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1 INSTITUTO APHONSIANO DE ENSINO SUPERIOR FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CURSO MONOGRAFIA JURÍDICA A IMPUNIDADE DOS CRIMES DE ESTUPRO NO BRASIL E OS ÍNDICES DE REINCIDÊNCIA DOS AGRESSORES ORIENTANDO (ª) – THAIS MARTINS PEREIRA ANDRADE ORIENTADOR (ª) - PROF. (ª) ME. ISAC CARDOSO NEVES TRINDADE 2021 2 THAIS MARTINS PEREIRA ANDRADE A IMPUNIDADE DOS CRIMES DE ESTUPRO NO BRASIL E OS ÍNDICES DE REINCIDÊNCIA DOS AGRESSORES Monografia Jurídica apresentada à disciplina Trabalho de Curso II, do Instituto Aphonsiano de Ensino Superior, Curso de Direito. Prof. Orientador Me. Isac Cardoso Neves TRINDADE 2021 3 THAIS MARTINS PEREIRA ANDRADE A IMPUNIDADE DOS CRIMES DE ESTUPRO NO BRASIL E OS ÍNDICES DE REINCIDÊNCIA DOS AGRESSORES Data da Defesa: 22 de junho de 2021 BANCA EXAMINADORA Orientador: Me. Isac Cardoso Neves Examinador Convidado: Prof. Me. Alano Franco Bastos Examinador Convidado: Prof. Me. Ronney Francisco de Miranda 4 Dedico este trabalho a todas as vítimas de violência sexual, que apesar de todo o sofrimento ainda encontram forças para lutar. 5 Agradeço primeiramente à Deus por ter me dado um espírito de coragem e um senso de justiça, para que a cada dia eu consiga protestar e lutar pelos meus ideais. E em segundo lugar agradeço a todas as pessoas que se mobilizam para o enfrentamento da violência contra a mulher. 6 SUMÁRIO RESUMO..................................................................................... 08 METODOLOGIA ........................................................................ 09 INTRODUÇÃO ............................................................................ 10 CAPÍTULO I – História do Estupro ........................................... 11 1.1 Evolução Historica do Crime de Estupro ................................ 11 1.2 História do Crime de Estupro no Brasil .................................. 14 1.3 No Brasil Imperial .................................................................. 15 1.4 No Brasil República ............................................................... 16 CAPÍTULO II – Parte Geral do Delito de Estupro ..................... 17 2.1 Código Penal de 1940 ........................................................... 17 2.2 Crime Único ou Concurso de Crimes ...................................... 22 2.3 Ação Penal ............................................................................. 23 2.4 Hediondez ............................................................................. 23 2.5 Orgão Competente ................................................................ 24 CAPÍTULO III – Dos Agressores .............................................. 24 3.1 Dos Abusadores .................................................................... 24 3.2 Dos Apenados e Reincidentes ............................................... 25 3.4 Da Impunidade ...................................................................... 26 CAPÍTULO IV – Dos Danos Causados as Vítimas ................... 27 7 4.1 Das Vítimas ........................................................................... 27 4.2 Dos Danos Psicológicos Causados as Vítimas ..................... 28 4.3 Da Cultura do Estupro. ......................................................... 28 CAPÍTULO V – Identificação do crime. ..................................... 29 5.1 Das Formas que as Vítimas Possam Identificar a Violência Sofrida ........................................................................................ 29 5.2 Do Atendimento a Vítima ...................................................... 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................... 32 REFERÊNCIAS ................................................................... 33 e 34 8 RESUMO O presente estudo tem por finalidade discorrer sobre os índices de impunidade nos crimes de violência sexual no Brasil. Sendo este um desafio a ser enfrentado pela sociedade e pelas autoridades, uma vez que, se trata de um crime silencioso, e uma pequena parcela dos acontecimentos chega ao conhecimento das autoridades. Apesar de existirem programas socias que visam a proteção das vítimas e a repreensão de tais crimes ainda há uma porcentagem de pessoas que não recebem o devido amparo legal. Tendo como principal objetivo destacar as falhas existentes no nosso ordenamento jurídico pátrio e evidenciar o sofrimento de tantas vítimas que são acometidas a tais situações. Palavras chave: impunidade, violência sexual, vítimas. 9 METODOLOGIA Para o desenvolvimento do presente artigo, foi-se utilizado a forma de pesquisa básica, e descritiva em relação aos dados analisados, proporcionando uma confinidade com a questão. Deste modo, criar hipóteses, pois a metodologia envolve pesquisas sob análise de dados e informações, de pessoas que tiveram experiencias ligadas de maneira direta com o tema pesquisado. O método usado para a coleta de dados supracitados, foi por meio de pesquisa bibliográfica e documental com abordagem quantitativa e dedutiva, com o objetivo de contrastar os dados para interpretação. No decorrer do levantamento da pesquisa, o primeiro procedimento realizado, diz respeito ao nome da autora, curso, tema e ano da defesa das monografias. As informações analisadas foram alteradas para porcentagem, para melhor visualização. Desta forma, as informações cruzadas, interpretadas de maneira quantitativa, para analisar o tema tratado. 