Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
BASES FISIOPATOLÓGICAS CLÁSSICAS EMBASANDO MELHORA DE SOBREVIDA Classicamente, o desenvolvimento de insuficiência cardíaca é desencadeado por um insulto ao coração - seja de natureza crônica (ex. hipertensão arterial sistêmica) ou aguda (ex. infarto agudo do miocárdio). Uma vez que o dano ao miocárdio está estabelecido - seja estresse parietal exagerado, alteração de pressões de enchimento e/ou perda de músculo cardíaco - uma cascata de eventos será ativada por mecanismos neuro-humorais, com a finalidade de compensar a redução do débito cardíaco, mas evolui com mal adaptação, passando a sobrecarregar o sistema cardiovascular em vários aspectos funcionais. O mecanismo estudado mais emblemático e, talvez, pioneiro foi o da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) no desenvolvimento da insuficiência cardíaca. Pfeffer e colaboradores demonstraram a ativação deste eixo com consequências deletérias no miocárdio, des crevendo a sua importância no remodelamento ventricular, e no sistema vascular, em modelo experimental de infarto agudo em ratos. No passo seguinte, estes autores, elegantemente demonstraram que o uso de captopril - inibidor da enzima de conversão da angiotensina (ECA) - promoveu melhora da fração de ejeção, redução da dilatação ventricular (remode- lamento reverso) e aumento da sobrevida destes animais. 2 A partir destes achados, inúmeros ensaios clínicos ran - domizados utilizando inibidores da ECA demonstraram au - mento de sobrevida em pacientes com insuficiência cardíaca e melhora em todo seu espectro funcional. Desta forma, o conceito de prevenir e/ou reverter o remodelamento ventricular adverso passou a ser reconhecido como o meio mais eficaz para melhorar desfechos clínicos nobres, como a redução de mortalidade total na insuficiência cardíaca. 3-5 A outra classe de fármacos, que hoje constitui um dos pilares no tratamento da insuficiência cardíaca, é a dos be - tabloqueadores. Por muito tempo, estes foram proscritos do arsenal terapêutico da insuficiência cardíaca, uma vez que são tradicionalmente considerados inotrópicos negativos. 6 No entanto, a ativação adrenérgica, que ocorre no desenvol - vimento da insuficiência cardíaca, promove dano direto aos cardiomiócitos, sobrecarga no influxo de cálcio e apoptose. Secundariamente, ocorre uma dessensibilização de recepto - res beta-1 do miocárdio, presumivelmente num processo de ‘auto-proteção” ao estímulo adrenérgico aumentado e con - tinuado. 7,8 Baseado nestes preceitos, o grupo de Swedberg e colaboradores, postulou que a modulação (atenuação) deste eixo produziria efeitos anti-remodelamento benéficos que poderia resultar em benefícios clínicos. 9 Recentemente, o arsenal terapêutico para o tratamento da insuficiência cardíaca foi potencializado com o lança - mento de um fármaco que associa valsartan (bloqueador de receptor da angiotensina II) e uma nova droga, o sacubitril (disponibilizado na forma pró-droga). A grande novidade desta nova droga está na modulação de um importante eixo neuro-humoral ativado na insuficiência cardíaca, o eixo dos peptídeos natriuréticos. O sacubitril é um inibidor da enzima neprilisina, cuja atividade degrada peptídeos natriuréticos. 10 Como consequência, há um aumento de peptídeos natriuré - ticos circulantes, além do concomitante bloqueio do SRAA propiciado pelo valsartan, resultando em potente vasodi - latação. Este efeito é potencialmente o maior responsável pelos desfechos positivos em estudos clínicos importantes, sendo o mais representativo o estudo PARADIGM-HF que mostrou redução relativa de mortalidade cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca em torno de 20% em relação ao enalapril. 11 Hoje, os betabloqueadores, juntamente com IECA e mais recentemente sacubitril/valsartan, são fármacos que influenciam eixos fisiopatológicos potentes e podem reverter, parcialmente ou completamente, o remodelamento adverso do ventrículo esquerdo. Sendo assim, pode-se dizer que este conjunto de drogas são as mais poderosas ferramentas para melhorar desfechos em pacientes com insuficiência cardíaca - potencialmente com um fator universal entre eles - o efeito antiremodelamento. Por fim, além deste conjunto de fármacos, outra ferramenta eficaz contra o remodelamento adverso do ventrículo esquer - do pode ser a ressincronização cardíaca obtida com uso de marcapasso biventricular. Através de uma ativação com eixo elétrico diferente à do bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e uma alteração mitocondrial com aumento regional da fosforilação oxidativa, a terapia de ressincronização cardíaca pode ser capaz de contribuir para o remodelamento reverso. De forma análoga ao observado com intervenções farmacológicas, estudos clínicos demonstram que ressincronização cardíaca se associa a melhora de desfechos como sobrevida, quali - dade de vida e hospitalizações. 