas (DC), continuam presentes, gerando quadros graves. A cardiopatia chagásica causou IC em pacientes mais jovens, com pior qualidade e anos de vida, quando comparada a outras etiologias. FATORES DE RISCO ▪ Histórico Familiar: Ter um histórico familiar de doenças cardiovasculares representa mais chances de desenvolver problemas desse tipo. Nesse caso, o fator hereditário se refere a membros diretos da família, como pai, mãe e irmãos, e a idade na qual eles apresentaram a doença também influencia para um maior ou menor risco. ▪ Idade: As pessoas mais afetadas por doenças cardiovasculares estão acima dos 65 anos, pois, com o envelhecimento, aumentam os problemas que afetam a saúde do coração. No entanto, a idade é apenas um fator de risco e não significa que pessoas jovens e até crianças estejam imunes a doenças cardiovasculares. ▪ Sexo: Homens têm mais chances de ter problemas cardíacose os infartos, por exemplo, costumam ocorrer em uma faixa etária menor. Entre as mulheres, a menopausa aumenta os riscos, mas, mesmo assim, a probabilidade ainda é mais baixa que a da população masculina. ▪ Tabagismo: O risco de um ataque cardíaco em um fumante é duas vezes maior do que em um não fumante e mesmo o fumante passivo apresenta mais riscos. Isso porque as toxinas do tabaco danificam a camada interna dos vasos, estreitam os tubos sanguíneos e aceleram o aparecimento de placas de gordura, um conjunto de fatores propício para infartos. ▪ Colesterol e Triglicerídeos: Quanto mais altos os níveis de colesterol e triglicerídeos, maiores os riscos de desenvolver doenças do coração, devido ao acúmulo de gordura nas artérias, o que dificulta o bombeamento de sangue pelo corpo. ▪ Hipertensão: O Ministério da Saúde estima que mais de 30% da população brasileira adulta tenha hipertensão (pressão alta) e quase metade nem saiba disso, o que aumenta os riscos de complicações, já que é o mais significativo dos fatores de risco para doenças cardíacas. A pressão elevada pode danificar as paredes das artérias e aumentar o risco de formação de coágulos, dificultando a passagem do sangue e, assim, aumentando as chances de um infarto. ▪ Sedentarismo: Manter uma rotina de exercícios físicos regulares é um dos principais passos para prevenir doenças cardiovasculares, pois as atividades físicas evitam a formação de placas de gordura e aumentam a capacidade dos vasos de contrair e relaxar. Por outro lado, quem tem um estilo de vida sedentário tem maior tendência ao ganho de peso, o que pode https://imeb.com.br/como-prevenir-doencas-cardiacas/ https://imeb.com.br/como-prevenir-doencas-cardiacas/ Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA levar a níveis de colesterol mais elevados, hipertensão e diabetes, por exemplo. ▪ Obesidade: De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 600 milhões de pessoas no mundo estão obesas e, portanto, no grupo de risco para doenças cardiovasculares. O excesso de peso exige um esforço maior do coração e, mesmo se não houver outros fatores de risco, aumenta a probabilidade de a pessoa desenvolver uma doença cardíaca. Como a gordura costuma se acumular na região do abdômen, a circunferência abdominal é considerada um indicativo de risco para problemas do coração. Homens com medidas acima de 88 centímetros e mulheres com medidas superiores a 102 centímetros estão mais propensos a uma doença cardiovascular. Por isso, perder peso não é uma questão estética, mas de qualidade de vida e saúde de modo geral. ▪ Diabetes: O diabetes aumenta o risco de doenças cardiovasculares e ainda torna outros fatores de risco mais significativos. Quando o nível de glicose no sangue está muito alto e a produção de insulina é insuficiente, a glicose pode provocar alterações físicas perigosas para o coração. Por essa razão, é importante o diagnóstico e o tratamento correto, com mudanças na alimentação e estilo de vida, para reduzir seus efeitos nocivos. ▪ Anticoncepcionais Orais: Apesar de serem inofensivos para a maioria das mulheres, os comprimidos anticoncepcionais, mesmo com pequenas doses de hormônios, podem aumentar os riscos de doenças cardiovasculares para fumantes, hipertensas e diabéticas. Mulheres que estão nesses grupos devem consultar o ginecologista antes de tomar qualquer anticoncepcional oral. ▪ Alcoolismo: O consumo excessivo de álcool pode causar hipertensão, alteração no ritmo do coração e aumento de peso, pois bebidas alcoólicas costumam ter alto valor calórico. Em função disso, a pessoa que consome álcool de forma excessiva também fica mais sujeita a desenvolver doenças cardiovasculares. ▪ Estresse: Embora não esteja diretamente relacionado a problemas do coração, o estresse pode levar a hábitos como fumar, alimentar-se mal ou consumir álcool excessivamente, todos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Portanto, encontrar uma forma saudável de aliviar a tensão é essencial para não transformá-la em mais uma inimiga de sua saúde cardíaca. ETIOLOGIA A etiologia da IC tem importância fundamental, visto que o prognóstico difere entre diversas causas, e o tratamento específico pode mudar a história natural. O perfil clínico da IC crônica envolve indivíduos idosos portadores de várias etiologias, sendo a isquêmica a mais comum, com alta frequência de morbidades associadas. No Brasil, o controle inadequado de hipertensão arterial e diabetes mellitus favorece esse cenário. Ainda considerando a realidade brasileira, a persistência de condições negligenciadas como a doença reumática e a doença de Chagas, embora menos relevantes do que no passado, continuam presentes como causas frequentes da IC. A IC pode ser dividida em sistólica e diastólica. As etiologias desses dois tipos diferem entre si, embora haja pontos importantes de interseção. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA SISTÓLICA A insuficiência cardíaca sistólica está geralmente associada a uma cardiopatia dilatada. As causas de cardiopatia dilatada são múltiplas, mas predominam a HAS e a doença isquêmica. Algumas vezes, entretanto, a causa é uma doença intrínseca do miocárdio – uma miocardiopatia primária, devendo ser sempre suspeitada no indivíduo com dilatação ventricular sem histórico de HAS, valvopatia ou coronariopatia. Em tais casos existem três diagnósticos principais: (1) cardiomiopatia dilatada idiopática; (2) cardiomiopatia alcoólica; e (3) cardiomiopatia chagásica. Nos EUA, a doença coronariana supera a HAS como causa de insuficiência cardíaca, mas, no Brasil, não se sabe exatamente qual é a causa predominante. Na realidade, as duas entidades (HAS e coronariopatia) estão muito associadas na prática. As doenças valvares também são causas relativamente comuns de insuficiência cardíaca em nosso meio, já que estamos em um país onde persiste a endemia de febre reumática. As três valvopatias que levam à sobrecarga ventricular esquerda são: estenose aórtica, insuficiência aórtica e insuficiência mitral. A estenose mitral não sobrecarrega o VE (pelo contrário, costuma poupá-lo); contudo, é uma causa muito importante de HAP secundária e que pode evoluir futuramente para Insuficiência Ventricular Direita (IVD). Outras causas menos comuns de insuficiência cardíaca sistólica crônica são: miocardiopatia periparto, miocardites (virais, HIV, colagenoses, vasculites), taquicardiomiopatia, distúrbios endócrinos, miocardiopatia por cocaína, uso de certos quimioterápicos (doxorrubicina, daunorrubicina) e distúrbios nutricionais (ex.: deficiência de selênio). Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DIASTÓLICA Nos casos de insuficiência cardíaca diastólica, a HAS e a fibrose (sequela de IAM) aparecem como causas importantes. O próprio envelhecimento é considerado uma causa de IC diastólica. Também existe uma miocardiopatia primária que deve ser lembrada: a miocardiopatia hipertrófica. Outras causas incluem: desordens infiltrativas (sarcoidose, amiloidose) e a hemocromatose, que perfazem o grupo das cardiopatias “restritivas”. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AGUDA Quando falamos sobre IC aguda, nos referimos a um paciente previamente hígido que abriu um quadro de falência cardíaca de instalação rápida. Neste caso, a causa mais comum é o IAM. Outras causas frequentes: miocardite aguda e endocardite infecciosa complicada por rotura da cordoália mitral. IC DIREITA X IC ALTO DÉBITO RESUMO Essa descompensação aguda ou exacerbada pode se dar por: ▪ Aumento da demanda metabólica tecidual (infecções, anemia, estresse, gestação), aumentando o trabalho cardíaco. ▪ Aumento da pós-carga (HAS mal controlada). ▪ Aumento excessivo da pré-carga (abuso de sal, drogas retentoras de líquido). ▪ Diminuição da capacidade contrátil do coração (IAM, isquemia, drogas). ▪ Diminuição do tempo diastólico para o enchimento ventricular (taquiarritmias).