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo delatar os crimes de violência sexual, em especial o delito de estupro (art.213 do Código Penal), conforme redação estabelecida pela Lei nº 12.015/09. Trata-se de uma pesquisa baseada em elementos bibliográficos em torno do tema, cujo objetivo geral é destacar a taxa de condenação dos agressores e os transtornos causados as vítimas de abusos sexuais. Tendo como objetivo fazer uma reflexão sobre as leis do nosso ordenamento jurídico pátrio e a forma que o Estado age em relação aos agressores e as vítimas de crimes sexuais. O tema selecionado possui extrema relevância, uma vez que, trata-se, de um crime hediondo e possui grande repercussão e mobilidade social. No Brasil os números de vítimas de crimes sexuais é altíssimo, necessitando de uma atenção especial por parte das autoridades e da sociedade. 11 CAPÍTULO I – HISTÓRIA DO ESTUPRO 1. Evolução Histórica do Crime de Estupro Os crimes sexuais existem desde os primórdios, perdurando até os dias atuais; tais problemas constituem em uma preocupação à nível mundial. Desde as civilizações antigas já eram previstas penas para esse tipo de crime, devido grande interesse social causado pela gravidade e o sentimento de revolta movido pelo ato delituoso. As penas aplicadas na antiguidade, por sua vez, eram severas e cruéis, Luiz Régis Prado, a respeito, afirma: Os delitos sexuais, entre eles, o estupro, foram severamente reprimidos pelos povos antigos. Na legislação mosaica, se um homem mantivesse conjunção carnal com uma donzela virgem e noiva de outrem que encontrasse na cidade, eram ambos lapidados. Mas se o homem encontrasse essa donzela nos campos e com ela praticasse o mesmo ato, usando de violência física, somente aquele era apedrejado. Se a violência física fosse empregada para manter relação sexual com uma donzela virgem, o homem ficava obrigado a casar-se com ela, sem jamais poder repudiá-la e, ainda, a efetuar opagamento de 50 ciclos de prata a seu pai (PRADO, 2008, p. 636). Nesse mesmo sentido, respalda Funari: Historicamente, os povos antigos já reprimiam este odioso comportamento. A lei mosaica em 12 Deuteronômio 22: 25 a 28 previa e punia tal comportamento com a pena de morte e pecuniária. A primeira hipótese quando o homem, com o uso de força, abusar sexualmente de mulher desposada, ou seja, comprometida para o casamento. A segunda hipótese quando tratar-se de mulher virgem e livre, devia o homem pagar cinquenta ciclos de prata ao pai desta e tomá-la como mulher para toda a vida (FUNARI, 2003, P. 197). Diante desta conjuntura histórica, observa-se a presença da sociedade machista e patriarcal na aplicação da lei penal desde os primórdios da civilização. Dos crimes contra a liberdade sexual, o estupro é o que possui maior graveza, sendo previsto em todos ordenamentos jurídicos das civilizações, tendo para cada povo um meio de condenação. O Código de Hamurabi, é visto como a mais fiel origem do Direito, e nele havia sanção para o crime de estupro; este conjunto de normas surgiu na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a. C., pelo rei Hamurabi, sendo o responsável por ter criado o primeiro império babilônico. Baseado nas Leis de Talião, esse conjunto de leis determinavam que todo criminoso deveria ser punido de maneira proporcional ao crime cometido. O referido Código, trazia em seu texto legal no artigo 130 a previsão para o crime de estupro: “Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e a mulher irá livre.” Diante do exposto, é nítido que a mulher era vista perante a sociedade como um objeto sexual e não como sujeito de direitos. No direito germânico haviam alguns requisitos para a configuração do crime de estupro, dentre eles, que a mulher violada fosse virgem, pois se 13 exigia o emprego da violência sob a ofendida, e não consideravam o delito de estupro, se a violência utilizada fosse em mulher desvirginada (PRADO, 2002). O antigo direito francês fazia distinção entre o rapto violento e o estupro. O rapto consistia na subtração violenta de donzelas, mulheres e viúvas de qualquer idade, contra sua vontade, com o fim de abusa-las sexualmente, já o estupro compreendia, o emprego de força por parte do réu, contra virgem, mulher, ou viúva, tendo em mira a conjunção carnal. Na civilização francesa o elemento que diferenciava os crimes de estupro e rapto, consistia na remoção da vítima de um local para o outro. No delito de estupro, não havia a subtração do sujeito passivo, apenas a violência por parte do autor contra a vítima, com o objetivo de conjunção carnal. No Direito Romano, foi usada pela primeira vez a expressão estuprum, que derivou a palavra estupro, contudo, não possuia o significado de conjunção carnal violenta cuja expressão era crimen vis, ao qual era punida com a pena de morte Bittencour (2015, p. 48): Os povos antigos já puniam com grande severidade os crimes sexuais, principalmente os violentos, dentre os quais se destacava o de estupro. Após a Lex Julia de adulteris (18 d.C.), no antigo direito romano, procurou-se distinguir adulterius e stuprum, significando o primeiro a união sexual com mulher casada, e o segundo, a união sexual ilícita com viúva. Em sentido estrito, no entanto, considerava-se estupro toda união sexual ilícita com mulher não casada. Contudo, a conjunção carnal violenta, que ora se denomina estupro, estava para os romanos no conceito amplo do crimen vis, com a pena de morte. 14 A tradição perdurou até a Idade Média, período este, onde aplicava- se a pena de morte para o crime de estupro violento. 