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Fundamentos de Análise Matemática Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Francisco Augustin Machado Echalar Revisão Textual: Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos Noções de lógica proposicional • Introdução • Conceitos iniciais • Operações com proposições • Regras de inferência e de equivalência • Para praticar · Conceituar o cálculo proposicional, apresentar suas técnicas e relacioná-lo com o raciocínio dedutivo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta unidade, discutiremos a lógica proposicional. Trata-se, na verdade, de um primeiro aprofundamento de questões que já apareceram na unidade anterior, como a questão de determinar se uma afirmação é uma consequência logicamente necessária de outras. Quando dizemos “é lógico que...”, é isso que estamos querendo dizer. No entanto, será que é mesmo lógico? Talvez você se surpreenda, mas essa lógica foi traduzida em fórmulas, tanto que em muitos livros ela é chamada de Cálculo Proposicional. Esse processo de formalização foi iniciado em meados do século XIX. Uma segunda possível surpresa é o fato de que o assunto desta unidade não é a única lógica. Há outras lógicas. Falaremos disso ao longo do texto. Como continuidade da unidade anterior, valem as mesmas recomendações: o assunto pode parecer difícil, pois trata de formas de pensamento com as quais você talvez não esteja acostumado(a). Mais ainda, trata-se de estudar uma determinada forma de pensamento. Por isso é muito importante que leia com atenção o material. Provavelmente, você vai ter dúvidas. Registre-as. Pense sobre elas. Consulte o material complementar. Pesquise sobre conceitos e demonstrações específicos. Procure refazer os exemplos. Veja se entendeu cada um dos passos. Faça as atividades. Elas são parte importante do processo de aprendizado. Entender o conceito de inferência lógica aprofunda a compreensão do que é o raciocínio dedutivo, que é, como dissemos anteriormente, entender um dos aspectos mais específicos do saber matemático acadêmico. ORIENTAÇÕES Noções de lógica proposicional UNIDADE Noções de lógica proposicional Contextualização O tema da unidade é a lógica proposicional. Uma preocupação central da lógica são os argumentos. É um dos primeiros conceitos de que trataremos, mas aqui vamos dar uma primeira noção. Um argumento, segundo o Dicionário Houaiss, é uma “razão, raciocínio que conduz à indução ou dedução de algo”, ou ainda “prova que serve para afirmar ou negar um fato”. A ideia é, então, usar um discurso racional para fundamentar uma conclusão. A pergunta que a Lógica procura responder é: “será que esse discurso realmente fundamenta essa conclusão?”. Veja o seguinte exemplo: “você deve aceitar realizar tarefas que não são suas se não quiser ser despedido(a).” A ideia é que, caso você não faça o que foi pedido, você sofrerá uma consequência desagradável; logo, é bom que você faça o que foi pedido. Conforme a situação, esse tipo de argumento (conhecido como argumento de “apelo à força”) pode ser muito convincente. Mas será que ele é lógico? Veja, ameaças de demissão não são argumentos racionais; a verdade da conclusão “é bom que você faça o que foi pedido” não tem a ver com a força do argumento, mas sim com a força do chefe. Vejamos o seguinte exemplo da Matemática. Uma série infinita é uma soma com infinitas parcelas. Talvez pareça estranha uma soma desse tipo, mas com certeza você já usou algumas delas. Veja um exemplo: 3 10 3 100 3 1000 3 10000 + + + +… Essa soma nada mais é do que a dízima 0,3333... E, como você deve se lembrar, ela tem um valor bem determinado: 3 10 3 100 3 1000 3 10000 0 3333 1 3 + + + +…= …=, . No entanto, isso não acontece com toda série. Veja a série a seguir, cujo resultado estamos chamando de S: S = 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 + 1 – 1 ... Vamos tentar calcular o valor de S de dois jeitos diferentes. No primeiro jeito, agrupamos em duplas as parcelas, tal como elas aparecem na expressão acima: S = (1 – 1) + (1 – 1) + (1 – 1) + (1 – 1) ... = 0 + 0 + 0 + 0 + ... A ideia é que cada 1 terá um -1 que o anula e, consequentemente, teremos S = 0. Mas veja o que acontece se começarmos o agrupamento a partir da 2ª parcela: S = 1 + (– 1 + 1) + (– 1 + 1) + (– 1 + 1) + (– 1 + 1) + ... = 1 + 0 + 0 + 0 + 0 + ... Desse jeito, cada – 1 terá logo em seguida um + 1 que o anula. Sobra apenas o primeiro 1, e teremos, então, S = 1. Qual o agrupamento correto? Isto é, qual o argumento correto? Percebe que temos que pensar com cuidado como articulamos as ideias? Não é possível que duas sequências de ideias aparentemente corretas deem resultados diferentes, concorda? Pensar logicamente nos ajuda a ver mais claramente os argumentos. E estudar lógica nos ajuda a aprimorar nosso pensamento lógico. 6 7 Introdução A Lógica estuda as formas do pensamento. Ela é diferente da Psicologia, que procura entender a função pensamento no contexto da psique da pessoa. Ela também é diferente do estudo de um pensamento específico sobre um tema específico. Ela estuda a FORMA do pensamento. Esquisito, não? Ao final da unidade isso deve ficar mais claro. Lógica: parte da fi losofi a que trata das formas do pensamento em geral (dedução, indução, hipótese, inferência etc.) e das operações intelectuais que visam à determinação do que é verdadeiro ou não Fonte: Dicionário Houaiss Ex pl or Conceitos iniciais Segundo a definição do Dicionário Houaiss, a lógica trata de dedução, indução, formulação de hipóteses, inferências, isto é, formas de organizar o pensamento. Elas adquirem sentido no contexto maior de identificar uma conclusão a partir de um conjunto de dados prévios. As regras da Lógica permitem avaliar se a conclusão obtida é verdadeira ou plausível. Conclusão: ponto de vista a que se chega a partir de dados da observação, ou do raciocínio, ou de discussão Fonte: Dicionário Houaiss Ex pl or Faremos aqui uma introdução à Lógica Proposicional. Você encontrará uma apresentação mais abrangente e aprofundada no livro “Introdução à Lógica”, do Prof. Cezar Mortari (MORTARI, 2001). O elemento básico da Lógica Proposicional é a proposição. Proposições: são sentenças declarativas às quais podemos atribuir um destes dois valores lógicos: ou verdadeiro ou falso.E xp lo r A sentença “que dia é hoje?” é uma proposição? Perceba que proposições não podem ser nem perguntas nem ordens, porque dizer que uma pergunta é falsa, ou que uma ordem é verdadeira, não tem nenhum sentido. 