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A VERDADE E AS FORMAS JURIDICAS II CONFERÊNCIA

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A VERDADE E FORMAS JURÍDICAS
CONFERÊNCIA II [footnoteRef:1] [1: Trabalho apresentado para fins avaliativos na disciplina Introdução à Ciência do Direito.] 
Antonio Costa Torres[footnoteRef:2] [2: Graduando em Direito pela Universidade Federal do Pará.] 
Resumo
O objetivo deste texto é analisar as pesquisas judiciárias de estabelecimento da verdade jurídica na Antiguidade grega através da história de Édipo como ponto de início para a compreensão das relações de poder e de saber, as quais são explicadas, não nas relações econômicas, mas nas estruturas políticas de poder.
Palavras-chaves: verdade jurídica, poder político e relações de poder e de saber.
1. Introdução
Este trabalho analisa as relações de poder a partir da história de Édipo, mas não numa visão freudiana, a qual concebe a história de Édipo como a fábula mais antiga do nosso desejo e do nosso inconsciente.[footnoteRef:3] Foucault se propôs a analisar a tragédia de Édipo a partir das influências de Deleuze e Guattari. Assim, para Foucault, Édipo não seria uma verdade de natureza, mas um instrumento para limitar e coagir e que os psicanalistas, a partir de Freud, utilizam para tolher o desejo e fazê-lo entrar numa estrutura familiar definida e pensada pela sociedade em dado momento. Em outros termos, para Foucault, Édipo é um instrumento de poder, de controle e dominação ideológica. [3: Segundo Yuval Noah Harari, antes da Revolução Cognitiva, os seres humanos ainda não tinham inventado as fábulas, os mitos, nem a ficção nem a religião, e no máximo que conseguiam se organizar era em torno de 150 humanos. A partir desta revolução, os seres humanos inventaram seus mitos e suas ficções que lhes possibilitou a criação de seus deuses e a invenção da sociedade.] 
Édipo Rei é o primeiro testemunho que se tem das práticas judiciárias gregas. A tragédia de Édipo narra a história em que as pessoas – um povo e um soberano – ignorando uma certa verdade, por uma série de técnicas, conseguem descobrir uma verdade que coloca em cheque a própria soberania do soberano. Destarte, a tragédia de Édipo é a história de uma pesquisa da verdade; e assim, é um procedimento de pesquisa judiciária da verdade que obedece às praticas judiciárias gregas da época.
2. A busca da verdade na Grécia arcaica: o jogo de prova
No livro de Ilíada, podemos ver como se dava a pesquisa judiciária da verdade na Grécia arcaica. Trata-se de uma história de contestação entre Antíloco e Menelau, no qual Antíloco ao chegar primeiro nos jogos de corrida é contestado por Menelau que diz que Antíloco cometeu uma irregularidade, Antíloco nega. Diante desse impasse, Menelau lança um desafio a Antíloco, mas, Antíloco renuncia ao desafio que é uma prova. A renúncia à prova significa reconhecer que cometeu irregularidade. O procedimento da pesquisa judiciária da verdade na Grécia arcaica se dava dessa forma. Era a maneira de se buscar a verdade, de se estabelecer a verdade jurídica, a qual não passa pela testemunha, mas por uma espécie de jogo de prova, de desafio (de prova) lançado por um adversário ao outro. A prova era uma característica da sociedade grega arcaica. O meio que eles encontravam para se produzir a verdade jurídica.
3. A pesquisa judiciária da verdade na Grécia clássica: o testemunho
Em Édipo, quando o povo de Tebas busca a verdade, a pesquisa judiciária da verdade já não utiliza o modelo de verdade jurídica por meio do jogo de prova. No entanto, observa-se que na tragédia de Édipo há ainda restos da prática de estabelecimento da verdade por meio da prova. 
Em Édipo Rei, a pesquisa judiciária da verdade é estabelecida não de uma forma retórica, mas, de uma forma religiosa e política através da lei das metades. Para uma melhor compreensão, podemos dizer que em Édipo têm-se dois discursos. O primeiro é um discurso do tipo profético (divino) e prescritivo e o segundo é um discurso de forma de testemunho, empírico e cotidiano. Dessa forma, em toda tragédia de Édipo, vê-se uma maneira de deslocar a enunciação da verdade de um discurso de tipo profético e prescritivo a um outro discurso, não mais de cunho divino, mas do testemunho.
