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Terapia Nutricional na Doença Celíaca (DC) Profa. Cátia Feresin “A doença celíaca (DC) é uma desordem autoimune, causada pela intolerância permanente ao glúten, a principal fração proteica presente no trigo, no centeio, na cevada, na aveia e no malte (um subproduto da cevada), em indivíduos geneticamente predispostos” (BRASIL, 2015). • O glúten é uma proteína presente no trigo, no centeio, na cevada, no malte e na aveia. Essa proteína contribui para a formação de massas, para a estrutura e sabor de pães, portanto é usada também em preparações que não são de panificação (fonte oculta de glúten). O grão do trigo pode ser dividido em: casca, que dá origem ao farelo de trigo; endosperma, que origina a farinha de trigo; e gérmen, que origina a semolina. A maior parte das proteínas do trigo estão no endosperma (SDEPANIAN, 2003). • “A porção tóxica do glúten corresponde à fração solúvel em etanol, denominada genericamente de prolamina (devido ao alto conteúdo de prolina e glutamina), a qual corresponde à gliadina no trigo, secalina na cevada, hordeína no centeio e avenina na aveia” (SDEPANIAN, 2003). Três formas de apresentação clínica da DC: • Forma clássica (típica): presença de diarreia crônica, com distensão abdominal e perda de peso, atrofia da musculatura glútea, vômito e anemia, alterações de humor (apatia/irritabilidade), essa forma é conhecida como crise celíaca, podendo ocasionar desnutrição grave. • Forma não clássica (atípica): as manifestações digestivas são ausentes, e quando presentes ocupam segundo plano. Os pacientes podem apresentar manifestações isoladas, como baixa estatura, anemia ferropriva refratária à reposição de ferro via oral, osteoporose, constipação intestinal refratária ao tratamento, atraso puberal, irregularidades no ciclo menstrual, atraso puberal, esterilidade, depressão. • Forma assintomática (silenciosa): caracteriza-se por alterações sorológicas e histológicas da mucosa do intestino delgado compatíveis com DC, na ausência de manifestações clínicas. Esta situação pode ser comprovada especialmente entre grupos de risco para a DC como, por exemplo, parentes de primeiro grau de pacientes celíacos, e vem sendo reconhecida com maior frequência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento dos marcadores sorológicos para esta doença (BRASIL, 2015). • Os pacientes com DC podem ser assintomáticos ou apresentarem sinais e sintomas que podem ser gastrintestinais (diarreia crônica, constipação crônica, dor abdominal, vômitos, distensão abdominal) e extraintestinais (déficit de crescimento, baixa estatura, puberdade tardia, anemia crônica, diminuição da mineralização óssea – osteopenia/osteoporose, defeitos do esmalte dentário, irritabilidade, fadiga crônica, neuropatia, artrite, amenorreia, aumento dos níveis das enzimas hepáticas. DIAGNÓSTICO Exame de sangue - dosagem de anticorpos (antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase) Endoscopia com biópsia intestinal (intestino delgado), é padrão-ouro para o diagnóstico. • O intestino delgado normal apresenta suas vilosidades, importantes para a absorção dos nutrientes, já na DC, a mucosa intestinal fica atrofiada: • O dano na mucosa intestinal pode ocasionar a intolerância temporària à lactose, que se reverte com a normalização das vilosidades (BRASIL, 2015). • Existe uma outra desordem relacionada ao glútem: a hipersensibilidade ao glúten não celíaca. Esta desordem ainda é pouco conhecida, mas alguns sintomas extra- colônicos têm sido verificados, como por exemlo: enxaqueca, fadiga, eczema. O tratamento ainda está obscuro (IGBINEDION, 2017). Características da dieta: • Dieta completamente isenta de glúten (trigo, centeio, malte, aveia e cevada) praticada por toda a vida, seguindo as recomendações de energia e nutrientes para pessoas saudáveis. Características da dieta: • Logo depois do diagnóstico, devido à atrofia vilositária, pode ser necessária a exclusão de lactose por 3 a 4 semanas. •Orientar o paciente e seus responsáveis sobre