7 UNIDADE Noções de lógica proposicional Por exemplo, a pergunta “Que dia é hoje?” não é uma proposição, mas a sentença “Eu perguntei que dia é hoje” é uma proposição, porque posso dizer que ela é verdadeira, se eu a tiver feito, ou falsa, se eu não a tiver feito. Do mesmo modo, a ordem “Não estacione na vaga exclusiva” não é uma proposição, mas a sentença “Mandei que João não estacionasse na vaga exclusiva” é uma proposição, porque ela será verdadeira, se dei essa ordem a João, ou falsa, se não a dei. Também não são proposições sentenças abertas, isto é, sentenças que têm algum termo desconhecido. Por exemplo: x > 2, ou então X é um cantor. Enquanto não soubermos quanto vale x, não podemos avaliar se essa sentença é verdadeira ou falsa. Se soubermos que x = 1, no primeiro caso, e X é Roberto Carlos, então a primeira sentença será uma proposição falsa e a segunda verdadeira. Atenção! A presença de uma incógnita não implica que a sentença não seja uma proposição. Por exemplo, “se x = 3, então x² = 9” Entre os princípios da Lógica Proposicional estão o Princípio do Terceiro Excluído e o Princípio da Não Contradição. O Princípio do Terceiro Excluído afirma que uma proposição só pode ser falsa ou verdadeira. O Princípio da Não Contradição afirma que uma proposição não pode ser simultaneamente falsa e verdadeira. Vejamos um exemplo. Considere a seguinte afirmação: “A escada tem 23 degraus”. Ela é uma proposição? Sim, porque você pode dizer que ela é verdadeira (se ela tiver 23 degraus)ou falsa (se não tiver 23 degraus). O princípio do terceiro excluído diz que não há uma terceira possibilidade: ou a escada tem 23 degraus, e a afirmação é verdadeira, ou a escada não tem 23 degraus, e a afirmação é falsa. Além disso, observe que a afirmação não pode ser simultaneamente verdadeira e falsa: a escada não pode ao mesmo ter e não ter 23 degraus – conforme o princípio da não contradição. O que você acha? Há coisas na vida que não se encaixam nesses princípios? Na vida é tudo preto ou branco? É possível eliminar todas as contradições do dia a dia?Ex pl or Esses princípios definem alguns limites para a Lógica Proposicional. É importante ter isso em mente quando você a estuda, mas também quando você a usar ao apresentar argumentos matemáticos a seus alunos. O reconhecimento desses princípios faz parte de aprender Matemática. Como dissemos na contextualização, a lógica pretende analisar argumentos. Chegou a hora de apresentá-los formalmente. Um argumento é um conjunto de pelo menos duas proposições. Uma dessas proposições é a conclusão do argumento. As outras são as premissas. O argumento pressupõe que as premissas são provas da veracidade da conclusão. Ex pl or 8 9 Todo argumento visa a justificar sua conclusão com base em suas premissas. Em outras palavras, as premissas são provas para afirmarmos que a conclusão é verdadeira. Quando as premissas são provas conclusivas da conclusão, dizemos que o argumento é dedutivo; quando as premissas fornecem provas convincentes, mas não são conclusivas, dizemos que o argumento é indutivo. Esse segundo tipo de argumento é estudado com auxílio de ferramentas da Probabilidade. O argumento dedutivo apresenta premissas que são provas conclusivas da conclusão. O argumento indutivo apresenta premissas que são provas convincentes, mas não conclusivas.Ex pl or A Lógica Proposicional é dedutiva. Nesse caso, as premissas do argumento devem fornecer provas conclusivas de que a conclusão é verdadeira. Se essa pretensão é procedente, isto é, se as premissas fornecem prova conclusiva, dizemos que o argumento é válido; se essa pretensão não é procedente, dizemos que o argumento é inválido. A Lógica estuda as condições em que o argumento é válido ou não válido. Todo raciocínio (ou argumento) dedutivo é válido ou inválido; a tarefa da lógica dedutiva é esclarecer a natureza da relação entre as premissas e a conclusão em argumentos válidos, e assim nos permitir que discriminemos os argumentos válidos dos inválidos. (COPY, 1978, p. 35) Um argumento dedutivo válido muito conhecido é: “Todos os homens são mortais. Sócrates é um homem. Logo, Sócrates é mortal”. Temos aqui três proposições: (1) todos os homens são mortais; (2) Sócrates é um homem; (3) logo Sócrates é mortal. A primeira e a segunda proposições são premissas; a terceira proposição, introduzida pela conjunção “logo”, é a conclusão. As outras duas proposições são premissas. Esse é um argumento dedutivo porque, se as premissas são verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa. Um exemplo de argumento inválido é: “Todo homem é bípede. Galinhas são bípedes. Logo, galinhas são homens”. Esse argumento é inválido porque as premissas (“todo homem é bípede” e “galinhas são bípedes”) não oferecem prova conclusiva da conclusão. Ambas são verdadeiras, mas isso não é suficiente para garantir que galinhas são homens. Observe que o fato da conclusão ser falsa não é motivo para o argumento ser inválido. Do mesmo modo, não é porque sua conclusão é verdadeira que o argumento anterior é válido. A validade de um argumento está ligada a sua estrutura. Observe mais um exemplo de argumento válido: “Todas as canetas daquele estojo são vermelhas. Esta caneta foi tirada daquele estojo. Logo, esta caneta é vermelha”. Esse argumento é também um argumento dedutivo: se todas as canetas daquele estojo são vermelhas e esta caneta foi tirada daquele estojo, então ela é vermelha. Trata-se de uma consequência lógica. 