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Literatura Infanto Juvenil 1 TROL Literatura Infanto Juvenil Ageu Cleon de Andrade Cristina Dias de Souza Figueira Maria Nazareth de Souza 1ª E di çã o Literatura Infanto Juvenil 2 DIREÇÃO SUPERIOR Chanceler Joaquim de Oliveira Reitora Marlene Salgado de Oliveira Presidente da Mantenedora Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA Assessora Andrea Jardim FICHA TÉCNICA Texto: Ageu Cleon de Andrade, Cristina Dias de Souza Figueira, Maria Nazareth de Souza Revisão Ortográfica: Marcus Vinícius da Silva e Natália Barci de Souza Projeto Gráfico e Editoração:, Eduardo Bordoni, Fabrício Ramos, Marcos Antonio Lima da Silva Supervisão de Materiais Instrucionais: Janaina Gonçalves de Jesus Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos COORDENAÇÃO GERAL: Departamento de Ensino a Distância Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo – Campus Niterói Bibliotecária: Elizabeth Franco Martins CRB 7/4990 Informamos que é de única e exclusiva responsabilidade do autor a originalidade desta obra, não se responsabilizando a ASOEC pelo conteúdo do texto formulado. © Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, mantenedora da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). A553l Andrade, Ageu Cleon de. Literatura Infanto-Juvenil / Ageu Cleon de Andrade, Maria Nazareth de Souza e Cristina Dias de Souza Figueira ; revisão de Natália Barci de Souza e Marcus Vinicius da Silva. – Niterói, RJ: UNIVERSO, 2012. 214 p. ; il 1. Literatura infanto-juvenil. 2. Gêneros literários. 3. Leitor - Formação. 4. Leitura. I. Souza, Maria Nazareth de Souza. II. Figueira, Cristina Dias de Souza. III. Souza, Natália Barci de. IV. Silva, Marcus Vinicius da. V. Título. CDD B809.89282 Literatura Infanto Juvenil 3 Literatura Infanto Juvenil 4 Palavra da Reitora Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo, exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO Virtual, que reúne os diferentes segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero bem-sucedidas mundialmente. São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se responsável pela própria aprendizagem. O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo momento ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de nossa plataforma. Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos. A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem- sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização, graduação ou pós-graduação. Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona. Seja bem-vindo à UNIVERSO Virtual! Professora Marlene Salgado de Oliveira Reitora Literatura Infanto Juvenil 5 Literatura Infanto Juvenil 6 Sumário Apresentação da Disciplina ........................................................................................................ 8 Plano da Disciplina......................................................................................................................... 9 Unidade 1: Literatura Infanto-Juvenil: Das Origens à Contemporaneidade ............ . 11 Unidade 2: Trabalhando os Gêneros Literários .................................................................. 41 Unidade 3: O Gênero Dramático: O Teatro e a Sala de Aula .......................................... 97 Unidade 4: Eternos Contos de Fadas e a Formação da Criança ................................... 145 Unidade 5: Histórias: Uma Via para a Formação do Leitor ............................................. 157 Unidade 6: A Prática Pedagógica da Leitura no Contexto Escolar .............................. 179 Referências ..................................................................................................................................... .. 204 Considerações Finais .................................................................................................................... 207 Conhecendo os Autores ............................................................................................................. 208 Anexos ............................................................................................................................................... 210 Literatura Infanto Juvenil 7 Literatura Infanto Juvenil 8 Apresentação da Disciplina Caro Aluno, seja bem-vindo! Estudaremos a disciplina Literatura Infanto-Juvenil e suas relações com a prática pedagógica. A metodologia que elaboramos possibilitará que você conheça a Literatura Infanto-Juvenil e sua interface com a Educação. Desta forma, por meio de leituras prazerosas, propomos um estudo dinâmico e reflexivo da Literatura Infanto- Juvenil, incluindo seu histórico, elencando possibilidades e sugerindo caminhos para a sua aplicabilidade no cotidiano escolar. Acreditamos que os conteúdos ministrados online e a bibliografia que sugerimos para a pesquisa contribuirão para o desenvolvimento das habilidades e competências dos nossos alunos para o exercício do ensino da Literatura Infanto- Juvenil. Comprometemo-nos a auxiliá-lo em suas tarefas. Da mesma forma, pedimos que você cumpra passo a passo as atividades propostas e administre bem o seu tempo. Sucesso! Literatura Infanto Juvenil 9 Plano da Disciplina A disciplina Literatura Infanto-Juvenil tem como objetivo geral possibilitar o aluno a conhecer a Literatura tradicional e contemporânea, por meio da análise de textos narrativos e/ou poéticos, desenvolvendo competências e habilidades necessárias à formação de profissionais que atuarão nos diversos contextos escolares. Faremos um pequeno resumo de cada unidade, enfatizando seus objetivos para que você tenha uma visão generalizada daquilo que irá estudar. Unidade 1: Literatura Infanto-Juvenil: Das Origens à Contemporânea Nesta unidade, você conhecerá o percurso da Literatura Infanto-Juvenil, da narrativa tradicional à contemporânea, e sua linguagem simbólica. O discurso literário e seus aspectos formais e temáticos. Objetivo: Reconhecero caráter da literatura tradicional e seu processo evolutivo até a contemporânea, através da análise dos textos, suas respectivas características e os aspectos formais e temáticos. Unidade 2: Trabalhando os Gêneros Literários: O Poético e o Narrativo Aqui, trataremos dos gêneros literários (poético e narrativo), seus aspectos temáticos e formais. Objetivo: Identificar as características dos gêneros poéticos e narrativos centrados no lúdico, a fim de despertar o prazer de ler. Unidade 3: O Gênero Dramático: O Teatro e a Sala de Aula Veremos nesta unidade o gênero dramático: teatro, enquanto texto teatral, no contexto escolar. Objetivo: Reconhecer as contribuições do teatro como expressão artística, sua relação com a cultura e sociedade, sua função catártica e a importância do texto teatral auxiliando as diferentes disciplinas, utilizando a mímica e expressão corporal. Literatura Infanto Juvenil 10 Unidade 4: Eternos Contos de Fadas e a Formação da Criança Nesta unidade, vamos mostrar-lhe, sob o ponto de vista psicanalítico do estudioso Bruno Bettelheim, as contribuições dos contos de fadas para a formação da criança. Objetivo: Compreender as contribuições das histórias para formação integral da criança, através da leitura intertextual das narrativas. Unidade 5: Histórias: Uma Via Para a Formação do Leitor Agora, falaremos das contribuições das histórias para a formação do leitor. Confira! Objetivo: Estimular o gosto pela leitura visando à formação do leitor e sua relação com o livro através da prática da leitura em sala de aula. Unidade 6: A Prática Pedagógica da Leitura no Contexto Escolar Nesta unidade, veremos a aplicação teórica das leituras e os diversos gêneros através da intertextualidade e da paródia, no contexto escolar. Objetivo: Trabalhar de maneira prazerosa as várias leituras a partir da intertextualidade, da paródia e dos diversos gêneros literários do contexto escolar. Bons estudos. Literatura Infanto Juvenil 11 1 Literatura Infantil: Das Origens a Contemporânea O Caráter da Literatura Tradicional e Contemporânea. O Discurso Literário e o Ato Prazeroso da Leitura. A Oralidade e as Tradições. Literatura Infanto Juvenil 12 Nesta unidade, você conhecerá o percurso da Literatura infanto-juvenil da narrativa tradicional à contemporânea e sua linguagem simbólica. O discurso literário e seus aspectos formais e temáticos. Objetivos da Unidade: Reconhecer o caráter da literatura tradicional e seu processo evolutivo até a contemporânea. Plano da Unidade: O Caráter da Literatura Tradicional e Contemporânea. O Discurso Literário e o Ato Prazeroso da Leitura. A Oralidade e as Tradições. Bem-vindo à primeira Unidade de Estudo! Literatura Infanto Juvenil 13 O Caráter da Literatura Tradicional e Contemporânea A matriz da história da literatura infantil é originária da Novelista Popular Medieval, que, por sua vez, tem suas origens mais remotas em certas fontes orientais ou, mais precisamente, na Índia. A arte de contar histórias é muito antiga, atravessa os milênios e está centrada na tradição oral. Durante a Idade Média, espalha-se no ocidente europeu uma literatura narrativa, hoje, conhecida como narrativa primordial, cujas origens remontam a fontes orientais. Com ela nascia a hoje chamada literatura popular que, através da comunicação oral ou da escrita, acabou se transformando em matéria folclórica. De seu registro