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1 Introdução Os vírus são os microorganismos menores e mais simples que existem. São muito menores do que células eucariotas e procariotas e, ao contrá- rio destas, possuem uma estrutura simples e está- tica. Esses agentes não possuem a maquinaria ne- cessária para a produção de energia metabólica e para a síntese de proteínas e, por isso, necessitam das funções e do metabolismo celular para se multiplicar. Fora de uma célula viva os vírus são estruturas químicas. A sua atividade biológica só é adquirida no interior de células vivas, por isso são parasitas intracelulares obrigatórios. O genoma viral – ácido ribonucléico (RNA) ou desoxirribonucléico (DNA) – codiÞ ca apenas as informações necessárias para assegurar a sua multiplicação, empacotamento do genoma e para subversão de funções celulares em benefício da sua multiplicação. Ao contrário de células euca- riotas e procariotas, os vírus não crescem ou se dividem; e sim são produzidos pela associação dos seus componentes pré-formados no interior da célula infectada. A palavra vírus é utilizada para designar o agente biológico, o microorganismo. A estrutura física é denominada partícula viral, partícula ví- rica ou simplesmente vírion. A nomenclatura uti- lizada para designar as diversas hierarquias da classiÞ cação taxonômica dos vírus (ordem, famí- lia, subfamília, gênero, espécie) será apresentada no Capítulo 2. No presente capítulo, a terminolo- gia vernacular será utilizada. Por exemplo: o ter- mo picornavírus será utilizado para referir-se aos membros da família Picornaviridae; os membros da família Orthomyxoviridae serão chamados de ortomixovírus. 2 Estrutura das partículas víricas A unidade fundamental – o indivíduo – dos vírus é denominada partícula vírica, partícula viral ou simplesmente vírion. As dimensões, morfolo- gia e complexidade das partículas víricas variam amplamente entre os vírus das diferentes famí- lias. A grande maioria dos vírions possui dimen- sões ultramicroscópicas, com diâmetro que varia entre 15 e 22 nanômetros (nm) nos circovírus; e entre 200 e 450 nm nos poxvírus; e só pode ser visualizada sob microscopia eletrônica (ME). As exceções são alguns poxvírus que são maiores e podem ser visualizados sob microscopia ótica (Figura 1.1). Figura 1.1. Escala logarítmica métrica, ilustrando as dimensões dos vírus comparativamente com células animais, bactérias emacromoléculas.Opoderde resoluçãodasmicroscopiasótica e eletrônica é indicadoporbarras. 10 (1mm) -3 10 (0,1mm) -4 10 (10 m) -5 µ 10 (1 m) -6 µ 10 (0,1µm) -7 10 (10nm) -8 10 (1nm) -9 10 (1A) -10 Poxvírus Células animais Vírus e ribossomos ProteínasBactérias Microscopia ótica Microscopia eletrônica 10 (1cm) -2 Fonte: adaptado de Flint et al. 2000 .( ) 22 Capítulo 1 condições ambientais que rapidamente inativa- riam o ácido nucléico. Por isso, o capsídeo e o envelope são críticos para a manutenção da in- tegridade e viabilidade do genoma, que contém as informações essenciais para a multiplicação do vírus. Outras funções importantes dos com- ponentes superÞ ciais das partículas víricas são o reconhecimento e interação com estruturas da membrana da célula hospedeira. Essas interações são essenciais para a penetração do agente na cé- lula e início da sua replicação. A arquitetura e modo com que as partículas víricas são construídas devem permitir o desem- penho de duas funções fundamentais: a) prote- ção do genoma durante o transporte entre células e entre hospedeiros, e b) liberação do genoma ín- tegro e viável após a penetração na célula hospe- deira. A evolução fez com que a arquitetura das partículas víricas tenha sido adequada para cum- prir essas tarefas. Ou seja, os vírions são resisten- tes o suÞ ciente para proteger o genoma no exte- rior das células e são facilmente desintegrados ao penetrarem na célula