1.2. HISTÓRIA DOS CRIMES DE ESTUPRO NO BRASIL O estupro no Brasil começou a ter impacto após o descobrimento do país pelos portugueses, sendo a base da mestiçagem brasileira; praticado como um direito divino, por portugueses contra índias e pelos senhores de escravos contra negras e índias durante o período colonial. As índias e negras eram alocadas na condição de “objeto privado”, cujo “uso” era “legal”, uma vez que, “honra” era atribuído apenas as mulheres brancas, sendo que, índias e negras não eram mencionadas nas Ordenações das Filipinas, o ordenamento jurídico português que vigorou no Brasil até 1830. As Ordenações Filipinas, foi um código legal português promulgado em 1603 por Filipe I, rei de Portugal, vigorando até 1830. Tais Ordenações eram formadas por cinco livros, sendo o último deles dedicado exclusivamente ao direito penal. O Título VIII do Livro V abordava os “Crimes de violência com o intuito de satisfazer os prazeres sexuais” (LARA, 1999). No livro V, título XXIII, previa-se o estupro voluntário de mulher virgem, o que acarretava ao agressor a obrigação de contrair núpcias com a donzela e, caso fosse inviável o casamento o mesmo deveria constituir um dote para a vítima. No entanto, se o agressor não tivesse bens, era martirizado e humilhado, exceto se fosse fidalgo ou pessoa de posição social, hipótese em que somente receberia a pena de degredo. Ante ao exposto, nota-se que sempre esteve presente a impunidade nos crimes de violência sexual, tanto por parte dos senhores quanto pelos escravos. Além dos abusos cometidos pelos senhores em nome do prazer sexual, as negras também sofriam abusos por outros escravos para “reprodução do cativeiro”; as crianças geradas serviam de mão obra escrava ou objeto de venda para as famílias escravistas. 15 1.3. NO BRASIL IMPERIAL O Código Criminal do Império do Brasil, sobreveio em 1830, sendo o diploma penal que sucedeu as velhas Ordenações do Reino. O referido código abordava o crime de estupro no capítulo II – Dos crimes contra a segurança da honra. Seção I – Estupro, art. 222, in verbis: Art. 222. Ter copula carnal por meio de violencia, ou ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas - de prisão por tres a doze annos, e de dotar a offendida. Se a violentada fôr prostituta. Penas - de prisão por um mez a dous annos. De acordo com Luiz Flávio Gomes (2001), o Código Criminal do Império fazia uma distinção no quantum da pena se a vítima fosse “honesta” ou meretriz, reduzindo a pena que no caso da honesta, seria de três a doze anos, para um mês a dois anos, no caso da prostituta. Do mesmo modo, o código citado trazia em seu texto legal no artigo 223, a previsão de violência com fins libidinosos sem que houvesse conjunção carnal, in verbis: Art. 223. Quando houver simples offensa pessoal para fim libidinoso, causando dôr, ou algum mal corporeo a alguma mulher, sem que se verifique a copula carnal. Penas - de prisão por um a seis mezes, e de multa correspondente á metade do tempo, além das em que incorrer o réo pela offensa. Se a ofendida fosse menor de dezessete anos o autor era levado para fora da Comarca em que residia a menor, sendo obrigado a pagar um dote à vítima. De acordo com o artigo 224 do Código Penal de 1830, in verbis: 16 Art. 224. Seduzir mulher honesta, menor dezasete annos, e ter com ella copula carnal. Penas - de desterro para fóra da comarca, em que residir a seduzida, por um a tres annos, e de dotar a esta. 1.4 NO BRASIL REPÚBLICA O Brasil é uma república presindencialista desde 1889. Através do Decreto n.º 847 de 11 de outubro de 1890 o Código Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil foi instituído, o qual tratava o crime de estupro em seu Título VIII – Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, Capítulo I – Da violência carnal, arts. 266 a 269, in verbis: Art. 266. Attentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo, por meio de violências ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravaçãomoral. Pena – de prisão cellular por um a seis annos. Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá aquelle que corromper pessoa de menor idade, praticando com ela ou contra ela ou contra ella actos de libidinagem. Art. 267. Deflorar mulher de menor idade, empregando seducção, engano ou frade: Pena – de prisão cellular por um a quatro annos. Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta. Pena – de prisão cellular por um a seis annos. 17 §1°. Si a estuprada for mulher pública ou prostituta: Pena – de prisão cellular de seis mezes a dous annos. §2°. Si o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será augmentada da quarta parte. Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não. Por violência entende-se não só o emprego da força physica, como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades physicas, e assim da possibilidade de resistir e defender-se, como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether, e em geral os anesthesicos e narcóticos (BRASIL, 1890). O aludido código penal abordava o crime de estupro de maneira generalizada, uma vez que, incluía os delitos de defloramento e sedução. Entendia-se por violência, o uso da força física e quaisquer outros meios que pudessem privar a ofendida de suas faculdades psíquicas, e dessa forma, cessar qualquer possibilidade de resistência ou defesa. CAPÍTULO II – PARTE GERAL SOBRE O DELITO DE ESTUPRO 2.1 CÓDIGO PENAL DE 1940 18 No código penal brasileiro de 1940 (código vigente), o delito de estupro está tipificado no Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual, que através da Lei n.