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1 ANEMIA POR DOENÇA CRÔNICA DEFINIÇÃO: A anemia da doença crônica é a anemia que ocorre nos estados patológicos crônicos (como infecções e doenças reumatológicas) ou neoplásicas, sempre quando estas se fazem presentes por um período superior a 20-60 dias. Geralmente nos estados crônicos associados a níveis elevados de citocinas inflamatórias. Por causa dessa relação, a condição também é denominada como anemia da inflamação. Embora a anemia da inflamação crônica se manifeste em geral como um processo normocrômico e normocítico, em 20% a 50% dos casos os índices hematimétricos revelam microcitose. A anemia é geralmente de grau leve a moderado e pode ser assintomática. EPIDEMIOLOGIA: A anemia da inflamação crônica acredita-se ser a segunda causa mais comum de anemia, superada apenas pela anemia ferropriva. É o tipo mais comum de anemia encontrado entre os pacientes hospitalizados. No amplo espectro de doenças subjacentes estão as infecções agudas e crônicas, as doenças autoimunes e inflamatórias, os cânceres e as doenças renais crônicas. ETIOLOGIA: FISIOPATOLOGIA: Homeostase desregulada do ferro, manifestada por baixos níveis séricos de ferro (hipoferremia) na presença de níveis séricos normais ou elevados de ferritina e de reservas abundantes de ferro no interior dos macrófagos do sistema mononuclear fagocitário. Os estados inflamatórios e neoplásicos promovem liberação de várias citocinas que, em conjunto, acabam levando às seguintes consequências: TUTORIAL 06 2 1. Redução da vida média das hemácias para cerca de 80 dias (N: 120 dias); 2. Redução da produção renal de eritropoetina; 3. Menor resposta dos precursores eritroides à eritropoetina; 4. “Aprisionamento” do ferro em seus locais de depósito (principal). As principais citocinas envolvidas nestas alterações são a Interleucina 1 (IL-1), a Interleucina 6 (IL-6), o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-alfa) e o gama-Interferon (gama-IFN). Em condições normais a transferrina transporta o ferro dos seus locais de depósito (macrófagos do baço/ferritina) para a medula óssea. Na anemia de doença crônica esta etapa encontra- se “bloqueada”. A IL-6 tem um papel essencial neste bloqueio, já que, após o aparecimento de uma doença inflamatória crônica, os macrófagos começam a liberar esta citocina, que estimula o fígado a produzir hepcidina (que se comporta como um reagente de fase aguda). Esta última, por sua vez, determina uma redução na absorção intestinal de ferro ao inibir a síntese de ferroportina (o “canal de ferro” responsável pela entrada deste elemento nos enterócitos). Ocorre também um “aprisionamento” do ferro no interior dos macrófagos e demais locais de depósito, comprometendo o abastecimento da produção eritrocitária – um fenômeno chamado de eritropoiese restrita em ferro. A IL-1 estimula a síntese, pelos polimorfonucleares, de lactoferrina, uma proteína semelhante à transferrina, que compete pelo ferro. A lactoferrina é mais ávida por ferro do que a transferrina, e não libera o ferro para a medula de forma adequada. O interferon-gama também tem papel importante na anemia de doença crônica, ao promover apoptose e fazer down-regulation dos receptores de eritropoetina nas células precursoras da medula óssea. Além disso, também parece antagonizar outros fatores pró-hematopoiéticos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Como na maioria das vezes a ADC não é grave, o quadro clínico é marcado basicamente pelos sinais e sintomas da doença de base. Eventualmente, pacientes assintomáticos com anemia leve acabam descobrindo, no processo de investigação diagnóstica, uma doença oculta. Um paciente que apresenta perda ponderal significativa, e cujos exames revelam anemia + aumento do VHS, deve ser extensivamente investigado para uma doença sistêmica. A “anemia de doença crônica” em geral se instala progressivamente ao longo dos primeiros 1-2 meses do quadro, estabilizando-se a partir daí. O hematócrito se mantém acima de 25% em 80% dos casos, e o quadro anêmico costuma acompanhar a atividade da doença. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico clínico da anemia da doença crônica que se manifesta na forma de microcitose e hipocromia é de exclusão e se baseia no encontro de nível sérico baixo de ferro na presença de reservas normais ou aumentadas de ferro total do organismo. Quando existe microcitose, esta é discreta e quase nunca o VCM fica < 72 fL. Sem dúvida a hipocromia é mais comum e mais acentuada do que a microcitose, diferenciando esta anemia da ferropriva, na qual a microcitose é mais proeminente e se instala antes da hipocromia. 3 O índice de produção reticulocitária encontra-se normal. Os exames do metabolismo do ferro encontram-se da seguinte forma: 1. Ferro sérico baixo (< 50 mg/dl) e ferritina sérica normal ou alta (situando-se entre 50-500 ng/ml) – essa combinação caracteriza a doença; 2. TIBC normal ou baixo (< 300 mg/dl); 3. Saturação de transferrina levemente baixa (10-20%). A Protoporfirina Livre Eritrocitária (FEP) encontra-se elevada, mas em menor grau quando comparada à anemia ferropriva. A TRP (Proteína Receptora de Transferrina), ao contrário da ferropriva está baixa. O TIBC está normal ou até baixo porque, na anemia de doença crônica, há uma redução da transferrina sérica (lembrar que o TIBC não é influenciado pela quantidade de ferro no sangue ou mesmo pela porcentagem de sítios livres da transferrina – ele é útil porque traduz, em última análise, a concentração sérica de transferrina. Em pacientes com ADC ou doença