hospedeira, para permitir a pronta liberação do genoma no seu interior. Essas duas propriedades, aparentemente opostas, que são particularmente bem evidentes em alguns ví- rus sem envelope, caracterizam o que se conven- cionou denominar de estrutura metaestável. De acordo com a estrutura básica das partí- culas, dois grupos principais de vírus podem ser reconhecidos: os vírus sem envelope e os vírus com envelope (Figura 1.2). Os vírions mais sim- ples são compostos pelo genoma recoberto por uma camada simples de proteína, denominada capsídeo. Os vírus mais complexos possuem ge- nomas longos associados com várias proteínas, recobertos por capsídeos complexos, revestidos externamente por uma membrana lipoprotéica de origem celular, denominada envelope. As ca- madas protéicas que envolvem o genoma (capsí- deo, envelope) são freqüentemente denominadas de envoltórios virais. Os conceitos principais re- lacionados à estrutura e componentes dos vírions estão apresentados no Quadro 1.1. Figura 1.2. Estrutura fundamental das partículas víricas e seus componentes. Representação esquemática de um vírion semenvelope (A) e comenvelope (B). Genoma Capsídeo A B Genoma Capsídeo Envelope A função primordial dos envoltórios virais (capsídeo e envelope) é proteger o genoma de danos físicos, químicos ou enzimáticos durante a transmissão entre células e entre hospedeiros. Nessa etapa, os vírions podem ser expostos a - O é constituído por RNA ou DNA. - O é a camada protéica que recobre o genoma. - Os são as unidades protéicas que compõe o capsídeo. - Os são as unidades morfológicas do capsídeo. - O é a estrutura formada pelo genoma + capsídeo. - O é a membrana lipoprotéica que recobre o nucleocapsídeo - O é a partícula vírica completa, infecciosa. genoma capsídeo protômeros capsômeros nucleocapsídeo envelope vírion VÍRUS - DEFINIÇÕES E CONCEITOS Quadro 1.1. Conceitos e definições fundamentais. Estrutura e composição dos vírus 23 2.1 O genoma O genoma dos vírus é constituído por mo- léculas de ácido ribonucléico (RNA) ou desoxir- ribonucléico (DNA), nunca pelos dois. Por isso, esses agentes são comumente denominados de vírus RNA ou vírus DNA. Em geral, os vírus das diversas famílias contêm apenas uma cópia do genoma por vírion (são haplóides). Uma exce- ção são os retrovírus, que possuem duas cópias idênticas do genoma (são diplóides). A extensão, estrutura, organização genômica e o número de genes contidos no genoma variam amplamen- te entre os diferentes vírus. Os menores vírus animais (circovírus) possuem uma molécula de DNA com aproximadamente 1.700 nucleotídeos (1,7 quilobases, kb) como genoma; os vírus maio- res possuem um genoma DNA com mais de 350 kb (poxvírus). O número de genes – e conse- qüentemente o número de proteínas codiÞ cadas – também varia entre os diferentes vírus. Alguns vírus de plantas codiÞ cam apenas uma proteína, enquanto o genoma dos poxvírus codiÞ ca mais de 100. Em geral, o genoma dos vírus é muito com- pacto e codiÞ ca apenas as proteínas essenciais para assegurar a sua replicação e transmissão. Resumidamente, essas funções compreendem: a) assegurar a replicação do genoma (enzimas poli- merases de RNA e DNA e proteínas acessórias); b) subverter funções celulares em seu benefício (protease leader no vírus da febre aftosa [foot and mouth disease virus, FMDV]) e c) empacotar o ge- noma (proteínas do capsídeo e envelope). Essas funções são codiÞ cadas pelo genoma de, virtual- mente, todos os vírus. Alguns vírus mais comple- xos codiÞ cam funções adicionais que, de alguma forma, favorecem a sua multiplicação e dissemi- nação. O tipo e estrutura do genoma de muitos vírus diferem do padrão clássico observado nos ácidos nucléicos de eucariotas e procariotas. Nes- ses organismos, o genoma é constituído por mo- léculas de DNA de cadeia dupla (ds, double-stran- ded); enquanto os RNAs possuem Þ ta