escrito, por via culta, surge a Literatura Infantil, hoje conhecida como clássica ou tradicional, representada, dentre outras obras, pelas fábulas de Esopo, de Fedro, de La Fontaine, os Contos Populares de Perrault, de Grimm, de Andersen. Há registros de contos folclóricos do Antigo Oriente (Séc. V), provavelmente. O conto foi uma narrativa, por excelência, oral em sua primitiva forma. Histórias desde os primeiros registros de bichos, lendas populares ou aventuras eram contadas para povos antigos ao redor da fogueira ou em noites de luar. Ainda, hoje, permanece o desejo de ouvir histórias (poesia) através das rodas de leitura, das contações de histórias e dos saraus ou dos performances de poesias etc. Era uma vez... O rei persa Shariar, vitimado pela infidelidade de sua mulher, mandou matá-la e resolveu passar cada noite com uma esposa diferente, que mandava degolar na manhã seguinte. Recebendo como mulher a Sherazade, esta iniciou um conto que despertou o interesse do rei em ouvir-lhe a continuação na noite seguinte. Sherazade, por engenhosa ligação dos seus contos, conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites e foi poupada da morte. Literatura Infanto Juvenil 14 O conto narra que durante três anos, moças eram sacrificadas pelo rei, até que já não havia mais virgens no reino, e o vizir não sabia mais o que fazer para atender o desejo do rei. Foi quando uma de suas filhas, Sherazade, pediu-lhe que a levasse como noiva do rei, pois sabia uma maneira inteligente para escapar ao triste fim que a esperava. A princesa, após ser possuída pelo rei, começa a contar a extraordinária "História do Mercador e do Efrit", mas, antes que a manhã rompesse, ela parava seu relato, deixando um clima de suspense, só dando continuidade à narrativa na manhã seguinte. Então, Sherazade conseguiu sobreviver, graças ao poder da palavra e encantamento de tecer as narrativas prendendo a curiosidade do rei. Ao término desse tempo, ela já havia tido três filhos e, na milésima primeira noite, pede ao rei que a poupe, por amor às crianças. O rei finalmente responde que lhe perdoaria, sobretudo pela dignidade de Sherazade. O ato de contar histórias encanta a todos, assim se sucedeu com Sherazade, que escapou da morte pela sua inventividade. Vladimir Propp, estudioso dos contos populares da Rússia, nos apresentou uma estrutura básica para análise dos contos de fadas. O herói, em sua trajetória, enfrenta várias provas e tem que demonstrar a sua capacidade de solucionar os problemas, ou seja, obter um novo equilíbrio. Propp nos mostra um esquema circular da trajetória do protagonista, da estrutura da narrativa do conto popular. Temos os seguintes elementos: transgressão, busca, provas (obstáculos), solução e equilíbrio. A estrutura mencionada escapa aos padrões e pode servir de base para outras histórias, adaptadando-as das obras verdadeiramente literárias. Agora, vejamos algumas acepções das palavras-chave dos contos maravilhosos: Fábulas (do latim - fari - falar e do grego - Phao - contar algo). Narrativa (de natureza simbólica) de uma situação vivida por animais, que alude a uma situação humana e tem por objetivo transmitir certa moralidade. Nascida no Oriente vai ser reinventada no Ocidente pelo grego Esopo (Séc. VI a.C.) e aperfeiçoada, séculos mais tarde, pelo escravo romano Fedro (Séc. I a.C.) que a enriqueceu estilisticamente. Entretanto, somente no século X, Literatura Infanto Juvenil 15 começaram a ser conhecidas as fábulas latinas de Fedro. Ao francês Jean La Fontaine (1621/1692) coube o mérito de dar a forma definitiva a uma das espécies literárias mais resistentes ao desgaste dos tempos: a fábula, introduzindo-a definitivamente na literatura ocidental. Embora escrevendo para adultos, La Fontaine tem sido leitura obrigatória para crianças de várias comunidades, de todos os países. Podemos enumerar aqui algumas fábulas de La Fontaine: “O Lobo e o Cordeiro”, “A Raposa e o Esquilo”, “Animais Enfermos da Peste”, “A Corte do Leão”, “O Leão e o Rato”, “O Pastor e o Rei”, “O Leão, o Lobo e a Raposa”, “O Leão Doente e a Raposa”, “A Corte e o Leão”, “A Leiteira e o Pote de Leite”. Etimologicamente, a palavra fada vem do latim fatum (destino, fatalidade, oráculo). Os contos maravilhosos são marcados pela presença da fada. Lendas (do latim legenda/ leger - ler). Os homens relatavam suas aventuras e lembranças por meio da tradição oral. Por isso que se diz “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Isso se deve ao contador de histórias ou ao narrador o qual recorria à imaginação e invenção de riqueza de detalhes ou inserção de novos personagens ou um novo desfecho. A invenção de histórias, nessa época, sinalizou o caráter moralizante e didático. Vamos saborear algumas narrativas contidas nas fábulas de Esopo da literatura tradicional ou clássica: Literatura Infanto Juvenil 16 A Gansa de Ovos de Ouro Certa manhã, um fazendeiro descobriu que sua gansa tinha posto um ovo de ouro. Apanhou o ovo, correu para casa, mostrou-o à mulher, dizendo: _ Veja! Estamos ricos! Levou o ovo ao mercado e vendeu-o por um bom preço. Na manhã seguinte, a gansa tinha posto outro ovo de ouro, que o fazendeiro vendeu a melhor preço. E assim aconteceu durante muitos dias. Mas, quanto mais rico ficava o fazendeiro, mais dinheiro queria. E pensou: "Se esta gansa põe ovos de ouro, dentro dela deve haver um tesouro!" Matou a gansa e, por dentro, a gansa era igual a qualquer outra. Quem tudo quer tudo perde. Literatura Infanto Juvenil 17 Os três Porquinhos e o Lobo Era uma vez três porquinhos irmãos, que gostavam muito de música. Eles resolveram fazer suas casas perto do bosque. O primeiro porquinho era preguiçoso e fez sua casa de palha. Mas o lobo mau, que vivia no bosque, era muito invejoso. Certo dia, ele chegou perto da casa de palha, encheu os pulmões e soprou com força... _Fuuuuu! A casinha de palha voou pelos ares. E o porquinho fugiu para a casa do irmão mais velho. O segundo porquinho também era preguiçoso e fez sua casa de capim. E, quando terminou a construção, achou-a tão bonita, que se pôs a cantar e a tocar alegremente o seu bandolim. Mas sua alegria durou pouco. O lobo mau se aproximou e soprou com força... _Fuuuuu! A casa de capim voou pelos ares, e o porquinho fugiu para a casa do irmão mais velho, onde se abrigou junto com o outro que estava lá. O terceiro porquinho não era preguiçoso. Mais precavido que os irmãos, construiu sua casa com tijolos e cimento. _Trabalhei muito, mas valeu a pena! _disse ele, depois de terminar. O lobo mau continuou insistindo, perseguindo os três porquinhos, mas teve um final infeliz. O terceiro porquinho colocou a água para ferver, quando o lobo mau desceu pela chaminé, caiu dentro do caldeirão. O susto foi tão grande que ele saiu correndo e nunca mais apareceu. Os três porquinhos, salvos do lobo mau, puseram-se a cantar, a dançar e a pular. (História popular inglesa, adaptação de Naufer. Os três porquinhos e o lobo. Coleção samba – Lelê. p.1 a 5; p.11). Literatura Infanto Juvenil 18 Mais uma fábula do Esopo. Vejamos: A Formiga e Pombo Uma formiga sedenta veio à margem do rio para beber água. Para alcançá-la, devia descer por uma folha de grama. Quando assim fazia, escorregou e caiu dentro da correnteza. Uma pomba, pousada numa árvore próxima, viu a formiga em perigo. Rapidamente, arrancou uma folha da árvore e deixou-a cair no rio, perto da formiga, que pode subir nela e flutuar até a margem. Logo que alcançou a terra, a formiga viu um caçador de pássaros, que se escondia atrás duma árvore, com uma rede nas mãos. Vendo que a pomba corria perigo, correu até o caçador e mordeu-lhe o calcanhar. A dor fez o caçador largar a rede e a pomba fugiu para um ramo mais alto. De lá, ela arrulhou para a formiga: - Obrigada, querida amiga. Uma boa ação se paga com outra. (Esopo). Literatura Infanto Juvenil 19 Há um tom de aconselhamento e fins moralizantes, em ambas as fábulas, que expressam a ideologia, ou seja, o sistema moral da época. Outro exemplo de literatura tradicional é a história “Os três porquinhos e o lobo”, que contém uma narrativa linear na qual o medo do lobo mau simboliza a maldade em oposição à bondade dos porquinhos. Essa dualidade é comum nas histórias clássicas. A partir do séc. XVIII a literatura infantil passa a ter um tratamento especial. Nesta época, os teóricos educacionais passam a ler a criança como criança, como um ser especial, passando a considerá-la diferente do adulto: um ser que necessitava de atenções específicas, atentando para os seus interesses, para os seus desejos e para as suas necessidades. A criança, até então, tinha acesso a uma literatura de adultos por onde circulavam apenas livros de autores clássicos e estes eram lidos sob a orientação dos pais. Paralelo a isto, a criança menos privilegiada lia ou ouvia histórias de cavalaria, de contos folclóricos que permeavam as classes. Com a ascensão da burguesia, passou a haver maior preocupação dos pais com a educação dos filhos. Desse modo, houve em toda a Europa, uma efetiva ligação da literatura infantil com a pedagogia. Tal ligação entre ambas assumiu função relevante, quando os educadores, à época, passaram a acreditar no valor da criação de uma literatura para crianças e jovens – polêmica que se mantém até os dias de hoje. Outro aspecto a se ressaltar é o