▪ Diminuição diretamente do DC (bradiarritmias) FISIOPATOLOGIA Apesar das repetidas tentativas de descobrir um mecanismo fisiopatológico único que explique de forma precisa a síndrome clínica da insuficiência cardíaca (IC), nenhum paradigma conceitual isolado tem resistido ao teste do tempo. Enquanto os clínicos viam a IC como um problema de excessiva retenção de água e sódio causado por anormalidades no fluxo sanguíneo renal (chamado modelo cardiorrenal) ou falha do bombeamento (modelo hemodinâmico ou circulatório), não havia explicação adequada para a implacável progressão da doença que ocorre nesta síndrome. Atualmente, se concentra nas mudanças moleculares e celulares inerentes à IC com função sistólica reduzida, com ênfase na ativação neuro-hormonal e no remodelamento do ventrículo esquerdo (VE) como determinantes primários para a progressão da doença na IC. Distúrbios hemodinâmicos, contráteis e do movimento da parede na IC, cateterismo cardíaco, imagens por radionuclídeos e avaliação clínica dos pacientes com IC. PATOGÊNESE A IC pode ser vista como uma doença progressiva iniciada após um evento índice, que produz um dano no músculo cardíaco com consequente perda dos cardiomiócitos Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA funcionantes, ou, alternativamente, interrupção da capacidade do miocárdio de gerar força, impedindo, assim, a contração normal do coração. Este evento índice pode começar de modo abrupto, como no caso do infarto agudo do miocárdio (IAM); pode ter início gradual ou insidioso, como na sobrecarga de pressão ou de volume; ou ser hereditário, conforme acontece em várias cardiomiopatias genéticas. Independentemente da natureza do evento índice, o que é comum a cada um destes eventos é que todos, de alguma maneira, produzem declínio na capacidade de bombeamento do coração. Na maioria das vezes, os pacientes permanecerão assintomáticos ou minimamente sintomáticos depois do declínio inicial da capacidade de bombeamento do coração ou desenvolverão sintomas após a disfunção estar presente por algum tempo. Apesar de as razões exatas pelas quais os pacientes com disfunção do VE permanecem assintomáticos não serem claras, uma possível explicação é que alguns mecanismos compensatórios que se mantêm ativados no contexto da lesão cardíaca ou de débito cardíaco deprimido parecem modular a função do VE dentro de uma faixa fisiológica/homeostática. Assim, a capacidade funcional do paciente é preservada ou apenas minimamente reduzida. Contudo, na progressão do paciente para IC sintomática, a ativação mantida dos sistemas neuro-hormonais e das citocinas leva a uma série de alterações de estruturas importantes dentro do miocárdio, denominadas coletivamente de remodelamento do VE. FUNÇÃO SISTÓLICA E DIASTÓLICA O coração é um órgão muscular, encarregado de bombear o sangue. Sua mecânica é dependente do relaxamento/contração dos ventrículos e, em menor grau, dos átrios. Toda bomba hidráulica precisa se encher de fluido para depois ejetá-lo, de forma a gerar fluxo. Assim é o nosso coração. Denominamos diástole a fase de enchimento ventricular e sístole a fase de ejeção. O bom funcionamento cardíaco exige que tanto a sístole quanto diástole estejam normais. Ou seja, a função cardíaca pode ser separada em dois componentes: função sistólica e função diastólica. FUNÇÃO SISTÓLICA A função sistólica é a capacidade que o ventrículo possui de ejetar o sangue nas grandes artérias. Um ventrículo normal contém cerca de 100 ml de sangue no final da diástole – Volume Diastólico Final (VDF); faixa normal: 80-150 ml. Deste total, aproximadamente 60 ml são ejetados a cada batimento – é o Débito Sistólico (DS); faixa normal: 40-100 ml. Após ejetar o sangue, o que sobra na cavidade (em torno de 40 ml) é o Volume Sistólico Final (VSF); faixa normal: 30- 60 ml. O fluxo total gerado pelo coração na unidade de tempo é o Débito Cardíaco (DC), determinado pelo produto do débito sistólico com a Frequência Cardíaca (FC). O valor normal é de 4,5-6,5 L/min. O Índice Cardíaco (IC) é o DC corrigido pela área de superfície corporal. O valor normal do índice cardíaco é de 2,8-4,2 L/min/m2. Esse tipo de insuficiência constitui 50-60% dos casos. O problema está na perda da capacidade contrátil do miocárdio. Na maioria das vezes, a disfunção sistólica provoca dilatação ventricular (cardiopatia dilatada) e tem como marco laboratorial uma redução significativa da fração de ejeção (≤ 50%). Existem duas consequências principais: (1) baixo débito cardíaco; e (2) aumento do volume de enchimento (VDF) e, portanto, da pressão de enchimento ventricular, a qual será transmitida aos átrios e sistema venocapilar (congestão). O IAM, a isquemia miocárdica, a fase dilatada da cardiopatia hipertensiva e a miocardiomiopatia dilatada idiopática são exemplos comuns. FUNÇÃO DIASTÓLICA A função diastólica é a capacidade que o ventrículo possui de se encher com o sangue proveniente das grandes veias, sem aumentar significativamente sua pressão intracavitária. Essa capacidade é determinada pelo grau de relaxamento atingido, de modo que o sangue proveniente do retorno venoso se acomode nos ventrículos. Não se enganem: esse processo não é passivo, e sim dependente de energia, justificando a disfunção diastólica encontrada em situações como a isquemia (onde ocorre depleção do ATP). Em corações normais, a pressão diastólica final ou pressão de enchimento ventricular (ou PD2) varia na faixa de 8-12 mmHg. Como a medida das pressões de enchimento exige métodos invasivos, na prática ambulatorial podemos aferir a função diastólica de forma indireta pelo ecocardiograma- Doppler, ao medir a velocidade de fluxo através da valva mitral. Essa insuficiência constitui 40-50% dos casos. A contração miocárdica está normal (com FE > 50%), mas existe restrição patológica ao enchimento diastólico, causando elevação nas pressões de enchimento e, consequentemente, aumento da pressão venocapilar (congestão). O mecanismo pode ser uma alteração no relaxamento muscular e/ou uma redução na complacência ventricular (“ventrículo duro” por excesso de tecido conjuntivo). Na maioria das vezes existe Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA hipertrofia muscular concêntrica, com redução da cavidade. A fase hipertrófica da cardiopatia hipertensiva e a cardiomiopatia hipertrófica são os principais exemplos. RELAÇÃO COM O DÉBITO CARDÍACO A insuficiência cardíaca de baixo débito constitui a maioria dos casos. A disfunção sistólica do VE reduz o Débito Cardíaco (DC), causando hipoperfusão tecidual. Nas fases iniciais o DC pode se manter normal no estado de repouso, mas durante esforço físico o aumento fisiológico do DC não acontece. Na fase avançada, por sua vez, o DC estará reduzido mesmo em repouso, trazendo constantes limitações ao paciente. Já na IC diastólica também se observa uma limitação do DC, especialmente durante a atividade física: não há como elevá-lo sem aumentar a pressão de enchimento em demasia. Além disso, a taquicardia sinusal que acompanha o esforço físico encurta o tempo de diástole, comprometendo ainda mais a capacidade de enchimento ventricular. Podemos afirmar que todas as cardiopatias intrínsecas que promovem ICC o fazem gerando um quadro de IC de baixo débito. A insuficiência cardíaca de alto débito ocorre nas condições que exigem um maior trabalho cardíaco, seja para atender a demanda metabólica (tireotoxicose, anemia grave) ou pelo desvio de sangue do leito arterial para o venoso, através de fístulas arteriovenosas (beribéri, sepse, cirrose, doença de Paget óssea, hemangiomas). Em todos esses casos, apesar do débito cardíaco estar alto, ele está abaixo do desejado em face da alta requisição da função cardíaca. Por exemplo: imagine que na tireotoxicose organismo precisa de um DC > 15 L/min, mas o coração só consegue chegar a 7 L/min, tornando-se, portanto, sobrecarregado,o que leva ao aumento da pressão de enchimento e à dilatação ventricular. MECANISMOS COMPENSATÓRIOS Eventualmente, encontraremos um paciente totalmente assintomático apresentando cardiomegalia no raio X de tórax, ou aumento nos diâmetros ventriculares e redução da fração de ejeção no ecocardiograma. A explicação para este ocorrido é justamente os mecanismos compensatórios (são mais bem compreendidos na IC sistólica e de baixo débito, responsável pela maioria dos casos). LEI DE FRANK – STARLING Por essa “lei fisiológica”, quanto maior for o Volume Diastólico Final (VDF), maior será o débito sistólico e a fração de ejeção. Um maior volume diastólico distende mais os sarcômeros (unidades contráteis dos miócitos), permitindo aos filamentos de actina e miosina um maior potencial para interação bioquímica e gasto energético. Por esse motivo, o ventrículo dilata, aumentando o VDF e, com isso, evitando a queda do débito cardíaco. Após um deficit de contratilidade miocárdica, a dilatação ventricular se instala progressivamente. São dois os mecanismos dessa dilatação ventricular na IC sistólica: (1) esvaziamento incompleto do ventrículo; (2) hipervolemia decorrente da retenção de sódio e água pelos rins. Este segundo mecanismo depende da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (ativado