simples (ss, single-stranded). Os genomas dos vírus apresen- tam variações de tipo e estrutura,que incluem desde genomas de DNA de Þ ta simples (ssDNA) até RNA de Þ ta dupla (dsRNA) (Tabelas 1.1 e 1.2, em anexo). A maioria dos vírus DNA possui o ácido nucléico genômico como uma molécula de Þ ta dupla. As exceções são os parvovírus (cadeia simples linear), os circovírus (cadeia simples cir- cular) e os hepadnavírus (cadeia parcialmente dupla). O termo circular refere-se à continuidade da cadeia de DNA e não à forma geométrica ado- tada pela molécula. Ao contrário dos genomas lineares, que apresentam as extremidades livres, os genomas circulares apresentam a cadeia contí- nua, sem extremidades. Os poliomavírus e papilomavírus possuem uma molécula de DNA de cadeia dupla circular. Essa molécula apresenta-se enrolada/tensionada sobre o seu eixo longitudinal (do inglês: supercoi- led) e está associada com proteínas celulares de- nominadas histonas, tanto nas células infectadas como nos vírions. Os parvovírus possuem uma molécula de DNA de cadeia simples, cujas extre- midades possuem seqüências complementares invertidas (palindromes). Essa característica per- mite que as extremidades do genoma se dobrem sobre si mesmas, pareando com a sua região complementar e formando estruturas semelhan- tes a grampos de cabelo (hairpins). Os genomas dos adenovírus e herpesvírus são moléculas de DNA de cadeia dupla linear. Nos herpesvírus, o genoma é linear apenas nos vírions, pois assume a topologia circular (devido ao pareamento com- plementar nas extremidades) logo após a entrada no núcleo da célula. O genoma dos hepadnavírus é uma molécula de DNA de cadeia parcialmente dupla (aproximadamente 3/4), o restante pos- sui cadeia simples. As extremidades da cadeia completa fazem um pareamento de bases entre si, conferindo à molécula a topologia circular (a cadeia de DNA não é contínua). Os poxvírus possuem uma molécula de DNA de cadeia dupla linear; porém as duas cadeias são contínuas, ou seja, não há extremidades livres. Uma ilustração simpliÞ cada da morfologia das partículas e da topologia do genoma dos vírus DNA está apre- sentada na Figura 1.3. 24 Capítulo 1 O ácido nucléico genômico de todos os vírus RNA é composto por moléculas lineares. Em al- gumas famílias (Orthomyxoviridae e Bunyaviridae), essas moléculas circularizam pelo pareamento de seqüências complementares, localizadas nas ex- tremidades, formando estruturas que lembram cabos de panela (panhandles). A maioria dos vírus RNA possui o seu ácido nucléico genômico como uma molécula de cadeia simples. As exceções são os reovírus e os birnavírus, cujos genomas são formados por segmentos de RNA de cadeia dupla (10 a 12 segmentos nos reovírus, dois nos birnavírus). Os genomas dos vírus RNA de ca- deia simples podem ser constituídos por uma única molécula (não-segmentados) ou por mais de uma molécula (genomas segmentados: sete a oito moléculas de RNA nos ortomixovírus, três nos buniavírus e duas nos arenavírus). O genoma de alguns vírus RNA de cadeia simples possui o mesmo sentido do RNA men- sageiro (mRNA) e pode ser diretamente traduzi- do pelos ribossomos da célula hospedeira. Isso é possível porque a seqüência de nucleotídeos, que codiÞ ca os aminoácidos constituintes da proteí- na, está alinhada no mesmo sentido da seqüência genômica. Esses mRNA (e os respectivos vírus) são denominados RNA de sentido ou polarida- de positiva; ou simplesmente RNA+. A primeira etapa intracelular do ciclo replicativo desses vírus é a tradução parcial ou total do RNA genômico, resultando na produção de proteínas virais, entre as quais a enzima polimerase de RNA (replicase), que irá replicar o genoma. Outros vírus RNA de cadeia simples pos- suem genomas que não podem ser diretamente traduzidos, pois possuem o sentido contrário (an- tissense) ao mRNA. Esses genomas (e os