9 UNIDADE Noções de lógica proposicional Observe que tanto o exemplo da caneta como o exemplo a respeito de Sócrates têm o mesmo formato, apesar de falarem de coisas diferentes. Esse formato pode ser descrito como: “se A é B e B é C, então A é C”. No primeiro exemplo, A é “Sócrates”, B é “homem” e C é “mortal”; no segundo, A é “esta caneta”, B é “tirada daquele estojo”, C é “vermelha”. Portanto, qualquer argumento que apresente o formato “se A é B e B é C, então A é C” é válido, não importando o que seja A, B e C. O uso de letras no lugar de sentenças permite que se dê destaque ao formato do argumento, porque é no formato que aparece a validade do argumento. A Figura 1 ilustra isso. C B A Figura 1 - Se cada elemento do conjunto A pertence também ao conjunto B (A está contido em B), e todo elemento do conjunto B pertence também ao conjunto C, então a conclusão lógica é que todo elemento de A também pertence a C. Para que fique clara a importância do formato, substitua as sentenças por letras no seguinte exemplo de argumento inválido: “Todos os maranhenses são brasileiros. João é brasileiro. Logo, João é maranhense.” Nesse caso, A é João, B é brasileiro e C é maranhense. O formato é: “Se A é B e C é B, então A é C”. Observe que não é porque A e C são B, que A é C. A pode não ser C, nem por isso as premissas (A é B e C é B) são menos verdadeiras. No exemplo, há brasileiros que não são maranhenses: João pode ser mineiro, por exemplo. Tomemos novamente o exemplo “Todo homem é bípede. Galinhas são bípedes. Logo, galinhas são homens”. Podemos traduzi-lo do seguinte modo: Se A é B e C é B, então C é A. Trata-se de algo equivalente ao exemplo do parágrafo anterior e igualmente inválido, concorda? A Lógica se preocupa com a forma como as premissas dos argumentos se encadeiam para levar à conclusão. O próprio argumento tem uma forma padrão: “Se as premissas forem verdadeiras, então a conclusão é verdadeira.” Essa estrutura “se..., então...” é chamada de implicação. Simbolicamente, escrevemos P → Q, onde P representa o conjunto de todas as premissas, Q representa a conclusão e → representa a relação de implicação “se..., então ...”. Lemos essa expressão (P → Q) como “se P, então Q”. 10 11 Argumentos inválidos podem ser falaciosos. São nesse caso falácias formais. É formal porque está ligado à forma do argumento. Veja este exemplo de uma falácia formal: “Seu amigo disse que se ganhasse na Mega-Sena, iria para a Europa. Ele foi para a Europa. Logo, ele ganhou na Mega-Sena”. Falácia é qualquer argumento ou raciocínio falso que parece verdadeiro, isto é, cuja conclusão não é justifi cada pelas suas premissas, mas parece que sim.E xp lo r Há falácias não formais, cujo erro não está relacionado à forma do argumento, mas sim ao uso de premissas falsas que parecem verdadeiras ou então de premissas que parecem mais plausíveis que a conclusão, mas não o são. Considere o exemplo: “Se você não concorda conosco, você está contra nós. Como você nos fez uma crítica, você está contra nós.” A premissa é falsa. Trata-se de um falso dilema, pois é possível discordar de alguém sem necessariamente estar contra essa pessoa. Operações com proposições Considere o argumento apresentado na contextualização: “O primeiro cálculo resulta em S = 0. O segundo cálculo resulta em S = 1. Não é possível que uma soma tenha dois resultados diferentes. Logo, não é possível que os dois cálculos estejam corretos”. Quais são as premissas? E a conclusão? A conclusão é fácil de identificar: é a proposição que segue a palavra “logo”. Chamaremos essa proposição de Q. As outras proposições são as premissas. Na verdade, apesar de não estar escrito assim, a ideia é a seguinte: “Considerando que o primeiro cálculo resulta em S = 0 E que o segundo cálculo resulta em S = 1 E que não é possível que uma soma tenha dois resultados diferentes, concluímos que...”. Observe cada conectivo “e” em destaque. Cada um está combinando as duas proposições, a que vem antes e a quevem depois dele, numa nova proposição. Assim, se a primeira é a proposição A e a segunda é a proposição B, o resultado da combinação feita pelo “e” é “A e B”. Perceba que esse resultado é uma nova proposição. Em resumo, partimos de duas proposições e chegamos a uma terceira combinação das duas primeiras. Chamamos isso de uma operação binária com proposições. Como usamos o conectivo “e”, essa operação se chama conjunção. Uma outra operação binária é a implicação, característica da estrutura de um argumento, como mencionado anteriormente: “Se P então Q”, ou simbolicamente P → Q. O argumento todo acima pode ser resumido pela seguinte proposição: “Se A e B e C, então Q.” 11 UNIDADE Noções de lógica proposicional Neste item pretendemos discutir como determinar o resultado de diferentes operações com proposições, isto é, o valor lógico (verdadeiro ou falso) da proposição resultante da combinação de duas proposições cujos valores lógicos são conhecidos. Cada operação tem uma ou mais palavras-chaves que a caracterizam. Apresentaremos e discutiremos quatro operações lógicas: a conjunção (“E”), a disjunção (“OU”), a implicação (“SE..., ENTÃO ...”) e a equivalência (“SE