º 12.015 de 7 de agosto de 2009, recebeu nova redação. A alteração de nomenclatura do supracitado Título, em 2009, veio como forma de adequar os tipos penais à nova realidade dos bens jurídicos protegidos, tendo em vista que “o foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas sim a tutela da sua dignidade sexual.” (GRECO, 2011, p. 611). Nesse contexto, houve uma importante revolução, visto que antes da instituição da nova legislação, a conduta do legislador era de simplesmente proteger a moral social e os costumes, contudo com as modificações realizadas pela nova lei, o bem jurídico protegido passou a ser a liberdade e a dignidade sexual do indivíduo, ou seja, sua intimidade e autodeterminação para dispor do seu corpo e escolher o parceiro ou a parceira que melhor lhe aprouver na prática de atos da natureza sexual. Antes da redação dada pela nova lei 12.015/2009, o caput do artigo 213, do CP, que trata sobre o estupro de natureza simples, trazia a seguinte redação: Estupro Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Após o advento da nova lei, a redação desse dispositivo ficou da seguinte forma: Estupro Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 19 Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. A alteração na redação do artigo 213 foi bem recebida pela doutrina conforme Bittencourt (2015, p. 49): “Considerando-se que o legislador unificou, com a Lei n. 12.015/2009 os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, poderia ter aproveitado para substituir as expressões que identificam essas duas figuras – conjunção carnal (estupro) e ato libidinoso diverso de conjunção carnal – por uma expressão mais abrangente, capaz de englobar os dois vocábulos anteriores como, por exemplo, “violação sexual mediante violência”. Esse vocábulo, além da dita cópula vagínica, abrange também, na linguagem clássica, as relações sexuais ditas anormais, tais como o coito anal e o sexo oral, o uso de instrumentos roliços ou dos dedos para a penetração no órgão sexual feminino, ou a cópula vestibular, em que não há penetração. A expressão “violação sexual mediante violência”, ademais, mostra-se mais atualizada, por seu alcance mais abrangente, pois englobaria também, além dos atos supraenunciados, as relações homossexuais (tidas, simplesmente, como atos libidinosos diversos da conjunção carnal), tão disseminadas na atualidade.” No entanto, a nova lei unificou em um só tipo penal as figuras delitivas de estupro (art. 213) e atentado violento ao pudor (art. 214), antes previstas em tipos penais autônomos, não existindo mais uma distinção tipográfica entre elas. Ao contrário da antiga redação, agora qualquer pessoa, seja ela homem ou mulher, podem ser vítimas, trazendo então uma grande inovação ao crime de estupro, conforme Bittencourt (2015, p. 51): A partir da Lei n. 12.015/2009 simplificou-se essa questão, e o delito de estupro passou a ser um crime comum, podendo ser praticado ou sofrido, indistintamente, por homem ou mulher. Esta lei trouxe uma inovação, que o marido também pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria mulher (parceira). Nessa linha, evidentemente, a mulher, a partir de agora, 20 também pode ser autora do crime de estupro, inclusive contra o próprio marido (quando obrigá-lo, por exemplo, à pratica de atos de libidinagem contra a vontade daquele). Dito de outra forma, qualquer dos c ônjuges, a nosso juízo, pode constranger, criminosamente, o outro à prática de qualquer ato libidinoso, incorrendo nas sanções cominadas neste dispositivo legal. A nova redação do artigo 213, instituiu o estupro de vulnerável, o qual trouxe uma inovação, que é a proteção ao menor de quatorze anos que na edição do Código Penal de 1940 não existia, incluindo, os deficientes mentais e os que por alguma enfermidade não tem capacidade de discernimento para a prática do ato sexual e que não esteja em condições de oferecer resistência, conforme o artigo 217-A do Código Penal, in verbis: Art. 217-A Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º (VETADO) § 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Vulnerável, termo de origem latina, vulnerabilis, em sua raiz vem a significar a lesões, cortes ou feridas expostas, sem cicatrização, feridas sangrentas com sérios riscos de infecção. No contexto da Norma aqui debatida expressa a incapacidade ou fragilidade de alguém, motivada por circunstâncias especiais. (CONDÉ, 2012). 21 Existem dois tipos de vulnerabilidade, a absoluta e a relativa. Entretanto a vulnerabilidade do menor de quatorze anos deve presumida, porém as demais devem ser devidamente comprovadas. A nova estruturação e redação dada ao caput do artigo 213 do Diploma Criminal, percebe-se os seguintes elementos a) o constrangimento levado a título de violência ou grave ameaça; b) dirigido a qualquer pessoa; c) para que haja a conjunção carnal ou para fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique qualquer ato libidinoso. O sujeito ativo do crime de estupro pode ser qualquer pessoa, tanto homem quanto mulher, pois não se exige qualidadeou condição especial deste sujeito. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, em regra, exceto o menor de quatorze anos, que não poderá ser vítima, pois tipifica-se estupro de vulnerável. O elemento subjetivo do crime de estupro o é o dolo genérico, que consiste na vontade de obter a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso (DELGADO, 2009, online), não havendo modalidade culposa ante a ausência de disposição legal nesse sentido. Desse modo, conforme exemplifica GRECCO (2011, p. 617), se o agente de forma imprudente, correndo pela praia, se desequilibra e cai com o rosto sobre as nádegas da vítima, que ali se encontrava deitada tomando banho de sol, o mesmo não poderá ser culpabilizado pelo delito em estudo, uma vez que não se admite o estupro culposo. Para Nucci, há, também, a presença do elemento subjetivo do tipo específico, consistente na finalidade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, satisfazendo a lascívia: Embora exista a possibilidade de o estupro dar-se como forma de vingança – ou mesmo para humilhar e constranger moralmente a vítima – tal situação em nosso entender não elimina o elemento subjetivo específico de satisfação da lascívia, até porque, nestas situações, encontra-se a satisfação mórbida 22 do prazer sexual, incorporada pelo desejo de vingança ou outros sentimentos correlatos. Estímulos sexuais pervertidos podem levar alguém se valer dessa forma de crime para ferir a vítima, inexistindo incompatibilidade entre tal desiderato e a finalidade lasciva do delito do art.213. Acrescenta-se, ainda, que somente os sexualmente pervertidos utilizam esse meio para a vingança (NUCCI, 2014, p. 218). O crime consuma-se com a conjunção carnal ou com a prática de qualquer outro ato libidinoso. Na modalidade conjunção carnal, consuma-se com a introdução do pênis na vagina da vítima, ainda que parcialmente, não sendo necessário que a conjunção carnal tenha sido completa, não sendo necessária ejaculação. No que se diz respeito a prática de outro ato libidinoso, o delito se consuma no momento em que o agente, empós à prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave ameaça, força a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal (GRECO, 2011). Por se tratar o estupro um crime plurissubsistente, a tentativa é plenamente possível (GRECO, 2011). A tentativa consiste em quando o agente visa praticar o crime, mas não alcança por circunstancias alheias a sua vontade. Nesse sentido, Cleber Masson, em seu “CP comentado”: O estupro constitui-se um crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal voltado para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou outro ato libidinoso. 2.2 CRIME ÚNICO OU CONCURSO DE CRIMES: 23 A 6ª turma do STJ (primeira corrente), possui o entendimento de que se o agente submete a vítima em uma única relação de contexto à conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, haverá crime único, conforme disposto no artigo 213 do Código Penal, inclui um tipo penal misto alternativo, ou seja, uma vez que pratique mais de um ato, cometerá um único crime. No entanto, se os atos forem praticados em momentos diferentes, o réu deverá responder por vários estupros, em continuidade delitiva, de acordo com o artigo 71 do CP, ou em concurso material art. 69, “caput” CP. Por outro lado, a 5ª Turma do STJ (segunda corrente), entende que, o art.213 seria um tipo penal misto cumulativo, ou seja, se realizada mais de uma conduta prevista no aludido código, o agente deverá responder por mais de um crime e não por apenas um. 2.3 AÇÃO PENAL: Com o surgimento da lei 12.015/2009, determinou-se que em regra a ação penal fosse pública condicionada à representação da vítima, salvo o vulnerável ou menor de 18 (dezoito) anos, casos em que a ação se daria independente de manifestação, com iniciativa do Ministério Público. No entanto a edição da Lei 13.718 ocasionou diversas mudanças, inclusive nas ações penais dos crimes contra a dignidade sexual, passando a ser pública incondicionada independente, da idade da vítima, vulnerabilidade ou se o crime foi praticado com ou sem violência real. 2.4 HEDIONDEZ: A Lei n.º 8.072/90 de 25 de julho de 1990, aborda em seu texto legal os crimes que são considerados hediondos, uma vez que, caracterizam-se por delitos tentados ou consumados que possuem grande reprovação social e alta perversidade. 24 De acordo com o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o crime de estupro mesmo em suas formas básicas, em que inexiste lesão corporal de natureza grave ou morte, e praticado com violência presumida, constituem crime hediondo, nos termos do art. 1º, inciso VI da referida lei. 2.5 ORGÃO COMPETENTE: Os crimes tipificados como hediondos são julgados pelo juízo de execução, conforme o artigo 65 da Lei n.º 7.210/84, “A execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença.” Atestando a natureza jurisdicional do processo de execução, rotulando o juízo da execução como um de seus órgãos. No que se diz respeito ao local competente para execução, o entendimento firmado pela Terceira Seção do STJ, é em razão que a competência se firma, em regra, de acordo com as leis de organização judiciária do juízo da condenação: “(…) A jurisprudência desta Corte, com fundamento no art. 65 da Lei de Execuções Penais, firmou entendimento de que o juízo competente para a execução penal é o indicado na lei local de organização judiciária do Juízo da condenação. É evidente que o fato de o processo executivo ser de competência de juízo que não corresponda ao do domicílio do réu não impede, por si só, que a pena possa ser cumprida neste último local, sob a supervisão de juízo que deve ser deprecado para essa finalidade. 