respec- tivos vírus) são denominados de RNAs de sen- tido ou polaridade negativa (RNA-). Esses vírus trazem a enzima polimerase de RNA nos vírions para permitir o início da replicação do genoma. A etapa inicial da replicação é a síntese de uma cópia de RNA de polaridade positiva (mRNA) a partir do RNA genômico. Ou seja, nesses vírus, a síntese protéica ocorre pela tradução do mRNA, que possui sentido antigenômico. Os genomas RNA dos buniavírus e arena- vírus não são diretamente traduzidos pelos ri- bossomos, sendo considerados RNA de sentido negativo. Esses RNAs servem de molde para a transcrição e produção de cópias de RNA de sen- tido positivo (RNA+ ou mRNA) de extensão par- cial ou total do genoma. No entanto, em alguns desses vírus, um dos segmentos de RNA codiÞ ca proteínas tanto no sentido do genoma como na molécula de sentido oposto (antigenômico). Essa estratégia de expressão gênica é denominada am- bissense e é uma característica única dessas famí- lias. Nos reovírus e birnavírus (genomas RNA segmentados de Þ ta dupla), a cadeia negativa serve de molde para a transcrição e produção de mRNA (RNA- RNA+). A cadeia complemen- tar de RNA genômico (sentido positivo) não é traduzida. Essa molécula serve apenas de molde e para parear com a cadeia negativa. A Figura 1.4 apresenta uma ilustração simpliÞ cada da morfo- logia dos vírions e topologia do genoma dos ví- rus RNA. Circoviridae Parvoviridae Hepadnaviridae Polyoma Papilloma viridae viridae Adenoviridae Herpesviridae Poxviridae Asfarviridae Figura 1.3. Ilustração simplificada da morfologia dos vírions eda topologiadogenomadosvírusDNA. Fonte: adaptado de Gelderson, H. R. www.gsbs.utmb.edu Estrutura e composição dos vírus 25 2.2 O capsídeo O capsídeo (também chamado de cápsula) é a camada protéica que recobre externamente o genoma. Nos vírus que não possuem envelope, o capsídeo representa o único envoltório do áci- do nucléico viral. Além dessa cobertura protéica, o genoma de alguns vírus encontra-se associado com uma ou mais proteínas de origem viral (p. ex.: adenovírus e reovírus) ou da célula hospedei- ra (poliomavírus e papilomavírus). As proteínas que estão associadas ao genoma geralmente pos- suem caráter básico, sendo formadas predomi- nantemente por aminoácidos com carga positiva. Essa estrutura, geralmente compacta (genoma + proteínas associadas), é denominada core ou nú- cleo. O conjunto formado pelo core + capsídeo é comumente denominado nucleocapsídeo. Nos ví- rus envelopados, o nucleocapsídeo é recoberto externamente pela membrana lipoprotéica que constitui o envelope (Figura 1.2). A função do capsídeo é proteger o material genético e proporcionar a transferência do ví- rus entre células e entre hospedeiros. Nos vírus sem envelope, a superfície externa do capsídeo é responsável pelas interações iniciais dos vírions com a célula hospedeira no processo de penetra- ção do vírus. Nesses vírus, as proteínas localiza- das na superfície do capsídeo também interagem com componentes do sistema imunológico e são alvos importantes para anticorpos com atividade neutralizante. Os capsídeos são formados pela associação de subunidades protéicas denominadas protôme- ros, que se constituem nas suas unidades estrutu- rais. A associação dessas proteínas pode formar estruturas tridimensionais bem deÞ nidas, geral- mente na forma de pequenas saliências visíveis na superfície dos vírions. Essas estruturas consti- Picornaviridae Astroviridae Caliciviridae Flaviviridae Arteriviridae Togaviridae Coronaviridae Retroviridae Reoviridae Bunyaviridae Orthomyxoviridae Arenaviridae Filoviridae Rhabdoviridae Paramyxoviridae Birnaviridae Figura 1.4. Ilustração simplificada da morfologia dos vírions e da topologia do genoma dos vírus RNA. Fonte: adaptado de www.gsbs.utmb.eduGelderson, H. R. 26 Capítulo 1 tuem-se nas unidades morfológicas do capsídeo, também