E SOMENTE SE”). Além disso, apresentaremos uma operação que não é uma combinação de duas proposições, mas a alteração do valor de uma proposição: a negação (“NÃO”) – isto é, ela não é uma operação binária, mas sim unária (atua sobre apenas uma proposição). O resultado de uma operação lógica pode ser apresentado na forma de uma tabela-verdade. Pela tabela-verdade, podemos obter o resultado de fórmulas lógicas compostas por operações lógicas a partir dos valores das proposições iniciais. As colunas iniciais apresentam as proposições iniciais; as colunas seguintes apresentam o resultado de cada operação individual na ordem em que são realizadas; e cada linha corresponde a uma possibilidade para a combinação de valores das proposições iniciais. Se há duas proposições iniciais, como na conjunção ou na implicação, há quatro possibilidades: as duas verdadeiras, a primeira verdadeira e a segunda falsa, a primeira falsa e a segunda verdadeira, as duas falsas. E as tabelas-verdade da conjunção e da implicação terão quatro linhas cada. Pode haver fórmulas mais complexas, com mais de duas proposições iniciais. Se há três proposições iniciais, há 8 possibilidades diferentes: VVV, VVF, VFV, VFF, FVV, FVF, FFV, FFF. Se há n proposições iniciais, há 2n possibilidades diferentes. Começamos pela conjunção. A conjunção é uma operação lógica de valor verdadeiro se as duas proposições que ela combina são verdadeiras. Pegando o exemplo com que iniciamos este item, a ideia é que as três premissas (“O primeiro cálculo resulta em S = 0. O segundo cálculo resulta em S = 1. Não é possível que uma soma tenha dois resultados diferentes”) sejam verdadeiras juntas, por isso as ligamos por meio de “e”s. Se uma das proposições for falsa, a conjunção é falsa. Considere um outro exemplo: “Alan é motorista de ônibus e sindicalizado”. Essa proposição somente será verdadeira se a primeira proposição (“Alan é motorista de ônibus”) e a segunda proposição (“Alan é sindicalizado”) forem as duas verdadeiras. Se uma das duas for falsa, a conjunção é falsa. O Quadro 1 representa a tabela- verdade da conjunção. Observe que a conjunção é dada pela fórmula A∧B. O símbolo ∧ representa o “E”. A conjunção A∧B é lida como “A E B”. 12 13 Quadro 1 – Tabela-verdade da conjunção . A B A∧B V V V V F F F V F F F F A disjunção é uma operação lógica que tem valor verdadeiro se uma de suas duas proposições é verdadeira. O conectivo característico é o “OU”. O resultado da operação de disjunção, então, é “A ou B”, o que significa: a proposição A é verdadeira, ou a proposição B é verdadeira, ou as duas são verdadeiras. A disjunção é falsa somente se as duas proposições forem falsas. Considere a sentença: “Alan é motorista de ônibus ou sindicalizado”. Essa proposição é verdadeira se a primeira proposição (“Alan é motorista de ônibus”) ou a segunda proposição (“Alan é sindicalizado”) é verdadeira, ou ainda as duas juntas forem verdadeiras. A proposição inicial será falsa apenas se as duas proposições que a compõem forem falsas, isto é, se Alan não for nem motorista de ônibus nem sindicalizado. O Quadro 2 apresenta a tabela-verdade da disjunção. Observe que representamos a disjunção pela fórmula A∨B. O símbolo ∨ significa “OU”. A disjunção A∨B é lida como “A OU B”. Quadro 2 – Tabela-verdade da disjunção A∨B . A B A∨B V V V V F V F V V F F F Passemos agora à implicação, que já mencionamos rapidamente. Como dissemos, a implicação tem a forma “se A, então B”. Na implicação, a proposição A (que exprime a condição) é chamada de antecedente e a proposição B (que exprime a consequência se a condição é verdadeira) é chamada de consequente. Suponha que um amigo seu diga: “Se eu ganhar na Mega-Sena, então eu vou para a Europa.” Em que circunstâncias você pode dizer que essa frase é falsa? Observe que se ele não ganhar na Mega-Sena, você não poderá dizer que ele mentiu. Se ele não ganhou o prêmio nem foi para a Europa, a frase nem por isso é falsa. A frase diz o que ele fará se ele ganhar o prêmio. Não diz absolutamente nada sobre o que ele fará se não ganhar o prêmio. Concorda? 13 UNIDADE Noções de lógica proposicional O mesmo vale para o caso em que ele não ganhe na Mega-Sena e ainda assim for para a Europa. Ele pode ter ido para a Europa por ter conseguido dinheiro com a venda de um carro, por exemplo. Ou por ter ganhado uma herança de um tio distante que ele nem conhecia. Repetimos: a frase inicial não diz nada sobre o que acontece se o rapaz não ganhar na Mega-Sena. Então, você não pode dizer que ela é falsa nesse caso. Qualquer implicação do tipo “se A, então B” diz apenas e exclusivamente que se a afirmação A é verdadeira, então a afirmação B é verdadeira. Ela não diz o que acontece se A é falsa. Se A for falsa, B pode ser falsa ou verdadeira, porque “se A, então B” não diz nada sobre o que ocorre se A é falsa. A única coisa que essa afirmação diz é que se A é verdadeira, B não pode ser falsa. Se isso acontecer, se A for verdadeira e B falsa, então essa será a única situação em que a implicação “Se A, então B” será considerada falsa. O Quadro 3 representa a tabela-verdade da implicação. Quadro 3 – Tabela-verdade da implicação A → B. A B A → B V V V V F F F V V F F V Considerando o exemplo discutido, a frase do seu amigo “se eu ganhar na Megasena, vou para a Europa” só é falsa se ele de fato ganhar o prêmio e não for para a Europa. Em todos os outros casos, a frase é verdadeira. Uma outra formulação possível diz que “se A, então B”, A é uma condição suficiente para B, mas B é apenas uma condição necessária para A. Isto é, se A for verdadeiro, necessariamente B também será (por isso A é condição suficiente para B), mas se B for verdadeira, não podemos dizer que A também