3. A despeito de otimizar a ressocialização do preso e de humanizar o cumprimento da reprimenda, pela maior proximidade do preso aos seus familiares, a transferência de presídio depende da existência de vaga. 4. Agravo regimental não provido” (AgRg no CC 143.256/RO, j. 08/06/2016). CAPÍTULO III – OS AGRESSORES 3.1 DOS ABUSADORES: 25 A desinformação existente sobre os crimes de natureza sexual, cria como consequência mitos que giram em torno da conduta dos agressores, que em grande parte são rotulados como loucos ou doentes mentais, mas, no entanto, não são, uma vez que a grande maioria, levam vidas normais e não apresentam evidencias patológicas. Um pesquisador alemão chamado Otto Groth, realizou uma pesquisa ao longo de sua vida com quinhentos estupradores e chegou à conclusão de que existem três tipos de perfis desses agressores, sendo eles o: Estuprador Poder, sendo esse perfil subdivididos em garantia e vigoroso; Estuprador Raiva divindo-se em retaliatória e excitamento; e Estuprador Sádico (Groth, Burgess, e Holmsirom, 1977, citado em Burgess, Regehr & Roberts, 2009; Patherick, 2014. O estuprador poder, possui características de baixa auto-estima, e comete tal crime na tentativa de enrijecer a sua masculinidade através do exercício do poder sobre as vítimas. O estuprador raiva, é considerado imprevisível e identificado por sua brutalidade física, usando muito mais que a força necessária para dominar a vítima, mesmo que a vítima não resista, exibindo sua raiva desde o abuso sexual até o homicídio. (Hazelwood & Burgess, 2009). E o ultimo padrão é denominado estuprador sádico, cuja sexualidade e agressividade se constituem em sadismo, cuja, motivação é atingir a satisfação sexual, implicando em dor física, mental e sofrimento da vítima, estando geralmente relacionado o aumento de violência com o de excitação. Durante o estudo realizado os pesquisadores observaram que nem sempre os agressorespossuem apenas um perfil, podendo se misturar e ter alguma característica dominante, além de utilizarem a violência para suprir necessidades não sexuais, ou seja, antes da expressão sexual é a expressão de poder e raiva sob suas vítimas (Patherick, 2014). 3.2 DOS APENADOS E REINCIDENTES: 26 No que diz respeito aos crimonosos reincidentes nos delitos de violência sexual o Infopen da Subsecretaria do Sistema Prisional/SIP da Polícia Civil de Minas Gerais, realizou uma pesquisa sobre o Perfil dos Enquadramentos Criminais dos Presos Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008 segundo Reincidência (Minas Gerais, 2015). Dentre os 17 presos entrevistados 8, ou seja, 47,1% são reincidentes no crime de estupro. Ainda que a média de casos que chegam ao conhecimento das autoridades seja de apenas 10%, a taxa de condenações é ainda menor cerca de 1%, segundo Buchmüller, no artigo Crimes sexuais: a impunidade gerada por um Estado omisso, conforme pesquisa realizada no ano de 2013 e 2014. De acordo com uma pesquisa realizada pelo IPEA sobre a Reincidência Criminal, o sistema prisional brasileiro não possui uma estrutura que seja capaz de ressocializar e tratar os condenados para inseri-los de volta na sociedade. Pois mesmo com programas sociais que são desenvolvidos dentro das unidades prisionais, ainda não são suficientes para que haja a ressocialização dos indivíduos. 3.3 DA IMPUNIDADE: A impunidade dos crimes de natureza sexual começa antes mesmo de chegar ao conhecimento das autoridades, uma vez que, trata-se de crimes silenciosos e de difícil comprovação. A cultura do estupro enraizada na sociedade contribui de certa forma, para que tal situação aconteça, fazendo com que muitas vítimas fiquem receosas e envergonhadas, e com medo, esse sentimento, as impedem de realizar um boletim de ocorrência e denunciarem seu agressor. O pesquisador Helio Buchmuller, em seu artigo Crimes sexuais: A impunidade gerada por um Estado omisso, afirma que a taxa de condenação pelos crimes de estupro no Brasil gira em torno de 1%, sendo uma quantidade mínima de agressores condenados. De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo IPEA (Instituição de Pesquisas Econômica Aplicada), os casos de estupro tiveram um aumento 27 significativo entre 2011 e 2014, totalizando 66,1%. Nesta mesma pesquisa conforme dados fornecidos pelo SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), os homens foram os agressores em 94,1% dos casos registrados, já as mulheres violadoras 3,3% dos casos. Tais dados nos revela uma grande impunidade destes crimes em nosso ordenamento jurídico, apontando um severo abismo entre a lei e a prática. CAPÍTULO IV – DOS DANOS CAUSADOS AS VITIMAS 4.1- DAS VÍTÍMAS As vítimas dos crimes de violência sexual possuem um padrão, sendo a maioria esmagadora do sexo feminino, em especial crianças e adolescentes, totalizando 70% das denúncias registradas, conforme dados oferecidos pelo SINAN, dentro desse número, 10% possuíam alguma deficiência de ordem física ou mental, estando exposta à um duplo grau de vulnerabilidade. Além da violência sofrida e dos traumas causados, as vítimas ainda lidam com outra situação que dificulta ainda mais a realização de uma denúncia, pois 40,0% dos agressores de crianças pertencem ao círculo familiar próximo, incluindo pai, padrasto, tio, irmão e avô. Já as vítimas adultas, conforme dados oferecidos pelo SINAN, representam o número de 30,1% dos casos registrados, sendo na grande maioria dos casos agressores desconhecidos, correspondendo ao número de 25,6% dos casos. Entre o ano de 2011 e 2014, houve um crescimento hostil para os crimes de estupros cometidos por dois ou mais agressores, saltando de 13,0% para 15,8%. Os estupros coletivos, onde seus algozes são duas ou mais pessoas, em maioria, são cometidos contra vítimas adultas, representando o número de 35,6% dos casos registrados. Tais números nos mostra a grande incidência de violência de gênero que ainda existe no Brasil, uma vez que, as vítimas em sua maioria são mulheres, não possuindo relação alguma sobre cor, raça, opção sexual e classe social. 