pela hipoperfusão renal), que age aumentando a reabsorção hidrossalina dos rins. A lei de Frank-Starling, no entanto, possui uma importante limitação: um aumento excessivo do volume diastólico final acabará dificultando a performance ventricular, com desestruturação da mecânica das fibras, levando ao aumento das pressões de enchimento e à redução do débito sistólico. A tendência é a evolução (após anos) para um estado de retenção volêmica exagerada, responsável pelos quadros de síndrome de insuficiência cardíaca congestiva. Observe o gráfico: note que, a partir de um certo ponto, nem mesmo os ventrículos com função normal conseguem melhorar seu débito cardíaco com a dilatação ventricular. Além disso, quanto pior a função ventricular, menor será o volume diastólico final em que o ventrículo atingirá seu débito cardíaco máximo. O Volume Diastólico Final (VDF), variável determinante da lei de Frank-Sterling, é mais conhecido como pré-carga cardíaca. Ele depende exclusivamente do retorno venoso ao coração. O retorno venoso, por sua vez, depende da volemia e do tônus do leito venoso (na venocontricção ele aumenta, na venodilatação – ou venoplagia – ele diminui). PNA (Peptídeo natriurético atrial): é um hormônio liberado pelas paredes atriais quando são distendidas (aumento da pressão atrial leva à distensão) – exerce efeito sobe os rins para aumenta a excreção de sal e água. ATIVAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO O reflexo barorreceptor é ativado pela baixa da PA, fazendo com que o sistema nervoso simpático seja hiperestimulado em poucos segundos, enquanto os sinais nervosos parassimpáticos para o coração são inibidos. ▪ A forte estimulação simpática exerce 3 efeitos: aumenta a FC, aumenta a contratilidade do miocárdio e aumenta a RVP (aumentando o retorno venoso). Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Dessa forma, o coração lesionado passa a receber maior quantidade de sangue que a usual e a pressão do átrio continua a aumentar, ajudando o coração a bombear quantidades ainda maiores de sangue. ▪ Os reflexos simpáticos atingem seu máximo em 30 segundos – assim, a pessoa que tem um ataque cardíaco moderado súbito pode sentir apenas dor cardíaca e poucos segundos de desmaio. ATIVAÇÃO DO SRAA Após os primeiros minutos do ataque cardíaco agudo, começa o estado semicrônico prolongado, caracterizado por 2 eventos: retenção de líquido pelos rins e recuperação do próprio coração. Em geral, o débito urinário permanece reduzido abaixo do normal enquanto o DC e a PA permanecerem significativamente abaixo do normal – o débito urinário não retorna ao normal até que o DC e a PA aumentem de volta a níveis (quase) normais. O aumento do volume de sangue aumenta o retorno venoso, porque distende as veias, reduzindo a resistência venosa e permitindo o fluxo mais fácil para o coração – por isso é benéfico. Quando a capacidade de bombeamento do coração for ainda mais reduzida, o fluxo sanguíneo para os rins passa a ser muito baixo, diminuindo a filtração glomerular e, consequentemente, aumentando a retenção de sal e água. Dessa forma, começa a ocorrer retenção de liquido que continua indefinidamente (se não for tratado). Como o coração já está bombeando com sua capacidade máxima, esse excesso de liquido não terá mais efeito benéfico sobre a circulação, levando ao aumento de carga sobre o coração danificado, distensão excessiva do coração (enfraquecendo-o ainda mais), filtração do liquido pelos pulmões (edema pulmonar), desenvolvimento de edema por todo o corpo. CONTRATILIDADE DOS MIÓCITOS REMANESCENTES A contratilidade (inotropismo) dos cardiomiócitos é modulada pelo sistema adrenérgico através da ação da noradrenalina e da adrenalina sobre receptores beta-1 e alfa-1, especialmente o primeiro. O baixo DC estimula barorreceptores arteriais, ativando o sistema nervoso simpático (adrenérgico) que, agindo sobre os receptores citados, induz aumento na contratilidade dos miócitos que ainda não foram lesados gravemente. Desse modo, até certo ponto na evolução inicial da doença o débito cardíaco pode ser “compensado” pelo maior trabalho desses miócitos remanescentes “sobrecarregados”. HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA (HVE) A HVE é definida como um aumento da massa de miocárdio ventricular. Representa o principal mecanismo compensatório inicial nos casos de sobrecarga de pressão ou volume ventriculares. Na sobrecarga de pressão (hipertensão arterial, estenose aórtica), ocorre uma hipertrofia concêntrica, isto é, aumento da espessura da parede ventricular, sem aumentar a cavidade. Na sobrecarga de volume (regurgitações valvares), ocorre hipertrofia excêntrica, isto é, aumento da cavidade predominando sobre o aumento da espessura da parede ventricular. A hipertrofia, além de aumentar o número de sarcômeros e, portanto, a capacidade contrátil total, também reduz a tensão ou estresse da parede ventricular, melhorando a performance cardíaca. Quando o processo inicial é a perda de miócitos, a hipertrofia compensatória pode ocorrer nos miócitos remanescentes – estes ficam maiores e mais espessos, apresentando maior número de fibrilas. A angiotensina II é um dos principais agentes indutores de hipertrofia ventricular na insuficiência cardíaca. Embora seja um mecanismo compensatório, a HVE traz sérios problemas: arritmogênese, piora da função diastólica, além de ser um fator de risco independente para eventos cardiovasculares. AUMENTO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA O que não pode ser compensado pelo aumento do débito sistólico em si pode ser alcançado pelo aumento da frequência cardíaca, mantendo, assim, o débito cardíaco estável. O sistema adrenérgico se encarrega de aumentar o cronotropismo, agindo sobre os receptores beta-1 no nódulo sinusal. REMODELAMENTO CARDÍACO O reconhecimento da existência deste fenômeno mudou totalmente a forma de pensar o tratamento da insuficiência cardíaca. Inicialmente, a queda no débito cardíaco é percebida pelos barorreceptores periféricos que estimulam um aumento no tônus adrenérgico. A elevação da noradrenalina, além de seus efeitos cardiotrópicos, estimula diretamente a liberação renal de renina; contudo, o principal estímulo à ativação do sistema SRAA é a hipoperfusão renal, devido à diminuição do sódio filtrado que alcança a mácula densa e à hipodistensão da arteríola aferente glomerular. A angiotensina e a aldosterona, também possuem o efeito de estimular a produção (ou inibir a recaptação) de noradrenalina. ▪ Noradrenalina: agindo sobre receptores beta-1 e beta- 2 desencadeia a injúria do miócito (efeito “miocardiotóxico”das catecolaminas). O miócito se torna alongado e hipofuncionante, podendo evoluir Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA com apoptose. Como uma espécie de “defesa”, o número de receptores beta-adrenérgicos é reduzido na insuficiência cardíaca avançada (downregulation). ▪ Angiotensina II: agindo sobre os receptores AT1, promove os seguintes efeitos danosos: apoptose do miócito, proliferação de fibroblastos, liberação local de noradrenalina e da própria angiotensina. A ação pelos receptores AT2 ainda é desconhecida. ▪ Aldosterona: agindo sobre receptores citoplasmáticos leva à hiperproliferação de fibroblastos. A ação desses três mediadores, acrescida do efeito de algumas citocinas (ex.: TNF-alfa), contribui sobremaneira para a piora progressiva da disfunção ventricular. A alteração na forma e função do miócito, sua degeneração e a fibrose intersticial resultam no “remodelamento cardíaco”. A parede ventricular será alongada, e sua espessura será reduzida. A forma elipsoide da cavidade é substituída por um formato esférico. Nesse momento, a performance ventricular já se encontra seriamente prejudicada. PÓS-CARGA Pós-carga é a “dificuldade” imposta ao esvaziamento ventricular. Se expressa na tensão da parede miocárdica durante a sístole. O aumento da pós-carga reduz o débito sistólico, e eleva o consumo miocárdico de oxigênio. Tudo que dificulta a ejeção ventricular faz parte da pós-carga. O principal fator é o tônus arteriolar periférico. A vasoconstrição arteriolar aumenta a pós-carga, enquanto a vasodilatação a reduz. O aumento na impedância aórtica (por calcificação) e a estenose da valva aórtica são outros possíveis mecanismos de aumento da pós-carga. Finalmente, o fator relacionado à própria geometria ventricular tem um papel de extrema importância, através da lei de Laplace. Lei de Laplace: esta lei diz que o “estresse” na parede ventricular (E) é diretamente proporcional ao raio cavitário (R) e à pressão intracavitária (P), sendo inversamente proporcional à espessura da parede (h). Está representada da seguinte forma: E = P x R/h. O termo “estresse da parede ventricular” pode ser entendido como análogo à tensão superficial desta parede. Sendo assim, um ventrículo que apresenta diâmetro cavitário muito grande e parede fina precisa fazer um esforço muito maior para ejetar o sangue do que um