a doença, os grãos e farinhas permitidas e proibidas, a leitura dos rótulos, fontes ocultas de glúten e contaminação cruzada (SANTOS, 2016). Alimentos que contém glúten Substitutos Trigo (farinha, semolina, germe e farelo) Aveia (flocos e farinha) Centeio Cevada (farinha) Malte Arroz (farinha de arroz, creme de arroz, arroz integral) Milho (fubá, farinha, amido/maisena, flocos, canjica e pipoca) Batata (fécula e farinha) Mandioca ou aipim (fécula, farinha, polvilho doce e azedo) Macarrão de cereais (de arroz, milho e mandioca) Cará, inhame, araruta, sagu, amaranto, quinoa Linhaça, leguminosas, oleaginosas • Ler todos os rótulos de produtos industrializados cuidadosamente. A Lei n. 10.674, de 16 de maio de 2003, determina que todos os alimentos industrializados devem conter as inscrições “contém glúten” ou “não contém glúten” nos rótulos, conforme o caso. • Os produtos importados apresentam o selo para identificar os alimentos/produtos permitidos para o consumo. • Deve-se ter atenção para as fontes ocultas de glúten: cafés instantâneos, achocolatados em pó, chocolates, sorvetes, chicletes, sopas e papas enlatadas, embutidos cárneos, maioneses, molhos de tomate, mostardas, iogurtes, cereais matinais, cremes e caldas. • A hóstia contém glúten. • As preparações sem glúten compradas fora de casa podem estar “contaminadas”. Podemos destacar o pão de queijo, o biscoito de polvilho, sequilhos elaborados em bancadas, ou ainda assados em fôrma untada com farinha de trigo. • Alerta aos adolescentes: bebidas como cerveja, uísque e alguns tipos de licores contém glúten. • Os grupos de apoio são importantes para auxílio na adesão ao tratamento, e os sites das associações fornecem conhecimento sobre a doença, receitas, dicas de misturas de farinhas sem glúten, locais para compra de produtos, etc ((YONAMINE, 2014). • Na prática clínica pode ocorrer com frequência transgressões involuntárias – consumo de produtos supostamente sem glúten, mas que podem estar “contaminados” por farinha de trigo (p.ex.: pão de queijo na escola ou adquirido em padarias); uso de farinhas isentas de glúten compradas a granel; uso de temperos com glúten (caldos de carnes e legumes industrializados); falta de leitura de rótulos; aquisição de produtos industrializados de marca duvidosa; “contaminação” no armazenamento ou preparo das refeições (p.ex.: óleo para fritura); compartilhamento de utensílios (facas, copos, assadeiras, torradeiras). Transgressões voluntárias – quando a família não colabora com o tratamento, falta de interesse/prática do cuidador em elaborar receitas sem glúten, falta de disponibilidade para adquirir produtos específicos isentos de glúten. Na adolescência é uma fase bem difícil, pois o paciente se sente excluído do grupo pelas restrições dietéticas. Modelo de cardápio isento de glúten: Refeição Alimentos/preparações Café da manhã Leite com café sem glúten Pão sem glúten Mamão Lanche da manhã Suco de abacaxi Almoço Salada de acelga Arroz Feijão Frango grelhado Abóbora cozida Laranja Lanche da tarde Iogurte sem glúten Bolo mesclado sem glúten Jantar Salada de alface com tomate Macarrão sem glúten com abobrinha e berinjela Carne cozida Manga Lanche noturno Leite com achocolatado sem glúten O uso de probióticos aumentou o número de bifidobactérias em pacientes celíacos, mas não na mesma proporção do grupo controle. Cuidados com a criança com DC no ambiente escolar: • As crianças podem e devem participar de todas as atividades escolares; • Os pais devem comunicar a escola (diretores, professores, demais funcionários) por meio do laudo médico e carta informativa, ressaltando os detalhes sobre a DC. • Medicamentos: alguns medicamentos podem conter glúten na sua composição, portanto, só administrar medicamentos com prescrição médica; • Atividade física: a criança com DC pode fazer as mesmas atividades que os seus colegas; • Aulas de artes: observar as massas de modelar, tintas para pintura a dedo,podem conter glúten na sua composição; • Aula de culinária: a criança com DC não pode participar das aulas