inflamatória/infecciosa/neoplásica, o diagnóstico de anemia ferropriva sobreposta deve ser cogitado quando a ferritina sérica for inferior a 30 ng/ml. TRATAMENTO: Como geralmente a ADC é leve ou no máximo moderada, o tratamento deve enfocar apenas a doença de base. Nos casos incomuns de anemia grave (hematócrito < 25%), afastando-se a ferropenia e outras causas de anemia, o tratamento deve ser realizado com eritropoietina recombinante, de modo a evitar as hemotransfusões repetidas. A resposta costuma ser muito boa. Lembramos que o tratamento com eritropoietina deve ser acompanhado de reposição de ferro parenteral, pois aumenta significativamente o consumo deste elemento. Terapia Intravenosa Com Ferro e Eritropoietina: Se necessário, a reposição de ferro é realizada por via parenteral, já que o metal tem a absorção intestinal bloqueada, impedindo a reposição via oral. Além disso, pacientes que fazem hemodiálise e recebem eritropoietina, a reposição intravenosa de ferro melhora a anemia, até uma taxa de saturação de 20% da transferrina, que quando ultrapassada, oferece um maior risco de bacteremia. Transfusão de Sangue: A transfusão leva a uma resolução i mediata da anemia, porém só é indicada quando a anemia é uma ameaça a vida ou limita seriamente o funcionamento do paciente. Essa indicação ocorre porque em situações de tratamento a longo prazo da anemia de grau leve ou moderada, sem sintomatologia grave, feita com transfusão pode ocorrer riscos secundários, como a sobrecarga transfusional de ferro, sensibilização dos antígenos leucocitários humanos (HLA) no caso de possível receptor de transplante renal. ANEMIAS SIDEROBLÁSTICAS DEFINIÇÃO: Essas anemias formam um grupo heterogêneo e se distinguem das demais pela presença de grandes quantidades de ferro no interior das mitocôndrias dos eritroblastos. Evidenciam-se pelo encontro de sideroblastos em anel, repletos de ferro, na medula óssea associado a anemia de grau moderado a intenso. Esses distúrbios resultam de defeitos na biossíntese do anel porfirínico 4 do heme ou no metabolismo do ferro que ocorrem no interior das mitocôndrias. Já foram descritas formas hereditárias e adquiridas da anemia sideroblástica. Embora esses distúrbios se manifestem frequentemente como anemia microcítica e às vezes hipocrômica também,os pacientes acometidos podem exibir eritrócitos normocrômicos e normocíticos. EPIDEMIOLOGIA: Embora as anemias sideroblásticas adquiridas sejam relativamente raras, elas são muito mais prevalentes que as formas hereditárias. A verdadeira incidência da anemia sideroblástica adquirida não é conhecida, em parte por causa da heterogeneidade das causas e das apresentações clínicas. As anemias sideroblásticas hereditárias ligadas ao X geralmente se manifestam na infância ou no início da idade adulta. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA: A patogênese das anemias sideroblásticas (independente da causa) tem como base um distúrbio da síntese do heme, desde que não seja a carência de ferro. O heme é formado pela incorporação do ferro (no seu estado de íon ferroso, ou Fe+2) à protoporfirina IX. Todo esse processo, desde a síntese da protoporfirina até a incorporação do ferro, ocorre no interior da mitocôndria dos eritroblastos. Deficiências enzimáticas ou defeitos mitocondriais podem prejudicar a síntese do heme. Duas consequências surgem nesse momento: prejuízo à síntese de hemoglobina, levando à hipocromia e anemia; e acúmulo de ferro na mitocôndria. Fisiologicamente, o heme inibe a captação de ferro pelo eritroblasto (um tipo de feedback negativo) – como pouco heme é formado, o ferro continua se acumulando cada vez mais na célula, culminando com a formação dos sideroblastos em anel. O ferro mitocondrial acumulado é potencialmente lesivo ao eritroblasto, eventualmente levando à sua destruição na própria medula – um mecanismo chamado eritropoiese ineficaz. Isso explica o encontro de uma leve hiperplasia eritroide na medula óssea, sem elevação da contagem de reticulócitos periférica. A redução da síntese do heme, em conjunto com a eritropoiese ineficaz, estimula (por mecanismos desconhecidos) a absorção intestinal de ferro. Após vários anos, o paciente evoluicom um estado de sobrecarga de ferro – chamado de hemossiderose ou hemocromatose. Para diferenciar da hemocromatose primária e da secundária a múltiplas transfusões, este tipo de sobrecarga corporal de ferro é denominada Hemocromatose Eritropoiética (mesmo fenômeno que ocorre nas talassemias). 5 Fatores Genéticos: ligado ao cromossomo X Há uma mutação na primeira enzima da síntese protoporfirínica – a ALA sintase. Essa enzima cataliza a reação limitante do processo: a síntese do ALA (ácido aminolevulínico), a partir da glicina e do succinil-CoA. Essa enzima tem como principal cofator a vitamina B6 (sob a forma de piridoxal 5-fosfato). O mutante da ALA sintase só “funciona” quando altas doses (suprafisiológicas) de vitamina B6 são oferecidas ao paciente. Estas mutações podem afetar a afinidade da enzima pelo fosfato de piridoxal ou a sua estabilidade estrutural, sítio catalítico ou suscetibilidade às proteases mitocondriais. Existe ainda um tipo de anemia sideroblástica hereditária causada por uma mutação na proteína hABC7 (proteínas transportadora que se liga ao ATP), que auxilia a enzima ferroquelatase a incorporar o ferro ao heme. Além das duas causas ligadas ao X, também já foram descritas formas autossômicas dominantes e recessivas da anemia sideroblástica hereditária. Entretanto, os mecanismos exatos envolvidos nesses distúrbios não são conhecidos. Exposição a Drogas ou Toxinas: A