ventrículo de cavidade menor e maior espessura de parede! Se precisa fazer um esforço maior, é porque sua pós-carga é maior. Na fase sintomática da insuficiência cardíaca o ventrículo trabalha com uma pós-carga elevada, devido a três fatores: (1) vasoconstricção arteriolar periférica; (2) retenção hídrica, levando ao aumento do volume diastólico ventricular; (3) remodelamento cardíaco – maior relação R/h. A redução medicamentosa da pós-carga exerce efeito benéfico sobre a performance cardíaca. TIPOS DE INSUFICIÊN CIA ▪ Insuficiência Cardíaca Esquerda: representa a grande maioria dos casos. É decorrente da disfunção do “coração esquerdo”, geralmente por Insuficiência Ventricular Esquerda (IVE). Cursa com congestão pulmonar (dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna). São exemplos: infarto agudo do miocárdio, cardiopatia hipertensiva (por “sobrecarga” ventricular), miocardiopatia idiopática... Também pode ser causada por doença valvar (ex: estenose mitral com aumento da pressão no átrio esquerdo, sem alterações na pressão do VE). ▪ Insuficiência Cardíaca Direita: decorrente da disfunção do “coração direito”, geralmente por Insuficiência Ventricular Direita (IVD). Cursa com congestão sistêmica (turgência jugular patológica, hepatomegalia, ascite, edema de membros inferiores). São exemplos: cor pulmonale (relacionado à DPOC, obesidade mórbida, pneumopatias, tromboembolismo pulmonar ou hipertensão arterial pulmonar primária), infarto do ventrículo direito e miocardiopatias. ▪ Insuficiência Cardíaca Biventricular: há tanto disfunção “esquerda” quanto “direita”. Cursa com congestão pulmonar e sistêmica. A maioria das cardiopatias que levam à insuficiência cardíaca inicia-se como IVE e posteriormente evolui com comprometimento do VD. Por isso se diz que a causa mais comum de IVD é a própria IVE. CLASSIFICAÇÕES DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Com o objetivo de uma melhor estratégia no seu diagnóstico etiológico e tratamento, a IC pode ser classificada de várias formas. Essa classificação pode ser de acordo com a condição clínica, hemodinâmica, funcional ou a etiologia. ▪ Duração: IC aguda, quando inferior, e crônica quando superior a 6 meses. Utiliza-se o termo “de novo” quando do seu aparecimento. Quanto maior a duração, mais completa pode ser a ativação neuro-hormonal e o remodelamento, com manifestações mais típicas de retenção hídrica. Inversamente, após um infarto agudo do miocárdio, pode não haver as manifestações crônicas. A aplicação típica dessa classificação é no raciocínio diagnóstico da miocardite. ▪ Manifestação de ventrículo direito ou esquerdo ou mista: clinicamente, a IC esquerda caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas de congestão pulmonar (dispnéia aos esforços, tosse noturna, dispnéia paroxística noturna, ortopnéia, crepitações pulmonares). A IC direita está relacionada aos sinais e sintomas de congestão sistêmica (estase jugular, edema de membros inferiores, hepatomegalia dolorosa, ascite). A disfunção do ventrículo esquerdo pode causar disfunção do ventrículo direito. Essa classificação tem importância no diagnóstico diferencial de certas causas de IC em que pode predominar umas das manifestações. Por exemplo: a doença de Chagas tem manifestação de esquerdo e direito; a doença restritiva, com freqüência, tem ascite; cor pulmonale apresenta manifestações de ventrículo direito comprometido. ▪ Débito cardíaco: Alto ou baixo. ▪ Fração de ejeção de ventrículo esquerdo ou direito: quando a fração de ejeção de ventrículo Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA esquerdo/direito é comprometida, é chamada sistólica; inversamente, é chamada diastólica, quando não é comprometida (IC com fração de ejeção preservada). Na IC com fração de ejeção preservada (diastólica), há dificuldade de enchimento do coração ou enchimento com pressões elevadas. Essa classificação é importante, pois algumas etiologias manifestam-se predominantemente de uma forma ou de outra. Como fatores de risco para IC com fração de ejeção preservada, têm-se idade, sexo feminino, obesidade, hipertensão arterial, diabetes, doença coronariana, doença renal e estenose aórtica. ▪ Classe funcional/gravidade: correntemente utilizada na prática clínica, a classificação proposta pela New York Heart Association (NYHA) avalia a limitação de esforço em pacientes com IC. É útil na prática diária por ser de fácil aplicação e apresentar valor prognóstico. Mortalidade Anual: 1 (5%); 2 (10%); 3 (30%), 4 (50 a 60%). ▪ Estágios: mais recentemente, foi proposto um novo sistema de estadiamento baseado na evolução e na progressão da IC. Essa forma de categorização reflete o modelo fisiopatológico da IC, que considera essa síndrome como a via final comum a diferentes doenças cardíacas em indivíduos com fatores de risco. Essa representação da IC cardíaca com caráter contínuo possui implicações preventivas, prognósticas e também terapêuticas. ▪ Estabilidade: de acordo com a estabilidade e as manifestações clínicas, a IC pode ser compensada, descompensada (“de novo” ou crônica que descompensou) ou persistentemente descompensada, quando os sinais/sintomas de descompensação persistem. Entende-se por descompensação o aparecimento de sinais/sintomas, como edema ou hipoperfusão ou hipotensão, que determinam uma nova estratégia terapêutica de ambulatório ou a partir de admissão hospitalar. Seu reconhecimento tem importância para uma terapêutica adequada e possíveis fatores precipitantes devem ser investigados. ▪ Perfil hemodinâmico: a partir da presençade congestão e da hipoperfusão, foi desenvolvida a classificação clínico-hemodinâmica, sendo dividida em 4 situações distintas que apresentam implicação terapêutica e prognóstica. Conforme o perfil do paciente, podem ser necessários diurético ou volume ou drogas inotrópicas ou drogas vasodilatoras. COMPLICAÇÕES TROMBOEMBOLISMO PULMONAR Devido à formação de trombo nas veias ileofemorais e pélvicas, facilitada pela estase venosa, ou então no átrio e ventrículo direitos. TROMBOEMBOLISMO SISTÊMICO Devido à formação de trombos murais, isto é, no interior dos átrios ou ventrículos, aderidos ou não às suas paredes, facilitada pela estase sanguínea e lesão endocárdica. Os principais fatores de risco são: FE < 30%, fibrilação atrial e acinesia apical. Um êmbolo pode se soltar indo parar no cérebro, membros, intestino etc., causando eventos isquêmicos agudos e graves (ex.: AVE). A anticoagulação na insuficiência cardíaca crônica está indicada sempre nos casos de fibrilação atrial, trombo mural e acinesia apical. Nos pacientes com ritmo sinusal e disfunção grave de VE (FE < 30%), o uso de anticoagulante também é preconizado por alguns autores. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ARRITMIAS CARDÍACAS Taquiarritmias e bradiarritmias podem ocorrer. Além das extrassístoles ventriculares destacam-se o flutter e fibrilação atriais, a taquicardia ventricular (não sustentada ou sustentada) e o bloqueio AV. Já vimos que a fibrilação atrial crônica ou intermitente aumenta a chance de fenômenos tromboembólicos. Uma TV sustentada pode se degenerar em fibrilação ventricular, causando morte súbita. O bloqueio AV total também pode levar à morte súbita... Como vimos na apostila de arritmias cardíacas, existe uma forma especial de TV monomórfica sustentada em pacientes com cardiomiopatia não isquêmica: é a chamada TV Ramo a Ramo (reentrada utilizando os dois ramos, esquerdo e direito). Esta arritmia pode ser curada pela ablação por radiofrequência! Lembre-se que a intoxicação digitálica pode causar arritmias e, portanto, deve sempre ser lembrada em casos de descompensação da IC por arritmias. CAUSA DE MORTE Cerca de 50-60% dos pacientes com ICC, principalmente aqueles com IC sistólica, morrem subitamente, provavelmente por fibrilação ventricular (ou bradiarritmia/assistolia). Os maiores preditores de risco para morte súbita são: episódio prévio revertido, documentação de TV sustentada no Holter ou EFF e disfunção ventricular com FE ≤ 35% em paciente sintomático. O restante dos pacientes morre de falência ventricular progressiva, evoluindo para choque cardiogênico ou edema agudo refratário. Uma minoria pode morrer de outras eventualidades, como tromboembolismo pulmonar ou sistêmico, sepse, etc. QUADRO CLÍNICO O paciente com insuficiência cardíaca em geral permanece assintomático durante vários anos, devido aos mecanismos adaptativos descritos anteriormente, que mantêm o débito cardíaco normal ou próximo ao normal, pelo menos no estado de repouso. Porém, após período de tempo variável e imprevisível, surgem os primeiros sintomas. Quanto a apresentação clínica, a IC pode ser dividida didaticamente em IC direita e IC esquerda, sendo que eles estão relacionados à congestão pulmonar ou sistêmica. IC ESQUERDA Na IC esquerda, a falência do ventrículo esquerdo (VE) causa um aumento da pressão do enchimento deste ventrículo, o que diminui a eficácia da passagem do sangue do átrio esquerdo (AE) para o VE causa aumento da pressão no AE, dificultando o retorno do sangue da circulação pulmonar para o AE. SINTOMAS RESPIRATÓRIOS Como resultado os pulmões se tornam congestos, com acúmulo de líquido intersticial e intra-alveolar. A congestão aumenta o trabalho respiratório e estimula os receptores J pulmonares, provocando a sensação de dispneia. Como as pressões de enchimento inicialmente se elevam durante o esforço, o sintoma clássico inicial é a dispneia aos esforços. Em estágios mais avançados, pode ser relatada ortopneia, onde o paciente relata dispneia ao deitar, o que é causado pelo aumento da pré-carga com a redistribuição do volume sanguíneo que se acumulava nos membros inferiores por gravidade. Algumas vezes, o paciente é acordado no meio da madrugada por uma crise de franca dispneia, que melhora após alguns minutos em ortostatismo – é a Dispneia Paroxística Noturna (DPN) – geralmente relacionada à congestão pulmonar grave. Outro sintoma congestivo pode ser a tosse seca, pela congestão da mucosa brônquica. Caracteristicamente, é uma tosse noturna, muitas vezes associada à DPN. Congestão brônquica mais acentuada pode levar a um quadro semelhante ao broncoespasmo – a “asma cardíaca”. SÍNDROME DE BAIXO DÉBITO Aparece inicialmente aos esforços, devido à incapacidade do coração em aumentar o débito durante o esforço ou qualquer situação de estresse. Os sintomas se confundem com os de uma síndrome “geral”: fadiga muscular, indisposição, mialgia, cansaço, lipotímia. A maioria dos sintomas é secundária à inadequada perfusão muscular durante o esforço físico. EMAGRECIMENTO E “CAQUEXIA CARDÍACA” O paciente com IC tende a perder massa muscular, pois há um desbalanço entre o débito cardíaco e a demanda metabólica da musculatura esquelética. Além do mais, pode haver redução na absorção intestinal de nutrientes (congestão mucosa). Alguns indivíduos só não emagrecem porque acumulam muito líquido (edema), enquanto outros chegam a emagrecer e até mesmo entrar num estado de “caquexia”. A explicação para este último fenômeno inclui o efeito catabólico de mediadores como o TNF-alfa, exageradamente aumentado na insuficiência cardíaca avançada. IC DIREITA Já na IC direita, o processo de falência ocorre no ventrículo direito (IC), e através dos mesmos mecanismos explicados no caso da IC direita, ocorre congestão, no entanto, nesse caso é dificultado o retorno da circulação sistêmica, e não a circulação pulmonar. Os sintomas predominantes, nesse caso, serão os incômodos causados pela síndrome Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA edemigênica e de congestão orgânica: edema de membros inferiores, bolsa escrotal, aumento do volume abdominal (ascite), dispneia por derrame pleural, dor abdominal em hipocôndrio direito devido à hepatomegalia congestiva. A congestão da mucosa intestinal pode levar à saciedade precoce, dor abdominal difusa, náuseas, diarreia e, em raros casos, enteropatia perdedora de proteína. A IVD reduz ainda mais o débito cardíaco, explicando o fato comum de haver piora dos sintomas de baixo débito na insuficiência cardíaca biventricular. Obs.: A principal causa de IC direita é uma IC esquerda prévia. Nesse caso, pode haver melhora da congestão pulmonar, já que chega menos sangue ao pulmão quando o VD está insuficiente. CHOQUE CARDIOGÊNICO Casos extremos de IC, principalmente aqueles relacionados à IC de apresentação aguda, como pode ocorrer no caso de IAM extenso, podem cursar com choque cardiogênico, caracterizado pela hipoperfusão tecidual e PAM≤65mmHg, que não responde à ressucitação volêmica, exigindo muitas vezes o uso de drogas vasoativas. Esse quadro apresenta altíssima mortalidade. FATORES D Existe uma série de fatores secundários que podem descompensar a insuficiência cardíaca. Quando um paciente previamente compensado, isto é, sem dispneia em repouso ou aos mínimos esforços, se apresenta com uma piora aguda do quadro cardíaco, na maioria das vezes há um fator causando esta descompensação. Quais são estes fatores? Estes fatores descompensam o paciente pelos seguintes mecanismos: Por aumentar a demanda metabólica (infecções, anemia, estresse, gestação, etc.) Exigindo assim maior trabalho cardíaco; Por reduzir ainda mais a capacidade contrátil (infarto agudo, isquemia, drogas); Por aumentar a pós-carga (hipertensão arterial); Por aumentar excessivamente a pré- -carga (abuso de sal, drogas retentorasde líquido); Por reduzir o tempo diastólico para o enchimento ventricular e levar à perda da sincronia av (taquiarritmias), ou por reduzir diretamente o débito cardíaco (bradiarritmias). DIAGNÓSTICO O diagnóstico da IC é clínico. Deve ser feito por meio da anamnese e exame físico, podendo ser auxiliado pelos exames complementares. Os principais critérios clínicos utilizados na prática são os de Framingham e os de Boston. EXAME FÍSICO O exame físico é fundamental para o diagnóstico de ICC. Devemos sempre pesquisar sinais de aumento da pressão venosa jugular e presença de B3 na ausculta cardíaca, já que estes sinais são importantíssimos para o prognóstico. PULSO ARTERIAL No início do processo o pulso arterial é normal. Em fases avançadas pode ser de baixa amplitude, devido ao baixo débito. O chamado pulso alternans (alternância de um pulso forte com um pulso fraco) é um sinal de débito sistólico extremamente baixo que reflete péssimo prognóstico. Após uma contração eficaz o miocárdio doente demora para se recuperar, logo, o próximo batimento será fraco. Quando este fenômeno é extremo, teremos o pulso total alternans, isto é, só percebemos o pulso mais forte, o que reduz falsamente a frequência cardíaca para a metade, quando contada no pulso arterial. PULSO VENOSO E TURGÊNCIA JUGULAR É um sinal fidedigno e precoce de IVD. O pulso venoso pode apresentar alterações em seu aspecto: aumento da onda A, devido às elevadas pressões de enchimento no VD, ou a presença da onda V gigante, consequente à insuficiência tricúspide secundária à dilatação do VD. Uma manobra muito importante no diagnóstico da congestão sistêmica é a pesquisa do refluxo hepatojugular, muitas vezes presente antes mesmo da TJP. Nessa manobra faz-se pressão sobre o quadrante superior direito do abdome observando se haverá aumento na altura do pulso jugular > 1 cm. Se houver, diz-se que o refluxo hepatojugular está presente. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA PRECÓRDIO O exame do precórdio depende do tipo de cardiopatia, se dilatada, hipertrófica ou restritiva. Na cardiopatia dilatada o ictus de VE costuma ser difuso (mais de duas polpas digitais) e fraco e, algumas vezes, desviado para a esquerda (lateral à linha hemiclavicular) e para baixo (inferior ao 5º espaço intercostal). O ictus de VD pode ser palpável e proeminente. A relação entre os ictus de VE e VD depende de qual ventrículo está mais acometido. Um batimento protodiastólico e/ou um pré-sistólico podem ser palpáveis e até visíveis no ápex (corresponde à B3 e B4, respectivamente, na ausculta). Na cardiopatia hipertrófica o ictus de VE costuma estar localizado em posição normal, porém é “sustentado” (pico sistólico “forte” e duradouro). Na cardiopatia restritiva o ictus de VE geralmente não se altera. AUSCULTA CARDÍACA A B1 pode ser hipofonética (hipocontratilidade do VE), e a B2 hiperfonética (hipertensão arterial pulmonar). A bulha acessória da insuficiência cardíaca é a terceira bulha (B3). Este som é produzido pela desaceleração do fluxo de sangue no final da fase de enchimento rápido da diástole. A B3 pode ser audível nas sobrecargas de volume, mesmo na ausência de insuficiência cardíaca. A quarta bulha (B4) é mais comum na doença isquêmica e na cardiopatia hipertensiva. Um sopro sistólico pode ser audível no foco mitral, irradiando-se para a axila, causado por insuficiência mitral secundária à dilatação do VE. A dilatação do VD também pode causar insuficiência tricúspide secundária – o sopro sistólico é mais audível no foco tricúspide e aumenta à inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvalho). O exame cardiovascular está prejudicado em pacientes com o tórax em tonel (DPOC), obesos, musculosos e pacientes com deformidades torácicas. EXAME DO APARELHO RESPIRATÓRIO Na IVE pode haver estertoração pulmonar nos terços inferiores dos hemitórax, predominando geralmente à direita, devido à congestão e edema pulmonar. Os sibilos podem ser encontrados na “asma cardíaca”. A síndrome de derrame pleural é frequente na IVE e na IC biventricular, pois a drenagem pleural é dependente do sistema venoso pulmonar e sistêmico. Geralmente, o derrame é do lado direito ou bilateral (sendo maior à direita). Um derrame isolado à esquerda deve suscitar outros diagnósticos, o que indica a toracocentese daquele lado (ex.: embolia pulmonar, pneumonia, neoplasia etc.). ANASARCA Nas fases avançadas, com IC biventricular, o paciente apresenta edema generalizado, com predomínio nas regiões dependentes de gravidade – membros inferiores, bolsa escrotal. O edema crônico