com receitas que utilizam trigo, centeio, cevada, aveia. • A dieta: os pais devem falar com o nutricionista, merendeira, etc sobre a restrição alimentar da criança, fazendo uma análise do cardápio e verificando a possibilidade de adequação. • Festa na escola: é importante a criança permanecer entre amigos, algumas guloseimas podem ser servidas: cajuzinho, brigadeiro, paçoca (com receita original), gelatina, picolé de frutas, etc. Nunca separe a criança ou o adolescente dos seus colegas na hora da refeição, pelo aspecto social, de aprendizagem, de comunicação (FENACELBRA, 2010). Estudo de caso: M.N.V., sexo masculino, 07 anos, filho único, peso = 17kg (P/I = abaixo do escore z -2 = Baixo peso para idade), altura= 110cm (A/I = abaixo do escore z -2 = baixa estatura para idade), está no 2ºano do Ensino Fundamental, estuda no período matutino. O paciente apresenta desnutrição leve e descobriu recentemente (15 dias) que é portador de doença celíaca. Profissão da mãe: assistente administrativo e o pai é engenheiro mecânico. Rotina do paciente: pela manhã, vai para a escola, volta, almoça, dorme, faz a lição de casa, assiste TV, joga vídeo game, janta e dorme cedo. Pratica atividade física somente nas aulas da escola (1 vez/semana). • Exames laboratoriais: Hb: 10g/dL (anemia leve), faz uso de sal de ferro para o tratamento da anemia. Glicemia de jejum: 80mg/dL (ref: < 100mg/dL). • Queixa do paciente: apresenta diarreia crônica, fezes Tipo 07 (Escala de Bristol), desde o diagnóstico melhorou 50% os episódios de diarreia, distensão abdominal e dor abdominal, fadiga fácil. • Estimativa das necessidades energéticas do paciente: 1700kcal. Recordatório 24h: Café da manhã Leite integral Achocolatado Pão sem glúten Banana com cereal matinal Lanche da tarde: Leite integral Achocolatado Biscoito doce sem glúten Lanche da manhã: Maçã Biscoito doce sem glúten Almoço/Jantar Salada de alface/tomate Arroz Feijão Carne assada • Cálculo do Recordatório 24h: 1300kcal, Ferro: 9mg (Recom (EAR: 4,1mg), Zinco: 4mg (Recom (EAR: 4mg), cálcio: 500mg (Recom: 800mg), Vitamina A: 450mcg (Recom EAR: 275mcg), Vitamina C: 18mg (Recom EAR: 22mg). Questões: • 1) Elabore o Diagnóstico Nutricional • 2) Elabore a prescrição dietética para o paciente. • 3) Construa as orientações nutricionais pertinentes ao caso Referências da aula: • BRASIL. Ministério da Saúde, Portaria nº 1.149, de 11 de novembro de 2015: aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca. Disponível em: <http://u. saude.gov.br/images/pdf/2015/novembro/13/Portaria-SAS-MS---1149-de-11-denovembro- de-2015. Acesso em: 24 abr 2018. 2015. • • YONAMINE, G.H. Doença celíaca. Cap. 35, p: 323-328. In: SILVA, A.P.A. da; NASCIMENTO, A.G. do; ZAMBERLAN, P. Manual de dietas e condutas nutricionais em pediatria. São Paulo: Editora Atheneu, 2014. • SDEPANIAN, V.L. Doença Celíaca. In: LOPEZ, F.A.; BRASIL, A.L.D. Nutrição e dietética na clínica pediátrica. São Paulo: Atheneu, 2003. • PAULA, F.A. de. A criança celíaca indo para a escola: orientações para pais e cuidadores. 2011. • FENACELBRA. Guia orientador para celíacos. São Paulo: Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2010. 48p. • FNDE. Caderno de referência sobre alimentação escolar para estudantes com necessidades alimentares especiais / Programa Nacional de Alimentação Escolar. – Brasília: FNDE, 2016.65 p. • SANTOS, A.M. et al. DOENÇA CELÍACA: INCIDÊNCIA EM CRIANÇAS E ASPECTOS DIETÉTICOS. Visão Acadêmica, Curitiba, v.17, n.1, Jan-Mar/2016. • SHAHRIARI, M. et al. Association of potential celiac disease and refractory iron deficiency anemia in children and adolescents. Arq Gastroenterol, v. 55 nº 1 jan/mar, p: 78-81, 2018. • IGBINEDION, S.O. et al. Non-celiac gluten sensitivity: All wheat attack is not celiac. World J Gastroenterol, October 28; V. 23, N. 40, p: 7201-7210, 2017. • MARTINELLO, F.; ROMAN, C.F.; SOUZA, P.A. de. Effects of probiotic intake on intestinal bifidobacteria of celiac patients. Arq Gastroenterol, v. 54 n.2 Abr/Jun, 2017.
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