caráter formativo dos pequenos leitores, norteados por uma literatura “especial”, pois os educadores fizeram adaptações de obras clássicas para os leitores mirins. Assim, a literatura infantil teve origem e expansão com registro das obras, como já foi explicitado, com Perraut e os irmãos Grimm, colecionadores das histórias folclóricas. No Brasil, teve início com obras de Carlos Jansen “Contos Seletos das Mil e uma noites”. A literatura infantil brasileira iniciou seu percurso a partir do século XIX, sustentada pela emancipação política e conquista da cultura. Isso se deve à vinda da família real para o Brasil e graças às medidas tomadas por D. João VI, a fim de preparar a colônia de Portugal. Mas D. Pedro I, reagindo a essa decisão, proclamou a Independência, tornando-se Imperador do Brasil. Literatura Infanto Juvenil 20 Sabe-se, contudo, que com a vinda de D. João VI foram criadas as Academias, cursos, Escolas etc. O estudo e a educação passaram a ser uma preocupação do Estado. Assim, Literatura e Pedagogia estavam sempre atreladas e a partir das profissões liberais concebe-se um novo valor à inteligência, ao saber. Portanto, nessa época de valorização do saber, de exaltação nacionalista e de reivindicações liberais se propagam os ideais e as manifestações de reforma pedagógica e literária, visando à formação das novas gerações brasileiras. Não podemos ignorar que esse “Letramento” vem contribuir para a realização de uma literatura infantil, criando uma nova mentalidade, o culto pela inteligência sustentado pelas leituras escolares, na segunda metade do século XIX. Mas foi a partir de Monteiro Lobato que tivemos a fundação da verdadeira literatura infantil brasileira. Não só pelo resgate e revitalização do folclore brasileiro, pela criação extraordinária de Emília, Dona Benta, Tia Nastácia e outros que reinavam no Sítio do Pica-Pau Amarelo – seu universo ficcional – como também por trazer, para este “sítio”, histórias e personagens da cultura universal. É certo que em meio ao inventário ficcional que criou, destacam-se as preocupações com as questões nacionais e problemas sociais. Deste modo, podemos afirmar que Monteiro Lobato foi um divisor de águas na história da Literatura Infantil. A criação de Lobato nos anos 20 fundia o real e o maravilhoso em única realidade. Ratificamos esse posicionamento de acordo com os estudos de Tatiana Belinski: No Sítio do Picapau Amarelo Lobato criou uma constelação familiar sui-generis, a única talvez na qual seria possível, sem parecer forçado, aquele relacionamento ideal, livre das naturais tensões que existem na família normal. As crianças, Narizinho e Pedrinho, não são irmãos, mas primos, não vivem na mesma casa, e o seu encontro no Sítio não é umarotina, mas uma festa permanente. Os adultos não pressionam nem atrapalham, porque a autoridade no sítio não é pai nem mãe, e sim a avó. E as relações entre avós e netos são afetuosas e descontraídas. Especialmente, no caso de uma avó como Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, inteligente e culta, enérgica e compreensiva, sensata e carinhosa, realista, mas capaz de topar as mais fantásticas brincadeiras. Lobato teve a habilidade de Literatura Infanto Juvenil 21 eliminar de suas histórias o elemento perturbador que seriam os pais, com as ansiedades, atritos e problemas emocionais que assolam normalmente até as melhores relações entre pais e filhos. Pedrinho e Narizinho não são órfãos, eles têm pais que devem ser ótimos, mas são invisíveis, não estão no Sítio. No Sítio, os adultos que existem podem ser curtidos e amados sem maiores complicações: Tia Nastácia tem uma ascendência sem mandonismo, proveniente da afeição mútua e aceita com naturalidade. Dona Benta é a autoridade máxima, tácita e livremente aceita, com amor e respeito, sem qualquer receio ou tensão. No Visconde de Sabugosa, “gente grande” mas boneco, pode ser descarregada, sem prejuízo da consideração devida à sua sapiência sabugal, a crítica ao adulto pomposo e professoral. E Emília, em que pese toda sua brilhante personalidade lobatiana, por ser boneca e não gente pode demonstrar e fazer desfilar impunemente todos os “pecados” infantis: a malcriação, o natural egoísmo de criança, a rebeldia, a birra, a teimosia, a esperteza marota e interesseira e até uma certa maldade ingênua – tudo imediatamente esquecido, sem maiores conseqüências [sic] nem sentimentos de culpa.(COELHO, 1985, p. 194). Vê-se, portanto, nas palavras de Tatiana Belinski que Lobato explorou os “conflitos” ligados às aventuras e que podem ser solucionados, de forma satisfatória ao nível da narrativa e da própria vida. O autor conecta arte (narrativa) aos problemas e aos “conflitos” dos nossos pequenos leitores. A narrativa de Lobato estimula a criatividade, fisgando nossos pequenos leitores com o encantamento e a fantasia expressivos no “reino do Sítio de Pica-Pau Amarelo” até nossos dias. A partir dessas inovações, a criação de Lobato descortina um novo caminho da Literatura Infantil Brasileira. O universo ficcional dos anos 30 reuniu os escritores que iniciaram uma produção para crianças e/ou jovens e que destacam-se até hoje no acervo literário brasileiro: Graciliano Ramos, Érico Verísimo, Malba Tahan, Origenes Lessa, Viriato Correia. Foi uma produção mesclada por uma diversidade de temas, tais quais: o dia a dia na escola, da família, episódios nacionais, lendas folclóricas. Literatura Infanto Juvenil 22 Na trilha de publicações tendo como alvo as crianças e os jovens há inúmeras revistas contendo histórias em quadrinhos, as revistas Mirim e Lobinho, mas o sucesso foi o suplemento infantil de “O Globo” com o gibi. Nas décadas de 40, houve uma verdadeira expansão das histórias em quadrinhos, povoadas de super- heróis e aventuras que costuravam a fusão entre o maravilhoso e a ciência. As novas propostas educacionais combatem as “mentiras” da literatura infantil tradicional. Até os livros de Lobato são refutados em colégios religiosos, pois os consideravam perniciosos à formação da criança. Imperava, na década de 40, o recrudescimento do conservadorismo, sendo assim constatado o caráter libertário da literatura de Lobato. Fadas, bruxas, gênios, castelos, príncipes ou princesas foram considerados perniciosos pelos educadores da época, pois adulteravam a realidade, levando os leitores a uma imaginação doentia e alienada. Há de ressaltar que, no entanto, houve escritores que romperam com essa limitação criadora, e deram certo grau de inventividade na escrita. Dentre eles destacam-se: Odette de Barros Mott; Lúcia Machado de Almeida, Maria Lúcia Amaral, Edy Lima, Hernani Donato. A literatura infantil passa a sinalizar para a valorização do folclore e do mundo natural, instaurando um viver mais autêntico. Há um maniqueísmo que estabelece fronteiras entre bom/mau, certo/errado, beleza/bondade, feiura/maldade etc. Essa literatura não se destina apenas às leituras nas escolas – como leituras “didáticas” – mas é concebida como entretenimento, fundamentando-se no prazer e na alegria de ler e ouvir histórias na escola, em casa, nos parques etc. Tal ruptura veio contribuir para novo enfoque da produção literária infantil. As novas tendências estimulam os criadores a preparar caminhos para as novas gerações, a fim de construir e (re)construir uma nova mentalidade. Nota-se uma lacuna na formação da consciência crítica do professor para a seleção e democratização da leitura. A Literatura Infantil atual está centrada no trans-real, no extraordinário, no lúdico. A ficção sobrepõe-se à realidade. A produção contemporânea apresenta uma busca de identidade cultural que o Brasil contemporâneo almeja. Muitos universos ficcionais são criados na linha do realismo mágico. O espaço essencial - o cotidiano, a temática do dia a dia, da turma da rua, da família, da escola, tão bem abarcados por Lobato - é a trilha abraçada pelos novos escritores. Literatura Infanto Juvenil 23 O Discurso Literário e o Ato Prazeroso da Leitura O discurso literário é um discurso polifônico. Ecoam nele várias vozes, vários significados que são acolhidos pelos leitores. Esses leitores recriam o real encontrando o lúdico pessoal e criativo da linguagem, como o faz Maria Mazzetti, em seus livros. Apenas para exemplificar, trazemos à lembrança, um trecho de Rente que nem pão quente, quando a mamãe de Manuela, vai ensinar à filha lições de roer, e, na primeira lição, Manuela “Não acertou, não! Roeu o fio errado. Ficou presa no fio. Toda enrolada até a cabeça. Quanto fio!” A segunda lição de roer era: Lição de roer blusa. Mamãe apanhou uma blusa. Manuela apanhou uma blusa. Mamãe foi roendo a blusa. Manuela foi roendo a blusa. Aí, mamãe chegou na gola Mamãe olhou para trás Manuela ainda estava na pontinha do comecinho da beiradinha da casa do primeiro botãozinho. Literatura Infanto Juvenil 24 Enfim, Manuela fazia tudo errado. E, como não podia deixar de ser, aparece na história um professor de roedura. Mas nada adianta. Manuela não aprende a roer de jeito nenhum. Não aprende a lição do ra, do re, do ro, nem a do roque-roque. Um dia a mamãe de Manuela a procura por todo o lado. “Procurou nas bainhas. Procurou nos bolsos. Procurou nas mangas. Não achou nada”. Continuando a ritmar o texto e a brincar com os fonemas de roer, Maria Mazetti nos apresenta Manuela, a ratinha, atrás do