dos membros inferiores leva a alterações de pele e fâneros, como hiperpigmentação, perda de pelos e ictiose. Não é comum o edema peripalpebral (como no edema nefrogênico). Todas as serosas podem estar comprometidas: ascite, derrame pleural e derrame pericárdico. HEPATOPATIA CONGESTIVA A hepatomegalia congestiva é muito comum, frequentemente dolorosa, pela distensão aguda da cápsula hepática. Casos muito agudos descompensados de IVD, porém, podem levar à congestão hepática grave, manifestando-se como uma hepatite aguda: icterícia, hiperbilirrubinemia, aumento das transaminases e, eventualmente, insuficiência hepática. A ocorrência de cirrose hepática cardiogênica é rara, pois a gravidade da cardiopatia costuma levar o paciente a óbito antes de haver cirrose. Nos casos de pericardite constrictiva, entretanto, a cirrose hepática cardiogênica pode ser mais frequente. RESPIRAÇÃO DE CHEYNES-STOKES Caracterizada por períodos de apneia alternando-se com períodos de hiperpneia, este padrão respiratório ocorre em até 30% dos pacientes com insuficiência cardíaca sintomática, geralmente durante o sono. O motivo não está esclarecido, porém, postula-se que o tempo de circulação pulmão-centro respiratório esteja lentificado, atrasando o reconhecimento das alterações da capnia (PCO2 ). EXAME COMPLEMENTARES Alguns exames inespecíficos auxiliam (radiografia de tórax, ECG) e, nos casos duvidosos, certos métodos mais específicos são capazes de confirmar ou afastar o Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA diagnóstico (BNP, ecocardiograma-Doppler, cintilografia Gated, cateterismo cardíaco). AVALIAÇÃO LABORATORIAL Na abordagem inicial dos pacientes com sinais e sintomas sugestivos de IC crônica ambulatorial, recomenda-se a realização de diversos exames laboratoriais complementares, não só para avaliar a presença e a gravidade de lesão de outros órgãos-alvo e detectar comorbidades, como também para verificar fatores agravantes do quadro clínico. A realização de exames seriados pode ser necessária para monitoração de variáveis de segurança, durante o tratamento da IC, incluindo função renal e eletrólitos. ▪ Prováveis achados Anemia, hiponatremia e azotemia são importantes preditores prognósticos na ICC. A anemia, em particular, pode ser causa, agravante ou consequência da ICC! Estudos recentes a têm apontado modificador da sobrevida nesses pacientes; alterações da função renal costumam ser multifatoriais: etiologias em comum (diabetes, HAS etc.), débito cardíaco reduzido pela cardiopatia e/ou paraefeito dos diuréticos. MÉTODOS DE IMAGEM NÃO INVASIVOS Exames complementares gráficos e de imagem desempenham papel relevante para confirmação das alterações estruturais e funcionais cardíacas. Eles auxiliam no diagnóstico desta condição, além de avaliar a gravidade e a forma da cardiopatia, o que permite definir etiologia da IC e estratificar o prognóstico. ELETROCARDIOGRAMA EM REPOUSO A realização de eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações é recomendada na avaliação inicial de todos os pacientes com IC, para avaliar sinais de cardiopatia estrutural como hipertrofia ventricular esquerda, isquemia miocárdica, áreas de fibrose, distúrbios da condução atrioventricular, bradicardia ou taquiarritmias, que podem demandar cuidados e tratamentosespecíficos. Vários destes aspectos são marcadores prognósticos em muitas cardiopatias, como na chagásica crônica. A detecção de bloqueio de ramo esquerdo (BRE), com alargamento pronunciado da duração do complexo QRS, auxilia na indicação da terapia de ressincronização cardíaca (TRC). . RADIOGRAFIA DO TÓRAX Um exame barato e disponível, que além de ser o único exame complementar que pode fechar um critério maior de Framingham (a cardiomegalia), pode apresentar informações valiosas sobre o estado do paciente. O índice cardiotorácico > 50% define a cardiomegalia na radiografia. É possível também avaliar sinais de congestão pulmonar, como a cefalização da trama vascular pulmonar, presença de linhas B de Kerley, que são linhas dispostas na horizontal e indicam congestão. A radiografia também permite a avaliação da gravidade do quadro de congestão pulmonar, detecção de cisurites pelo acúmulo de líquido nas cisuras pulmonares e permite a visualização de derrames pleurais. Obs.: Na radiografia anterior podemos ver vários sinais de congestão e alterações estruturais do coração, como o sinal da bailarina (deslocamento superior do brônquio fonte esquerdo), cefalização da trama vascular pulmonar e cardiomegalia. ECOCARDIOGRAMA TRANSTORÁCICO Um exame cada vez mais disponível no nosso país, o ECO é uma das melhores ferramentas para avaliação complementar da IC, uma vez que ele fornece informações quantitativas que permitem avaliar a dimensão das câmeras cardíacas, presença de valvopatias associadas e através do cálculo da FE, permite diferenciar a ICFEp e ICFEr, que apresentam particularidades no que tange ao tratamento e prognóstico. Obs.: O ecocardiograma é recomendado em todos os pacientes com suspeita de IC, afinal ele será seu grande aliado para guiar o tratamento do paciente, ao diferenciar a ICFEp e ICFEr. Além disso, frequentemente o ECO esclarecerá sobre a etiologia das doenças, ao detectar alterações de contração segmentar que podem sugerir causa isquêmica ou detectar alterações valvares. ECOCARDIOGRAMA TRANSESOFÁGICO Não é recomendado para avaliação rotineira dos pacientes com IC. Este método pode ser aplicado em contextos específicos, como nas doenças valvares que demandem melhor detalhamento anatômico ou funcional, suspeita de dissecção aórtica, investigação adicional em pacientes com endocardite infecciosa, cardiopatias congênitas complexas e investigação de trombo auricular em pacientes com fibrilação atrial (FA) candidatos à cardioversão elétrica. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA Possui excelente acurácia e reprodutibilidade na quantificação dos volumes, massa e função, tanto do VE como do VD. A viabilidade miocárdica também pode ser estimada pela técnica de realce tardio (a ocorrência de hipercaptação em áreas discinéticas indica perda da viabilidade). SPECT E PET O SPECT (Single Photon Emission Tomography) pode contribuir de duas maneiras: avaliação da perfusão miocárdica e da função ventricular. Já a tomografia por Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA emissão de pósitrons (PET) pode ser indicada na avaliação da viabilidade miocárdica, sendo considerada uma das técnicas de referência nesta utilização. CINEANGIOCORONARIOGRAFIA Sua realização em TODOS os portadores de ICC é controversa. Entretanto, em indivíduos com quadro clínico de angina e disfunção ventricular sistólica, está sem dúvida indicada! Outras: história prévia de IAM, presença de fatores de risco de doença coronariana e pacientes com indicação cirúrgica para correção de valvulopatias primárias ou secundárias. TESTE DE ESFORÇO CARDIOPULMONAR O teste de esforço cardiopulmonar, ou ergoespirometria, permite a avaliação objetiva e quantitativa da capacidade funcional, pela medida do consumo de volume de oxigênio no pico do esforço (VO2 pico), além de avaliar outras variáveis prognósticas, como a relação entre ventilação e produção do volume de dióxido de carbono (VE/VCO2 ) e ventilação oscilatória durante o esforço. Esse método de avaliação funcional é recomendado nos pacientes com IC avançada, como critério de avaliação prognóstica na triagem de pacientes candidatos à transplante cardíaco.97 Adicionalmente, este teste deve ser considerado em pacientes com IC, estáveis, em que a avaliação mais acurada da capacidade funcional é necessária para definição de estratégia terapêutica, ou naqueles em que a dispneia ou a intolerância aos esforços necessita de melhor investigação (relacionados a fatores pulmonares ou da musculatura esquelética). HOLTER Pode ser utilizado para documentação de arritmias ventriculares em pacientes com queixas de palpitação, lipotímia ou síncope. ESTUDO ELETROFISIOLÓGICO Não é feito de rotina; pode ser indicado em pacientes com eletrocardiograma suspeito para bloqueio “trifascicular”, bem como na suspeita de taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares. BIOMARCADORES BNP (PEPTÍDEO NATRIURÉTICO CEREBRAL) E NT- PROBNP Com a dilatação das câmeras cardíacas, há estímulo à produção do BNP e ANP (peptídeo natriurético cerebral e atrial, respectivamente) no intuito de au mentar a excreção de sódio e água e assim reduzir a pré-carga. Isso permite que o BNP seja útil no diagnóstico diferencial de pacientes que se apresentam com quadros de dispneia e tosse seca, e há dúvida entre etiologia cardíaca e pulmonar (pacientes tabagistas, por exemplo, em que há a suspeita de doenças obstrutivas ou restritivas pulmonares). O valor preditivo negativo do exame é elevado, de forma que pacientes que em pacientes cujos níveis de BNP são baixos, a dispneia provavelmente não apresenta etiologia cardíaca. Em pacientes ambulatoriais, o valor de corte do BNP varia de 