forma mais comum de anemia sideroblástica adquirida resulta de deficiência nutricional ou da exposição a drogas ou toxinas exógenas, sobretudo ao álcool. Embora a anemia sideroblástica não seja um achado comum no alcoolismo, o consumo abusivo de álcool observado nas culturas ocidentais é responsável pela sua alta incidência. O álcool inibe diretamente a eritropoiese, mas em geral a anemia sideroblástica só é vista nos casos de alcoolismo associado a deficiências nutricionais. O etanol pode interferir na interação entre a piridoxina (vitamina B6) e a ALA sintase, inibir diversas enzimas da síntese protoporfirínica e promover disfunção mitocondrial. A deficiência de cobre provoca anemia sideroblástica, provavelmente pelo fato da enzima mitocondrial que converte Fe+3 em Fe+2 (citocromo oxidase) conter cobre em sua composição. As principais causas de deficiência de cobre na prática médica são nutrição parenteral total, gastrectomia e reposição desnecessária de sais de zinco. O excesso de zinco induz à formação de uma proteína intestinal (metalotioneína) capaz de quelar todo o cobre da dieta. Outros casos bem documentados de anemia sideroblástica associada a drogas incluem a exposição à isoniazida, ao cloranfenicol e à cicloserina. A anemia sideroblástica também foi atribuída à exposição ao chumbo, mas não há dados suficientes que sustentem esse vínculo. Forma Idiopática: A causa importante de anemia sideroblástica adquirida é a idiopática associada a síndromes mielodisplásicas. Uma das formas, a anemia refratária com sideroblastos em anel, caracteriza- se pelo encontro de anormalidades nas três linhagens de células hematopoéticas, além da presença de sideroblastos em anel. Uma segunda forma, conhecida como anemia sideroblástica pura, apresenta uma associação menor com as anormalidades citogenéticas e caracteriza-se pela presença de displasia somente das células progenitoras da linhagem eritroide e ausência de citopenias, com exceção da anemia. Não se conhece bem onde está o distúrbio na síntese do heme. Contudo, há fortes indícios de que mutações no DNA mitocondrial (lembre-se de que a mitocôndria também contém ácido nucleico) prejudicam 6 a ação de uma enzima que converte o íon férrico (Fe+3) em íon ferroso (Fe+2). O íon férrico não consegue ser incorporado à protoporfirina IX. Tais mutações podem determinar outras consequências nas células hematopoiéticasda medula, provocando uma síndrome mielodisplásica. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Em virtude da natureza heterogênea das anemias sideroblásticas, muitas das manifestações clínicas variam de acordo com a causa fisiopatológica subjacente. Na maioria das vezes, essa anemia é moderada a grave, e os níveis de hemoglobina entre 4 a 10 g/dL. 1. Forma Hereditária: O grau de anemia é variável, podendo ser leve, moderada ou grave (Hg < 7 g/dl). Os casos leves a moderados podem ser descobertos somente na idade adulta, já quando existe hemossiderose, representada por hepatoesplenomegalia ao exame físico. A anemia é microcítica (o VCM podendo chegar na faixa entre 50- 60 fL) e hipocrômica, com intensa anisocitose (aumento do RDW) e poiquilocitose. Os casos mais graves podem evoluir com as lesões orgânicas da hemossiderose (cardiomiopatia, cirrose hepática, hiperpigmentação, diabetes mellitus secundário). Mulheres heterozigotas podem apresentar uma leve anemia ou apenas uma curva de anisocitose “bífida” no hemograma. 2. Forma Idiopática: Estes pacientes geralmente são adultos de meia-idade ou idosos (raramente jovens e crianças), sem preferência de sexo. A anemia é leve a moderada, lentamente progressiva até um grau de estabilidade (o paciente mantém aquele hematócrito por longos anos). Também existe hemocromatose eritropoiética, justificando o achado de hepatoesplenomegalia em 1/3 a 1/2 dos casos. DIAGNÓSTICO: No esfregaço do sangue periférico pode ser encontrado dois tipos de eritrócitos: um hipocrômico e microcítico e outro normocítico e, eventualmente, macrocítico. A isso denominamos dimorfismo eritrocitário. Esse dimorfismo (ou bimorfismo) pode ser identificado por um RDW aumentado. Na forma herdada de doença, predominam os micrócitos (típica redução do VGM), enquanto que, na forma adquirida, geralmente predominam os macrócitos (aumento do VGM). Os macrócitos são decorrentes da eritopoiese acelerada dos eritroblastos não afetados pela doença, por estímulo da eritropoietina. Como há um estímulo à absorção intestinal de ferro, ele se acumula no organismo (hemocromatoseeritropoiética). Como consequência, teremosferro sérico alto (> 150 μg/dl), ferritina sérica normal alta ou alta (> 100-200 ng/ml), TIBC normal e saturação de transferrina alta (30-80%). Devemos suspeitar de anemia sideroblástica sempre quando houver a coexistência paradoxal de hipocromia com ferro sérico alto, saturação da transferrina elevada e ferritina elevada. Em alguns pacientes com AS, as hemácias circulantes podem reter as mitocôndrias sideróticas por um breve período. Nesses casos, um esfregaço de sangue periférico identifica precipitados de ferro conhecidos como corpúsculos de Pappenheimer (inclusões basofílicas de ferro que formam conglomerados na periferia da célula). 