28 4.2 DANOS PSICOLOGICOS CAUSADOS AS VÍTIMAS: O contexto da violência sexual pode abranger agressão, ameaças, intimidação psicológica e invasão do corpo, podendo acarretar um possível trauma psicológico. Segundo Early, em seu estudo The raven's return: the influence of psychological trauma on individuals and culture, publicado por Chiron Publications, Wilmette (1993), a violência do abuso sexual levar à delimitação confusa de suas próprias barreiras e de seus próprios limites, a estigmatização, vergonha, traição, dissociação e repetição. O autor ressalta que a invisibilidade é a vontade de muitas vítimas de crimes de violência sexual, pois, veem a si mesmo como “sujas”, “feias” e nojentas, percebendo a si mesmo e ao seu corpo como vergonha. A violência sexual é capaz de trazer inúmeros distúrbios na vida das vítimas, podendo se tornar frequente e permanente e se manifestar de forma patológica, como depressão, transtornos alimentares, dificuldade nas relações afetivas e sexuais e tentativas de suicídio. Segundo o estudioso Choudharyet, em seu artigo, Gender and time differences in the associations between sexual violence victimization, health outcomes, and risk behaviors, as mulheres que foram vítimas de abuso sexual, possuem maior incidência em problemas como, saúde mental debilitada, baixa autoestima, pouca satisfação com a vida, consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo. As consequências causadas as vítimas de crimes sexuais vão muito além dos traumas físicos, acarretando inúmeros prejuízos ao decorrer da vida, onde um amparo psicológico é fundamental para oferecer a possibilidade de superação desse sofrimento. 4.3. DA CULTURA DO ESTUPRO: O termo cultura do estupro teve origem em meados dos anos de 1970, por grupos feministas, que lutavam contra a constante culpabilização das vítimas e a naturalização da conduta dos estupradores, em termos gerais, trata-se da 29 banalização dos crimes de violência sexual e a normalização do delito perante a sociedade. Esta ideia de poder possui uma estrutura patriarcal, que consiste na dominação dos homens em relação as mulheres, que os leva a acreditar ser superior e estar em posição de hierarquia em relação as mesmas. No Brasil a cultura do estupro vem sendo enraizada de diversas formas, se disseminando em especial, por meios de comunicação de maneira implícita ou explicita, através de músicas, piadas, propagandas de tv, comerciais de cerveja, dentre outros meios; colocando a mulher como objeto de utensilio de desejo e propriedade homem, incentivando diversos tipos de violência, das quais o estupro. No ano de 2014, o IPEA realizou uma pesquisa entrevistando diversas pessoas, sobre a “Tolerância social à violência contra as mulheres”, e 58,5% dos entrevistados afirmaram que, se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros. Por trás dessa afirmação está o pensamento de que, os homens não conseguem controlar seus impulsos sexuais e que as mulheres que provocam e deveriam se comportar, não os estupradores, trazendo a ideia de que o corpo das mulheres são livres para serem tocados pelos homens, caso não impuserem uma “barreira”, seja por forma de se vestir ou se comportar. Esta ideia de culpabilização da vítima e a trivialização dos crimes de estupro, contribui de forma direta com a violência de gênero, que consiste em qualquer tipo de violência seja física, psicológica ou sexual contra alguém que esteja em condição de vulnerabilidade, devido sua identidade de gênero ou orientação sexual, tratando-se de uma ofensa a dignidade da pessoa humana através de relações de controle e domínio historicamente desiguais entre homens e mulheres.CAPÍTULO V – IDENTIFICAÇÃO DO CRIME 5.1 DAS FORMAS QUE AS VÍTIMAS POSSAM IDENTIFICAR A VIOLENCIA SOFRIDA: 30 É um fato de que a maioria esmagadora de vítimas de crimes sexuais são crianças e adolescentes, no entanto, nem sempre elas sabem identificar a violência sofrida, seja por desinformação sobre o acontecido, seja por deficiência e por encontrar-se em um duplo grau de vulnerabilidade, não sabem que foram vítimas de abuso sexual. Ocorre que, 40% dos agressores são do círculo familiar das vítimas, o que gera como consequência a dificuldade para as identificar o abuso sofrido. O papel de zelar, proteger e orientar é da família, mas em muitos casos, essa responsabilidade não é cumprida, pois têm como algozes, as pessoas que deveriam cuidar e defender. Tais situações geram como consequência, inúmeros transtornos físicos e psicológicos as vítimas, que carregam consigo o peso da hostilidade dos agressores. Como o dever das famílias nem sempre são cumpridos, é de responsabilidade do Estado, garantir a segurança, orientação e apoio necessário as vítimas, por meio da educação sexual e programas sociais. A educação sexual nas escolas é de extrema importância, uma vez que, se trata de métodos didáticos adequados para a criança ensinando sobre a igualdade de gênero, respeito, diferenças existentes entre toques de afeto e de abuso, orientação a quem pedir ajuda caso vier a sofrer uma violação, além de partes onde adultos podem ou não tocar. Em contrapartida, para os adolescentes a educação sexual é importante pois, pode-se evitar doenças sexualmente transmissíveis e seus efeitos de maneira progressiva, além de evitar a gravidez indesejada na adolescência, uma vez que, o Brasil possui maior índice de gravidez na adolescência da America Latina, chegando ao número de 69,9 nascimentos a cada mil mulheres entre 