35-50ng/ml, de acordo com a fonte da literatura. Valores abaixo disso, sugerem que os sintomas respiratórios não tem origem cardíaca. Também pode ser dosado o NT-proBNP, molécula de BNP na sua forma inativa após clivagem. O NT- proBNP apresenta a vantagem de ser mais estável in vitro e apresentar meia-vida mais longa. O valor de corte do NT- proBNP no ambulatório é de 125ng/ml. Obs.: Em pacientes agudos, os valores de corte do BNP e pro-BNP são diferentes, como você verá na tabela abaixo. Dessa maneira, esses exames laboratoriais passam a a ter grande valor e te auxiliarão a realizar o diagnóstico diferencial entre IC e outras causas. OUTROS BIOMARCADORES Outros biomarcadores não utilizados de rotina podem ser úteis na avaliação de pacientes com IC. A dosagem de marcadores de injúria miocárdica, como troponinas T e I (incluindo as de alta sensibilidade), e de marcadores de inflamação e fibrose, como galectina-3 e ST2, pode adicionar informações prognósticas. Em metanálise, ST2 mostrou bom desempenho para predizer mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular. Parece ser superior à galectina como marcador prognóstico e apresenta variabilidade intraindividual menor que os peptídeos natriuréticos, o que o torna um marcador promissor para monitorar resposta ao tratamento. No entanto, há carência de estudos mostrando que modifiquem desfechos clínicos relevantes. Nesse momento, não há dados que justifiquem sua utilização rotineira. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO CRITÉRIOS DE FRAMINGHAM Os critérios clínicos de Framingham estão divididos em 9 maiores e 7 menores. Como forma de memorizá-los, uma dica é tentar categorizar os critérios por tipos ou locais onde ocorrem as alterações, por exemplo: pulmão, circulação (congestão), coração e outras. A imagem a seguir mostra os critérios agrupados dessa forma. Obs.: Para diagnóstico de IC são necessários: 2 critérios maiores OU 1 maior + 2 menores. Os critérios menores são aceitos desde que não possam ser justificados por outra causa, como hipertensão pulmonar, DPOC, cirrose, ascite e síndrome nefrótica, por exemplo. CRITÉRIOS DE BOSTON Os critérios de Boston utilizamum sistema de pontuação e os critérios já são apresentados por categorias: história, exame físico e radiografia de tórax. De acordo com a pontuação, podemos afastar ou confirmar o diagnóstico: 8 – 12 pontos: diagnóstico de IC definitivo 5 – 7 pontos: diagnóstico de IC possível < 4 pontos: diagnóstico de IC improvável Obs: Devemos ter noção de que alguns sinais podem indicar o tipo de insuficiência, por exemplo: No caso da IC DIREITA predominam sinais de congestão sistêmica, tais como: edema de MMII, hepatomegalia, ascite, turgência jugular e refluxo hepatojugular. Já na IC ESQUERDA, os sinais de congestão pulmonar ganham destaque, a saber: crepitações, ortopneia e dispneia paroxística noturna. CLASSIFICAÇÕES CLASSE FUNCIONAL NYHA Classe funcional, segundo a New York Heart Association (NYHA), classifica o grau de comprometimento das atividades diárias do paciente. Pode ser avaliada pela anamnese ou pelo teste ergométrico, em casos de dúvida. Classe I – Sem limitação às atividades cotidianas; mais de 6 METs na ergometria. Classe II – Limitação leve; sintomas durante atividades cotidianas; 4-6 METs na ergometria. Classe III – Limitação acentuada; sintomas com qualquer atividade, mesmo as mais leves que as do cotidiano; 2-4 METs na ergometria. Classe IV – Incapacidade física; sintomas em repouso ou com mínimos esforços; não tolera a ergometria. Obs.: A sobrevida pode ser estimada ao analisarmos a classe funcional NYHA. Estudos farmacológicos mostraram a sobrevida média em cinco anos do grupo placebo: Classe I – 85%; Classe II – 75%; Classe III –50%; Classe IV – 50% em 1 ano. CLASSIFICAÇÃO EVOLUTIVA As diretrizes da AHA/ACC propuseram uma nova forma de classificar a ICC através de estágios clínicos evolutivos e presença de alterações estruturais. Nesta classificação a ICC é estratificada em quatro estágios principais (ver abaixo). A lógica por trás desse estadiamento é: quanto mais precocemente o paciente for tratado, menor será a chance de surgirem lesões estruturais e progressão para o estágio seguinte. Estágio A – Pacientes assintomáticos, mas sob alto risco de desenvolver disfunção ventricular, por apresentarem doenças fortemente ligadas ao aparecimento de IC como HAS, doença coronariana, DM, obesidade, etc. Estágio B – Pacientes que já desenvolveram algum tipo de disfunção ventricular, mas continuam sem sintomas de ICC. Este grupo inclui pacientes com hipertrofia, dilatação ou hipomotilidade ventricular, doença valvar ou IAM prévio. Estágio C – Pacientes sintomáticos com disfunção ventricular associada. Estágio D – Pacientes sintomáticos em repouso, apesar de medicação otimizada e que internam frequentemente. Presença de doença estrutural ventricular avançada. FRAÇÃO DE EJEÇÃO (FE) Prediz o prognóstico independentemente da classe funcional. O ecocardiograma é o exame mais utilizado para Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA estimar a FE e os volumes ventriculares. Nos casos em que a “janela ecocardiográfica” é ruim ou quando há disfunção segmentar, com grave alteração da geometria ventricular, escolhemos a cintilografia sincronizada ao ECG (Gated). A RNM cardíaca, apesar do alto custo, atualmente é considerada um método alternativo. É considerada disfunção sistólica grave uma FE < 35%. Tais pacientes possuem sobrevida média em 5 anos de 15-35%, na classe funcional III ou IV, ou em torno de 60%, na classe funcional I ou II. Os pacientes com FE > 35% têm sobrevida em 5 anos de 70%, se em classe funcional III ou IV, e em torno de 80%, se em classe funcional I ou II. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO PERFIL HEMODINÂMICO De acordo com a apresentação da IC, ela pode ser classificada em diferentes perfis. O perfil A é caracterizado pelo paciente “quente e seco”, ou seja, bem perfundido e sem congestão. Esse perfil é o alvo terapêutico do paciente com IC. Já no perfil B, a apresentação mais comum dos pacientes hospitalizados com IC, o paciente se apresenta “quente e úmido”, ou seja, apresenta-se bem perfundido, porém congesto. O perfil L apresenta-se “frio e seco”, ou seja, com hipoperfusão tecidual, no entanto sem congestão. Esse é o perfil mais incomum de apresentação da IC. Já o perfil C descreve o paciente “frio e úmido”, tratando-se do paciente com maior mortalidade na IC, pois apresenta ao mesmo tempo hipoperfusão e congestão, apresentando dessa forma. A avaliação do perfil do paciente é útil para a definição do tratamento, mas fique atento, o perfil do paciente pode mudar rapidamente. Obs.: O paciente A é aquele que possui uma IC compensada de tratamento ambulatorial; o B é o perfil mais comum da IC descompensada nas emergências; o C e o L são descompensações mais preocupantes, sendo que o L é o mais grave e geralmente requer tratamento intensivo. TRATAMENTO A terapêutica busca melhorar a função sistólica ventricular, aliviar os sintomas, regular as alterações neuro-humorais da insuficiência cardíaca, reduzir o fenômeno de remodelamento ventricular, minimizar complicações como tromboembolismo e arritmias. Nos pacientes que se apresentam com ICC descompensada, os objetivos primários são prevenção de morte, manutenção da função e perfusão tecidual e alívio da congestão. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO ▪ Dieta Fundamental para o controle da IC. O paciente com sintomas congestivos deve restringir a ingestão de sal. Quanto maior o consumo de sal, maior será o acúmulo de líquido e a volemia do doente. No entanto, consumos muito baixos de sal, principalmente no paciente que está tomando diuréticos, podem baixar em excesso a volemia, precipitando sintomas de baixo débito cardíaco. Por isso, recomenda-se uma ingestão de 4-6 gramas de sal (NaCl) ou 2 a 3 gramas de sódio por dia. A restrição líquida (1-1,5 L por dia) está indicada apenas nos pacientes com hiponatremia (< 130 mEq/L) ou com retenção de líquido não responsiva ao uso de diuréticos e restrição da ingesta de sal. Suplementos calóricos são recomendados para os pacientes com caquexia cardíaca e nos casos de IC avançada. Orienta-se uma ingestão calórica diária de 28 kcal/kg para pacientes com estado nutricional adequado e 32 kcal/kg para pacientes abaixo do peso ideal (sempre considerando o peso seco do paciente, ou seja, sem edemas). ▪ Repouso O paciente muito sintomático (classe funcional III ou IV) ou descompensado da IC deve ficar de repouso o máximo possível. O repouso muscular reduz a demanda metabólica, facilitando o trabalho cardíaco, que é manter um débito adequado para todos os tecidos, sem elevar muito as suas pressões de enchimento. Assim, melhora o débito para o cérebro, para o miocárdio, para as vísceras e, principalmente, para os rins. O aumento do fluxo renal aumenta a diurese e reduz a liberação de renina e, consequentemente, angiotensina II e aldosterona, diminuindo