4. O Poder e o Saber como instrumento de dominação
O título da tragédia de Sófocles é Édipo Rei (Οιδίπους Τύραννος),[footnoteRef:4] essa palavra Τύραννος, segundo Foucault, é de difícil significado, uma vez que a tradução não dá conta da significação exata. Mas, podemos ver que o título da peça de Édipo é o homem do poder. O Sófocles não deu peça o título de Édipo, o incestuoso, nem Édipo, o parricida, mas sim Édipo Rei. [4: Édipo Rei é uma tragédia grega escrita por Sófocles no século V AC e fora apresentada nas Grandes Dionísias, as quais eram concursos de peças teatrais da época de Péricles.] 
Esta importância da temática do poder é notada em toda leitura da peça de Édipo. Destarte, podemos perceber que Édipo não é o homem do não-saber, homem do inconsciente de Freud. Édipo era o homem do saber e do poder. Assim, para Foucault, Édipo representa na peça de Sófocles um certo tipo de saber-poder e poder-saber. Este poder-saber era o poder político exercido pelo sofista, profissional do poder político e do saber, que existiu na sociedade grega da época de Sófocles – o tirano. O tirano, nos séculos VI e VII, era o homem do poder e do saber, aquele que dominava tanto pelo poder que exercia quanto pelo saber que possuía.
Esta forma de poder-saber era um tipo de poder político mágico e religioso. Foucault ressalta dizendo que o que aconteceu na origem da sociedade grega do século V, foi o desmantelamento desta grande unidade de um poder político que era ao mesmo tempo um saber. Foi o desmantelamento desta unidade de um poder mágico e religioso que os tiranos gregos, imbuídos de civilização oriental, tentaram reabilitar em seu proveito e que os sofistas dos séculos V e VI ainda utilizaram como podiam em forma de lições retribuídas em dinheiro. O desmantelamento desse poder político mágico presente na Grécia arcaica já não encontra lugar na sociedade da época de Sófocles. Destarte, quando a Grécia clássica surge, a tragédia de Édipo representa o ponto de eclosão e o que deve desaparecer para que esta nova sociedade exista é a união do poder e do saber.
A partir deste momento, o homem do poder será o homem da ignorância. Na Grécia clássica, se por um lado, o poder é taxado de ignorância, de inconsciência. Por outro lado, o saber virá do adivinho e do filósofo que em contato com a verdade, verdade eterna dos deuses ou do espírito. O Povo, sem nada deter do poder, possuirá em si a lembrança, podendo dar testemunho da verdade.
Com Platão, se inicia um grande mito ocidental o de que há antinomia entre saber e poder: “onde se há saber, é preciso que ele renuncie o poder. E onde se encontra saber e ciência em sua verdade pura, não pode mais haver poder político”. Dessa forma, o Ocidente vai ser dominado por esse grande mito de que a verdade nunca pertence ao poder político, de que o poder político é cego, de que o verdadeiro saber é o que se possui quando se está em contato com os deuses ou quando nos recordamos das coisas.
5. Considerações
Este texto é uma análise foi sobre as relações de poder, as quais para Foucault são explicadas nas relações políticas, ou melhor, nas estruturas políticas de poder da nossa existência. Assim, Para Foucault, tragédia de Édipo representa um determinado tipo de relação de poder e saber, entre poder político e conhecimento. Portanto, esse poder político não está ausente do saber, ele tramado com saber.
Bibliografia
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. (1972). O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010.
FOUCAULT, Michel. Conferência 2. In: A verdade e as formas jurídicas. 3 Ed. Trad. Roberto Machado de Melo Machado. Rio de Janeiro: NAU, 2003, pp. 29-51.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. Trad. Janaína Marcoantonio. São Paulo: L&PM Editores, 2015.
SÓFOCLES (c. 496 AC-406AC). Édipo Rei. Trad. J. B. de Mello e Souza, 2005. Disponível<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2255>.Acesso em 02/08/2017.

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