7 A confirmação do diagnóstico se dá pelo aspirado da medula óssea, com o uso do corante azul da Prússia, que evidencia o ferro. Essa coloração revela a presença de siderossomos verde-azulados anormalmente grandes e numerosos no interior de no mínimo 15% dos eritroblastos, o que dá a essas células a aparência característica em anel. TRATAMENTO: 1. Tratamento da Doença Subjacente: A maioria das formas de anemia sideroblástica não possui um tratamento específico voltado para o mecanismo subjacente. As exceções são aqueles tipos causadas pelo álcool ou por drogas, para as quais a remoção do agente agressor geralmente leva à resolução, ou pelo menos à melhora, da anemia. A abstinência de álcool geralmente reverte as alterações da biossíntese do heme em 1 a 2 semanas, conforme evidenciado pelo desaparecimento dos sideroblastos em anel da medula. A piridoxina melhora de maneira significativa os casos relativamente raros de deficiência nutricional, que na maioria das vezes estão associados ao alcoolismo, e algumas formas de anemia sideroblástica hereditária ligada ao X nas quais há um defeito na ligação da piridoxina com a ALAS-2. Nos casos em que há resposta, ocorre reticulocitose em 2 a 3 semanas, e o nível de hemoglobina melhora com o passar dos meses. Foi constatado que, em alguns pacientes com anemia sideroblástica ligada ao X, a administração de piridoxina em altas doses leva a uma superação do defeito na atividade da ALAS-2, mas o tratamento prolongado com altas doses dessa substância pode estar associado a neuropatia periférica. 2. Transfusão: As transfusões de hemácias ainda são a base do tratamento para a maioria das anemias sideroblásticas graves. Por causa dos riscos da terapia transfusional a longo prazo, esse tratamento deve visar à obtenção de um bom estado geral, e não de um nível de hemoglobina específico predeterminado. Os depósitos de ferro devem ser monitorados regularmente, e a terapia de quelação do ferro deve ser utilizada nos casos de sobrecarga de ferro. 3. Eritropoietina: A terapia com eritropoietina, acompanhada ou não de fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF), beneficia uma pequena porcentagem de pacientes com anemia sideroblástica adquirida resultante de mielodisplasia. PROGNÓSTICO: Depende diretamente do mecanismo causador da anemia sideroblástica, sendo as formas adquiridas através de drogas ou toxinas, geralmente o prognóstico é favorável com a retirada do fator causador. Entretanto, na anemia sideroblástica vinculadas a mielodisplasias, geralmente o prognóstico é ruim, por causa da coexistência frequente de pancitopenia e incidência elevada de progressão para leucemia aguda. 8 SÍNDROMES MIELOPROLIFERATIVAS CRÔNICAS Estes distúrbios se caracterizam pela mieloproliferação clonal da célula – tronco hematopoética e por apresentarem propensão para evoluir para leucemia mieloide aguda (também chamada de NMP em fase blástica). POLICITEMIA VERA DEFINIÇÃO: A Policitemia Vera (PV) consiste em uma doença do sistema hematopoético que culmina na proliferação das 3 séries: eritrocitária, granulocítica e megacariocítica. EPIDEMIOLOGIA: Trata-se de uma desordem mieloproliferativa neoplásica, de curso insidioso, que geralmente acomete indivíduos na faixa etária ente 50-80 anos, com discreto predomínio no sexo masculino. É a síndrome mieloproliferativa mais comum. PATOGÊNESE: Hoje sabemos que a policitemia vera se inicia após o surgimento de uma mutação genética específica, conhecida como “JAK-2”. A sigla JAK se refere à enzima Janus-Kinase, um segundo mensageiro na cascata de sinalização intracelular de vários receptores para fator de crescimento, como os receptores de eritropoietina e trombopoietina. Na vigência dessa mutação ocorre uma ativação constitutiva, ininterrupta, daquelas vias de sinalização intracelular, induzindo a célula progenitora a se proliferar mesmo na ausência do respectivo fator de crescimento. Em geral, a mutação é do tipo “pontual” no exon 14 do gene, mas outros polimorfismos também podem ter o mesmo efeito (ex.: no exon 12). O fato é que a JAK-2 pode ser identificada em mais de 95% dos casos de PV, sendo sua demonstração, na atualidade, considerada critério diagnóstico. É importante frisar que a JAK-2 também pode ser encontrada em outras síndromes mieloproliferativas, como a trombocitemia essencial e a mielofibrose, mas numa proporção menor de casos. Na P. vera, o clone neoplásico derivado da stem cell dá origem a progenitores da linhagem eritroide capazes de se proliferar mesmo na ausência de eritropoietina. A não dependência da eritropoietina permite uma proliferação excessiva e desregulada dos progenitores e precursores eritroides. A produção de hemácias aumenta, levando à eritrocitose progressiva. Esta, por sua vez, reduz o nível sérico de eritropoietina, que se encontra no limite inferior da normalidade ou abaixo dele. Além da expansão eritroide, a policitemia vera também pode cursar com a proliferação dos progenitores e precursores das outras linhagens de células hematológicas na medula, cursando frequentemente com aumento na contagem de granulócitos (neutrófilos, basófilos e eosinófilos) e trombocitose. Quando as três linhagens hematopoiéticas têm suas contagens elevadas no sangue, denominamos o quadro de pancitose. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: A policitemia vera geralmente é suspeitada em um paciente assintomático com eritrocitose a esclarecer. A morfologia das hemácias não se modifica pela doença. Hematócrito > 60% em pacientes com Sat. O2 > 92% quase sempre significam policitemia vera! Contudo, muitos pacientes se apresentam com 9 valores de hematócrito mais baixos (principalmente mulheres) e o diagnóstico diferencial deve ser feito com outras patologias causadoras de eritrocitose. Os sintomas são provenientes do aumento da viscosidade sanguínea: cefaleia, tontura, turvação visual, parestesias. Como igualmente acontece em outras síndromes mieloproliferativas (devido à elevada taxa de metabolismo celular replicativo), queixas como fraqueza e perda ponderal, febre baixa e sudorese costumam ocorrer. A hipervolemia está presente e pode levar à hipertensão arterial sistêmica (70% dos pacientes têm PA sistólica > 140 mmHg). A hipervolemia, associada à hiperviscosidade sanguínea, sobrecarrega o coração, levando à congestão pulmonar e dispneia. O prurido é um achado frequente na policitemia vera, ocorrendo em quase 50% dos casos, provavelmente devido à basofilia e consequente hiper-histaminemia. De forma característica, o prurido é desencadeado pelo banho quente (“prurido aquagênico”). O exame físico do paciente revela pletora facial e esplenomegalia em 70% dos casos. A pletora facial (“vermelhidão”) é mais proeminente nas bochechas, nariz, lábios, orelhas e pescoço. A esplenomegalia geralmente não é de grande monta, como na LMC e na mielofibrose idiopática. Hepatomegalia está presente em 40% dos casos. A pletora conjuntival (ingurgitamento dos vasos da conjuntiva) e a eritrocianose das extremidades também são características da doença. Os vasos da retina estão dilatados e pode haver hemorragias. As equimoses são comuns, bem como as lesões urticariformes.A incidência de úlcera péptica e hemorragia digestiva está elevada na policitemia vera, por conta da basofilia e hiper-histaminemia (a histamina estimula a secreção gástrica de ácido). O sangramento gastrointestinal crônico pode levar à ferropenia. Em alguns casos, a ferropenia reduz o hematócrito, que pode ficar normal ou no limite superior da normalidade. Curiosamente, as hemácias estarão microcíticas, sendo esta combinação de achados (isto é, hematócrito normal com hemácias intensamente microcíticas) um indício clássico da coexistência de P. vera com ferropenia. DIAGNÓSTICO: O laboratório do paciente pode mostrar leucocitose em 50% dos casos e trombocitose em 30%. A leucocitose pode chegar a valores acima de 50.000/mm3, confundindo o diagnóstico com a LMC. O aumento da fosfatase alcalina leucocitária e a presença da eritrocitose sugerem o diagnóstico da policitemia vera. A trombocitose pode chegar a valores acima de 1.000.000/mm3, confundindo o diagnóstico com a trombocitemia essencial. A hiperuricemia e a pseudo-hipercalemia são achados comuns. 10 Os níveis de vitamina B12 costumam estar acima do normal devido à hipersecreção de transcobalamina III (proteína que carreia a vitamina B12 no sangue) pelos granulócitos originários do clone neoplásico. COMPLICAÇÕES: As principais complicações da policitemia vera são os eventos trombóticos. A trombose pode ser arterial e/ou venosa e geralmente afeta órgãos nobres, por exemplo: AVE isquêmico, IAM, trombose enteromesentérica, trombose das veias supra-hepáticas e TVP de membros inferiores/embolia pulmonar. Os fenômenos tromboembólicos são responsáveis por boa parte dos óbitos (30%) nos pacientes com policitemia vera. ACHADOS LABORATORIAIS: 1. Aumento dos valores do eritrograma: Contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito. Volemia eritróide total aumentada; 2. Leucograma com neutrofilia e basofilia é comum de ser encontrado; 3. Trombocitose presente em metade dos pacientes; 4. Mutação JAK2 presente nos granulócitos em cerca de 97% dos pacientes; 5. Medula óssea hipercelular, com hiperplasia das três linhagens; 6. Eritropoetina sérica baixa; 7. Ácido úrico plasmático, normalmente, é encontrado aumentado, porém com desidrogenase láctica normal ou pouco aumentada; 8. Número de células progenitoras eritróides circulantes (unidades formadoras de colônia) aumentadas, além do crescimento in vitro, sem a adição de eritropoietina; 9. Anormalidades cromossômicas, que são encontradas na minoria dos pacientes. 11 Curiosamente, na PV, o principal determinante do risco de trombose é a eritrocitose, e não a trombocitose. Apesar da forte associação com trombose, portadores de P. vera também têm risco aumentado de eventos hemorrágicos. Trata-se de uma forma adquirida da doença de von Willebrand que acontece quando a contagem de plaquetas fica muito aumentada. Com um aumento expressivo da plaquetometria começa a haver sequestro (por adsorção na superfície plaquetária) e proteólise do fvWb circulante, que assim tem seus níveis reduzidos. Logo, apesar de existir um grande número de plaquetas, a hemostasia primária encontra-se prejudicada, pois a deficiência do fvWb impede uma adequada adesão plaquetária. TRATAMENTO: 1. Flebotomia: A base terapêutica da policitemia vera tem sido a flebotomia (“sangria”). Os pacientes devem ser submetidos inicialmente à retirada diária de 100-500 ml de sangue, com o objetivo de atingir um hematócrito < 45% em homens e < 42% em mulheres. Cada 500 ml de sangue retirados de um adulto mediano reduz o hematócrito em cerca de 3%. Com o hematócrito dentro do alvo a flebotomia passa a ser realizada de forma periódica de acordo com a necessidade (ex.: a cada três meses). Pacientes coronariopatas ou com história de doença cerebrovascular podem retirar um volume menor de sangue, devendo a flebotomia ser acompanhada de reposição de cristaloides. 