a retenção de líquido e a congestão. Por outro lado, pacientes com IC compensada devem procurar realizar atividades normais do dia a dia, de acordo com seu limite individual. Estudos avaliando treinamento físico monitorizado mostraram redução dos sintomas, aumento da capacidade de exercício e melhora na qualidade. ▪ Atividade física Promove aumento da atividade vagal, diminuição da atividade simpática e mobilização de células progenitoras endoteliais. A realização de um programa regular de exercícios físicos apresenta efeitos benéficos principalmente sobre a tolerância ao esforço e melhora da qualidade de vida. Na cardiomiopatia isquêmica, foi ainda observada redução de mortalidade. A atividade física pode ser indicada na IC compensada. São ainda incertos os efeitos do exercício Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA em relação à diminuição de eventos cardiovasculares, internações e mortalidade para todas as formas de IC2 ▪ Reabilitação Cardiovascular Serviços especializados no manejo da IC por equipe multiprofissional parecem melhorara adesão do paciente ao tratamento, aumentando sua qualidade de vida com o benefício adicional de reduzir a frequência de hospitalizações e visitas às unidades de emergência. O portador de IC controlada (classe funcional II-III) também se beneficia de programas de reabilitação cardiovascular monitorada e programada, aumentando a tolerância ao exercício e a qualidade de vida, sem, contudo, reduzir a mortalidade por IC no longo prazo. ▪ Vacinação Infecções nas vias aéreas são importantes fatores de descompensação no portador de IC. Por este motivo, tais indivíduos devem receber, rotineiramente, vacinação anti- influenza e anti-pneumocócica. ▪ Tabagismo O tabagismo aumenta o risco de doença coronariana e infecções pulmonares; portanto, os pacientes com IC devem ser estimulados a abandonar o tabagismo (ativo e passivo). ▪ Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Tanto os AINEs clássicos como os inibidores seletivos da COX-2 promovem retenção hidrossalina e elevação da pressão arterial. Os inibidores da COX-2 também possuem efeito pró- -trombótico. Tais medicamentos, portanto, devem ser evitados nos pacientes com IC. Outras drogas potencialmente associadas à descompensação da IC são os hipoglicemiantes orais tiazolidinedionas, que promovem retenção renal de sal e água, podendo causar congestão. ▪ Orientações para viagens Recomenda-se profilaxia para trombose venosa profunda em pacientes com IC independentemente da classe funcional. Está indicado o uso de meia elástica de média compressão para viagens prolongadas, devendo-se avaliar o uso de heparina profilática subcutânea quando a viagem durar > 4 h. MEDICAMENTOS QUE AUMENTAM SOBREVIDA Há um grupo de medicamentos muito importantes para o tratamento da IC a longo prazo, pela sua capacidade de aumentar a sobrevida dos pacientes. A maioria desses medicamentos inibe a desregulação do sistema simpático e SRAA. Obs.: Essas drogas inibem diretamente os efeitos deletérios de mediadores neuro-hormonais sobre o miocárdio (angiotensina II, aldosterona e noradrenalina), ou então, otimizam a hemodinâmica cardíaca (no caso da “dupla” hidralazina + nitrato), reduzindo, de uma forma ou de outra, o remodelamento. Vamos estudá-las com detalhes adiante. Antes de seguir, porém, um alerta: conforme será visto mais à frente, no caso da IC com FE preservada (IC “diastólica”) nenhum tratamento específico mostrou prolongar a sobrevida. INIBIDORES DA ECA Ensaios clínicos randomizados indicaram redução da mortalidade com o uso do enalapril, estabelendo hoje a indicação de uso de iECA em todos pacientes com IC que não apresentem contraindicações. ▪ Mecanismo de ação Ao inibirem a formação da angiotensina II, essas drogas possuem três propriedades importantes na insuficiência cardíaca: (1) arteriolodilatação, reduzindo a pós- -carga; (2) venodilatação, reduzindo a pré-carga; (3) redução dos efeitos diretos da angiotensina II sobre o miocárdio. A melhora dos sintomas ocorre logo após o início do tratamento devido aos dois primeiros efeitos que, em conjunto, melhoram a performance ventricular. Os inibidores da ECA também aumentam os níveis de bradicinina, uma substância vasodilatadora endógena. Ocorre ainda um acúmulo de prostaglandinas, além de uma maior produção de óxido nítrico (vasodilatador endógeno). Provavelmente tais efeitos expliquem o maior benefício dessas drogas em comparação aos antagonistas AT1 (losartan etc.). O principal efeito colateral dos IECA é a tosse seca, presente em 5% dos casos, efeito este dependente do aumento da bradicinina. A hipercalemia pode ocorrer, especialmente quando estas drogas estão associadas a diuréticos poupadores de K+. BETABLOQUEADORES Durante muitos anos, β-bloqueadores foram drogas proscritas nos pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, devido a seu reconhecido efeito inotrópico negativo. Vimos que a ação beta das catecolaminas exerce um efeito compensatório na insuficiência cardíaca, aumentando a contratilidade dos miócitos viáveis e acelerando a frequência dos batimentos cardíacos. Antes da década de 90, seria considerado um grande absurdo utilizar um betabloqueador em qualquer paciente com insuficiência cardíaca sistólica. Em resumo, a experiência acumulada na literatura deixou claro que três betabloqueadores específicos (carvedilol, bisoprolol e metoprolol), se ministrados com cautela, podem ser bem tolerados e extremamente benéficos na insuficiência cardíaca sistólica, mesmo na classe funcional IV de NYHA. ▪ Mecanismo de ação O principal mecanismo de ação dos betabloqueadores na IC sistólica é o bloqueio da ação tóxica da noradrenalina sobre os miócitos cardíacos e a redução da liberação de noradrenalina nas sinapses cardíacas. Por isso, o efeito pleno é tardio (3-6 meses). Efeitos adicionais são a redução do consumo miocárdico de oxigênio, reduzindo a isquemia; redução da frequência cardíaca, facilitando a mecânica diastólica. O bloqueio dos receptores beta-3 pode contrabalançar o bloqueio dos receptores beta-1 e beta-2, pois os receptores beta-3 são inotrópicos negativos. O up regulation dos receptores beta-1 ocorre com o uso dos betabloqueadores na IC. Os betabloqueadores são particularmente importantes na terapêutica da cardiomiopatia isquêmica e de um tipo específico de Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA insuficiência cardíaca diastólica – a cardiomiopatia hipertrófica hereditária. ▪ Indicações dos Betabloqueadores na Insuficiência Cardíaca Todos os pacientes com IC sistólica, independente da classe. Doença isquêmica do miocárdio. Cardiomiopatia hipertrófica hereditária sintomática. Obs: existem apenas 3 drogas de primeira linha: carvedilol, bisoprolol e metoprolol; nunca iniciar com o paciente agudamente descompensado (ex.: sinais e sintomas de congestação pulmonar e/ou sistêmica); tanto faz começar o tratamento com IECA ou BB. ▪ Contraindicações formais: asma, bradiarritmia. ANTAGONISTAS DA ALDOSTERONA (ESPIRONOLACTONA E EPLERENONA) O estudo RALES surpreendeu a cardiologia ao demonstrar uma redução adicional na mortalidade (30%) com o uso de 25 mg/dia de espironolactona (um diurético poupador de potássio antagonista da aldosterona) em pacientes com insuficiência cardíaca classe III e IV já tratados com IECA, sem haver aumento significativo da calemia nesses pacientes. ▪ Mecanismo de ação O provável mecanismo benéfico da espironolactona na insuficiência cardíaca é a inibição do efeito da aldosterona sobre o miocárdio; reduzindo, assim, a degeneração de fibras, a apoptose e a fibrose intersticial, isto é, prevenindo o remodelamento ventricular. Outro possível efeito benéfico é a prevenção da hipocalemia pelos diuréticos de alça ou tiazídicos, com isso, reduzindo a chance de arritmias ventriculares e morte súbita. HIDRALAZINA + NITRATO A combinação da hidralazina com um nitrato (como a isossorbida) apresentou redução de mortalidade em pacientes negros com IC classe II-IV da NYHA. Há evidência de maior qualidade indicando o benefício do uso dos beta- bloqueadores, iECAs ou BRAs e antagonistas do receptor da aldosterona, dessa forma, eles não devem ser suspensos para a introdução da hidralazina associada ao nitrato, e sim associados a ela. Há novos estudos que sugerem vantagem do uso da hidralazina também em pacientes brancos que apresentam sintomas apesar da terapia já otimizada com outras classes. ▪ Mecanismo de ação A hidralazina é um vasodilatador arteriolar direto, cujo mecanismo farmacodinâmico é desconhecido. Ao dilatar as arteríolas, reduz a pós-carga e, portanto, melhora a performance ventricular. A taquicardia reflexa, comum nos hipertensos sem insuficiência cardíaca, não parece ser um efeito adverso importante nos pacientes com insuficiência cardíaca. Porém outros efeitos adversos incômodos (cefaleia, tonteira, lúpus farmacoinduzido) podem ocorrer, especialmente nas doses mais altas. O dinitrato
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