é. Para que consideremos que A é verdadeira, B tem que ser verdadeira (daí condição necessária), mas só isso não basta, pois pode acontecer de B ser verdadeira sem que A seja. No exemplo, supondo que a frase é verdadeira, se você sabe que seu amigo ganhou na Mega-Sena, pode concluir que ele vai para a Europa; mas se seu amigo está na Europa, você não pode concluir nada, apenas sabe que é possível que ele tenha ganhado na Mega-Sena. Na linguagem coloquial, usualmente se considera que existe uma relação causal entre o antecedente e o consequente de uma implicação. Em termos lógicos, isso não é necessário. A proposição “Se eu fizer um bolo então 3 + 2 = 5” é uma afirmação legítima e verdadeira, eu fazendo ou não o bolo. 14 15 Importante! A defi nição de implicação, mais especifi camente a implicação material, contradiz algumas noções do dia a dia. Por exemplo, ela não diz que o antecedente deve ser verdadeiro para que o consequente também seja. Mais ainda, atribui o valor verdadeiro à implicação quando o antecedenteé falso. Há formulações alternativas que tentam evitar isso, no entanto elas criam outras complicações. Apresentamos a formulação tradicional da implicação material. Importante! Renato Mendes Rocha discute mais aprofundadamente essas difi culdades da implicação no seu artigo ROCHA, R. M. Implicação lógica e material: es- clarecendo pequenas confusões comuns. Intuitio, vol. 6, nº. 2, 2013, p. 239-252. Disponível em http://goo.gl/WcTe2z Acesso em: 13 set. 2015. Ex pl or Nossa próxima operação é a equivalência. A equivalência é caracterizada pelo termo “SE E SOMENTE SE”: A é verdadeira se e somente se B é verdadeira. Em outras palavras, ela tem valor verdadeiro quando as duas proposições que ela combina têm valores iguais: ou as duas são falsas, ou as duas são verdadeiras. Do contrário, a equivalência tem valor falso. A equivalência entre as proposições A e B será representada simbolicamente por A ↔ B. A equivalência pode ser entendida como a conjunção de duas implicações: “A se e somente se B” é a mesma coisa que “Se A, então B, E se B, então A.” Simbolicamente (A↔B)↔((A→B)^(B→A)): Por exemplo, dado um número inteiro x, x² é par se e somente se x é par. Nesse caso, a proposição “x² é par” é equivalente a “x é par”, ou seja, não é possível que x seja par sem que seu quadrado também seja, e vice-versa. Em termos práticos, a equivalência significa que podemos trocar A por B e vice-versa, porque seus valores são sempre os mesmos. Se isso é possível, então a equivalência é verdadeira. Se isso não é possível, isto é, se há um caso em que A é verdadeiro e B é falso, então a equivalência é falsa. Um exemplo em que a equivalência é falsa: “x² é positivo se e somente se x é positivo”; ora, x² é sempre positivo, mas x pode ser negativo. Basta pensarmos em x² = 9 e x = -3. O Quadro 4 mostra a tabela-verdade da equivalência. Como dissemos anteriormente, ela só será verdadeira se ambas as proposições tiverem o mesmo valor lógico. 15 UNIDADE Noções de lógica proposicional Quadro 4 – Tabela-verdade da equivalência A↔B. A B A↔B V V V V F F F V F F F V A última operação de que trataremos, a negação, é uma operação unária, isto é, atua apenas sobre uma proposição. Se a proposição é verdadeira, sua negação é falsa; se a proposição é falsa, a negação é verdadeira. No Quadro 5, isso é apresentado na forma de uma tabela-verdade. Simbolicamente, a negação de A é representada por ¬A, que se lê “NÃO A”. Quadro 5 – Tabela-verdade da negação ¬A. A ¬A V F F V Considere o exemplo: A é “Alan é motorista de ônibus”, sua negação ¬A é “não é verdade que Alan seja motorista de ônibus”, ou então “Alan não é motorista de ônibus”. Se B é “Alan é sindicalizado”, sua negação ¬B é “não é verdade que Alan seja sindicalizado”, ou algo semelhante. Essas operações podem ser combinadas para formar proposições bastante complexas. Vejamos dois exemplos. Primeiro este aqui: “Todo homem é bípede. Galinhas são bípedes. Logo, galinhas são homens”. Façamos as traduções para a linguagem simbólica. O resultado relativo às proposições isoladas está sintetizado no Quadro 6. Quadro 6 – transcrição de proposições do exemplo “Todo homem é bípede. Galinhas são bípedes. Logo, galinhas são homens”. Proposição inicial Proposição reescrita Representação simbólica Todo homem é bípede Se x é homem então é bípede A → B Galinhas são bípedes Se x é galinha então é bípede C → B Galinhas são homens Se x é galinha então é homem C → A Combinando essas proposições num argumento, temos o seguinte: ((A→B)∧(C→B))→(C→A) Façamos a tabela-verdade dessa proposição. O resultado está no Quadro 7. 16 17 Quadro 7 – Tabela-verdade de ((A→B)∧(C→B))→(C→A). Para simplifi car os rótulos das colunas, vamos chamar (A→B)∧(C→B) de P e a fórmula completa de R. A B C A→B C→B P C→A R V V V V V V V V V V F V V V V V V F V F F F V V V F F F V F V V F V V V V V F F F V F V V V V V F F V V F F F V F F F V V V V V Observe que há um caso em que a proposição é logicamente falsa: quando A é falso. Isto é, quando não é verdade que homens são bípedes. Ou seja, o argumento não é válido, pois pode ocorrer das premissas serem verdadeiras e a conclusão válida. Observe também que a não validade do argumento decorre da sua estrutura lógica e não do valor lógico de suas premissas e conclusões. Uma proposição como a acima é uma contingência: em algumas situações ela é verdadeira, em outras ela é falsa. Vejamos um segundo exemplo: “Os brasileiros são homens. Homens são mortais. Logo os brasileiros são mortais.” Façamos as traduções para a linguagem simbólica. O resultado relativo às proposições isoladas está sintetizado no Quadro 8. Quadro 8 – transcrição de proposições do exemplo “Os brasileiros são homens. Homens são mortais. Logo, os brasileiros são mortais.” Proposição inicial Proposição reescrita Representação simbólica Brasileiros são homens Se x é brasileiro então é homem A → B Homens são mortais Se x é homem então é mortal B → C Brasileiros são mortais Se x é brasileiro então é mortal A→ C Combinando essas proposições num argumento, temos o seguinte: ((A→B)∧(B→C))→(A→C) Façamos a tabela-verdade dessa proposição. O resultado está no Quadro 9. 