2. Drogas Mielossupressoras: Serão indicadas nas seguintes situações: Dificuldade na realização de flebotomias regulares; Alto requerimento de flebotomias; Trombocitose acentuada (> 1.000.000/mm3) e/ou história prévia de trombose; Prurido intratável. A droga tradicional é a hidroxiureia, sua administração oral (500 a 1.500 mg/dia) reduz o hematócrito, a leucocitose e a trombocitose. O objetivo é controlar o hematócrito e manter as plaquetas < 500.000/mm3, evitando, contudo, uma queda na contagem de neutrófilos para < 2.000/mm3. A anagrelida também é um agente mielossupressor, e pode ser associada à hidroxiureia em casos refratários, ou substituí-la se houver intolerância. Sua posologia é 1-2 mg de 12/12h por via oral. O PEG-interferon alfa também se mostrou efetivo, porém, devido à elevada incidência de efeitos colaterais não é considerado agente de primeira linha, exceto em gestantes, já que hidroxiureia e anagrelida são teratogênicas. O prurido pode melhorar apenas com o controle da doença pela terapia descrita acima. É recomendável evitar banhos quentes. Alguns pacientes se mostram refratários, e nestes casos devemos lançar mão de anti-histamínicos como a difenidramina, podendo associar antidepressivos como a doxepina ou mesmo a PUVA (psoralenos + exposição ao ultravioleta A) e o PEG-interferon-alfa. 12 A aspirina em baixas doses é tradicionalmente feita para todos os pacientes sem contraindicações, com o intuito de prevenir trombose, ainda que alguns autores questionem a verdadeira eficácia dessa droga, haja vista que hoje já está claro que o fator mais importante para a trombofilia associada à PV é o aumento do hematócrito, e não das plaquetas. Os anticoagulantes (ex.: warfarin) são indicados apenas quando o paciente desenvolve trombose. PROGNÓSTICO: Em geral o prognóstico é bom, com sobrevida mediana acima de 10 anos. Trombose e hemorragias são os principais problemas clínicos/complicações, que acabam diminuindo a expectativa de vida. Além disso, em 30% dos casos, ocorre uma transição da policitemia vera para mielofibrose, e em 5% dos casos a progressão leva a uma leucemia mieloide aguda. TROMBOCITOSE ESSENCIAL: DEFINIÇÃO: A trombocitemia essencial (TE) é uma neoplasia mieloproliferativa crônica BCR-ABL1-negativa que envolve, primariamente, a linhagem megacariocitária e que se caracteriza por trombocitose sustentada no sangue periférico, aumento do número de megacariócitos maduros e grandes na medula óssea, e, clinicamente, por episódios de trombose e/ ou de sangramentos e fenômenos vasomotores. EPIDEMIOLOGIA: A trombocitemia essencial é uma síndrome mieloproliferativa incomum, descrita inicialmente em 1934. Tipicamente acomete adultos velhos (50-60 anos), com predileção pelo sexo feminino. Uma forma infantil também é descrita. De todas as desordens mieloproliferativas, é a que acarreta melhor prognóstico. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA: O clone neoplásico derivado da stem cell (célula – tronco) se diferencia preferencialmente em megacariócitos. Assim, o aumento na produção de plaquetas é o grande marco da doença. Trombocitose excessiva, especialmente quando acima de 1.000.000/mm3, predispõe não só aos eventos trombóticos, mas também à hemorragia (por um defeito qualitativo das plaquetas, por ex.: adsorção dos polímeros do fator de Von Willebrand = doença de Von Willebrand adquirida). O principal fator de crescimento da linhagem megacariocítica é a trombopoetina. Essa molécula tem similaridades estruturais com a eritropoetina, o G-CSF, o hormônio do crescimento e o Fator Inibitório da Leucemia (LEF). Por meio da ligação da trombopoetina com seu receptor, o c-MPL, essa citocina estimula a proliferação e a maturação dos megacariócitos, além da liberação das plaquetas por essas células. Outros fatores que CURIOSIDADE: Inibidores do JAK-2 O ruxolitinib (Jakavi) éum inibidor da proteína “doente” produzida pela mutação JAK-2. Recente estudo clínico publicado em 2015 mostrou eficácia significativa ‒ em comparação com o tratamento convencional ‒ no que tange ao controle do hematócrito, diminuição da esplenomegalia, dos sintomas constitucionais e do risco de trombose. A principal complicação foi um aumento na incidência de herpes-zoster, quadro observado em 6% dos pacientes. Até o momento, no entanto, não se recomenda a substituição da estratégia de flebotomias regulares pelo uso de inibidores do JAK-2. 13 estimulam a proliferação da linhagem megacariocítica são o GM-CSF, a IL-3, a IL-6, a IL-11, o fator da célula- tronco, o ligante do FLT, o FGF e a eritropoetina. O receptor da trombopoetina encontra-se intimamente ligado com a JAK2. De fato, a sinalização intracelular originada pela ligação da trombopoetina com o c-MPL é altamente dependente da ativação da JAK2. A JAK2 tem um importante papel na sinalização intracitoplasmática dos receptores das citocinas relacionadas à proliferação das células mieloides, como os receptores da eritropoetina, do G-CSF e da trombopoetina. Essa doença também ocorre por uma mutação na JAK2 na célula tronco hematopoiética, causando proliferação e maturação de magacariócitos e liberação de plaquetas independente das citocinas. CAUSAS: As etiologias mais frequentes são: Infecções (principal causa, respondendo por 20-30% dos casos); Injúrias teciduais (politrauma, IAM, cirurgia); Anemia ferropriva; Sangramento agudo; Pós-esplenectomia; Em crianças, as anemias hemolíticas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: A maioria dos pacientes com TE é assintomática e assim permanece por muitos anos. Contudo, muitos apresentam complicações que são debilitantes ou até mesmo fatais, relacionadas, principalmente, aos fenômenos vasculares e hemorrágicos. De fato, os eventos trombóticos, que são as manifestações clínicas mais frequentes na TE, são também a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com TE. Eventos Trombóticos: Podem ser arteriais (mais comum) ou venosos. Exemplos típicos de trombose arterial: AVE isquêmico, AIT (ataque isquêmico transitório), IAM, trombose mesentérica e trombose femoral. No território venoso podemos ter: trombose iliofemoral, trombose dos seios