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jusbrasil.com.br 1 de Outubro de 2021 [Pensar Criminalista]: Pronúncia não pode se fundar em testemunhos indiretos Olá, criminalistas! O Tribunal do Júri é um procedimento especial com competência constitucionalmente definida para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, da CF). Essa competência, vale destacar, é verificada seja o crime tentado ou consumado (art. 74, §1º, do CPP). Além disso, havendo conexão, prevalecerá a competência constitucional do Júri (art. 78, I, do CPP). Na legislação infraconstitucional, a disciplina do Tribunal do Júri está nos arts. 406 a 497, do CPP. O procedimento especial é composto de duas fases: Na fase inicial, chamada de sumário de culpa, busca-se a realização de um juízo de admissibilidade da acusação. Aqui, é realizada a instrução inicial da causa para a verificação e delineamento da possível infração penal, bem como a sua possível prática pelo acusado ou pela acusada. O sumário de culpa é desenvolvido perante um juiz singular, iniciando- se com o recebimento da denúncia (ou da queixa, no caso de ação penal privada subsidiária) e encerrando-se com um provimento judicial que irá definir a continuidade ou não do procedimento especial. Conforme disciplina dos arts. 413 a 421, do CPP, ao final do judicium accusationis são quatro as decisões que poderão ser tomadas pelo magistrado ou magistrada: Portanto, para que ocorra a pronúncia do réu ou da ré, as provas produzidas no sumário de culpa devem apontar a existência de um crime de competência do Tribunal do Júri, além de trazer indícios de que o(a) acusado(a) é autor(a) ou partícipe do crime. Havendo dúvida sobre a autoria ou participação, prevalece o in dubio pro societate, devendo o acusado ou a acusada ser levado(a) ao Júri para que este exerça a sua competência constitucional de julgar o possível cometimento de crime doloso contra a vida. Mas, o acima mencionado não permite que a pronúncia seja fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de "ouvir dizer". Nesse sentido, é o posicionamento do STJ, ratificado recentemente no julgamento do HC 673.138/PE. Para suscitar a pronúncia a dúvida sobre a autoria ou a participação deve ser relevante, de modo a justificar a submissão do indivíduo a julgamento pelo Tribunal do Júri. Se a prova dos autos sustenta a autoria delitiva apenas de maneira indireta, com a verificação de testemunhos que apontam “ouvir dizer” sobre a autoria, não há que se falar em prova idônea para a pronúncia do acusado ou da acusada. https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1232448032/habeas-corpus-hc-673138-pe-2021-0180608-1 Nas lições de Renato Brasileiro, É certo que, para a pronúncia, não se exige certeza além da dúvida razoável, diferentemente do que necessário para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado a julgamento pelo tribunal do júri pressupõe a existência de lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória, ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas, ainda assim, dependente da preponderância de provas incriminatórias. (LIMA, 2020, p. 1470) Destaco, a seguir, importantes trechos do voto do Ministro Relator para uma leitura atenta: (...) Conforme foi dito na decisão impugnada, não obstante a exigência da comprovação da materialidade e da existência de indícios suficientes de autoria nos crimes submetidos ao rito do Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sabe-se que esta Corte Superior não admite a pronúncia fundada, apenas, em depoimento de "ouvir dizer", sem que haja indicação dos informantes e de outros elementos que corroborem tal versão. Nesse sentido: "Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular"(REsp 1674198/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017). (...) https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/861305395/recurso-especial-resp-1674198-mg-2017-0007502-6 Com efeito, diante dos elementos acima colacionados, não há dúvidas de que a imputação do crime de homicídio qualificado tentado ao ora agravado é baseada, exclusivamente, em testemunho indireto, ou seja, em relatos de terceiros que ouviram dizer sobre a autoria delitiva. A própria vítima, em juízo, informou que sequer conhecia o acusado e que os populares lhe contaram que (...) teria sido o autor dos disparos. Nesse panorama, ao contrário do entendimento das instâncias ordinárias, reputo insuficientes os elementos para pronunciar o acusado, ressaltando que, embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Conselho de Sentença - conforme dito pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco -, não se pode admitir a pronúncia do agravado, dada a sua carga decisória, fundamentada exclusivamente em testemunhos indiretos e "comentários da comunidade", notadamente quando a própria vítima sequer reconhece o réu como o autor do crime em apuração. Em situações semelhantes, esta Corte Superior já se manifestou pela impossibilidade da pronúncia com fundamento no testemunho indireto “ouvir dizer”, como ocorreu na hipótese dos autos. Abraço e até a próxima! ____________________ Referências: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm ________. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del3689compilado.htm > ________. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 673.138/PE, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, publicado em 20/09/2021. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/? componente=ATC&sequencial=133742... > LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021. ____________________ Quem sou? Advogada, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Direito Tributário. Apaixonada pela produção de conteúdo jurídico online. Entusiasta na confecção de materiais jurídicos práticos para estudantes e profissionais do Direito. Também estou no LinkedIn. Você pode me encontrar por lá: https://www.linkedin.com/in/anna-paula- cavalcantegfigueiredo Disponível em: https://annapaulacavalcante.jusbrasil.com.br/artigos/1291112211/pensar- criminalista-pronuncia-nao-pode-se-fundar-em-testemunhos-indiretos http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1232448032/habeas-corpus-hc-673138-pe-2021-0180608-1 https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133742571&num_registro=202101806081&data=20210920&tipo=51&formato=PDF https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo.ea https://www.linkedin.com/in/anna-paula-cavalcantegfigueiredo
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