17 UNIDADE Noções de lógica proposicional Quadro 9 – Tabela-verdade de ((A→B)∧(B→C))→(A→C). Para simplificar os rótulos das colunas, vamos chamar (A→B)∧(B→C) de P e a fórmula completa de R. A B C A→B B→C P A→C R V V V V V V V V V V F V F F F V V F V F V F V V V F F F V F F V F V V V V V V V F V F V F F V V F F V V V V V V F F F V V V V V Observe que a fórmula é verdadeira quaisquer que sejam os valores lógicos das proposições A, B e C. Esse tipo de fórmula é chamado de tautologia. Isso indica que o argumento é válido. Isto é, a estrutura lógica do argumento garante que se as premissas forem verdadeiras, obrigatoriamente a conclusão será verdadeira. Importante! Observe que, apesar de um argumento válido ser representado por uma fórmula que é sempre verdadeira, isso não quer dizer que a conclusão é verdadeira. O argumento válido garante apenas que quando as premissas forem verdadeiras, a conclusão será verdadeira. Não diz nada sobre o que ocorre se as premissas forem falsas. Importante! Terminamos falando das regras de precedência das operações. Se numa mesma proposição houver partes entre parênteses, negações, disjunções, conjunções, implicações e equivalências, por onde se deve começar? É um verdadeiro cálculo. Do mesmo modo que em Matemática, primeiro se faz o que está entre parênteses. Depois as negações. Em seguida, as conjunções e disjunções. Depois as implicações, e por último as equivalências Ordem de precedência das operações: 1) Operações entre parênteses. 2) Negações. 3) Disjunções e Conjunções. 4) Implicações. 5) Equivalências. 18 19 Regras de inferência e de equivalência Há uma série de fórmulas tautológicas muito úteis ao analisar argumentos. Elas podem ser divididas em dois grupos: regras de inferência e regras de equivalência. As fórmulas lógicas podem ser bastante complicadas e essas regras nos permitem trabalhar com elas de um modo parecido ao que os produtos notáveis e as regras da álgebra nos permitem manipular equações até resolvê-las. As regras de equivalência são regras que nos permitem trocar uma proposição por uma outra proposição. Isso é possível porque elas são logicamente equivalentes, isto é, sempre que uma é verdadeira a outra também é, e vice-versa. O quadro 10 apresenta uma lista das principais regras de equivalência. Quadro 10 – Regras de equivalência. Nome da Regra Expressão Expressão equivalente Comutatividade P∨QP∧Q Q∨P Q∧P Associatividade (P∨Q)∨R(P∧Q)∧R P∨(Q∨R) P∧(Q∧R) Leis de De Morgan ¬(P∨Q)¬(P∧Q) (¬P∧¬Q) (¬P∨¬Q) Condicional P→Q (¬P∨Q) Dupla negação ¬¬P P Fonte: Gersting (2001, p. 16). A primeira regra diz o seguinte: que P e Q é equivalente a Q e P; que P ou Q é equivalente a Q ou P. A segunda regra diz que dois “ou”s em sequência podem ser calculados na ordem que for mais conveniente.O mesmo vale para dois “e”s em sequência. Você pode provar essas equivalências construindo a tabela-verdade correspondente. Por exemplo, para primeira regra referente ao “ou”, construir a tabela-verdade de (P∨Q)↔(Q∨P) . As regras seguintes correspondem à negação do “OU” e à negação do “E”. Você nega o “OU” usando um “E”. Você nega um “E” usando um “OU”. Explicaremos isso a seguir. Essas leis são chamadas Leis de De Morgan em homenagem ao matemático e lógico inglês Augustus de Morgan (1806-1871). Sua obra principal é “Lógica formal ou cálculo de inferência”, em que trata da lógica do ponto de vista algébrico. Ele e George Boole (1815-1864), fundador da lógica matemática moderna, contribuíram para o ressurgimento da lógica no século XIX. Mais detalhes sobre esse matemático você encontra em: http://ecalculo.if.usp.br/historia/morgan.htm Ex pl or Comecemos pela negação da conjunção. Lembra que a conjunção é falsa quando uma das duas proposições é falsa?Não é necessário que as duas sejam falsas. Basta uma. Por isso, para negar o “E” usamos o “OU”. Portanto, quando dizemos que 19 UNIDADE Noções de lógica proposicional A∧B é falsa, isso significa que A ou B são falsas. Simbolicamente, escrevemos ¬(A∧B)↔(¬A)∨(¬B). Analise em particular as três últimas colunas do Quadro 11, que mostra a tabela-verdade dessa equivalência. Observe que os valores da antepenúltima e da penúltima são idênticos. Por conseguinte, as duas fórmulas são equivalentes, o que se traduz como verdadeiro em todos os casos na última coluna. Quadro 11 – Tabela-verdade de ¬(A∧B)↔(¬A)∨(¬B). Para simplificar os rótulos das colunas, R representa a fórmula completa. A B A∧B ¬A ¬B ¬(A∧B) (¬A)∨(¬B) R V V V F F F F V V F F F V V V V F V F V F V V V F F F V V V V V Em termos verbais, a negação de “Alan é um motorista de ônibus e sindicalizado” é “Alan não é um motorista de ônibus OU não é sindicalizado”. Vejamos agora a negação da disjunção. Uma disjunção é falsa quando as duas proposições que ela combina são falsas. Assim, quando dizemos que A OU B é falsa, isso significa que A E B são falsas. Se uma das duas fosse verdadeira, a disjunção também seria. Logo, as duas têm de ser falsas. Simbolicamente, escrevemos ¬(A∨B)↔(¬A)∧(¬B). A tabela-verdade está representada no Quadro 12. Do mesmo modo que para a conjunção, analise em particular as três últimas colunas. Observe que os valores da antepenúltima e da penúltima são idênticos. Por conseguinte, as duas fórmulas são equivalentes, o que se traduz