fogão, escondidinha, e: “Na mão de Manuela tinha um brilho. No fim do brilho tinha um fio. No dedo da Manuela tinha um chapéu. O brilho era agulha. O fio era de linha O chapéu era dedal. [...] Aquilo era uma grande novidade. Manuela não era rata de roer. Manuela era rata de costurar.” Mas Manuela também aprendeu a roer, pois “No finzinho da costura, Manuela rói a linha”, roendo, desta forma, a igualdade e instaurando a diferença. Assim, de forma lúdica, brincando com as palavras, Maria Mazzetti nos leva a aceitar o outro como ele é, incentivando a criatividade e negando a mesmice. Tal procedimento favorece o imaginário, a ação e o saber. A história de Maria Mazetti enquadra-se na literatura contemporânea e contém as seguintes características: Leitor ativo; Presença do lúdico; A irreverência temática (aceitação do outro); Tom de afetividade (diminutivo); Musicalidade (rimas); Aliteração - “Manuela não era rata de roer” (repetição da consoante). Literatura Infanto Juvenil 25 IMPORTANTE! É bom lembrar que a chamada nova literatura para criança, na segunda metade dos anos 70, rompe com uma literaturaque estabelecia normas de comportamento cedendo lugar a uma literatura questionadora. O chamado Boom da Literatura infanto-juvenil. Dentre as obras que instauram uma ruptura com a interpretação maniqueístas (certo/errado, belo/feio, bom/mau) encontram-se: A Fada que tinha ideias (Fernanda L. de Almeida), O Reizinho Mandão (Ruth Rocha), Uxa, Ora Fada, Ora Bruxa (Sylvia Orthof) e outras. Vejamos: Declaração Universal dos Direitos Humanos Não se pode prender as pessoas ou mandá-las embora de seu país a não ser por motivos muito graves. Todo homem tem o direito de ser julgado por um tribunal justo quando é acusado de alguma falta. Todos os homens e mulheres, depois de certa idade, não importa sua raça, religião ou nacionalidade, têm direito de se casar e começar uma família um homem e uma mulher só podem se casar se os dois quiserem. (Adaptação de Ruth Rocha e Otávio Roth. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 14. Impressão. São Paulo, 1998). Literatura Infanto Juvenil 26 Estes recortes da história adaptada por Ruth Rocha e Otávio Roth traduzem uma abordagem contemporânea da valorização dos direitos e a incorporação desses valores às crianças visando à formação de cidadania, de maneira lúdica e divertida levando-os a uma reflexão sobre a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Canção Infantil O Sapo Cururu (aquele que mora na beira do rio) comeu tanto mosquito que ficou esquisito. De dentro de sua barriga estofada de mosquitos vinha um barulho esquisito mais ou menos assim: Zum! Zum! Zum! Zum! Zum!!! (FERREIRA, Antonio José; PEIXOTO, Dinah Terra; OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; SOUZA, Maria Nazareth de. Laços Poesia. Clube de Literatura. Cromos, 1998). Há uma linguagem rica de sonoridade através da onomatopeia “Zum! Zum! Zum! Zum! Zum!!!” um tom de graça e encantamento. No poema ocorre também a paródia, ou seja, um texto com base em outro texto já conhecido: provérbio, cantigas, lendas, poemas e outros. Literatura Infanto Juvenil 27 No Jardim As rolinhas do meu jardim gostam muito de mim. As rolinhas do meu jardim são mimosas como o jasmim. não sei se gosto mais dela ou do jasmim Não, gosto mais de mim. (FERREIRA, Antonio José; PEIXOTO, Dinah Terra; OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; SOUZA, Maria Nazareth de. Laços Poesia. Clube de Literatura. Cromos, 1998). Há rimas gostosas que dão musicalidade ao texto e contém o tom afetivo através do diminutivo “as rolinhas”. Outro recurso usado pelo poeta é a comparação: “As rolinhas do meu jardim são mimosas como o jasmim.” A narrativa tradicional ou clássica é linear, há um tom moralizante e presença dos obstáculos que serão vencidos pelos personagens: herói ou heroína nos contos maravilhosos. O conto maravilhoso mostra uma leitura maniqueísta do mal e do bem. A sua narrativa leva a heroína a enfrentar desafios, “obstáculos” e surge um mediador mágico, que auxilia ou afasta o herói ou a heroína das desventuras, dos perigos e o herói se lança à conquista. Voltemos ao tempo com a clássica história “A Guardadora de Gansos”. Literatura Infanto Juvenil 28 A Guardadora de Gansos (conto maravilhoso) A princesa deseja casar-se com o eleito de seu coração. Durante a viagem que faz para encontrá-lo, é dominada pela dama de companhia... e despojada de suas prerrogativas. Transformada em “guardadora de gansos”, fica afastada do príncipe, enquanto a usurpadora lhe toma o lugar. Mas surge um auxiliar mágico: a cabeça cortada de seu cavalo Falante conta ao príncipe o que aconteceu e tudo volta aos lugares certos. A malvada é castigada, os dois enamorados casam-se e “vivem felizes para sempre”. (COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil – Teoria, análise e didática. 6. ed. Ática. 1993.p.101). Dentre as formas literárias mais antigas da tradição oral encontram-se as narrativas maravilhosas, que são narrativas de acontecimentos ou aventuras que se desenvolvem no mundo mágico ou maravilhoso. Destacamos o conto de encantamento “A Dama e o Leão”. A Dama e o Leão (conto de encantamento) A filha mais nova deve casar-se com o Leão. Tal desígnio resultou de uma promessa feita durante uma viagem (a do pai Leão). O obstáculo à realização feliz da aspiração ou desígnio era a forma animal do esposo: um príncipe metamorfoseado em leão. O poder mágico se exerce através da própria jovem, que com suas virtudes desencanta o marido. Enfim, casados como pessoas normais, vivem felizes para sempre. (COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil – Teoria, análise e didática. 6. ed. Ática. 1993.p. 101-102). Literatura Infanto Juvenil 29 A incorporação de fadas, bruxas, reis, rainhas, objetos mágicos são ingredientes das histórias fundadas na oralidade, ou clássicas que permeiam as obras tradicionais. Tais elementos estruturais da narrativa são revitalizados e incorporados às obras de autores contemporâneos. Dentre elas selecionamos “O Casamento da Bruxa Onilda”: O Casamento da Bruxa Onilda Quando jovem, eu era uma mulher lindíssima. Andava sempre muito elegante e, por isso, tinha muitos pretendentes. Um dia, varrendo a casa pra cá e pra lá, achei uma moeda de ouro. Primeiro pensei em vendê-la e depositar o dinheiro na Caderneta de Poupança, mas logo desisti. Achei melhor comprar alguma coisa que me deixasse ficar ainda mais bonita. Eu era tão convencida!... E foi o que fiz. Comprei um grande laço azul da cor do céu e o amarrei na ponta do chapéu. Resolvi fazer uma faxina geral na casa para deixá-la brilhante como eu. Comecei pelos vidros da porta da frente para que todos pudessem ver como eu estava bonita. Estava quase terminando, quando apareceu um esqueleto – vocês sabem que nós, as bruxas, temos umas amizades meio esquisitas... Só de me ver, ficou apaixonado e fez uma declaração de amor. Disse que era um bom partido, que comia pouco e que estava louco por meus ossos. Só impôs uma condição: que não tivéssemos cachorro em casa, pois de cachorro ele morria de medo! Nem dei bola pra ele! Sei lá! ... Era magro demais e, além disso, não gosto de carecas. Literatura Infanto Juvenil 30 Ele foi embora mergulhando num mar de lágrimas, dizendo que, de tanto desgosto, era capaz até de voltar a viver. (...) E assim continuava a Bruxa Onilda à procura de outros namorados. Quando de repente “uma espécie de morcego” enorme voando em ziguezague. Pensei em espantá-lo, mas ele logo virou um vampiro lindo, daqueles bem elegantes, de fraque e capa preta. E foi dizendo: Bruxa Onilda, você, que é tão linda, quer se casar comigo? Minha resposta foi não: com aquelas presas tão pontiagudas, ele mal conseguia fechar a boca. Além disso, parecia um chuveiro quando falava. E ele, em prantos, sumiu pelo ar. Finalmente, quando estava estendendo a roupa lavada no varal, ouvi alguém assobiar para mim, cheio de admiração. Era um jovem muito interessante, que vinha com uma flor na mão. Disse que se chamava Bruxo Pedrusco e que, só de me ver, tinha ficado perdidamente apaixonado e queria casar o quanto antes. Aí, não resisti e disse sim. Ele tinha cara de bom moço e parecia entender muito de magia e feitiçaria. (...) (LARREULA, E; CAPDEVILA, R. O Casamento da Bruxa Onilda. Editora Scipione, 1990, p. 2-9 e p. 19-22). Nesta história, a bruxa Onilda é um exemplo de personagem que rompe com as bruxas tradicionais. Esse processo de revitalização e de intertextualidade das narrativas populares resulta numa releitura dos contos de fadas. Assim se sucede com inúmeras histórias: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque; Ora Fada, Ora Bruxa de Sylvia Orthoff: A Borboleta Amarela de Ziraldo e outras. Literatura Infanto Juvenil 31 A Oralidade e as Tradições O Folclore é um elenco de manifestações artísticas de caráter popular originárias do povo,ou seja, é uma Literatura oral, através das lendas, contos, mitos, poesias, danças, cantigas de roda, de ninar, teatro. É a melhor forma de penetrar na alma do povo, de conhecer as vidas diferentes do país, de criar uma consciência nacional e o amor às nossas coisas e às nossas tradições. A lenda é uma forma de narrativa mais antiga, cujo argumento é extrair da tradição. Trata-se do relato de acontecimentos, em que o maravilhoso e o imaginário suplantam o histórico e o real. Geralmente, a lenda contém um sentimento de fatalidade. De origem quase anônima, a lenda é transmitida e preservada pela tradição oral. Venha conhecer, através do recorte, as lendas: Pombinha branca Pombinha branca Que está fazendo? Lavando a louça Para o casamento. A louça é muita Eu sou vagarosa Minha natureza É preguiçosa. Passou um homem De terno branco. Chapéu de lado Meu namorado. Mandei entrar Mandei sentar. Cuspiu no chão. Limpa aí, seu porcalhão (...). (FELIPE, Carlos; OLIVEIRA, Túlio. Mais Alegria Alegria: as mais belas canções de nossa infância. 