15 e 19 anos, sendo que 18% das mães adolescentes são de baixa renda, enquanto no estrato de renda acima de cinco salários mínimos esse número não chega a 1%. A educação sexual é extremamente importante pois é necessário o fornecimento de informações cientificas e às oportunidades para a livre atividade de seus direitos individuais, sem diferenciação, opressão e violência, de forma a permitir a tomada de decisões responsável sobre a própria vida. 5.2 DO ATENDIMENTOS AS VITIMAS: 31 A Lei 12.845 de 2013, dispõe sobre atendimento integral e obrigatório e imediato, em todos os hospitais integrantes do SUS para as vítimas de abuso sexual, conforme disposto no Art. 1º “Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.” As vítimas de abuso tanto adultas quanto crianças terão direito, conforme o art. 3º da referida lei a: I - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas; II - amparo médico, psicológico e social imediatos; III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual; IV - profilaxia da gravidez; V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST; VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia; VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis. Deste modo, é extremamente importante que as vítimas se pronunciem e exponha a situação, que apesar do trauma sofrido, tenham forças para se manifestar, tomando as medidas necessárias para o enfrentamento da violência. 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante ao estudo desenvolvido neste trabalho, tem-se as seguintes conclusões: A forma em que se é tratada o delito de estupro, vem sofrendo alterações e influencias culturais desde os primórdios. Com o passar do tempo e o avanço da sociedade, o tratamento penal, também evoluiu. O advento da lei 12.015/09, trouxe inovações ao direito penal brasileiro, onde os crimes de violência sexual deixaram de ser “Contra o costume” e passaram a ser “Contra a dignidade sexual”, e o bem jurídico a ser tutelado deixou de ser os costumes, passando a ser a dignidade sexual, colocando a liberdade sexual como um bem jurídico a ser tutelado. Apesar das inovações e a evolução do direito penal brasileiro, ainda existem muitas brechas a serem fechadas, considerando que, a impunidade nos crimes de violência sexual no Brasil é alta, dado os números de crimes registrados e o número de apenados, é notório a existência desse abismo, levando a crer que apesar das inovações e a evolução, o direito penal brasileiro ainda é falho. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Infopen da Subsecretaria do Sistema Prisional/SIP da Polícia Civil de Minas Gerais Helio Buchmuller, em seu artigo Crimes sexuais: A impunidade gerada por um Estado omisso The raven's return: the influence of psychological trauma on individuals and culture, publicado por Chiron Publications, Wilmette (1993), Choudharyet, , Gender and time differences in the associations between sexual violence victimization, health outcomes, and risk behaviors, https://jus.com.br/artigos/54227/breves-apontamentos-acerca-do-historico-do- estupro BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 4: parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública. 6 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012 Código Penal: decreto-lei n° 847 de 11 de outubro de 1890. Código Penal. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o código criminal. D. Pedro por Graça de Deus, e Unânime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos súbditos, que a Assembleia geral Decretou, e Nós queremos a lei seguinte. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o código criminal. D. Pedro por Graça de Deus, e Unânime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos súbditos, que a Assembleia geral Decretou, e Nós queremos a lei seguinte. Aspectos psicológicos de mulheres que sofrem violência sexual | Elsevier Enhanced Reader E. Choudhary, J.H. Coben and R.M. Bossarte Am J Mens Health, 2 (2008), pp. 254-259 E. Early The raven's return: the influence of psychological trauma on individuals and culture Chiron Publications, Wilmette (1993) td_2313.pdf (ipea.gov.br) Sintomas e quadros psicopatológicos em supostas vítimas de abuso sexual: uma visão a partir da psicologia positiva (bvsalud.org) https://jus.com.br/artigos/54227/breves-apontamentos-acerca-do-historico-do-estupro https://jus.com.br/artigos/54227/breves-apontamentos-acerca-do-historico-do-estupro 34 Ação Penal E Competência Alusivos Ao Crime De Estupro (jusbrasil.com.br) GRECO, Rogério. Código Penal Comentado - Parte especial. 6ª edição Niterói, RJ: Impetus, 2012. BRASIL, Código Penal Brasileiro, 1940 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm BRASIL, Código de Processo Penal Brasileiro, 1941 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm BRASIL, Código Penal Militar Brasileiro, 1969 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm BRASIL, Constituição Federal Brasileira, 1988 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Revisão Criminal : RVCR 0497464- 68.2013.8.13.0000 MG (jusbrasil.com.br) 150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf (ipea.gov.br) SciELO - Brasil - Cultura do estupro ou cultura antiestupro? Cultura do estupro oucultura antiestupro? Análise preliminar PNAD 2009: o domicílio (ipea.gov.br) Projetos de educação sexual nas escolas: benefícios e dificuldades (revistaeducacao.com.br) Educação sexual (fiocruz.br) L12845 (planalto.gov.br) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm
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