denominadas capsômeros. Cada capsô- mero pode ser formado por uma única proteína, pela associação de moléculas de uma mesma pro- teínaou por diferentes proteínas (Figura 1.5). O icosaedro se constitui em uma estrutura quase esférica com uma cavidade interna. Os capsídeos icosaédricos (também denominados cúbicos) são formados pela associação de 20 uni- dades triangulares planas idênticas, unidas entre si em 12 vértices e arranjadas ao redor de uma esfera imaginária (Figura 1.6). Eixos imaginários traçados através do icosaedro dão origem a três possíveis planos de simetria: bilateral (two-fold), trilateral (three-fold) e pentalateral (Þ ve-fold). O número de unidades que compõem cada unida- de triangular é variável e dá origem a variações estruturais entre os capsídeos de diferentes vírus. O icosaedro representa a otimização estrutural para a construção de um envoltório resistente, compacto e com máxima capacidade de armaze- namento, podendo ser composto por múltiplas cópias de uma mesma proteína. Assim, o capsídeo pode ser formado por có- pias de uma mesma proteína (vírus do mosaico, rabdovírus) ou por diferentes tipos de proteínas (mais de dez tipos diferentes nos reovírus), e to- das se encontram em múltiplas cópias e são codi- Þ cadas pelo genoma viral. Os capsídeos compos- tos por cópias múltiplas de uma mesma proteína representam um exemplo de eÞ ciência estrutural de armazenamento e economia de espaço no ge- noma, pois um único gene codiÞ ca a proteína ne- cessária para formar todo o envoltório viral. Inde- pendente do número de proteínas que compõem o capsídeo, a associação entre essas proteínas pode resultar em capsídeos com duas simetrias principais: icosaédrica e helicoidal (Figura 1.5). Estrutura e composição dos vírus 27 Os capsídeos helicoidais são formados por múltiplas cópias de uma mesma proteína. Essas proteínas se associam entre si e com o ácido nu- cléico, revestindo externamente o genoma. Essa associação resulta em uma estrutura espiralada alongada, ß exível ou relativamente rígida (Figu- ra 1.7). As dimensões dos nucleocapsídeos heli- coidais variam muito, dependendo da extensão do genoma, podendo atingir até 1.800 nm nos Þ lovírus. A maioria dos vírus animais possui capsíde- os icosaédricos ou helicoidais, mas alguns (poxví- rus, iridovírus e bacteriófagos) possuem capsíde- os com arquitetura mais complexa, denominados genericamente capsídeos complexos. Com base na arquitetura, simetria e comple- xidade de arquitetura, os vírions de diferentes famílias podem ser agrupados em cinco grupos estruturais (Figura 1.8): Os capsídeos helicoidais de alguns vírus de plantas apresentam-se como cilindros ß exíveis ou rígidos, no interior do qual está localizado o genoma. São todos vírus sem envelope. Os vírus animais que possuem nucleocapsídeos helicoi- dais possuem genoma RNA de sentido negativo e são todos envelopados. O nucleocapsídeo heli- coidal desses vírus é formado pela associação de cópias múltiplas da proteína do capsídeo com o genoma, que adota uma forma espiralada. Nos rabdovírus, o nucleocapsídeo adota uma forma bem deÞ nida, semelhante a um projétil de arma de fogo, no interior do qual se aloja o genoma espiralado (Figura 1.7A). Na maioria dos vírus, o nucleocapsídeo helicoidal é ß exível e enovela- se sobre si mesmo e sobre o genoma sem adotar uma forma deÞ nida (Figura 1.7 B). A B Figura 1.7. Ilustração esquemática de nucleocapsídeos helicoidais. A. Nucleocapsídeo helicoidal com morfologia definida; B. Nucleocapsídeo helicoidal flexível. 3 1A 1B 2A 2B 1. Capsídeo icosaédrico 2. Capsídeo helicoidal Figura 1.8. Os cinco principais tipos estruturais dos vírus. 1. Vírions com capsídeos icosaédricos: 1A. Sem envelope; 1B. Com envelope. 2. Vírions com capsídeos helicoidais: 2A. Sem envelope; 2B. Com envelope. 3. Vírion comsimetria complexa. Fonte: adaptada de Carter et al. (2005). 