2. ed. Belo Horizonte: Leitura, 2001 p. 20). Literatura Infanto Juvenil 32 Vozes dos animais Ladra o dogue, au, au, au Au, au, au, au, au, au. Mia o gato, miau, miau, minhau Miau, miau, minhau. Berra a cabra, bé bé, bé, bé Zurra o burro, him, hom, him, hom. Grunhe o porco, nhom, nhom, nhom Canta o galo, có, có, ri, có. Grita a choca, có, có, có, có. Arrulha o pombo, tru, lá, có, paco. Grasna o pato, chá, chá, macha. E a marreca, quá, quá, quá, quá. Malha o sapo, pum, toca o pau. (...) (FELIPE, Carlos; OLIVEIRA, Túlio. Mais Alegria Alegria: as mais belas canções de nossa infância. 2 ed. Belo Horizonte: Leitura, 2001. p. 2). Literatura Infanto Juvenil 33 O quadro sintetiza as contribuições das manifestações artísticas do folclore para a formação do leitor ou interlocutor em sua cultura popular, além de desenvolver uma consciência nacional sobre nossas tradições. Nesta unidade, você conheceu o itinerário da Literatura infanto-juvenil, texto/história contemporânea, sua linguagem simbólica e suas respectivas características. Vamos conhecer e apreender os gêneros literários na próxima. Até lá! LEITURA COMPLEMENTAR Aprofunde seus conhecimentos lendo: COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil – Teoria, análise e didática. 6. ed. São Paulo: Ática, 1993. COELHO, Nelly Novaes. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Petrópolis, 2000. COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil. São Paulo: Ática, 1991. É HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo, elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino- aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois às envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco! Literatura Infanto Juvenil 34 Exercícios – Unidade 1 1. Monteiro Lobato, em 1920, publica A menina do narizinho arrebitado, marco de importante modificação que, desde aí, graças a ele e alguns outros autores, pode ser detectada num exame crítico dos livros destinados a crianças e jovens. Considerando a afirmação anterior e os nossos estudos, marque a opção incorreta. a) A partir de Lobato, a Literatura Infantil destinava-se à formação da criança. b) A partir de Lobato, os livros de LIJ destinavam-se às crianças e aos jovens. c) A partir de Lobato, a LIJ contempla uma literatura com padrões convencionais e não questionadora. d) A partir de Lobato, a LIJ tem como enfoque a criança em formação. e) A partir de Lobato, ocorre a relação entre literatura e escola destinada à formação ética, intelectual e espiritual, das crianças e dos jovens. 2. Literatura Tradicional em conformidade com os padrões convencionais concebe a criança como um ser com uma visão global. Marque a alternativa correta quanto a esse ideal. a) A criança era concebida como um ser extraordinário. b) A criança era vista como um ser a parte com seus interesses e desejos. c) A criança passa a ser concebida como um ser em formação. d) A criança era concebida como um ser “adulto” em miniatura. e) A criança ocupava seu espaço enquanto cidadã na sociedade. Literatura Infanto Juvenil 35 3. A célula da história da literatura infantil é originária da Novelista Popular Medieval, que, por sua vez, tem suas origens mais remotas em certas fontes orientais ou, mais precisamente, na Índia. Essa narrativa primordial tem como suporte a matéria folclórica chamada literatura popular que, através da comunicação oral ou da escrita, funda a Literatura Infantil. Esse processo ocorreu: a) no Renascimento. b) na Idade Média. c) no século X. d) no século II. e) no século III. 4. Leia com atenção o texto abaixo: Texto I A incapacidade de ser verdadeiro Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e vendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas passaram pela chácara de Sinhá Elpídea e queriam formar um tapete para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça. Não há nada a fazer, Dona Coió. Este menino é mesmo um caso de poesia. (ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Coleção O Dia - Os amáveis assaltantes, nº 7). Literatura Infanto Juvenil 36 A prosa de Drummond traduz uma inventividade da personagem, apontando para uma irreverência do menino. Marque a alternativa incorreta quanto à ideia do texto I. a) A relação incompreendida entre o menino-poeta e sua mãe. b) A relação repressora entre a mãe e o menino. c) A relação de compreensão e aceitação entre a mãe e o filho face à revelação do seu ser poético. d) A dicotomia entre a mãe e o menino-poeta quanto à sua imaginação. e) A receptividade ao menino-poeta impregnado de poesia por sua mãe. 5. Observe o trecho: “- Não há nada a fazer, Dona Coió. Este menino é mesmo um caso de poesia” (...). Marque a opção correta quanto à conclusão do Dr. Epaminondas. a) O tom de conformismo do menino em ser poeta. b) O tom conformista de sua mãe. c) O tom de ironia de Dr. Epaminondas. d) O tom de passividade do menino. e) O tom de dúvida do menino. 6. Retomando o enfoque histórico, podemos afirmar que com a vinda de D. João VI foram criadas as academias, cursos, escolas, etc. O estudo e a educação passaram a ser uma preocupação do Estado. Assim, Literatura e Pedagogia eram inseparáveis e, a partir das profissões liberais, concebe-se um novo valor à inteligência, aos saberes. Marque a alternativa correta quanto à relação Pedagogia e Literatura. Literatura Infanto Juvenil 37 a) Criação de uma nova mentalidade na primeira metade do século XIX. b) Criação de uma nova mentalidade: o culto pela inteligência sustentado pelas leituras escolares na segunda metade do século XIX. c) Criação de uma nova mentalidade: o culto pela inteligência sustentado pelas leituras escolares na segunda metade do século VII. d) Criação de uma nova mentalidade: o culto dos saber sustentado pelas leituras escolares na segunda metade do século VIII. e) Criação do culto pela inteligência sustentado pelas leituras em família na segunda metade do século XIX. 7. O Sítio do Pica Pau Amarelo é concebido como “sítio” que reúne histórias e personagens da cultura universal. Além deste inventário ficcional que Monteiro Lobato criou, destacam-se as preocupaçõescom as questões nacionais e problemas sociais. Marque a opção correta quanto à concepção desta LIJ. a) A criação de Lobato, nos anos 20, fundia o real e o maravilhoso em única realidade. b) A criação de Lobato, nos anos 20, fundia o irreal e o maravilhoso em única realidade. c) A criação de Lobato, nos anos 20, fundia o irreal e a realidade em única manifestação artística. d) A criação de Lobato, nos anos 20, fundia o real e o lúdico em única realidade artística. e) A criação de Lobato, nos anos 20, fundia o imaginário e o maravilhoso em única realidade. Literatura Infanto Juvenil 38 8. Reflitamos sobre a postura de Lobato, que teve a habilidade de eliminar de suas histórias o elemento perturbador, que seriam os pais com suas ansiedades, atritos e problemas emocionais. Tal procedimento do autor resulta: a) em transtornos e conflitos, normalmente, até as melhores relações entre pais e filhos. b) em presença transtornos emocionais na constelação familiar do “sítio”. c) numa aceitação da autoridade paterna. d) numa autoridade paterna valorizando os desejos e os interesses das crianças simbolizadas pelas personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo. e) numa ausência de transtornos e de conflitos entre pais e filhos. 9. A Cigarra e a Formiga, fábula de La Fontaine, enquadra-se na Literatura Clássica. Por quê? Literatura Infanto Juvenil 39 10. O texto abaixo se enquadra na Literatura Tradicional ou Clássica. A seguir, apresente duas características e comente-as. Texto II A Lebre e a Tartaruga (Esopo) Um dia, uma Lebre ridicularizou as pernas curtas e o passo lento da Tartaruga. A Tartaruga disse rindo: "Pensa você ser rápido como o vento. Mas eu venceria você numa corrida." A Lebre considerou sua afirmação algo impossível e aceitou o desafio. Eles então concordaram que a Raposa escolheria o trajeto e o ponto de chegada. E no dia marcado, do ponto inicial eles partiram juntos. A Tartaruga, em momento algum parou de caminhar; com seu passo lento, mas firme, em direção à chegada. A Lebre, confiante de sua velocidade, despreocupada com a corrida, deitou à margem da estrada para um rápido cochilo. Ao despertar, correu o mais rápido que podia, e viu que a Tartaruga já cruzara a linha de chegada, e agora descansava tranquila depois do esforço. Moral: Ao trabalhador que realiza seu trabalho com zelo e persistência, sempre o êxito será o seu quinhão. Literatura Infanto Juvenil 40 Literatura Infanto Juvenil 41 Trabalhando os Gêneros Literários O Gênero Poético. O Gênero Narrativo. Do Lúdico ao Prazer do Texto. Poesia Infantil a Partir dos Anos 60/70. Interpretação dos Poemas Através da Subjetividade na Poesia. 