12,13 A Figura 1 representa os eixos fisiopatológicos ativados na insuficiência cardíaca e a Tabela 1 sintetiza estes eixos e as implicações terapêuticas envolvidas em modulações específicas SNS= Sistema nervoso simpático; NE = Norepinefrina; Epi = Epinefrina; AGT = Angiotensinogênio; Ang I = Angiotensina I; Ang II = angiotensina II; ECA = enzima conversora da angiotensina; AT1R = receptor do tipo 1 da angiotensina II; AT2R = receptor do tipo 2 da angiotensina II; iECA = inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA = bloqueador do receptor da angiotensina; ANP = peptídeo natriurético atrial; BNP = peptídeo natriurético cerebral; NO = óxido nítrico. Figura adaptada de.14 Qual a fisiopatologia insuficiência cardíaca? A IC pode ser resultado de inúmeras doenças cardíacas e/ou sistêmicas. A causa mais comum é a redução da contratilidade miocárdica (função sistólica alterada), que pode ser originada por Infarto agudo do miocárdio (IAM), fase dilatada da cardiopatia hipertensiva e miocardiopatias. Porém outras causas também são observadas, tais como as condições que interferem no enchimento ventricular (função diastólica alterada), as anormalidades mecânicas, os distúrbios da frequência e do ritmo cardíaco, a cardiopatia pulmonar e os estados de alto débito. Nos adultos, em aproximadamente 69% dos casos, a IC está associada à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Já nos 40% restantes, a IC está relacionada com a disfunção diastólica, condição que vem sendo mais observada com o aumento da expectativa de vida da população. As manifestações iniciais da disfunção hemodinâmica (redução no volume de ejeção e elevação das pressões de enchimento ventriculares) apresentam efeitos em cascata nos reflexos cardíacos e na perfusão e função dos órgãos sistêmicos. Isso estimula respostas compensatórias interdependentes, envolvendo os sistemas cardiovascular e neuro-hormonal, além de alterações na fisiologia renal. As respostas neuro-hormonais consistem basicamente em três mecanismos: liberação de norepinefrina pelos nervos simpáticos do coração (eleva a FC e aumenta a contratilidade do miocárdio e resistência vascular); ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e liberação do peptídeo natriurético atrial (estes últimos mecanismos responsáveis por ajustar os volumes de enchimento e pressão). Já a resposta cardíaca consiste principalmente no mecanismo Frank-Starling. De acordo com esse mecanismo, quanto maior for o volume diastólico final, maior será o débito cardíaco e a fração de ejeção. O volume diastólico final alto estira as fibras musculares do coração e essas, por reflexo miogênico, se contarem com mais vigor, mantendo o débito cardíaco Esses mecanismos compensatórios são gerados na tentativa do sistema cardiovascular manter a homeostasia. Inicialmente, eles conseguem manter o bom funcionamento do coração, contudo com o passar do tempo eles prejudicam o coração, causando cardiotoxicidade e remodelamento cardíaco (induz apoptose de miócitos e proliferação de fibroblastos), piorando em longo prazo os sintomas da síndrome. Sendo assim, a terapêutica da insuficiência cardíaca visa inibir esses mecanismos, basicamente,através do bloqueio do neural e do sistema renina-angiotensina-aldosterona. ROBBINS "A ICC ocorre quando o coração é incapaz de bombear o sangue em uma proporção suficiente para atender às demandas metabólicas dos tecidos, ou é capaz disso apenas na presença de uma pressão de enchimento elevada. Ela é o estágio final comum de muitas formas de cardiopatia crônica, frequentemente se desenvolvendo de modo insidioso devido aos efeitos cumulativos da sobrecarga crônica de trabalho (p. ex., na doença valvar ou hipertensão) ou da cardiopatia isquêmica (p. ex., após infarto do miocárdio com lesão cardíaca). “A ICC é caracterizada por graus variáveis de débito cardíaco e perfusão tecidual reduzidos (algumas vezes denominada insuficiência anterógrada), bem como pelo represamento do sangue no sistema venoso de capacitância (insuficiência retrógrada); o último pode provocar edema pulmonar, edema periférico, ou ambos. Como resultado, muitos aspectos clínicos significativos e alterações morfológicas observados na ICC são, na verdade, decorrentes de lesões induzidas pela hipoxia e congestão nos tecidos distantes do coração." "ICC ocorre quando o coração é incapaz de fornecer a perfusão adequada para atender às necessidades metabólicas dos tecidos periféricos; o débito cardíaco inadequado é geralmente acompanhado por congestão aumentada na circulação venosa.
Compartilhar