28 Capítulo 1 – sem envelope, capsídeo icosaédrico: ex: adenovírus, picornavírus; – sem envelope, capsídeo helicoidal: ex: ví- rus do mosaico do tabaco; – com envelope, capsídeo isosaédrico: ex: to- gavírus, herpesvírus; – com envelope, capsídeo helicoidal: ex: pa- ramixovírus, rabdovírus; – complexos: ex: bacteriófagos, poxvírus. 2.3 O envelope Os vírions de várias famílias possuem os nu- cleocapsídeos recobertos externamente por uma membrana lipoprotéica denominada envelope. O envelope é formado por uma camada lipídica dupla, derivada de membranas celulares. Nessas membranas estão inseridas um número variável de proteínas codiÞ cadas pelo genoma viral. Na maioria dos vírus, o envelope está justaposto externamente ao capsídeo. Nos herpesvírus, en- tretanto, existe um espaço de espessura variável entre o capsídeo e o envelope, que é preenchido por uma substância protéica amorfa, denomina- da tegumento. A quantidade e a forma adotada pelo tegumento são variáveis e, conseqüente- mente, determinam a variação da morfologia e dimensões da partícula dos herpesvírus. Como o envelope é derivado de membranas celulares, e estas são ß uidas e ß exíveis, a superfície externa e a morfologia dos vírus envelopados são mais ß exíveis e menos deÞ nidas do que nos vírus sem envelope. A estrutura de um vírion com envelo- pe está ilustrada na Figura 1.9. Os vírions adquirem a membrana lipídica que compõe o envelope pela inserção/protusão do nucleocapsídeo através de membranas celu- lares, mecanismo denominado brotamento. Os lipídios que constituem o envelope são deriva- dos das membranas da célula hospedeira, e as proteínas são codiÞ cadas pelo genoma viral. A estrutura lipídica dupla dos envelopes é bem se- melhante entre os diferentes vírus. No entanto, a espessura e composição dessa camada variam de acordo com a membrana celular que os originou. O envelope, adquirido na membrana plasmática, contém fosfolipídios e colesterol em determinada proporção, enquanto o envelope originado das membranas celulares internas é mais delgado e contém pouco ou nenhum colesterol. Os envelo- pes virais praticamente não contêm proteínas ce- lulares. As proteínas celulares da membrana são excluídas da região do brotamento por interações entre as proteínas virais que se inserem na cama- da lipídica. Os envelopes dos vírus podem conter um ou mais tipos de proteínas codiÞ cadas pelo genoma viral (os herpesvírus possuem entre 10 e 12; os poxvírus possuem um número ainda maior). A maioria das proteínas do envelope contém oligos- sacarídeos (açúcares) associados, constituindo-se, portanto, em glicoproteínas. Essas glicoproteínas são produzidas e modiÞ cadas no retículo endo- plasmático rugoso (RER) e no aparelho de Golgi, Þ cando inseridas na própria membrana do RER ou sendo enviadas para a membrana nuclear do Golgi ou para a membrana plasmática, locais do brotamento. As glicoproteínas do envelope viral pos- suem dimensões e estruturas variáveis e a maio- ria é formada por proteínas integrais de membrana (Figura 1.10A). Essas glicoproteínas podem estar presentes na forma de monômeros, homo ou he- terodímeros, trímeros e até tetrâmeros. Em geral, as glicoproteínas do envelope apresentam três regiões principais em comum: a) uma região ci- toplasmática ou interna (cauda); b) uma região transmembrana (tm) e c) uma região externa. A cauda é geralmente pequena e interage com a su- perfície externa do nucleocapsídeo no processo de morfogênese e brotamento. A região tm está inserida na camada lipídica e serve de sustenta- ção e Þ xação da proteína. A extensão dessa re- nucleocapsídeo genoma membrana lipídica glicoproteínas envelope Figura 1.9. Ilustração esquemática da estrutura de um vírion com envelope. As aberturas no envelope e no capsídeo são meramente ilustrativas, com o fim de permitir a visualização das estruturas internas. Adaptado