2 Literatura Infanto Juvenil 42 Aqui, trataremos dos gêneros literários: poético e narrativo, seus aspectos temáticos e formais. Objetivo da Unidade: Identificar as características dos gêneros poéticos e narrativos centrados no lúdico, voltados para o prazer de ler. Plano da Unidade: O Gênero Poético. O Gênero Narrativo. Do Lúdico ao Prazer do Texto. Poesia Infantil a Partir dos Anos 60/70. Interpretação dos Poemas Através da Subjetividade na Poesia. Bons estudos! Literatura Infanto Juvenil 43 Inicialmente, de acordo com o ponto de vista da estudiosa Nelly Novaes Coelho, reflitamos sobre a conceituação de literatura: fenômeno de linguagem, resultante de uma experiência existencial / social / política / cultural;a consciência do poder da palavra, não só como representativa da realidade, mas principalmente como nomeadora ou ordenadora do real (isto é, consciência de que é a palavra que permite aos seres, coisas, emoções, percepções, etc., tornarem-se existentes e comunicantes, ou melhor, reais;a valorização da imagem ou da ilustração como linguagem altamente sedutora e essencialmente formadora da consciência-de- mundo das crianças, porque estimula o “olhar de descoberta” e o pensar – fundamentais para a descoberta e conhecimento-de-mundo. (COELHO, Nelly Novaes. Literatura: arte, conhecimento e vida. S. P. Petrópolis, 2000, p. 132 e 133). Quem não se emociona com a história do Patinho Feio? Qual o adulto não se encanta com a Gata Borralheira, a Bela Adormecida, o Gato de Botas, a Emília? E por que literatura chamada infantil? Aqui as palavras de Drummond nos serão bastante úteis e propícias: O gênero ‘literatura infantil’ tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de constituir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças, que não seja lido com interesse pelo homem feito? Qual o livro de viagens ou aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado a crianças, desde que vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo? Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte, estranho ao homem e reclamando uma literatura também à parte? Ou será literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, Literatura Infanto Juvenil 44 fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância? Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores, com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são organismos naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem que a literatura infantil implica dá produtos semelhantes. Há uma tristeza cômica no espetáculo desses cavalheiros amáveis e dessas senhoras não menos gentis, que, em visita a amigos, se detêm a conversar com as crianças de colo, estas inocentes e sérias, dizendo-lhes toda sorte de frases em linguagem infantil, que vem a ser a mesma linguagem de gente grande, apenas deformada no final das palavras e edulcorada na pronúncia... Essas pessoas fazem oralmente, e sem o saber, literatura infantil. (COELHO, 1998. p. 25). De acordo com o exposto, diríamos que a Literatura Infantil não é um “subproduto” cultural, caso se apresente como verdadeira arte. Tal arte de linguagem, concebida como fenômeno literário – plural de significações, consequentemente, de interpretações – não tem tempo nem idade. Tem, sim, qualidade. O trabalho que o autor deve ter com seus textos está diretamente ligado ao ainda restrito vocabulário da criança, não à sua compreensão de mundo. Cabe ao professor, portanto, em sua prática pedagógica, uma reflexão crítica sobre a escolha dos livros para as crianças, observando suas virtualidades simbólicas. Há livros que fascinam crianças, jovens e adultos pela inventividade, diversão e falam do saber aos nossos leitores, poderemos conferir essa ideia em: “A CURIOSIDADE PREMIADA”, de Fernanda Lopes de Almeida e Alcy Linares. Vejamos: A história de Glorinha se parece com outras histórias de crianças. A sua curiosidade era tamanha. A cozinheira não podia trabalhar sossegada. “O que tem dentro dessa panela?” “Por que você chora quando corta cebola?” “Curiosidade puxa curiosidade.” Literatura Infanto Juvenil 45 Na sala de aula Glorinha questionava a professora como a Emília de Lobato. A incidência de perguntas de Glorinha deixava a todos exaustos, menos a D. Domingas que era “uma professora velhota”, mas jovem por dentro. Domingas representa a tradição sábia, dava conselhos a todos. E todos começaram a responder, sempre a verdade. Glorinha passou dias fazendo perguntas, sem parar: “Onde o sol estava, quando era de noite?” “De onde foi que eu vim?” A criança-leitora é fisgada pela curiosidade da personagem e pela sua própria que pode ser ajudada a aflorar. E Glorinhaperguntava mais e mais. Ela perguntou ao pai: “Onde acabam as estrelas?” Num determinado momento da história, os pais de Glorinha não souberam mais responder às suas perguntas. Desesperados correm para Dona Domingas, que lhes diz que a única maneira de responder à Glorinha é perguntar também. E os pais começam, então, a buscar as pessoas que poderiam saber as respostas e acabam pegando a doença de Glorinha. Glória quer dizer celebridade, reputação, fama, imortalidade, honra, ornamento, orgulho. Vence, na narrativa, a glória da curiosidade. Ao final da história, os pais de Glorinha resolveram dar-lhe um prêmio. Mas qual foi a surpresa, Glorinha respondeu: “É, já recebi o prêmio. O prêmio é viver num mundo interessante!” Literatura Infanto Juvenil 46 E D. Domingas continuava a dar conselhos a todos os pais. A simpática professora aconselhava para a falta de curiosidade. O tom irônico e cômico de D. Domingas remete ao prazer de ser curioso e descobrir o mundo. Glorinha descobriu fora de casa mil coisas. Essa curiosidade de Glória é peculiar às crianças – o desejo de compreender o mundo que a cerca. Um saber preso ao sabor de descobertas do seu eu, do outro e do mundo. Glorinha tem a glória de ser curiosa. O Gênero Poético O gênero poético tem uma configuração distinta dos demais literários. Sua brevidade, aliada ao potencial simbólico apresentado, transforma a poesia em uma atraente e lúdica forma de contato com o texto literário. Há poetas que quase brincam com as palavras, de modo a cativar as crianças que ouvem, ou leem esse tipo de texto. Lidam com toda uma ludicidade verbal, sonora e musical, no jeito como vão juntando as palavras e acabam por tornar a leitura algo muito divertido. Como recursos para despertar o interesse do pequeno leitor, os autores utilizam-se de rimas bem simples e que usem palavras do cotidiano infantil; um ritmo que apresente certa musicalidade ao texto; repetição, para fixação das ideias, e melhor compreensão dentre outros. A literatura permite ao leitor, por meio da interação com o texto, tomar contato com uma série de experiências, de conhecimentos, de impressões, que os homens foram acumulando com o passar dos séculos. É como se esse conhecimento estivesse guardado em nossa memória até o momento em que o reconhecemos nas manifestações artísticas. Esse reconhecimento é que provoca o prazer, faz sonhar, permite muitas interpretações e recriações. A literatura é feita de palavras, o homem material, portanto, de que são feitos os artigos científicos, as reportagens jornalísticas, as correspondências comerciais – mas, na literatura, as palavras são manipuladas de forma especial. Literatura Infanto Juvenil 47 Não só de efeitos auditivos se faz o poema, à medida que a criança cresce e empreende sua aventura pelo mundo, ela se torna independente dos pais, mas precisa de pontos de apoio a fim de se sentir segura de suas forças para esse às vezes doloroso descolar-se do ninho protetor da família. O alicerce mais estável nessa empresa é sua percepção, que lhe dá a realidade e a orientação espacial. O processo de apreensão do outro se inicia pelos órgãos sensoriais mais dependentes do contato (gosto, tato) e se estende aos distanciadores (olfato, audição e visão). Estes últimos, em especial a visão, comandam a apropriação intelectual da realidade e seu apuramento possibilita a autodeterminação no espaço físico e, depois, no social. Estreitamente ligada ao aparato perceptivo está outra das peculiaridades da poesia, a imagética, que é a vereda poética de desvelamento das aparências sensoriais. No poema, em grau habitualmente mais elevado do que na prosa, a produção de sentido se faz interpondo ao referente do signo um outro referente, ou mais de um, por meio do processo dos tropos. O tropo é um deslizamento da relação signo-referente, efetuado por associações através de semelhanças (as metáforas) ou de contiguidades (as metonímias). Tanto num caso quanto no outro, o complexo de referência projetado imaginariamente pelos signos não obedece à correspondência de um para um, o que obriga as operações mentais de decifração. As chamadas figuras de linguagem podem todas ser reduzidas a fenômenos metafóricos ou metonímicos, mas não renunciam a seu caráter de representações deslocadas, em que a imaginação é induzida a trabalhar criativamente, reorganizando registros de vivências perceptuais. Das formas literárias, a poesia é a que mais exige introspecção, mas não porque o poema seja um fato altamente subjetivo, a exacerbação de um estado de espírito pessoal do escritor, como, por vários séculos, se acreditou que fosse uma de suas manifestações, a lírica. Porque