como verdadeiro em todos os casos na última coluna. Quadro 12 – Tabela-verdade de ¬(A∨B)↔(¬A)∧(¬B). Para simplificar os rótulos das colunas, R representa a fórmula completa. A B A∨B ¬A ¬B ¬(A∨B) (¬A)∧(¬B) R V V V F F F F V V F V F V F F V F V V V F F F V F F F V V V V V Em termos verbais, a negação de “Alan é um motorista de ônibus ou é sindicalizado” é “Alan não é um motorista de ônibus OU não é sindicalizado”. Passemos agora para a regra do condicional. Essa regra nos diz que qualquer implicação é equivalente a uma disjunção. Veja, a implicação P → Q diz que se P é verdadeiro, Q também é. Isso é equivalente a dizer que P é falso ou Q é verdadeiro. Verbalmente, com o exemplo discutido na implicação, temos que “se eu ganhar 20 21 na Mega-Sena, vou para a Europa” é equivalente a “Não ganho na Mega-Sena, ou vou para a Europa”. Você não acredita que são equivalentes? Se chamarmos “Ganho na Mega-Sena” de A e “vou para a Europa” de B, a frase “se eu ganhar na Mega-Sena, vou para a Europa” é traduzida por A → B. A frase “Não ganho na Megasena, ou vou para a Europa” por sua vez é traduzida por ¬A∨B. Você não acredita que são equivalentes? Façamos a tabela-verdade da equivalência das duas fórmulas. Ela está representada no Quadro 13. Quadro 13 – Tabela-verdade de (¬A∨B)↔(A→B). Para simplifi car os rótulos das colunas, R representa a fórmula completa. A B ¬A ¬A∨B A→B R V V F V V V V F F F F V F V V V V V F F V V V V Observe o resultado final: é uma tautologia, ou seja, as duas formulações são equivalentes logicamente, quaisquer que sejam os valores de A e B. Finalmente, a última regra é a dupla negação, isto é, a negação de uma negação. A negação de uma proposição que já é a negação de uma proposição é equivalente à proposição original. No exemplo, A é “Alan é um motorista de ônibus”, ¬A é “Alan não é um motorista de ônibus”, a negação de ¬A , representada por ¬¬A, é “não é verdade que Alan não é motorista de ônibus”, isto é, “Alan é motorista de ônibus”. Em resumo, a negação de uma negação é uma afirmação. A segunda negação anula os efeitos da primeira. No Quadro 14, temos a tabela-verdade da negação da negação. Quadro 14 – Tabela-verdade da dupla negação A. A ¬A ¬¬A V F V F V F Observe que, como dissemos, a negação da negação equivale à afirmação original. Simbolicamente, escrevemos: ¬¬A↔A . Passemos às regras de inferência. A grande diferença com relação às regras de equivalência é que as regras de inferência só funcionam num sentido. Isso quer dizer que se a regra diz que de P podemos concluir Q, isso não quer dizer que de Q podemos concluir P. Só para lembrar, se uma regra de equivalência diz que P equivale a Q, diz também que Q equivale a P. O Quadro 15 apresenta as principais regras de inferência. A primeira coluna apresenta o nome da regra, a segunda apresenta aquilo que é conhecido e a terceira, aquilo que podemos escrever sabendo aquilo que é conhecido. 21 UNIDADE Noções de lógica proposicional Quadro 15 – Regras de inferência. Nome da Regra A partir de Podemos deduzir Adição P P∨Q Simplificação P∧Q P, Q Modus Tollens ¬Q,(P→Q) ¬P Modus Ponens P,(P→Q) Q Fonte: Gersting (2001, p. 16). A regra da adição diz o seguinte: Se P é verdade, então P∨Q é verdade, e podemos escrever essa fórmula. A regra da simplificação diz que se a proposição composta P∧Q é verdade, cada uma das proposições individuais P e Q também é, e podemos escrevê-las isoladamente. Essas duas regras podem ser expressas pelas fórmulas a seguir. Para verificá-las, basta construir suas tabelas-verdades. • Adição: P→ P∨Q • Simplificação: P∧Q→Q P∧Q→P O Modus Tollens diz o seguinte: se sabemos que P→Q, e sabemos que Q é falso (sua negação é verdadeira), podemos concluir que P é falso (sua negação é verdadeira), isto é, podemos substituir ¬Q∧(P→Q), por ¬P. O Modus Ponens diz o seguinte: se sabemos que P→Q, e sabemos que P é verdadeira, podemos concluir que Q é verdadeira, isto é, podemos substituir P∧(P→Q), por Q. Também essas duas regras podem ser expressas pelas fórmulas a seguir. E para verificá-las, basta construir suas tabelas-verdades. Modus Tollens: ¬Q∧(P→Q)→¬P Modus Ponens: P∧(P→Q)→Q Todas essas regras, como dissemos, são ferramentas para manipular fórmulas lógicas. Faremos um exemplo para mostrar isso. Considere a seguinte fórmula: (A→(B∧C))∧((B∧C)→D)∧(D→E∨(¬E→F))∧A∧¬E→F Ela é uma tautologia? Isto é, o lado esquerdo da última implicação é condição suficiente para o lado direito (o F)? Você pode fazer isso por meio de tabela-verdade, mas ela terá 128 linhas e mais de quinze colunas. Vamos mostrar que sim usando as regras acima. Vamos fazer isso passo a passo, numerando-os. Cada passo corresponde a algo que pode ser escrito a partir daquilo que já se sabia. Os primeiros passos são os mais simples, constituem a transcrição de cada uma das premissas presentes no antecedente da implicação acima. 22 23 Passo Justifi cativa 1. (A→(B∧C)) Premissa 2. ((B∧C)→D) Premissa 3. (D→E∨(¬E→F)) Premissa 4. A Premissa 5. ¬E Premissa Agora começa o trabalho dedutivo. É preciso combinar essas cinco premissas com auxílio de alguma das regras, visando a obter simplificações. Olhe por exemplo o passo 1 e o passo 4. Percebe que podemos aplicar neles o modus ponens para simplificar A→(B∧C) escrevendo apenas (B∧C)? Agora que temos (B∧C), observe que ela é o antecedente da implicação do passo 2. Podemos usar novamente o modus ponens e obter D isolado. Ora, D por sua vezé o antecedente de uma implicação, a do passo 3. Usando novamente o modus ponens, obtemos E∨(¬E→F). Tudo isso está sintetizado a seguir. 