de Reschke, M.; www.biographix.de Estrutura e composição dos vírus 29 gião varia de acordo com a espessura e origem da camada lipídica: entre 18 (vírus da febreama- rela, que brota no retículo endoplasmático) e 26 aminoácidos (vírus da inß uenza, que adquire o envelope na membrana plasmática). A região tm é composta principalmente por aminoácidos hi- drofóbicos. Algumas glicoproteínas do envelope possuem várias regiões tm e, assim, atravessam a membrana duas ou três vezes. Outras não pos- suem região tm e, portanto, não se encontram inseridas na membrana lipídica. Essas glicopro- teínas encontram-se associadas ao envelope por interações covalentes ou não-covalentes com ou- tras glicoproteínas integrais de membrana e, por isso, são ditas proteínas periféricas de membrana (Figura 1.10B). Exemplos desse tipo de proteína são as glicoproteínas E0 dos pestivírus e a SU dos retrovírus. A região externa é geralmente maior; é hidrofílica e contém um número variável de oli- gossacarídeos associados. As glicoproteínas do envelope de alguns vírus formam projeções na superfície dos vírions, denominadas peplômeros, que podem ser visualizadas sob ME. d) transmissão do vírus entre células. Nas etapas Þ nais do ciclo replicativo, algumas glicoproteínas do envelope auxiliam no egresso das partículas recém-formadas, permitindo a sua liberação a partir da membrana celular (neuraminidase nos ortomixovírus). As glicoproteínas do envelope também desempenham um importante papel na interação do vírus com o sistema imunológico e se constituem em alvos importantes para anticor- pos neutralizantes. Como as glicoproteínas do envelope me- diam as interações iniciais dos vírions com as células, a sua integridade e conformação natu- ral são essenciais para a infectividade do vírus. Algumas substâncias químicas (formalina e de- tergentes) ou agentes físicos (calor e radiações) alteram a conformação dessas proteínas e, con- seqüentemente, reduzem ou eliminam a infecti- vidade do vírus. Solventes lipídicos, como éter e clorofórmio, também afetam negativamente a in- fectividade de vírus envelopados, pois destroem a integridade da camada lipídica que compõe o envelope. Os vírions adquirem o envelope por meio de um mecanismo denominado genericamente de brotamento. Nesse processo, o nucleocapsídeo ini- cialmente interage com as caudas das glicopro- teínas previamente inseridas na membrana. Essa interação inicial é seguida da protusão/inserção do nucleocapsídeo através da membrana, resul- tando na formação de vírions com uma camada lipoprotéica que envolve externamente o nucle- ocapsídeo (Figura 1.11). O local do brotamento varia entre os diferentes vírus e pode ocorrer na membrana nuclear, do RER, do aparelho de Gol- gi ou na membrana plasmática. 2.4 A matriz Alguns vírus envelopados possuem prote- ínas que recobrem externamente o nucleocapsí- deo, mediando a sua associação com a superfície interna do envelope. Essas proteínas, denomi- nadas de matriz, são geralmente glicosiladas e abundantes, podendo corresponder a até 30% da massa total dos vírions (como nos retrovírus). As proteínas da matriz são encontradas em vá- rios vírus envelopados, principalmente nos vírus RNA de polaridade negativa (exemplos: parami- As glicoproteínas, principalmente por meio de sua região extracelular, desempenham várias funções na biologia do vírus, incluindo: a) liga- ção aos receptores celulares; b) fusão do envelope com a membrana celular; c) penetração celular e E M TM I A B Figura 1.10. Representação simplificada da estrutura das glicoproteínas do envelope viral. A. Proteína integral de membrana com as regiões interna (I), transmembrana (TM) e externa (E); M. membrana lipídica; B. Duas proteínas associadas: uma integral de membrana (cinza) associada com uma proteína periférica (preto).
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