condensa múltiplos sentidos num espaço gráfico mínimo, graças aos processos de realce dos signos já mencionados, o poema exige do seu leitor um olhar mais atento à página, uma ativa mobilização do conteúdo intelectual e afetivo preexistente ao contato, um ajustamento contínuo de emoções e desejos, juízos e avaliações à medida que a leitura progride. Isso ocorre com a mesma força de demanda quanto à poesia infantil esteticamente válida. Literatura Infanto Juvenil 48 A condensação dos sentidos operada pela palavra poética não procede, porém, apenas da imagética ou da melopeia. Para poder entender por que o poema significa mais do que o conjunto de seus signos é preciso ir além do nível verbal, entretanto no campo das representações. Todo discurso evoca não as coisas, mas seus conceitos. O discurso poético reveste esses conceitos de uma carne imaginariamente sensorial, mas não pode ultrapassar o limite entre o signo e a coisa significada, por mais opaco que apresente esse primeiro com intenção de dar-lhe materialidade. Sucede que a não transparência aumenta a distância entre o poema e a vida, obrigando à introspecção. De acordo com Bachelard em O ar e os sonhos (2001, p.2), “O poema é essencialmente uma aspiração a imagens novas. Corresponde à necessidade essencial de novidades que caracterize o psiquismo humano”. A poesia requer profundo devaneio e memória. Bachelard continua a refletir sobre o assunto em A poética do devaneio (1988,p.7): “Notemos, aliás, que um devaneio, diferentemente do sonho, não se conta. Pra comunicá-lo, é preciso escrevê-lo com emoção. Com gosto, revivendo-o melhor ao transcrevê-lo”. Em outras palavras, são os poetas que irão nos ajudar a reencontrar a infância viva, permanente, durável, imóvel, e é a poesia que irá nos renovar: “somos feitos para respirar livremente. [...] E é nisso que a poesia-ápice de toda alegria estética - é benéfica”(BACHELARD,1988,P24-25). Só a leitura nos salvará nos proporcionará intensos momentos de regresso ao tempo acolhedor da infância e à superação de uma existência limitada. Ainda segundo o filósofo, é esse excesso de infância que será capaz de produzir o germe do poema. Nos devaneios da criança, a imagem prevalece acima de tudo. As experiências só vêm depois. Elas vão à contra-vento de todos os devaneios de alçar voo. A criança enxerga grande, a criança enxerga belo. O devaneio voltado para a infância nos restitui à beleza das imagens primeiras. (BACHELARD,1988,P.28). Os poetas devem ser capazes de nos convencer de que todos os nossos devaneios de criança merecem ser rememorados. Segundo Bachelard (1988 p.110- 11) “É preciso embelezar para restituir. A imagem do poeta devolve uma auréola às nossas lembranças. Estamos longe de uma memória exata, que poderia guardar a lembrança pura emoldurado-a. [...] A infância vê o Mundo ilustrado, o Mundo com suas cores primeiras, suas cores verdadeiras”. Literatura Infanto Juvenil 49 Na poesia de Roseana Murray observa-se um projeto poético para crianças. Através de sua obra, percebemos um diálogo rico das imagens criadas no jogo entre o texto e a ilustração, garantindo aqualidade pictórica das obras, mas sem perder a riqueza poética do texto. No âmbito da literatura infantil brasileira, Roseana Murray, nascida no Rio de Janeiro, em 1950, é uma das representantes de nossa poesia que tem traçado um caminho singular e diferenciado no percurso da lírica moderna. A autora dedica sua obra literária basicamente ao público infantil e juvenil, sua poesia ultrapassa essa fronteira da faixa etária, devido à construção de um projeto estético singular e inovador, capaz de transformar a poesia numa aliada contra o peso das vicissitudes das adversidades da existência. Seus poemas fazem amplo uso de uma linguagem metafórica, permite ao leitor transcender o lúdico e radicando-se de vez no poético. Essa é a sua maior contribuição, o que permite enquadrar a poetisa em um projeto diferenciado, dotado de algumas das mais inovadoras características da linguagem poética moderna: ruptura com a tradição. Lucidez, exatidão, leveza e universalidade. A palavra do dia a dia transmuta-se. Transforma-se em sentidos novos, em metáforas sutilmente bem contornadas no contexto poético da sua obra, elevando-se a uma categoria estética realmente surpreendente. Com ilustrações de extrema beleza, os poemas de Roseana Murray fornecem ao leitor a senha de acesso a um outro mundo, o mundo da poesia. Sua poesia contribui para o futuro desenvolvimento da sensibilidade estética no jovem leitor. Em Manual da delicadeza de A a Z (2001), ilustrado por Elvira Vigna, a poetisa resgata, numa espécie de dicionário afetivo, as noções que orientam o bem viver, o bem relacionar-se com o outro e o bem compreendê-lo por meio de uma norma e de uma regra simples: a delicadeza. IMPORTANTE No panorama da poesia infantil no Brasil destaca-se a produção poética de Roseana Murray, poetisa contemporânea com vários livros de poesia para crianças. Literatura Infanto Juvenil 50 Segundo Sônia Maria dos Santos Menezes, Roseana consegue muito mais do que simplesmente escrever um manual. Ao direcionar sua forma literária para o fértil terreno do imaginário infantil, ela arrebata outros seguidores, interessados tanto em poesia como em fazer dela uma parte significativa do seu compromisso com o existir e com o humanizar-se. O livro é organizado em ordem alfabética (um título de poema para cada letra do alfabeto), numa sequência capaz de dialogar com leitor. É interessante notar que, ao fazer essa escolha, fica clara a importância do alfabeto no aprendizado da leitura, ou seja, ele é o passo inicial para penetrar no mundo simbólico da escrita onde começa pela letra A, primeira letra, e termina no Z, última letra do alfabeto. Seu manual foi organizado dessa maneira intencionalmente, a fim de facilitar o entendimento necessário que se precisa para exercer e praticar a delicadeza. E dentre as muitas possibilidades de palavras, Roseana Murray escolheu, privilegiando algumas: afago, bem-estar, carícia, dádiva, esperança, fonte, gavetas, horizonte, invisível, jardim, luz, moinho, nuvens, olhar, pássaros, querubim, rosto, silencio, tempo, universo, voz, xale e zelo. A primeira palavra é afago e a ultima é zelo. As duas convidando à aproximação, ao toque, ao cuidado com o outro. Todas as palavras, cuidadosamente selecionadas e combinadas, sugerem, mais imagens poéticas, uma situação de leveza que contraria o peso do viver, ao enfatizar situações que permitem ao leitor visualizar o outro e perceber tanto sua existência, como sua solidão e suas tristezas. Segundo a análise de Ferreira Gullar, “A poesia de Roseana Murray é feita de delicadeza e transparências, como se ela falasse para mostrar o silêncio. E assim a linguagem alcança a condição de pluma ou porcelana”. Isso nos faz lembrar que as penas voam embaladas pelo ar e que as antigas porcelanas chinesas são chamadas de casca de ovo pela sua fragilidade. Nas mãos, não têm peso algum e quem as preserva ainda hoje as guarda como verdadeiros tesouros, carregados de aura e de saudade. Assim se justifica a própria poetisa, explicando as razões de seu Manual: “Assim nasceu este manual: a partir de cada letra uma palavra, a partir de cada palavra um poema. A vida deveria ser uma teia de infinitas delicadezas. Ao invés de uma porta fechada, horizontes, ao invés de um grito, girassóis”. (MURRAY, 2001, 30p.). Literatura Infanto Juvenil 51 Todos os vinte e três poemas parecem tocados pelo rico campo semântico relativo aos significados de leveza, dos quais foram escolhidos poemas dentre os mais representativos. Isso fica bastante evidenciado no poema: “Querubim” (p.21) Hoje um anjo pousou em meus olhos: eu caminhava, e de repente, tudo ficou tão leve e alado, havia em todos, nas ruas e nas casas, um desejo de querer bem, de repartir o pão, de inventar jardins e gestos delicados. Todos amavam todos Numa ciranda infinita, Que dava a volta no mundo Fazendo um anel de luz. Percebe-se, nesse poema, que a autora, assim como propõe Calvino, esforçou- se por retirar peso, tornando leves e agradáveis alguns elementos importantes da poesia: a figura humana, a cidade e a linguagem. A figura humana fica destituída Literatura Infanto Juvenil 52 de peso, pois é remetida ao sentimento de querer bem ao outro; vira um anjo, fica leve, tocada por esse sentimento. O mesmo ocorre com a cidade: “[...] nas ruas e nas casas, / um desejo [...]/ de inventar jardins [...]