5. (B∧C) Modus ponens sobre passos 4 e 1 6. D Modus ponens sobre passos 5 e 2 7. E∨(¬E→F) Modus ponens sobre passos 6 e 3 Observe que simplificamos bastante a expressão. Agora precisamos usar os passos 5 e 7 para obter o F. Vamos transformar o “ou” do passo 7 numa implicação. Para isso precisamos fazer uma negação. Isso pode ser feito com a dupla negação, substituindo E por ¬¬E. Em seguida usamos a regra do condicional para fazer aparecer a implicação. Em seguida basta aplicar duas vezes em sequência o modus ponens. 8. ¬¬E∨(¬E→F) dupla negação sobre o E do passo 7 9. ¬E→(¬E→F) regra do condicional sobre o passo 8 10. ¬E→F Modus ponens sobre passos 9 e 5 11. F Modus ponens sobre passos 10 e 5 E está provado que a fórmula é uma tautologia. Acaba ficando mais simples do que montar uma tabela-verdade gigante. Um último exemplo. Provar que a fórmula P∧(Q→R)∧((P∧Q)→(S∨¬R))∧Q→S descreve um argumento válido, isto é, é uma tautologia. A seguir apresentamos a dedução e suas justificativas: 23 UNIDADE Noções de lógica proposicional Passo Justificativa 1. P Premissa 2. (Q→R) Premissa 3. (P∧Q)→(S∨¬R) Premissa 4. Q Premissa 5. R Modus ponens sobre passos 4 e 2 6. (P∧Q) Conjunção sobre passos 1 e 4 7. (S∨¬R) Modus ponens sobre passos 6 e 3 8. (¬R∨S) Comutatividade sobre passo 7 9. R→S Condicional sobre passo 8 10. S Modus ponens sobre passos 9 e 5 Para praticar 1) Dada a fórmula ¬(A → B) ^ (A v C): (a) determine o número de linhas e de colunas que terá sua tabela-verdade; (b) construa a tabela-verdade. 2) Considere o seguinte argumento: “Chove ou faz sol. Se faz sol, as minhocas morrem. Não chove. Logo, as minhocas morrem.” Traduza esse argumento para uma fórmula e construa sua tabela-verdade. Esse argumento é válido? 3) Considere as seguintes afirmações: “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 4”; “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 5”; “Se 2 + 2 = 5, então os seres humanos são imortais.” Em que circunstância cada uma delas é verdadeira? Por que a resposta anterior contradiz o senso comum? 4) Demonstre dedutivamente que o argumento da questão 2 é válido. Respostas 1) Dada a fórmula ¬(A→B)∧(A∨C): (a) determine o número de linhas e de colunas que terá sua tabela-verdade; (b) construa a tabela-verdade. a) São três proposições elementares, então a tabela terá 2³ = 8 linhas. São 3 proposições elementares e 4 operações. A tabela terá 7 colunas. b) A B C A→B ¬(A→B) (A∨C) ¬(A→B)∧(A∨C) V V V V F V F V V F V F V F V F V F V V V V F F F V V V F V V V F V F F V F V F F F F F V V F V F F F F V F F F 24 25 2) Considere o seguinte argumento; “Chove ou faz sol. Se faz sol, as minhocas morrem. Não chove. Logo, as minhocas morrem.” Traduza esse argumento para uma fórmula e construa sua tabela verdade. Esse argumento é válido? A: Chove B: Faz sol C: Minhocas morrem Chove ou faz sol: A∨B Se faz sol, as minhocas morrem: B→C Fórmula completa: (A∨B)∧ (B→C)∧¬A→C A B C A∨B B→C ¬A (A∨B)∧ (B→C) (A∨B)∧ (B→C)∧¬A (A∨B)∧ (B→C)∧¬A→C V V V V V F V F V V V F V F F F F V V F V V V F V F V V F F V V F V F V F V V V V V V V V F V F V F V F F V F F V F V V F F V F F F F V V F F V O argumento é válido, pois a tabela-verdade da fórmula é uma tautologia. 3) Considere as seguintes afirmações: “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 4”; “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 5”; “Se 2 + 2 = 5, então os seres humanos são imortais.” Em que circunstância cada uma delas é verdadeira? Por que a resposta anterior contradiz o senso comum? “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 4” – é sempre verdadeira, mesmo quando não é quinta-feira. “Se hoje é quinta-feira, então 2 + 2 = 5” – só é falsa às quintas-feiras. Nos outros dias é verdadeira, apesar do consequente ser falso. “Se 2 + 2 = 5, então os seres humanos são imortais.” – é sempre verdadeira apesar do antecedente e do consequente serem falsos. Elas contradizem o senso comum porque este valoriza as relações de causa e efeito, enquanto a implicação matemática é definida sem essa preocupação, apenas com base nas alternativas da tabela-verdade. 25 UNIDADE Noções de lógica proposicional 4) Demonstre dedutivamente que o argumento da questão 2 é válido. (A∨B)∧ (B→C)∧¬A→C 1. (A∨B) hipótese 2. (B→C) hipótese 3. ¬A hipótese 4. (¬¬A∨B) dupla negação sobre 1 5. (¬A→B) condicional sobre 4 6. B modus ponens sobre 3 e 5 7.C modus ponens sobre 2 e 6 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Tutorial - Regras de Inferência O vídeo do CEFOR apresenta exemplos comentados da demonstração da validade de argumentos com o uso de regras de inferência. Acesso em: 13 set. 2015. https://www.youtube.com/watch?v=2cWtiTy5Lwc&feature=youtu.be Raciocínio lógico - Equivalência Lógica (aula 5) Você encontra aqui uma apresentação, do canal Raciociniomaislogico, de equivalências e implicações lógicas. Acesso em: 13 set. 2015. https://www.youtube.com/watch?v=kEjTiK139fo&feature=youtu.be Sites Você encontra um material muito interessante sobre falácias no site Enciclopédia das Falácias. Acesso em: 13 set. 2015. http://falaciasonline.wikidot.com/start Leitura O amor é uma falácia Ainda sobre falácias, há um texto excelente do escritor estadunidense Max Schulman. Esse texto foi traduzido para o português e está disponível em vários sites. http://www.cella.com.br/conteudo/conteudo_99.pdf 27 UNIDADE Noções de lógica proposicional Referências GERSTING, J. Fundamentos matemáticos para a ciência da computação. 4ª. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2001. MORTARI, C. Introdução à Lógica. São Paulo: UNESP, 2001. ROCHA, R. M. Implicação lógica e material: esclarecendo pequenas confusões comuns. Intuitio, vol. 6, nº. 2, 2013, p. 239-252. Disponível em: <http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/viewFile/15950/10453>. Acesso em: 13 set. de 2015. 28
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