venosos cerebrais e trombose da veia mesentérica. Eventos Hemorrágicos: Múltiplas e extensas equimoses, petéquias, hemorragia digestiva e sangramento grave no pós- operatório (sangramentos gengivais) são os principais exemplos. Os principais fatores de risco para os eventos hemorrágicos na TE são a contagem de leucócitos acima de 11.000/μL, a história de sangramento prévio e o uso de aspirina, especialmente em pacientes com contagem de plaquetas acima de 1.000.000/μL. Fatores de risco para eventos trombóticos 14 Eventos Vasomotores: Cefaleia, alterações visuais, tonteira, parestesias, acrocianose, úlceras cutâneas, eritromelalgia. Eventos Obstétricos: Aborto espontâneo no primeiro trimestre de gestação. Eritromelalgia: Caracteriza-se pelo súbito aparecimento de dor, calor, rubor e disestesia nas extremidades, principalmente nos membros inferiores. Pode ocorrer isquemia digital. O episódio pode ser autolimitado, ou pode evoluir para gangrena. O mecanismo está relacionado à obstrução microvascular por agregados de plaquetas. Até 40% dos pacientes têm esplenomegalia palpável, ao passo que em outros pode haver atrofia esplênica em decorrência de infarto. DIAGNÓSTICO: 1. Esfregaço de Sangue Periférico: As plaquetas variam em tamanho (anisocitose plaquetária), variando de plaquetas muito pequenas a gigantes. As hemácias são geralmente normocrômicas e normocíticas. A contagem de leucócitos é geralmente normal, mas pode estar levemente elevada. 2. Aspirado e Biópsia da Medula Óssea (MO): Mostra classicamente normocelularidade ou hipercelularidade moderada para idade e crescimento de linhagem com megacariócitos grandes a gigantes proeminentes com citoplasma maduro abundante e núcleos profundamente lobulados e hiperlobulados. Os megacariócitos estão localizados em toda a medula óssea, mas podem ocorrer em aglomerados frouxos. Os critérios diagnósticos sugeridos para trombocitemia essencial são: Trombocitose persistente > 450 × 10³/mL; Presença de uma mutação adquirida patogenética (ex: em JAK2 ou CALR); Ausência de outra neoplasia mieloide maligna: PV, MFP, LMC ou síndrome mielodisplásica; Ausência de causa de trombocitose reacional e reservas normais de ferro; Histologia de biópsia da medula óssea, mostrando número aumentado de megacariócitos com proeminência de formas grandes e hiperlobuladas. TRATAMENTO: A estratégia terapêutica baseia-se principalmente na estratificação de risco trombótico e hemorrágico. Alto Risco: 1. > 60 anos; 2. Leucócitos > 11.000/mm3; 3. Contagem plaquetas > 1.500.000/mL; 4. História prévia de evento trombótico. 15 Para tais pacientes existe indicação de controle da plaquetometria, que deve ser mantida abaixo de 500.000/mm3. O tratamento é feito com agentes mielossupressores, como hidroxiureia e anagrelida. Esta última deve ser associada à hidroxiureia em casos refratários, ou substituí-la em caso de intolerância. O PEG- interferon-alfa também pode ser usado. Na vigência de trombose aguda, a anticoagulação plena está indicada. Em caso de evento hemorrágico grave, as plaquetas podem ser prontamente reduzidas através da plaquetaférese. O AAS costuma ser prescrito de forma rotineira na ausência de contraindicações (podendo ser associado à terapia mielossupressora se esta estiver indicada). Baixo Risco: Pacientes com menos de 40 anos. Para estes, o ácido acetilsalicílico é um tratamento suficiente. MIELOFIBROSE DEFINIÇÃO: A mielofibrose primária (MF) também é conhecida como metaplasia mieloide agnogênica, mieloesclerose, metaplasia mieloide idiopática e osteoesclerose. A doença é caracterizada pela mielofibrose precoce e hematopoiese extramedular (metaplasia mieloide). EPIDEMIOLOGIA: É a terceira desordem mieloproliferativa em frequência (após PV e LMC), acometendo adultos velhos ou idosos (pico de incidência aos 60 anos), sem preferência por sexo. PATOGÊNESE E FISIOPATOLOGIA: O clone neoplásico derivado da stem cell dá origem a megacariócitos e monócitos que secretam citocinas que atraem e estimulam fibroblastos, os quais sintetizam colágeno (fibrose). Entre as citocinas implicadas no processo fibrogênico destaca-se o PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas). Numa fase inicial existe hiperplasia medular (como em qualquer síndrome “mieloproliferativa”), porém, em questão de pouco tempo sobrevém um processo de mielofibrose progressiva, na medida em que o colágeno sintetizado se acumula. As células progenitoras hematopoiéticas ‒ assim como o próprio clone neoplásico ‒ precisam continuar se proliferando e se diferenciando. Essas células são então “expulsas” do microambiente da medula óssea, sendo lançadas na circulação (onde suas contagens atingem valores 10-20 vezes acima do normal). O destino dessas células “degredadas” será colonizar o baço e o fígado, órgãos com potencial de sustentar a hematopoiese (já que na vida fetal era basicamente neles que a hematopoiese acontecia). A consequência é que o parênquima desses órgãos (principalmente o baço) torna-se infiltrado por tecido hematopoiético, um fenômeno denominado metaplasia mieloide. Duas mutações capazes de estimular a proliferação celular podem ser encontradas em pacientes com mielofibrose idiopática: a mutação JAK-2, presente em cerca de 50% dos casos, e uma mutação envolvendo o gene do receptor de trombopoietina (MPL), presente em cerca de 5%. Esta última aparece mais na mielofibrose idiopática e na trombocitemia essencial, e menos na policitemia vera. O crescimento do baço resultaem esplenomegalia de grande monta, que tem como consequências mais importantes o hiperesplenismo (contribuindo para a anemia e plaquetopenia) e a ocupação do espaço 16 intra-abdominal, justificando queixas como saciedade precoce, sensação de “plenitude” e dor em hipocôndrio esquerdo (esta última geralmente decorrente de infartos esplênicos segmentares num baço absurdamente aumentado). A infiltração do parênquima hepático pode causar hipertensão portal, com todos os seus comemorativos (ex.: varizes esofagogástricas, circulação colateral no abdome, ascite). O hiperfluxo pela veia esplênica (decorrente da própria esplenomegalia) também contribui para a hipertensão porta. Casos muito avançados também podem evoluir com falência hepática (a infiltração maciça do parênquima pela metaplasia mieloide oblitera os sinusoides hepáticos). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Cerca de 25% dos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico. A maioria apresenta sintomas, tais como fadiga, astenia, perda ponderal, sudorese noturna e desconforto abdominal localizado no hipocôndrio esquerdo. O achado mais frequente no exame físico é a esplenomegalia de grande monta, que ocorre em quase todos os casos. Hepatomegalia está presente em metade dos pacientes. Outros achados menos frequentes são: petéquias, equimoses, adenopatia e a síndrome de hipertensão portal (presente em 5% dos casos na apresentação). Nesta última, o paciente cursa com ascite, varizes esofagogástricas, sangramento digestivo e até encefalopatia hepática, confundindo o diagnóstico com uma doença hepática primária. Em casos avançados, a hematopoiese extramedular também pode acontecer no espaço epidural da coluna vertebral, causando uma compressão extrínseca da medula espinhal que resulta numa síndrome de mielite transversa (paraplegia, nível sensitivo, distúrbios esfincterianos). Dor óssea (principalmente nas porções proximais dos membros inferiores) é outra queixa frequente nas fases mais tardias da doença. DIAGNÓSTICO: Esfregaço Sangue Periférico: 1. Leucoeritroblastose; 2. Poiquilocitose com predomínio de Hemácias em Lágrima, ou Dacriócitos; 3. Plaquetas gigantes degranuladas (“fragmentos de megacariócitos”). Essa tríade compõe o painel clássico da hematoscopia na mielofibrose idiopática. Leucoeritroblastose: É a presença no sangue periférico de células jovens da linhagem granulocítica: bastões, metamielócitos, mielócitos, promielócitos (às vezes até mieloblastos), representando um grande “desvio à esquerda”, e hemácias nucleadas (eritroblastos). A leucoeritroblastose indica que alguma patologia está 17 “ocupando” a medula óssea. As células hematopoiéticas jovens são “expulsas” da medula para a corrente sanguínea. Hemácias em Lágrima: A presença de múltiplas hemácias em lágrima no sangue periférico significa hematopoiese extramedular (metaplasia mieloide). A explicação é que as hemácias produzidas no fígado e no baço sofrem um tipo peculiar de lesão na membrana plasmática antes de serem liberadas para o sangue. Achados Laboratoriais: Hiperuricemia, aumento da fosfatase alcalina leucocitária e da fosfatase alcalina sérica (devido à lesão óssea), aumento da LDH, dos níveis de vitamina B12 e hipoalbuminemia. Aspirado e Biópsia da Medula Óssea: confirma diagnóstico O aspirado de medula óssea é tipicamente seco (dry tap), isto é, quando puxamos o êmbolo simplesmente não vem material na seringa (devido ao excesso de tecido fibrótico). Nas fases iniciais da doença é comum encontrarmos apenas fibras de reticulina, que podem delimitar ilhas de hiperplasia medular (com aumento predominante do número de megacariócitos). Nas fases mais avançadas, por outro lado, a medula se torna francamente hipocelular, ficando repleta de depósitos de colágeno denso. As fibras de reticulina são claramente evidenciadas na coloração pela prata. TRATAMENTO: Não há tratamento específico para a mielofibrose idiopática e, nas fases iniciais oligo ou assintomáticas, nenhuma intervenção é indicada. Quando a anemia ou a trombocitopenia se exacerbam, tem se recomendado a associação de corticoide (prednisona) com talidomida em baixas doses. De acordo com a necessidade, na medida em que a doença progredir, o paciente deverá receber suporte transfusional. Não se faz esplenectomia de rotina no tratamento da mielofibrose idiopática, pois a chance de complicações pós-operatórias é muito alta. Cerca de 30% desses pacientes evolui com infecções, sangramentos e, principalmente, trombose de veias intra-abdominais. Áreas de hematopoiese extramedular “sintomática”, como na compressão epidural da medula espinhal, por exemplo, podem ser controladas com radioterapia externa. A dor óssea também pode responder a este tratamento. Os inibidores do JAK-2, como o ruxolitinib (Jakafi), estão sendo utilizados na doença avançada. Este medicamento provoca uma discreta piora inicial nas citopenias do paciente (que posteriormente estabilizam), mas reduz o tamanho do baço e aumenta a sobrevida. Por fim, a única chance de cura da mielofibrose idiopática é o transplante alogênico de células hematopoiéticas, porém, poucos pacientes com mielofibrose idiopática preenchem os pré-requisitos para a realização desse procedimento (o principal é uma idade ≤ 55 anos, logo, o transplante tem sido reservado para pacientes mais jovens). 18 PROGNÓSTICO: A sobrevida média atual é de cinco anos. Na vigência de mielofibrose terminal, o paciente costuma morrer por causa de hemorragias graves (plaquetopenia extrema), infecções (leucopenia), falência hepática (metaplasia mieloide intensa no parênquima hepático, com bloqueio dos sinusoides) ou leucemização (evolução para LMA secundária).
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