. Criar jardins, plantar flores, embelezar com eles as ruas e as casas faz com que a cidade fique mais leve, mais bonita, mais pronta para ser habitada por nós. Nesse caso, Roseana seleciona cuidadosamente as palavras que melhor representam a leveza, como é o caso das palavras ciranda infinita e depois anel de luz, que vão ao encontro de alguns dos maiores anseios da humanidade: liberdade, igualdade e união entre os povos. E esse cuidado se exerce com rigor em todos os poemas do livro, pois neles, concretamente, as palavras dão a ideia de que a vida, exercida com delicadeza, fica mais leve e mais agradável de ser vivida. É bom lembrar que as primeiras manifestações literárias se deram em forma de poesia. A literatura, portanto, tem origem na poesia. As histórias antigas de grandes batalhas ou de viagens extraordinárias, em que os heróis são muitos descendentes dos deuses e realizam ações sobre-humanas, salvando até nações, foram escritas em forma de poemas. Você já deve ter ouvido falar nos dois maiores poemas da Grécia antiga, A Ilíada e a Odisséia. Esses textos, que são o resultado de uma longa tradição oral de histórias e lendas, foram escritos em versos, pois dessa forma poderiam ser memorizados mais facilmente e preservados de geração em geração. É importante lembrar que, assim como todas as artes sofreram e sofrem transformações ao longo do tempo, a literatura também passou por mudanças constantes. Há muitas diferenças entre obras literárias de épocas diferentes. O conjunto dessas obras de diferentes épocas nos permite compreender a literatura de hoje, que influencia nosso modo de pensar e de agir. Ao produzir um texto literário, o autor organiza a mensagem, recriando certos conteúdos. Para isso, faz uso de variados recursos, de acordo com o tipo de texto que produz. Escolhe com rigor as palavras, combina-as para dar ritmo e sonoridade ao texto, descreve situações, apresenta os personagens e suas ações e pensamentos. No texto literário, não importa apenas o que vai ser dito, mas o modo como se vai dizer. A linguagem que caracteriza o texto literário é uma linguagem plurissignificativa, isto é, apresenta muitos significados; é conotativa. Nesse tipo de texto, o modo como o assunto vai ser tratado é tão importante Literatura Infanto Juvenil 53 quanto o conteúdo a ser transmitido. O texto literário exige, portanto, um leitor preparado para essa linguagemque sugere que admite interpretações diferentes. Podemos afirmar que o texto literário tem uma função estética, enquanto o não literário tem uma função utilitária (pretende informar, provar, convencer). Nos anos 70, houve um expressivo crescimento da produção literária infantil brasileira, motivado, principalmente, pelos projetos de autoridades educacionais preocupadas com o baixo índice de leitura dos alunos e decididas a fazer chegar às escolas um grande número de obras destinadas às crianças e aos jovens. A expansão do mercado dessas obras, além de provocar o aparecimento de novos títulos e de novos autores, favoreceu o aperfeiçoamento das técnicas de editoração e de utilização de recursos gráficos e visuais. Os temas moralizantes, conservadores e autoritários, que predominavam em épocas anteriores, dão lugar ao humor, à narração de aventuras e de viagens espaciais, ao envolvimento dos personagens nos problemas sociais e na busca de soluções. Também na poesia destinada às crianças manifestam-se grandes transformações nos temas e na própria construção do poema. Valoriza-se agora o poder comunicativo das palavras, dos versos, dos sons. As ilustrações passam a interagir efetivamente com o texto verbal, compondo o conjunto significativo do texto. A priori, é necessário lembrar que a essência da poesia arraiga em certo modo de ver as coisas. Uma visão que vai além do invisível ou do aparente, para captar algo que nele não se mostra de imediato, mas que lhe é essencial. Esse poder de ver além do invisível, que é dado aos poetas e que até agora nenhuma pesquisa científica conseguiu explicar, foi tido, desde a origem dos tempos, como um dom dado pelos deuses. É essa a magia da palavra poética multiplicar-se em diferentes sentidos, dependendo do olhar e do espírito de quem a lê. Literatura Infanto Juvenil 54 Segundo Cassiano Ricardo, poesia é palavra. Que é a Poesia? Uma ilha Cercada De palavras Por todos Os lados. Mas não é só palavra... Poesia é também imagem e som. As palavras são signos que expressam emoções, ideias... através de imagens (símbolos, metáforas, alegorias...) e de sonoridade (rimas, ritmos...) É esse jogo de palavras, o principal fator de atração que as crianças têm pela poesia, transformada em canto (as cantigas de ninar...) ou pela poesia ouvida ou lida em voz alta, que lhe provoque emoções, sensações, impressões numa interação lúdica e gratificante. O jogo poético além de estimular o olhar de descoberta nas crianças, atua sobre todos os seus sentidos, despertando um sem-números de sensações: visuais (imagens plásticas, coloridas, acromáticas etc.); auditivas (sonoridade, música, ruídos...); gustativas (paladar); olfativas (perfumes, cheiros); tácteis (maciez, aspereza, relevo, textura...); de pressão (sensações de peso ou de leveza); termais (temperatura, calor ou frio); comportamento (dinâmicas estáticas...). É óbvio que num só poema, dificilmente todas essas sensações são provocadas ao mesmo tempo, pois cada um deles apresenta determinados tipos de transfiguração imagística que tem seu modo peculiar de atuar no pequeno leitor ou ouvinte. Entre a poesia infantil tradicional e a contemporânea há uma diferença básica de intencionalidade: a primeira pretendia levar seu destinatário a aprender algo para ser imitado depois, a segunda pretende levá-lo a descobrir a sua volta e a experimentar novas vivências que, ludicamente, se incorporarão em seu desenvolvimento mental/existencial. Literatura Infanto Juvenil 55 A produção poética no Brasil, até bem pouco, foi extremamente limitada. Deixando de lado a poesia popular ou folclórica (perpetuada nas brincadeiras de roda ou nas cirandas...), que sempre encantou a meninada, o que havia de poesia infantil era uma produção poética de natureza culta e inspiração romântica. Nascida em fim do século XIX e expandindo-se nos primeiros anos do século XX, a poesia infantil brasileira surge comprometida com a tarefa educativa da escola, no sentido de contribuir para formar no aluno o futuro cidadão e o indivíduo de bons sentimentos. Daí a importância dos “recitativos” nas festividades patrióticas ou familiares, e a exemplaridade ou a sentimentalidade que caracterizam tal poesia. Fazia parte do nosso sistema educativo (de fins do século XIX até os anos 30/40) a memorização de poemas que deviam ser ditos pelos alunos nas aulas de leitura ou em datas festivas. (Foram inúmeras as queixas que ouvimos de amigos ou familiares mais velhos, ao recordarem a vergonha ou a raiva com que se submetiam a tal recitação obrigatória e que os levou a detestar poesia...). Entende-se, hoje, que o dizer poesia é algo muito subjetivo e pessoal que não deve ser imposto à criança, pois só será gratificante se resultar de um gesto espontâneo, feito com entusiasmo ou alegria. No passado, porém os objetivos eram outros: a criança era entendida como um “adulto em miniatura” que precisava assimilar o mais rápido e o mais perfeitamente possível, o modo de ser, pensar e agir do adulto. Compreende-se, pois, que o método básico do ensino tradicional fosse o da memorização. Aos novos, só cabia repetir sem alterações o que os mais velhos sabiam ou faziam. E é nesse sentido que a poesia era criada e transmitida. (Consultando compêndio antologias ou coletâneas literárias que eram adotadas em nossas escolas no início do século, nota-se o predomínio de poemas narrativos filiais, fraternais, caridosos, generosos, de obediência etc.). A produção de poesia infantil era muito pequena, restringia-se a poemas lúdicos, de pura brincadeira e quase sempre pueris. Essa limitação na produção poética para criança era compensada com a voga das cantigas populares ou folclóricas, cantigas de roda etc., que a criançada sabia de cor. Literatura Infanto Juvenil 56 Nas coletâneas oficiais (de prosa e poesia) o número de autores portugueses superava o de brasileiros, devido não só a razão histórica (nossa literatura foi gerada por raízes portuguesas), mas também à ascendência cultural que Portugal manteve sobre o Brasil até a eclosão do Modernismo nos anos 20. Entre os poetas portugueses figuram Camões, Alexandre Herculano, Garret, Guerra Junqueira, Antero de Quental, João de Deus... Entre os brasileiros: Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Raimundo Correa... Entre os brasileiros que, nessa época, escreveram poesia para criança destacam-se Olavo Bilac, Zilma Rolim, Alexina de Magalhães Pinto, Francisca Julia, Maria Eugenia Celso... Para um breve confronto entre a poesia tradicional e a contemporânea destinada à meninada, selecionamos alguns fragmentos “exemplares” da poesia e da visão de mundo imperante no início do século XX: visão do homem como ser condenado à irrealização de seus sonhos ou ideias e que tem, como único caminho salvador o amor de Deus e a compaixão por seus semelhantes. Vista em conjunto, a poesia “oficial” que circulava nas escolas era predominantemente de natureza culta e de influência romântica ou realista. O que equivale a dizer que são poemas sentimentos ou de racionalização das emoções; e alimentados por uma visão de mundo ora idealizante ora pessimista, mas sempre de reforço à tradição herdada. O jogo lúdico das palavras e dos fonemas cria uma atmosfera que atrai o espírito infantil, mas ainda é a visão do adulto que predomina. Tico-tico no farelo Sinhá tem pena. Tico-tico troca as letras Sinhá tem pena. Tico-tico não aprende Sinhá tem pena. Tico-tico analfabeto Sinhá tem pena. Literatura Infanto Juvenil 57 Como é fácil notar, mesclado à situação natural e pitoresca (tico-tico comendo farelo) há um traço negativo: tico-tico é analfabeto - ignorância que era malvista pela sociedade. “Tempestade” é de seus poemas mais modernos, no que diz respeito à reação libertaria das crianças
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